Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/20.7BALSB
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
ISENÇÃO
ACTIVIDADE TURÍSTICA
Sumário:Não existe identidade no quadro factual que permita afirmar que estamos perante situações fácticas substancialmente idênticas (um pressuposto para a existência de oposição de julgados) a respeito da previsão do artigo 6.º do CIMI (determinação de “prédios afectos à actividade turística”), quando num caso se faz prova de que imóveis estavam licenciados como apartamentos turísticos e no outro não se faz prova de que exista licença para o efeito ou de que esse seja o destino normal dos prédios, apenas se fazendo prova de que os mesmos foram cedidos para esse fim.
Nº Convencional:JSTA000P26679
Nº do Documento:SAP2020110404/20
Data de Entrada:04/07/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I - Relatório

1 – A Diretora-Geral da Autoridade Tributária vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n.° 423/2019-T, proferida em 14 de Novembro de 2019, pelo Centro de Arbitragem Administrativa, por considerar que esta decisão colide com o decidido na decisão arbitral n.º 682/2017-T ,de 20 de Julho de 2018, apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
1) Entre as decisões em causa, a fundamento e a recorrida, decisão prolatada pelo tribunal arbitral no âmbito do processo n.° 423/2019-TCAAD, existe oposição suscetível de servir de fundamento ao recurso vertente, uma vez que a aferição legalidade [sic] da liquidação do AIMI do ano de 2017, em atenção ao disposto no art. 135.°-B, n.º 2 do CIMI, considerando a afetação das referidas frações autónomas, foi decidida diferentemente na decisão recorrida e na decisão fundamento.
2) Quanto à questão de direito em oposição, verifica-se a identidade de situações de facto, porquanto, em ambos os processos, a AT entendeu que as referidas frações não estão incluídas na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação, do AIMI.
3) Em ambos os processos, está em causa a legalidade de uma liquidação referente ao Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), de prédios inscritos na matriz predial urbana como afetos a habitação.
4) E, também em ambos os processos, a requerente efetuou contrato de cessão de exploração, pelo qual cedeu a exploração turística e hoteleira dos prédios urbanos.
5) Verifica-se a identidade da questão de direito, uma vez que quer a decisão fundamento quer a decisão arbitral recorrida, analisaram a questão de aferir a legalidade da liquidação do AIMI do ano de 2017, em atenção ao disposto no art. 135.°-B, n.º 2 do CIMI, considerando a afetação das referidas frações autónomas.
6) Contudo, o Acórdão fundamento e a decisão arbitral recorrida decidiram diferentemente quanto à questão de direito enunciada.
7) Enquanto para a decisão arbitral recorrida o prédio urbano inscrito na matriz com afetação "habitação” se classifica materialmente, não como prédios habitacionais, mas como prédios "comerciais, industriais ou para serviços” (art. 6.°, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CIMI), e por conseguinte excluídos de tributação, atento o disposto no n.º 2 do art. 135.°-B do CIMI quanto à delimitação da incidência objetiva do AIMI, já para a decisão fundamento, pelo contrário, provado que os prédios identificados na liquidação de AIMI constavam, ao tempo do facto tributário, da matriz predial urbana como urbanos e habitacionais, não estamos no âmbito da exclusão de incidência objetiva, uma vez que nenhum dos prédios se caracteriza como prédio urbano classificado como "comercial, industrial ou para serviços”, nem se enquadra na classificação de "outros”. Estando em causa prédios urbanos afetos a habitação, estes não estão excluídos da tributação do AIMI.
8) Acresce ainda que, entre a emissão da decisão fundamento e da decisão arbitral recorrida, não ocorreu qualquer modificação legislativa que fosse susceptível de interferir na resolução da vertente questão de direito controvertida, no sentido de servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados na determinação da solução jurídica.
