Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0302/14
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Sumário:I – O «princípio geral» vertido no artigo 22º da CRP podia ser, antes da entrada em vigor da Lei nº67/2007, de 31.12, directamente invocado pelo lesado para exigir responsabilidade subjectiva do Estado-Legislador;
II – Antes da Lei nº11/2008, de 20.02, a falta de previsão legal da protecção no desemprego dos trabalhadores da Administração Pública, imposta pelo artigo 59º, nº1 alínea e), da CRP, constituía omissão inconstitucional integradora da «ilicitude» enquanto pressuposto indispensável da responsabilidade subjectiva do Estado-Legislador;
III – Essa omissão legislativa constitui «causa adequada» dos danos provocados a uma docente universitária que ficou desprotegido na situação de desemprego involuntário;
IV – A apreciação e decisão pelos tribunais do pedido dessa docente, no sentido de ser indemnizada por danos decorrentes de omissão legislativa, não violam o «princípio da separação de poderes».
Nº Convencional:JSTA00069081
Nº do Documento:SA1201502120302
Data de Entrada:09/05/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:SINDICATO NACIONAL DO ENSINO SUPERIOR
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM COMUM.
Legislação Nacional:CONST76 ART22 ART59 N1 E ART20.
L 67/2007 DE 2007/12/31.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2.
L 11/2008 DE 2008/02/20 ART9 ART10.
CCIV66 ART483.
DL 220/2006 DE 2006/11/03 ART8 N1 ART18 N1 ART22 N1.
L 4/2009 DE 2009/01/29 ART31.
Jurisprudência Nacional:AC TC N474/2002 DE 2002/11/19 PROC489/94.; AC STA PROC0874/05 DE 2006/05/16.; AC STJ PROC08B2421 DE 2009/03/31.; AC STJ PROC07B740 DE 2008/07/10.; AC STJ PROC07A3954 DE 2007/11/27.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO - DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 1999 PÁG476.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 1993 PÁG170.
MARCELO REBELO DE SOUSA E JOSÉ ALEXANDRINO - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA COMENTADA 2000 PÁG105.
RUI MEDEIROS - ENSAIO SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ACTOS LEGISLATIVOS 1992 PÁG86.
KARL LARENZ IN METODOLOGIA DA CIÊNCIA DO DIREITO PÁG397.
ALMEIDA COSTA - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 11ED PÁG605.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O ESTADO PORTUGUÊS [EP], representado pelo Ministério Público, interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], datado de 21.11.2013, que concedeu parcial provimento ao recurso para ele interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], e, em conformidade, [a] revogou a sentença na parte em que determinou o pagamento dos honorários de advogado, a liquidar em execução de sentença; [b] confirmou-a na parte em que determinou o pagamento à representada do sindicato autor da quantia de 17.312,76€, a título de danos patrimoniais, e da quantia de 1.500,00€, a título de danos morais, acrescidas de juros desde a citação; [c] e julgou, em substituição, procedente o pedido de pagamento ao autor de indemnização por danos decorrentes dos honorários do mandatário, a liquidar posteriormente, mas que corresponda ao valor que for fixado para as acções que tal advogado patrocinou, face à tabela de honorários para apoio judiciário que vigorar à data da apresentação da respectiva conta.

Conclui assim as suas alegações:

1- O «recurso de revista» deverá ser admitido uma vez que se verificam, no caso vertente, os requisitos necessários contidos no nº1 do artigo 150º do CPTA;

2- De facto, estamos perante caso de grande complexidade quer em relação à matéria de facto, quer em relação à matéria de direito, e pouco tratada, ao que se saiba, por esse Alto Tribunal, e de grande repercussão social já que existem vários casos idênticos, tratados na jurisprudência do TCAN e TCAS, todos condenatórios do Estado;

3- A atribuição do «subsídio de desemprego» não é automática, sendo que todos os diplomas legais que o regulavam e o regulam, fazem depender tal atribuição de diversos pressupostos, nomeadamente, da situação de desemprego, da apresentação de requerimento/pedido pelo trabalhador, da situação de desempregado, da inscrição prévia do trabalhador como candidato a emprego no centro de emprego na área da sua residência, dos descontos, enquanto foi trabalhador, para a segurança social;

4- A aplicação directa de normas constitucionais apenas é possível quando se trate de direitos, liberdades e garantias, pelo que não sendo o caso do artigo 22º da CRP, este não pode ser directamente aplicável à situação em apreço;

5- É inaplicável directamente ao caso o artigo 22º da CRP, também porque este dispositivo legal apenas estabelece um princípio geral, não sendo possível do mesmo extrair qualquer critério para aferir dos pressupostos que permitam responsabilizar o EP pela prática de actos legislativos;

