Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:088/22.3BALSB
Data do Acordão:11/23/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30236
Nº do Documento:SAP20221123088/22
Data de Entrada:06/16/2022
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........., LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A autoridade tributária e aduaneira (AT), com conforto do estatuído nos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão (singular) (Datada de 12 de maio de 2022.), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo n.º 537/2021-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que, além do mais, decidiu “III) Reconhecer o direito da Demandante a receber juros indemnizatórios calculados sobre o montante do imposto indevidamente pago, desde o pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito”.
Aponta-lhe contradição/oposição, com a, também, decisão arbitral (singular), datada de 13 de abril de 2022, exarada no processo n.º 634/2021-T.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

A) O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do art. 152º nº 1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art. 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objeto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 537/2021–T em 12-05-2022, pelo Tribunal Arbitral Singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por estar em contradição com a Decisão Arbitral proferida no Processo 634/2021-T em 13-04-2022 do mesmo CAAD que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, mais precisamente, porque considerou estarem verificadas as condições para a atribuição do direito a juros indemnizatórios.

B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada na Decisão Arbitral proferida no Processo 634/2021-T em 13-04-2022, que se indica como fundamento, relativamente ao direito à atribuição de juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando a decisão desse pedido de revisão ocorre antes de decorrido o prazo de um ano.

C) O Acórdão Arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento ao enquadrar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no nº 1 do art. 43º da LGT, e, considerar que por ter sido procedente a impugnação, o direito a juros indemnizatórios decorre diretamente do n.º 1 do artigo da LGT e do artigo 100º da mesma lei, contrariando além da Decisão arbitral fundamento, também a Jurisprudência do STA, no Proc 01159/14 de 10-05-2017 e que determina no respetivo Sumário: “I - De acordo com o disposto no artº 43º, nº 3, al. c) da LGT são devidos juros indemnizatórios, quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária. II - Se o pedido de revisão oficiosa, no qual se peticionava a anulação parcial da liquidação de derrama, foi decidido e deferido pela Administração Tributária antes do prazo de um ano a se reporta o artº 43º, nº 3, al. c) da LGT, não são devidos juros indemnizatórios.

D) Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com a Decisão Arbitral fundamento, condenar a AT a pagar à Requerente arbitral juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido do imposto por aplicação do nº 1, do art. 43º da LGT e do art. 100º também da LGT, diversamente do que determina esse normativo legal para as situações, como a dos autos, de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, em que são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, e, nos termos do artigo 43º n.º 3 c) da LGT, apenas estão verificadas as condições de atribuição desses juros se o pedido de Revisão não for decidido antes de esgotado esses prazo de um ano.

E) Na Decisão Arbitral fundamento estava em causa o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT, tendo o Tribunal Arbitral no Processo 634/2021-T, decidido que “39. No presente caso, a norma aplicável no tocante a juros indemnizatórias é a que consta do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) que estabelece serem estes devidos “Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.”. (…)

F) E conclui a Decisão Fundamento assim: «40. Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 17-05-2021, pelo que apenas a partir de 17-05-2022 haveria direito a direito a juros indemnizatórios, caso a decisão sobre aquele pedido não tivesse sido apreciada.

Tendo a decisão sobre o pedido de revisão oficiosa sido proferida em 08-09-2021 e notificada por ofício emitido na mesma data, antes, portanto, de decorrido um ano desde a apresentação do pedido de revisão, conclui-se que o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios. (…)

G) A Decisão Arbitral recorrida, ao enquadrar o pagamento de juros indemnizatórios no nº 1 do art. 43º da LGT, considerando simplesmente que: «(…) tendo-se concluído pela ilegalidade do ato de liquidação por vício de violação de lei, tem a Demandante direito aos juros indemnizatórios que peticiona», esse entendimento colide com a Jurisprudência que maioritariamente reiterada pelo STA, de que se cita, por todos, o Acórdão proferido em 23.05.2018, pelo Pleno STA no Processo nº 01201/17, quanto à aplicação da alínea c) do n.º 3 do artº 43º às situações em que houve prévia apresentação de revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte, cujo entendimento está assim sintetizado no respectivo Sumário: “O artigo 43º, nº 3, c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.