9) E que se entende que se justifica, no caso, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, pela existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido de que o disposto no n.º 2 do art. 135.°-B do CIMI quanto à delimitação da incidência objetiva do AIMI foi entendido e aplicado diferentemente, quanto à exclusão de incidência, pelas referidas decisões, sendo certo, igualmente, que a orientação perfilhada na decisão impugnada não está de acordo com a jurisprudência mais recente.
10) Encontra-se, pois, preenchido o condicionalismo previsto nos arts. 25° n.º 2 do RJAT, 152° n° 2 do CPTA e 27° n° 1 al. b) do ETAF.
11) Por outro lado, o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido de acordo com o deliberado na decisão fundamento, dado que a decisão arbitral recorrida, ao ter considerado que as indicadas frações autónomas se enquadram como prédios "comerciais, industriais ou para serviços”, mais especificamente para serviços de exploração turística, isso envolve a respetiva subsunção à previsão legal de exclusão da tributação em AIMI objeto do n.º 2 do art. 135.°-B do CIMI, o que salvo o devido respeito, configura uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 135.°-B, n° 2 do CIMI aos factos.
12) Como se refere no Ac. Arbitral, proferido no proc. n° 420/2018-T, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php7s imi=1&s processo=420%2F 2018-T&s data ini=&s data fim=&s resumo=&s artigos=&s texto=&id=3788:
“A redacção do artigo 135.°-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.
A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.
São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.
Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135°-B do CIMI)."
13) A decisão recorrida considerou que as frações encontrando-se afetas a exploração turística, o que implica que se trata de prédios urbanos (cfr. n.º 4 do art. 2.° do CIMI) que se classificam na categoria de "comerciais, industriais ou para serviços” (cfr. art. 6.°, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CIMI), apesar de a matriz predial constar como afetação "habitação”, encontram-se afastadas da incidência de AIMI.
14) Na verdade, tendo em conta que a matriz predial consta como afeta a habitação à data do facto tributário, e que a Requerente notificada da avaliação geral não contestou esse resultado da avaliação, e por outro lado, como também é salientado na decisão fundamento, a alegação de que todos os bens imóveis em causa estão afetos à atividade da requerente, ainda que através de contrato de cessão de exploração, não afasta a incidência do AIMI, porquanto o legislador assim o determinou, mal andou a decisão recorrida.
15) Não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão da lei aprovada se determinou aquela exclusão com base apenas nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao modo de funcionamento das pessoas coletivas.
16) Assim, estão sujeitos ao adicional de IMI os prédios afetos à ''habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no referido artigo 6.º do CIMI e, isto, independentemente da afetação que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência.
17) Ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos prédios de habitação por motivos relacionados com a sua afetação, atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI, e por não constar expressamente na norma de delimitação negativa de incidência,
18) Conclui-se inequivocamente que a sujeição dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação, bem como da natureza e especificidades do seu titular.
19) Donde, como se conclui na decisão fundamento, na versão da lei aprovada definiu- se a não incidência a AIMI, apenas e só, com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do Código do IMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.
Termos em que e, com o douto suprimento de V. Exas., deve decidir-se no sentido de que existe oposição de julgados, conhecer-se do objeto do presente recurso e resolver-se o conflito de jurisprudência quanto à questão de direito enunciada, no sentido do deliberado na decisão fundamento, uma vez que a decisão arbitral recorrida fez uma incorreta apreciação e aplicação do no n.º 2 do art. 135.°-B do CIMI quanto à delimitação da incidência objetiva do AIMI, aos factos.