6- A inconstitucionalidade por omissão não pode ser suprida pelos tribunais, mas apenas pelo legislador, na sequência da declaração dessa inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional [TC] nos termos do nº2 do artigo 283º da CRP;

7- O ordenamento jurídico-constitucional português não admite o controlo jurisdicional concreto de omissões legislativas, ao contrário do que se verifica com a inconstitucionalidade por acção;

8- O AC do TC nº474/02, apenas verificou a omissão legislativa parcial por o legislador não ter dado total execução à alínea e) do nº1 do artigo 59º da CRP - excluindo do direito dos trabalhadores por conta de outrem ao subsídio de desemprego, a maioria dos trabalhadores da função pública - com vista a essa omissão ser suprida, o que ocorreu com a entrada em vigor da Lei nº11/2008;

9- Só a partir da entrada em vigor da Lei 11/2008 é que a autora teria direito a subsídio de desemprego, o que não a eximiria de demonstrar que possuía todos os requisitos necessários nessa lei previstos;

10- Não é possível precisar juridicamente a formulação dos diferentes direitos sociais para que os cidadãos possam neles fundar pretensões directamente exigíveis, sem os mesmos serem definidos, em concreto, pelo legislador comum, dado o princípio da oportunidade política e económica por que este se pode reger, nesta matéria;

11- À data em que a autora cessou o contrato não existia qualquer normativo que previsse a atribuição de «subsídio de desemprego» aos funcionários públicos nem que determinasse a responsabilidade do Estado por omissões legislativas.

12- Ao não ter requerido o «subsídio de desemprego» que peticiona, não se formou qualquer direito ao mesmo;

13- Não se verifica, assim, qualquer ilicitude por parte do Estado;

14-A autora não alegou nem fez prova de que requereu o subsídio de desemprego que agora peticiona, e que este lhe tivesse sido negado em virtude da omissão legislativa em causa, pelo que é impossível aferir a que período ele se reporta e se nesse período estava desempregada;

15- De todo o modo, pela matéria factual trazida aos autos, e documentação a estes junta, e tendo em vista a aplicabilidade pelo acórdão recorrido, quer do DL nº119/99, de 14.04, quer do DL nº84/2003, de 24.04, a autora não tinha, à data em que ficou desempregada, os requisitos para o «subsídio de desemprego» ou para «subsídio social de desemprego», e, nomeadamente que continuou desempregada, que estava inscrito na Segurança Social bem como no Centro de Emprego;

16-A autora nada alegou nem provou que demonstrasse a prática de um acto ilícito, do Estado, bem como o nexo de causalidade entre a omissão legislativa e os danos que invoca;

17- Pode-se considerar que a não atribuição de subsídio, antes 15.10.2007, se deveu ao facto de a autora não o ter solicitado ou não ter apresentado os documentos exigidos, ou não ter os requisitos necessários, e não a qualquer omissão legislativa;

18- Inexiste, assim, nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão legislativa e os danos invocados;

19- Verifica-se a existência de «culpa do lesado» na medida em que a autora não requereu, aquando do termo do seu contrato, que lhe fosse atribuído subsídio de desemprego que agora peticiona;

20- Na sequência da prolação do AC do TC nº474/02, de 19.11.2002 [publicado no DR, I-A, de 18.12.2002], foi iniciado o processo legislativo que culminou com a publicação da Lei nº11/2008, de 20.02, não tendo esta efeito retroactivo;

21- O DL n°48.051, de 21.12.1967, inaplicável ao caso, apenas responsabilizava as entidades públicas pela prática de actos de gestão pública donde estavam excluídos os actos legislativos, jurisdicionais e políticos, bem como as omissões legislativas;

22- O poder judicial não se pode substituir ao poder legislativo criando direito, sob pena da violação do princípio da separação de poderes consignada no artigo 111º da CRP;

23- A aplicação directa de normas constitucionais apenas é possível quando se trate direitos, liberdades e garantias, pelo que não sendo o caso do artigo 22º da CRP, este não pode ser directamente aplicável à situação em apreço;

24- Nestes termos, por falta de demonstração dos requisitos necessários à invocação do direito ao «subsídio de desemprego», e por não se verificarem os requisitos da «responsabilidade civil extracontratual do Estado» - ilicitude e nexo causal entre a ilicitude e o dano - a presente acção deveria improceder;

25- Ao assim não considerar, violou o douto acórdão recorrido, os artigos 22º, 111º, 165º nº1 alínea f), e 202º nº3, da CRP, 341º, 487º nº2, 563º, 569º nº3, e 570º, todos do CC, 1º e 7º do DL nº48.051, e 10º do DL nº67/2000, de 26.04;

26- Termos em que se requer que este «recurso de revista» seja admitido e que seja o mesmo procedente, revogando-se o acórdão do TCAS e improcedendo-se a acção comum, absolvendo-se o Estado da totalidade do pedido.