H) Assim como também está em frontal contradição como o Acórdão do STA proferido no Processo 01159/14 de 01-05-2017, cujo entendimento está resumido no sumário que se transcreve:

«I - De acordo com o disposto no artº 43º, nº 3, al. c) da LGT são devidos juros indemnizatórios, quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária.

II - Se o pedido de revisão oficiosa, no qual se peticionava a anulação parcial da liquidação de derrama, foi decidido e deferido pela Administração Tributária antes do prazo de um ano a se reporta o artº 43º, nº 3, al. c) da LGT, não são devidos juros indemnizatórios.

I) A Decisão Arbitral recorrida decidiu ainda quanto ao segmento recorrido em frontal oposição à jurisprudência constante no Acórdão proferido Tribunal Arbitral coletivo presidido pelo Sr Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no Processo nº 355/2018-T de 29/11/2018, que numa situação semelhante à dos autos, quanto ao direito a juros indemnizatórios decidiu:

«No caso a norma que permite reconhecer o direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

No caso em apreço, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 29-12-2017 e foi decidido em 12-04-2018, pelo que não se verificou o decurso do período referido naquela alínea c), que é condição do direito a juros indemnizatórios.

Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia paga em excesso e improcede o pedido de juros indemnizatórios.»

J) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte e em que a decisão do pedido de revisão é proferida antes de decorrido o prazo de um ano, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do art. 152º do CPTA.

K) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral recorrida viola o disposto no nº 3, al c), do art. 43º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, e portanto apenas se não for decidida a revisão oficiosa antes de esgotado esse prazo de um ano..

L) Ora, o pedido de revisão oficiosa cuja decisão expressa constitui o objeto da ação arbitral foi apresentado no dia 03.07.2020 e foi notificada por ofício de dia 18-05-2021, sendo que, apenas são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após aquela data, e a decisão expressa foi proferida antes de esgotado o prazo de um ano, não estão reunidas as condições para a atribuição de juros indemnizatórios, de acordo com o prazo estabelecido no n.º 3, al c) do art. 43.º da LGT, ao contrário do que decidiu o Acórdão Arbitral recorrido.

M) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no art. 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência destinam-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

N) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os que são enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.

O) Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.

P) Decorre, de todo o exposto, que a Decisão Arbitral recorrida, ao não ter subsumido o caso sub judice à al c), do nº 3 do art. 43º da LGT, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a Decisão Arbitral Fundamento e com a jurisprudência firmada pelo STA supra citada, devendo ser substituído por nova Decisão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada contradição entre o Acórdão Arbitral proferido no proc. nº 537/2021-T e a Decisão Arbitral fundamento, proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no CAAD no proc. nº 634/2021-T, de 13.04.2022, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por Acórdão consentâneo com o quadro legal vigente, de acordo com o qual, apenas existe direito a juros indemnizatórios, se não houver decisão expressa, decorrido um ano da data da apresentação da Revisão Oficiosa. »


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Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

A recorrida (rda) [A…………, Lda., …, ] não contra-alegou.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, entendendo, a final, que “deverá ser concedido provimento ao recurso, e, em consequência, anular a decisão arbitral no segmento recorrido e declarar que os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.