2 - A recorrida, A………………. SA., contra-alegou concluindo nos seguintes termos:
1. Contrariamente às alegações da Recorrente, não se verifica a identidade da situação de facto nem se verifica oposição quanto à questão de direito, en­tre a decisão recorrida e a decisão fundamento.
2. Na decisão recorrida, os imóveis em causa foram classificados como não habitacionais, em face da factualidade e da prova produzida.
3. Na decisão fundamento, não houve qualquer decisão sobre a classificação dos prédios, nem sequer foi invocada a classificação dos imóveis como prédios não habitacionais.
4. Na decisão recorrida, a questão de direito que foi suscitada no pedido arbitral e que foi decidida, respeita à aplicação da exclusão de tributação prevista no art.° 135.°-B, n.° 2, em conjugação com o art.° 6.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2, do Código do IMI. Não tendo sido suscitada nem decidida qualquer questão de inconstitucionalidade.
5. Na decisão fundamento, a única questão de direito que foi suscitada no pedido arbitral e que foi decidida, respeita à questão da inconstitucionalidade ou não da tributação em sede de AIMI.
6. Por não se verificar, entre a decisão recorrida e a decisão arbitral proferida no Proc. 420/2018-T do CAAD (decisão fundamento), o pressuposto legal de identidade da situação de facto e da questão de direito, exigido para a admissibilidade legal do recurso de uniformização de jurisprudência, não deve do mesmo conhecer-se o mérito.
7. Se for decidido conhecer-se do mérito do recurso, deve ser firmada jurisprudência no sentido de que a exclusão de tributação do AIMI, prevista no art° 135°-B, n° 2, em conjugação com o art° 6°, n°1, alínea b) e n° 2, do Código do IMI, abrange os prédios urbanos ou frações autónomas, em relação aos quais se demonstre a sua natureza não habitacional, como é o caso dos estabelecimentos hoteleiros. Tal como se decidiu na decisão recorrida, que, assim, não merece censura.
VENERANDOS JUÍZES CONSELHEIROS,
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., não deve conhecer-se do mérito do presente recurso, por inexistir o pressuposto legal de identidade de situações de facto e de oposição quanto à mesma questão de direito,
ou, caso assim não se entenda, deve firmar-se jurisprudência no sentido da decisão arbitral recorrida.
V. Exas., porém, melhor decidirão, assim se cumprindo com o DIREITO e fazendo JUSTIÇA!

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido por não reunir os pressupostos legais previstos no artigo 152.º do CPTA.

4 - Notificadas as partes do teor desse parecer nada disseram.