2. O SINDICATO NACIONAL DO ENSINO SUPERIOR [SNES], em representação da associada A…………….. contra-alegou, e concluiu assim:

1-Salvo o devido respeito, não estão preenchidos os pressupostos para a admissibilidade do presente recurso de revista, seja por a questão nele em apreço não ter qualquer capacidade expansiva - pois desde 2008 o legislador já supriu a inconstitucionalidade por omissão e reconheceu o direito ao subsídio de desemprego aos funcionários públicos - seja por não haver qualquer incerteza jurídica sobre essa mesma matéria, a qual é pacífica na jurisprudência administrativa como, aliás, reconhece o recorrente - e na doutrina - a qual é, pelo menos, maioritária, na admissibilidade da condenação do Estado pelos danos decorrentes do «não suprimento atempado da inconstitucionalidade por omissão»;

2- Por isso mesmo, para além de inadmissível, sempre o presente recurso deveria ser julgado improcedente, tendo o aresto em recurso efectuado correcta interpretação do direito aplicável e, acima de tudo, tendo feito justiça, assegurando a um cidadão a efectivação de um direito fundamental a que teria direito se o Estado Português tivesse cumprido a imposição legiferante, e não tivesse incorrido na inconstitucionalidade por omissão reconhecida pelo TC.

3. Por acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 24.06.2014 [formação de apreciação do artigo 150º do CPTA], veio a ser admitido a revista nos termos seguintes:

[…]

«2. No acórdão de 06.03.2014, Processo 041/14, em caso semelhante ao presente quanto à questão nuclear posta no recurso, admitiu-se a revista com a seguinte ponderação:

[…]

2.2. O artigo 150º, nº1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A questão central que se apresenta no presente recurso susceptível de permitir a sua admissão prende-se com a condenação do Estado a pagar uma indemnização pela omissão das medidas legislativas necessárias à protecção dos trabalhadores da Administração Pública [no caso, docente] na situação de desemprego, em data anterior à vigência da Lei nº11/2008, 20.02, onde este regime foi estabelecido. A condenação determinada pelas instâncias radicou na aplicação directa do artigo 22º da CRP. O acórdão recorrido, confirmando a decisão do TAC de Lisboa, ponderou que na «delimitação do campo de aplicação do artigo 22º quanto à responsabilidade civil do Estado-Legislador é praticamente unânime a doutrina e a jurisprudência de que [o] referido preceito confere ao particular o direito à reparação por virtude da prática de acto legislativo lesivo dos seus direitos, liberdades e garantias, sendo hoje, aliás, pacificamente aceite que no mesmo se mostram abarcados ou abrangidos qualquer dos poderes ou das funções do Estado [legislativa, executiva e jurisdicional]. E, é também pacífico o entendimento segundo o qual a responsabilidade civil extracontratual do Estado-Legislador apenas existirá, em termos de poder legitimamente fundar uma pretensão indemnizatória, quando o facto praticado seja ilícito e culposo, mostrando-se os danos sofridos causalmente adequados aquele facto.» Pelo que concluiu não existir qualquer violação do princípio da separação dos poderes, na medida em que o «…tribunal é chamado a pronunciar-se é sobre a existência e verificação em concreto e relativamente ao réu Estado-Legislador dos pressupostos/requisitos da responsabilidade civil extracontratual decorrente de alegada omissão legislativa ilícita e dirimir o litígio substancial que envolve as partes em conflito...».

O acórdão sob censura entendeu, ainda, que se verificava uma omissão legislativa violadora do artigo 59º, nº1, alínea e), da CRP, dado que a assistência material a que este preceito se reporta «…tem necessariamente de assumir a forma de uma prestação específica, directamente conexionada com a situação de desemprego involuntário, prestação essa que a leitura conjugada da mencionada disposição com a constante do artigo 63º, nº3, permite concluir que se deve obrigatoriamente integrar no âmbito da segurança social, não podendo ser estabelecida sem precedência de recurso à via legislativa. Estamos, portanto, perante uma concreta e especifica imposição legiferante, constante de norma com um grau de precisão suficientemente densificado …».