*******

# II.

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve: «

A) Em 31.12.2015, a Requerente era proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Arroios sob o artigo matricial U-………;

B) A Demandante foi notificada das notas de cobrança de Imposto do Selo:

- Nº 2016 16230048, referente à primeira prestação do imposto do Selo referente ao ano de 2015, liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido, no valor de 4.684,31 euros;

- Nº 2016 16230049, referente à segunda prestação do imposto do Selo referente ao ano de 2015, liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido, no valor de 4.684,31 euros;

- Nº 2016 16230050, referente à segunda prestação do imposto do Selo referente ao ano de 2015, liquidado ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido, no valor de 4.684,31 euros, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, em relação ao terreno suprarreferido;

C) As três notas de cobrança foram emitidas com base na liquidação de Imposto do Selo nº 2015 490003777084, de 5.4.2016, efetuada com base na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS);

D) A Demandante procedeu ao pagamento de todo o imposto liquidado, no montante de 14.052,93 euros;

E) A Demandante apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação impugnada, em 03.07.2021, o qual deu origem ao processo nº 3255202002009056;

F) A Demandante foi notificada para exercer o direito de audição prévia à decisão do procedimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação, através do ofício nº 151/2021, de 20-04-2021, da Unidade de Grandes Contribuintes;

G) A Demandante exerceu o direito de audição prévia no procedimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação, apresentando pronúncia;

H) A Demandante foi notificada da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa pelo ofício nº 227-DST/2021, de 18-05-2021.

I) Do texto da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa consta o seguinte:

52. Por consulta às bases de dados da administração tributária, verificamos que o prédio em análise possui afetação mista (habitação e Comércio) desde 2011, constante da ficha de avaliação nº 3398505, com registo promovido na matriz a 29/4/2011 e que apurou para o mesmo 1 VT de € 1.374.363,65, distribuído por € 999.491,12 para a parcela com afetação a habitação e por € 374.872,53 referente à parcela afeta a comércio, fixando um VPT global em € 1.374.370,00.

53. Porém, e aqui nos distanciamos do entendido pelo requerente, tais valores não se encontravam vigentes para o período em análise (2015), por conta do disposto no artigo 138º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), que impõe que os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos sejam atualizados teria trienalmente com base em fatores correspondentes a 75% dos coeficientes de desvalorização da moeda fixados anualmente por portaria do Ministro das Finanças para efeitos dos impostos sobre o Rendimento.

54. No que respeita ao caso concreto, o VPT foi atualizado em 2014 para € 1.405.293,33, em virtude da aplicação de 75% do coeficiente de desvalorização da moeda fixado pela portaria nº 281/2014, de 30 de Dezembro, que se centrou em 1,03 (VPT € 1.374.370,00 X 75% do coeficiente de 1,03 = € 1.405.293,33).

55. E em consequência, dessa atualização do VPT global do prédio, a parcela do prédio afeta a habitação alcançou um VPT de € 1.021.979,67 (€ 999.491,12 x 75% do coeficiente de 1,03) valor esse que se encontra vigente para o período de imposto em análise (2015), cfr melhor se identifica no quadro III desta informação.

56. Ora, o VTVPT dos terrenos para construção cujas edificações autorizadas ou previstas, que tenham diferentes afetações é determinado em função da área de construção destinada a cada uma dessas afetações, isto é, o VPT total é calculado pela soma dos VPT parcelares atribuídos às suas partes economicamente independentes sem prejuízo da regra do arredondamento prevista no nº 2 do art. 38º do CIMI.

57. Neste caso concreto, e tal como resulta da matéria de facto dada como assente, o prédio urbano objeto da liquidação contestada corresponde a um terreno para construção de edificações com afetação múltipla (habitação e comércio).

58. Mas, para efeitos de sujeição a verba 28.1 da TGIS, releva apenas a parte do prédio com afetação habitacional, pelo que consideramos que, as liquidações em análise, sujeitou a tributação o prédio, pelo seu VPT total e não apenas pelo VPT da parte com afetação a habitação.

59. Nestes termos as liquidações em análise, identificadas no quadro I supra, emitidas à Requerente, por referência ao imposto do selo da verba 28.1 da TGIS do ano de 2015, relativo ao prédio urbano descrito sob o artigo ………. da matriz predial urbana da freguesia de Arroios não deverão ser anuladas, mas sim, corrigidas.

