Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0132/15
Data do Acordão:04/08/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
LOTEAMENTO
Sumário:Não deve admitir-se o recurso excepcional de revista relativamente à questão de saber se as normas relativas à parte destinada ao estacionamento público, previstas no art. 15º, n.º 12 do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Tavira, conferem ao Município poderes estritamente vinculados, discricionários ou uma margem de livre apreciação.
Nº Convencional:JSTA000P18805
Nº do Documento:SA1201504080132
Data de Entrada:02/05/2015
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:QUERCUS - ASSOC NAC DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E MUNICÍPIO DE TAVIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A……………., LDA. recorreu nos termos do art. 150º, 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul que, em 2ª instância, revogou o acórdão proferido no TAC de Loulé na parte referente à questão dos 58% da dotação de estacionamento obrigatório público à superficie no âmbito territorial desta operação de loteamento e – declarou nulo o despacho municipal, com referência à referida questão, em Acção Administrativa Especial intentada pela QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza contra o MUNICÍPIO DE TAVIRA, sendo o ora recorrente contra – interessada nessa acção.

1.2. Justifica a admissibilidade da revista por entender que a questão de saber se a definição da localização de infra-estruturas viárias (áreas de estacionamento) a implementar no âmbito de um projecto de loteamento constituiu um poder discricionário municipal, ou em sentido oposto, uma decisão sobre tal matéria constitui um acto vinculado, é uma questão que se reveste de importância jurídica fundamental, relativamente ao esclarecimento da comunidade, em especial dos municípios.

Mais alega que este STA já admitiu ser fundamento de revista excepcional uma questão relativa à interpretação do art. 43º do RJUE, por força das “consequências no ordenamento da cidade e no ambiente e, além disso, de aplicação geral” – acórdão proferido no processo 01447/12, de 09-01-2013.

Entende ainda que a questão colocada tem grande relevância social na medida pelo seu impacto na vida das populações e que se justifica a intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito.

1.3. A entidade ora recorrida – QUERCUS – pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. Como refere a recorrente na parte relativa ao enquadramento da questão: “(…)

O acórdão recorrido foi proferido no âmbito de um processo pelo qual foi impugnado o acto exarado em 24-3-2009, pela Senhora Vice-presidente da Câmara municipal, de Tavira, que aprovou o projecto de loteamento apresentado pela Contra-Interessada A……………

A autora na presente acção peticionou que fosse declarada a nulidade, ou anulado, aquele acto administrativo, formulando pedidos consequentes daqueles.

Tal projecto de loteamento, devidamente aprovado pela Câmara Municipal de Tavira e pelo Instituo de Turismo de Portugal sob o n.º 216/2006, consistia na transformação de um antigo aldeamento turístico, desclassificado e totalmente abandonado, num empreendimento turístico composto por Hotel e apartamentos turísticos, implantado num terreno com 72000 m2, tal como mencionado na memória descritiva do projecto.

O acórdão recorrido analisou as diversas ilegalidades imputadas pela Autora ao Despacho impugnado, acabando por julgar procedente o recurso com fundamento numa única questão: a alegada violação dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 43º do RJUE, conjugadamente com o PDM de Tavira (RPDM) e o art. 15º, nº 12 do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Tavira (RMUET), de 2003, com referência à dotação de estacionamento obrigatório público à superfície no âmbito desta operação de loteamento.

(…)

3.3. O acórdão recorrido – proferido em 24-4-2014 - enquadrou a questão a decidir no ponto 4.2.

O acórdão começou por transcrever o art. 15º, 12 do RMUET, segundo o qual:

“(…)

Nos loteamentos urbanos, 58% da dotação de estacionamento obrigatório deve ser público e ficar garantido à superfície. Os restantes em cave ou no interior dos lotes, podendo ser acrescidos do que se entender conveniente

De seguida concluiu:

“(… ) o que resulta dos factos provados, bem como do PDM e do RMUET, é que este loteamento deve ter 821 lugares de estacionamento, sendo 476 à superfície.”

Porém, continua, o acórdão “(…) O acto impugnado aprovou, no entanto o seguinte: - 314 lugares de estacionamento públicos e à superfície neste local de loteamento e – mais 162 lugares de estacionamento noutro lugar do município a escolher no futuro pela CMT (cfr. protocolo no facto provado em mm), assim perfazendo os 58%.(…)”.

A questão que concretamente divide as partes em litígio, como também escreveu o acórdão recorrido “… está em saber se é lícito ou ilícito que aqueles 58% incluam estacionamentos fora da área desta operação de loteamento (a definir posteriormente).

3.4. Como decorre do exposto a questão essencial, em controvérsia, reporta-se à interpretação do citado art. 15º, n.º 12 do RMUET, em articulação com o artigo 43º, 1, 2 e 3 do RJUE.

A pretensão da ora recorrente - já sustentada no recurso para o TCA – era a de que o espírito da referida norma é o de assegurar que o estacionamento público seja suficiente para a operação a realizar, permitindo desse modo que os estacionamentos em falta fossem construídos noutro local. Este entendimento teve em parte acolhimento no voto de vencido, proferido no acórdão recorrido, por entender caber na margem de livre apreciação e decisão a valoração do dimensionamento dos equipamentos públicos ou equipamentos de utilização colectiva em função da concreta operação urbanística.

Como decorre do exposto a questão objecto do presente recurso reporta-se à interpretação de um preceito do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Tavira de 2003, relativamente ao espaço destinado ao estacionamento público, nos loteamentos.

A questão foi decidida tendo especialmente em conta a letra do preceito em causa – acima transcrito – mostrando-se plausível e juridicamente possível, sem qualquer erro manifesto ou grosseiro a exigir claramente a intervenção do STA.

Não se trata por outro lado de uma questão que tenha a virtualidade de se repetir no futuro, pelo menos com um interesse generalizado, na medida em que se trata de uma questão que apenas diz respeito aquele concelho.

Em bom rigor a questão de saber se a intervenção da recorrente naquele caso era discricionária ou vinculada, não é uma questão geral sobre a definição da localização das infra-estruturas, ou sobre o dimensionamento dos equipamentos públicos e de utilização colectiva. Ao emitir o Regulamento em causa e estabelecer o regime do art. 15º, 12 do RMUE a entidade competente – para aquelas situações – fez essa definição. Portanto, está em causa, sim e apenas, a interpretação de um a norma regulamentar que define em termos muito precisos (matematicamente precisos) a localização e quantificação do espaço destinado ao estacionamento público. Trata-se, assim, de uma questão sobre a interpretação de um preceito concreto e não de uma questão sobre a natureza dos poderes (vinculados ou não) da entidade licenciadora do loteamento. Daí que não revista uma importância jurídica fundamental.

Também não estamos perante uma questão de grande relevância social, pois trata-se tão só de um concreto loteamento e, dentro deste, da determinação da área destinada a parqueamento público.

Daí que não se justifique admitir a revista.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 8 de Abril de 2015. - São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.