5 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na decisão arbitral recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
«I. No âmbito da avaliação geral, conforme declaração Modelo 1 do IMI n.º 3446117 de 14.06.2012, às 25 frações autónomas AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AR, BC, BK, BO, BP, BQ, BZ, CA, CB, CC, J, K, L, M, T, U, V, X e Z do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ………, da freguesia de São Gonçalo de Lagos, do concelho de Lagos, foi considerada a afetação “habitação”, com correspondente valor patrimonial tributário (VPT), não tendo sido contestado esse resultado da avaliação, que consta, assim, da respectiva matriz (factualidade recolhida da base de dados do sistema informático mencionada na decisão da reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 à PI e admitida nos n°s 4 e 5 da PI).
II. As referidas frações autónomas AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AR, BC, BK, BO, BP, BQ, BZ, CA, CB, CC, J, K, L, M, T, U, V, X e Z do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ……….., da freguesia de São Gonçalo de Lagos, do concelho de Lagos integram, no ano de 2017, o estabelecimento hoteleiro denominado B………., antigo C……………., classificado como “Apartamentos turísticos de 2.ª”, tendo como afetação a exploração de atividade turística (cfr. certidão predial da CRP de Lagos junta como doc. n.º 5 à PI, título constitutivo dos Apartamentos Turísticos C………… junto como doc. n.º 2 à PI; cópia do registo do licenciamento no Turismo de Portugal junto como doc. n.º 3 à PI; contrato de cessão de exploração turística junta como doc. n.º 4 à PI).
III. Em 30.6.2017, foi emitida a liquidação de AIMI n.º 2017 004656436, referente ao ano de 2017, no valor de €4.638,08, conforme documento de cobrança n.º 2017 006479199, relativamente às 25 frações autónomas, acima identificadas, do referido prédio urbano inscrito sob o artigo ………. da freguesia de São Gonçalo de Lagos (cfr. doc. n.º 7 à PI).
IV. A Requerente deduziu, com referência à indicada liquidação de AIMI, reclamação graciosa datada de 17.1.2018, na qual sustentou que a tributação em AIMI não incide sobre prédios urbanos que estejam afetos a hotéis, aparthotéis e empreendimentos turísticos, o que é o caso das 25 frações autónomas em causa, e indicou que o Serviço de Finanças de Lagos deve, “se ainda não o fez, proceder ao averbamento matricial da afetação a “serviços” do prédio aqui em causa” (cfr. doc. n.º 6 junto à PI).
V. A Requerente foi notificada, pelo ofício n.º 517, de 1.3.2019, para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o que não foi concretizado (cfr. indicação e documento constante do doc. n.º 1 à PI).
VI. Pelo ofício n.º 688 datado de 28.03.2019, do Serviço de Finanças de Lagos, a Requerente foi notificada da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra a indicada liquidação de AIMI, a qual se sustentou em informação que considerou, no essencial, o seguinte (cfr. doc. n.º 1 à PI):
“No âmbito da avaliação geral, conforme declaração Modelo 1 do IMI n.º 3446117 de 14-06-2012, às 25 frações autónomas AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AR, BC, BK, BO, BP, BQ, BZ, CA, CB, CC, J, K, L, M, T, U, V, X e Z, todas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º ………, da freguesia de São Gonçalo de Lagos, do concelho de Lagos, verifica-se que ficou considerada a afetação “habitação” e foi atribuído o respetivo Valor Patrimonial tributário (VPT) sem que tenha havido contestação ao resultado da avaliação”;
“No âmbito da avaliação geral as frações em causa foram avaliadas, com a afetação “habitação”, foi atribuído o respetivo VPT, sem que tenha havido contestação ao resultado da avaliação, nem apresentada a declaração Modelo 1 do IMI com a finalidade de corrigir a afetação de “habitação” para “serviços”.
Pelo exposto, verifica-se que a liquidação de AIMI ora reclamada, cumpre as disposições legais, pelo que o pedido deve ser indeferido”.
VII. O montante de €4.638,08 objeto do indicado documento de cobrança foi pago em 3.8.2018 no processo executivo n.º 3255201801186442 (factualidade reconhecida na decisão da reclamação graciosa junta como doc. n.º 1 à PI).
Não se divisam factos alegados relativamente aos quais assuma relevância para a resolução da causa a sua individualização como não provados.».

A decisão arbitral na qual a recorrente se apoia como fundamento do recurso de uniformização de jurisprudência, deu como assente a seguinte factualidade concreta:
«a. A Requerente é uma sociedade imobiliária cujo objeto social compreende a compra e venda de bens imóveis;
b. A Requerente é proprietária de um conjunto de prédios que constitui o seu património imobiliário.
c. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI, emitida em junho de 2017, com data de pagamento durante o mês de setembro de 2017, no valor global de €41.264,35.
d. Está em causa uma liquidação referente ao Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), emitida com o n.º 2017 004660359, relativa ao ano de 2017 e aos prédios urbanos Artigo matricial n.º 727, 1155, 1424,1470-D, 1788, 1789, 1790, 1791, 1792, 1793 da Freguesia de Porches, concelho de Lagoa, inscritos na matriz predial urbana como afetos a habitação.
e. Está, ainda em causa, a liquidação efetuada sobre o prédio descrito na matriz predial com o n° …………, designado por "Terreno para construção - Lote de terreno destinado a instalação de apoio", sito em …………;
f. Conforme consta do documento n° 3 junto em anexo ao pedido arbitral, a sociedade requerente efetuou Contrato de cessão de exploração com a Sociedade D…………. (Portugal), pelo qual cedeu a esta sociedade a exploração turística e hoteleira dos prédios urbanos designados por "…………", do "Hotel D……….." e do restaurante "………..", identificados no contrato como correspondendo aos prédios propriedade da …….., sitos em …………, Porches, Lagoa (todos com inscrição omissa na matriz ao tempo da celebração do contrato);
g. A Requerente efetuou o pagamento do valor do AIMI em causa em 19-09-2017, como resulta do comprovativo junto aos autos conjuntamente com a liquidação do imposto (doc 1 em anexo ao pedido arbitral).
h. Em 27-12-2017 a Requerente apresentou o presente pedido arbitral.
Factos não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.»