60. Assim, considerando que o VPT da parte habitacional do terreno para construção, para o ano de 2015, ascende a € 1.000.000,00, conforme descrito no Quadro III supra, conclui-se que este terreno para construção integra o âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS, mas a respetiva coleta deve apurar-se pela aplicação da taxa de 1% ao VPT apenas ao VPT (sic) da parte do prédio com afetação habitacional (€1.021.979,67 * 1% = €10.219,80: 3 prestações = € 3.406,60), conforme se identifica no quadro II desta informação;

J) Em 2015 existia um alvará de licença de construção para o terreno de construção em causa que previa a edificação mista para habitação e para comércio;

K) De acordo com a avaliação efetuada ao prédio pela Autoridade Tributária, no âmbito do CIMI, registada em 29.04.2011, o prédio tinha nessa data um valor patrimonial tributário global de 1.374.370,00 euros, dos quais 999.491,12 euros correspondiam à parcela com afetação a habitação e 374.872,53 euros correspondiam à parcela afeta a comércio.

L) O terreno para construção foi avaliado pela AT tendo em consideração a sua edificação prevista ou autorizada mista, de acordo com a fórmula:

Vt = Vc x [(Abc-Ab + Ab x 0,3) x % + Ac x 0,025 + Ad x 0,005] x Ca x Cl x Cq

VT Comércio (Vtc)

Vtc = 603 x [(580 + 0 x 0,3) x 35% + 6,525 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1,2 x 2,55 x 1

Vtc = 374872,53

Vt Habitação (Vth)

Vth = 603 x [(1820 + 0 x 0,3) x 35% + 20,475 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1 x 2,6 x 1

Vth = 999491,12

M) A liquidação na qual se baseiam as notas de cobrança notificadas à Demandante foi efetuada considerando para o prédio um VPT, a 31.12.2015, de 1.405.293,33 euros;

N) Na liquidação na qual se baseiam as notas de cobrança notificadas à Demandante foi apurada uma coleta de 14.052,93 euros.»

Na decisão (arbitral) fundamento, consta: «

14. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

14.1. O Requerente é proprietário dos lotes de terreno para construção situados na freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, inscritos na matriz predial respetiva sob os artigos ……… e …….;

14.2. Em 18-03-2013 os referidos terrenos foram objeto de avaliação no âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos, sendo-lhes atribuídos os seguintes valores patrimoniais tributários:

- Artigo ……. - € 216 900,00

- Artigo ……. - € 204 639,00

14.3. Na avaliação efetuada foram considerados, para determinação do valor patrimonial tributário dos prédios em causa, o coeficiente de localização de 1,42, o coeficiente afetação 1,00 e o coeficiente de qualidade e conforto 1,00.

14.4. Não tendo sido requerida segunda avaliação dos referidos prédios foram os valores patrimoniais tributários assim determinados levados às respetivas matrizes prediais.

14.5. Com base nos valores patrimoniais tributários assim determinados a AT procedeu à liquidação do IMI relativo aos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, tendo o Requerente efetuado atempadamente o respetivo pagamento.

14.6. Entretanto, face ao expressamente consagrado no artigo 45.° do Código do IMI, na redação vigente à data dos factos, e nos termos preconizados pela jurisprudência constante dos tribunais superiores quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir a fixação desses valores, deixando de aplicar tais coeficientes.

14.7. Da reavaliação assim efetuada resultaram para os terrenos em causa valores patrimoniais significativamente inferiores aos anteriormente apurados.

14.8. Não obstante a alteração oficiosa dos valores patrimoniais inscritos nas matrizes, a AT, relativamente ao IMI dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, não retificou as liquidações anteriormente efetuadas com base em valores erroneamente determinados, que, assim, se mantiveram inalteradas;

14.9. Do procedimento seguido pela AT resultou, no conjunto dos valores do IMI liquidado, um valor a mais cobrado com referência àqueles anos, no montante de € 1 629,95, assim determinado (cfr. Doc. 4):

[IMAGEM]

14.10. Em 17-05-2021, o Requerente apresentou um pedido a revisão oficiosa das liquidações de IMI dos anos 2016, 2017, 2018 e 2019, alegando a errónea aplicação dos coeficientes de localização de localização, afetação e qualidade e conforto no cálculo do VPT dos terrenos para construção.