III. De direito
1. Da admissibilidade do recurso

1.1. Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:
1.º que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);
2.º que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);
3.º que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].
4.º que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do 281.º do CPPT).
Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:
i) as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;
ii) o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Finalmente, entende-se que os dois acórdãos estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas (e já não será assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).
Cumpre analisar se estão verificados estes pressupostos de admissão do recurso.

Ora, como iremos demonstrar, não existe identidade no quadro factual que permita afirmar que estamos perante situações fácticas substancialmente idênticas, o que é suficiente para, em tese, justificar as diferentes soluções de direito alcançadas nas duas decisões arbitrais cuja oposição entre si vem alegada.

Senão vejamos.

1.2. A questão controvertida prende-se com a interpretação e aplicação do disposto no artigo 135.º-B do CIMI, mais concretamente com o n.º 2 deste artigo onde se dispõe o seguinte: “[S]ão excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código” e diz-se no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI o seguinte: “[H]abitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

1.3. Com relevância para a questão aqui a decidir, na decisão arbitral recorrida tomou-se por base o determinado no ponto II da matéria de facto (ver supra) ou seja, que estavam em causa fracções autónomas de um prédio urbano classificado como “Apartamentos turísticos de 2.ª”, com afectação a exploração de actividade turística devidamente comprovada documentalmente (v. ponto 20 da decisão arbitral) e considerou-se, com base no critério da «prevalência da realidade jurídico-fiscal», que esse facto se haveria de sobrepor ao que havia sido dado como provado no ponto I da matéria de facto – ou seja, que na matriz aquelas fracções autónomas estavam afectas a «habitação». Daqui retirou-se que se deveria adoptar um critério de classificação material daquelas fracções como prédios afectos a fins “comerciais, industriais ou para serviços” e afastar o critério de classificação formal, decorrente da respectiva inscrição na matriz como prédios de habitação. E com base neste juízo anulou-se a liquidação do adicional sobre o IMI.
Já na decisão arbitral fundamento tomou-se como base o ponto d. da matéria de facto (ver supra) – ou seja, que os prédios urbanos estavam inscritos na matriz como afectos a habitação – para considerar que não obstante se ter dado como provado que os prédios haviam sido objecto de um contrato de cessão de exploração turística e hoteleira com outra sociedade (ponto f. da matéria de facto) e que estavam afectos àquela actividade, tal não era suficiente para afastar a comprovada natureza habitacional dos prédios, uma vez que o artigo 6.º do CIMI não contemplava qualquer alusão “à afectação ou não ao funcionamento das pessoas colectivas”.

Daqui resulta que, não obstante a proximidade entre os quadros factuais, existe uma diferença que se afigura determinante para o preenchimento da espécie de “prédios afectos à actividade turística”, à luz do enunciado verbal da previsão do artigo 6.º do CIMI: a circunstância de no primeiro caso se ter feito prova de que os imóveis estavam licenciados como apartamentos turísticos, o que não sucede no segundo caso, onde apenas se alega que os mesmos foram cedidos para esse fim, mas não se faz prova de que exista licença para o efeito ou de que esse seja o seu destino normal, apenas se fez prova de que foram cedidos para esse fim.

Ora, esta diferença no quadro factual é determinante do diferente resultado a que chegam as duas decisões arbitrais e impede a verificação nesta sede, do requisito da existência de oposição entre os julgados.


IV. Decisão
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do recurso.


Custas pela Recorrente.
Registe-se, notifique-se e comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 4 de Novembro de 2020 – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.