14.11. Identificando os imóveis em causa, o pedido de revisão oficiosa das liquidações é fundamentado nos seguintes termos:

" (...) na determinação dos VPT dos terrenos para construção foi considerada a fórmula de cálculo do art. 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). adotada à data pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), para avaliação dos terrenos para construção, e que considerava a aplicação de coeficientes de localização, e afetação e/ou de qualidade e conforto, quando no art. 45.° do CIMI “valor patrimonial tributário dos terrenos para construção " estes coeficientes não estão contemplados.

Considera que face ao que se encontra consagrado no texto do art. 45.° do CIMI, e face à jurisprudência constante do STA quando à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos VPT de terrenos para construção, e que no decorrer do ano de 2020 a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção deixando a aplicar tais coeficientes. Essa desconsideração dos coeficientes acima mencionados traduz-se numa redução significativa dos valores patrimoniais tributários desses terrenos e, consequentemente, da coleta de IMI sobre os mesmos.

(...)

Considerando os novos VPT que resultaram do cálculo desconsiderando os coeficientes em causa recalcula-se o IMI de 2016 a 2019, considerando as taxas em vigor à altura, calculando Depois a diferença relativamente ao que foi liquidado:

- relativamente a 2016, apura uma diferença de IMI de 411.45 euros;

- relativamente a 2017, apura uma diferença de IMI de 398.98 euros:

- relativamente a 2018, apura uma diferença de IMI de 419,21 euros:

- relativamente a 2019, apura uma diferença de IMI de 400,31 euros.

14.12. Em 08-09-2021, o chefe do Serviço de Finanças de Oeiras 1, no uso de delegação de competência, proferiu despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa sendo o Requerente do mesmo notificado através de ofício da mesma data.

14.13. Em 02-10-2021, o Requerente formulou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do Valor Patrimonial Tributário (VPT) que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas. »


***


Não obstante, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, da Secção, que se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.) é, há muito, perentória, na afirmação de que o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

- a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito;

- não ocorrer a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Adicionalmente, quanto à primeira (para estarmos diante da mesma questão fundamental de direito), impõe-se, também, em cumulação, avaliar e concluir, ainda:

- pela identidade substancial (essencial) das situações factuais envolvidas e versadas;

- que não haja ocorrido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável;

- pelo perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas, ou seja, exige-se uma contradição decisória.

Nesta avaliação pluridimensional e, por isso, complexa, casuisticamente, não podemos deixar de atentar, com particular ênfase, relativamente à solução oposta, no percurso cognoscitivo trilhado pelo julgador/decisor, com o objetivo, primordial, de determinar, verificar da utilização de, eventuais, razões, subjetivas, condicionantes, só por si, do resultado preconizado, sem olvidar que o desiderato deste recurso (extraordinário) é impedir o tratamento diferente de casos iguais, não colher e postular uniformidade na interpretação da lei.

Reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade deste recurso (versadas no aludido despacho inicial), impõe-se avançar e indagar do cumprimento, acumulado, das demais condições/requisitos, substanciais, vindos de elencar.

Na primeira linha, feito o confronto da factualidade, acima transcrita, valorada nas decisões arbitrais em confronto, imediata e objetivamente, emerge a constatação da falta de identidade, em relação a dados, de facto, determinantes no tratamento da matéria respeitante ao pagamento de juros indemnizatórios, por parte da AT.

Antes de apontar as diferenças, importa proceder, num parêntesis, à seguinte precisão. No ponto E) dos factos elencados na decisão arbitral recorrida, mostra-se referido que o “pedido de revisão oficiosa da liquidação impugnada” foi apresentado em 3 de julho de 2021 (“03.07.2021”). Ora, na medida em que nos seguintes pontos F) e H) se assumiu a concretização de notificações da “Demandante” para exercício do direito de audição prévia e da decisão de indeferimento parcial do pedido desse mesmo pedido de revisão oficiosa, respetivamente, em 20 de abril de 2021 (“20-04-2021”) e 18 de maio de 2021 (“18-05-2021”), é evidente o erro na indicação, escrita, da primeira data, pela impossibilidade, lógico-temporal, de o pedido de revisão oficiosa versado ter sido tramitado e decidido antes de apresentado. Ademais, se dúvidas existissem, a mera conferência dos elementos documentais juntos a este processo, destacadamente, o teor do ponto 42. de fls. 142 do documento de págs. 46 a 299 (SITAF), comprovam que tal pedido foi, efetivamente, formalizado, junto da entidade competente, no dia 3 de julho de 2020.

Com esta, incontornável, correção, temos, portanto, que, na decisão arbitral recorrida, proferida em 12 de maio de 2022, se tratou de um pedido, de revisão oficiosa de atos de liquidação, apresentado no dia 3 de julho de 2020, cuja decisão, pela entidade administrativa competente, de indeferimento parcial, foi comunicado, à requerente, por ofício datado de 18 de maio de 2021, enquanto, a decisão arbitral fundamento, datada de 13 de abril de 2022, cuidou de um pedido, de revisão oficiosa de atos de liquidação, formalizado a 17 de maio de 2021, cuja decisão de indeferimento foi proferida a 8 de setembro de 2021 – cf., supra, alíneas E), H); pontos 14.10. e 14.12.

Identificando e computando a diferença, na primeira, trata-se de caso em que o pedido de revisão oficiosa é decidido/indeferido, dentro do período de 1 (um) ano, contado do dia da respetiva apresentação, pela entidade administrativa competente, mas, com a decisão arbitral, que além do mais, reputou ilegal esse indeferimento, a ser proferida depois de esgotado esse mesmo ano (de 3 de julho de 2020 para 12 de maio de 2022); na segunda, tanto o desatendimento do pedido de revisão oficiosa, pela administração, como, a sua revogação, pelo tribunal arbitral, tiveram lugar dentro do espaço temporal do ano seguinte ao dia da apresentação do pedido inicial, concretamente, entre 17 de maio de 2021 e 13 de abril de 2022.

E, foi por este último conjunto de motivos que, na decisão arbitral fundamento, se entendeu: «

(…).
Do direito a juros indemnizatórios
38. A par da anulação parcial dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, o Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
39. No presente caso, a norma aplicável no tocante a juros indemnizatórias é a que consta do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) que estabelece serem estes devidos “Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
40. Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 17-05-2021, pelo que apenas a partir de 17-05-2022 haveria direito a direito a juros indemnizatórios, caso a decisão sobre aquele pedido não tivesse sido apreciada.
Tendo a decisão sobre o pedido de revisão oficiosa sido proferida em 08-09-2021 e notificada por ofício emitido na mesma data, antes, portanto, de decorrido um ano desde a apresentação do pedido de revisão, conclui-se que o Requerente não tem direito a juros indemnizatórios. »

Em conclusão, a decisão arbitral fundamento, convocada pela rte, porque decidiu o formulado pedido de pagamento de juros indemnizatórios com base em dados factuais diferentes dos considerados na decisão recorrida, decidiu, em conformidade “Julgar improcedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios” e não que os mesmos eram, como, aqui, pretende a rte, devidos “decorrido um ano da data da apresentação da Revisão Oficiosa”. Implicantemente, nas duas, não é a mesma a questão fundamental de direito dirimida.

Só falta registar que o sentido da decisão a proferir de seguida vai na linha do, já, assumido em diversos arestos deste STA, como, v.g., nos datados de 26 de maio de 2022, processos n.ºs 146/21.1BALSB e 161/21.5BALSB, de 29 de junho de 2022 (152/21.6BALSB) (Disponíveis, integralmente, no sítio www.dgsi.pt).


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# III.

Destarte, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não conhecer do mérito deste recurso para uniformização de jurisprudência.


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Custas pela recorrente.

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Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 23 de novembro de 2022. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.