O recorrente suscita que a aplicação directa do artigo 22º da CRP, tendo como pressuposto a responsabilidade civil extracontratual do Estado, por omissão de medidas legislativas necessárias para tornar exequível o disposto no artigo 59º, nº1, alínea e), do mesmo diploma, tem motivado a condenação do Estado ao pagamento de várias indemnizações aos trabalhadores da Administração Pública na situação de desemprego, segundo jurisprudência proferida de forma reiterada pelos tribunais de 2ª instância. Como se referiu, pela Lei nº11/2008, de 20.02, estabeleceu-se o regime de protecção no desemprego dos trabalhadores da Administração Pública. Este Supremo Tribunal a propósito desse diploma, considerou, no acórdão de 20.01.2011, Rº01057/09, que «o legislador, na sua liberdade conformadora, quis que a lei só valesse para o futuro, com exclusão das relações jurídicas de emprego público já extintas em 01.01.2008, data em que o diploma produziu efeitos [artigo 13º]. Ou dito pela positiva, só quis incluir no seu âmbito de aplicação, as relações jurídicas de emprego público vigentes em 01.01.2008». Porém, este Tribunal não teve de se pronunciar sobre a problemática suscitada nos presentes autos, nomeadamente, na perspectiva alegada pelo recorrente, de que a responsabilidade do Estado, por omissão legislativa, existe a partir da publicação da Lei 67/2007, de 31.12, motivo pelo qual o Estado não poderia, até aí, ser responsabilizado pela omissão de medidas legislativas que concretizassem a protecção dos trabalhadores da Administração Pública na situação de desemprego.

Assim, pese embora a Lei nº11/2008 [entretanto revogada pela Lei nº80/2013, de 28.11], a controvérsia dos autos pode suscitar-se, ainda, em casos idênticos. E o problema da responsabilidade civil, nesse tipo de casos, é matéria que assume importância fundamental.

Esta ponderação é transponível para o caso presente, pelo que também agora se justifica admitir a revista.

3. Pelo exposto decide-se admitir a revista.»

[…]

4. Colhidos os «vistos» legais, cumpre decidir o objecto da revista.

II. De Facto

Das instâncias, vêm provados os seguintes factos:

A) A………………….. foi contratada em 29.04.1999 pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto como assistente-estagiária até 02.02.2003, nos termos do instrumento de folhas 36-37 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido [alínea A) dos Factos Assentes];

B) A mesma, em 03.02.2003, foi contratada pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra como assistente-estagiária, nos termos do instrumento de folhas 38 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido [alínea B) dos Factos Assentes];

D) Não tendo outros meios capazes de prover ao seu sustento sobrevive à custa dos seus pais [resposta aos factos 3º e 4º];

E) O que lhe causou e causa profundo incómodo, desgosto e aflição [resposta ao facto 5º];

G) A associada do autor está em situação de desemprego desde 15.10.2007 [resposta ao facto 7º];

H) Deixando de auferir qualquer rendimento que lhe permita assegurar o seu sustento desde essa data [resposta ao facto 8º];

Nos termos dos artigos 662º, nº1, e 665º, nºs 1 e 2, do [novo] CPC, alteram-se os seguintes factos, por provados:

C) O contrato referido em B) cessou a 15.10.2007, por A……………… não ter requerido a admissão às provas de aptidão pedagógica e científica [alínea C) dos Factos Assentes];

F) Na data em que passou para a situação de desemprego a associada do autor auferia a remuneração ilíquida de 1.713,78€ [resposta ao facto 6º].

E é tudo quanto a factos.

III. De Direito

1. O SNES intentou acção administrativa comum no TAC de Lisboa, em nome da sua associada A……………., pedindo a condenação do réu EP a pagar-lhe indemnização no montante de 22.312,76€, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo pagamento, por omissão de medidas legislativas de assistência material a situações de desemprego de docente do ensino superior.

O TAC de Lisboa, por sentença de 04.11.2010, julgou parcialmente procedente a acção comum, e decidiu condenar o EP a pagar à representada do sindicato autor a quantia de 17.312,76€ a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação, e a quantia de 1.500,00€, a título de ressarcimento de danos morais, e, ainda, a pagar as despesas suportadas com honorários de advogados «a liquidar em execução de sentença» [sic].

Através do acórdão recorrido, de 21.11.2013, que culminou o recurso intentado pelo réu EP, o TCAS manteve nos seus precisos termos a condenação ditada pelo TAC de Lisboa quanto à indemnização por danos patrimoniais e morais, só substituiu a condenação de pagamento de despesas suportadas com honorários de advogados, «a liquidar em execução de sentença», por aquela outra, que já acima citamos [I. 1.].

De novo discorda o réu EP, o qual, agora em sede de recurso de revista, imputa ao acórdão recorrido «erros de julgamento de direito» no tocante à aplicação directa do artigo 22º da CRP [conclusões 4ª a 11ª, e 20ª a 23ª], e à verificação, no caso, quer de conduta ilícita quer de nexo de causalidade entre a mesma e os danos invocados [conclusões 3ª, 12ª a 19ª, 24ª e 25ª]. O montante indemnizatório dos danos, e o pagamento das despesas havidas com advogados não são postos em causa nas conclusões de recurso. E tão pouco o são as formas, definidas no acórdão, para aos respectivos montantes se chegar.

2. O acórdão recorrido entendeu que o acto ilícito de que o autor faz derivar a responsabilidade do réu é a «omissão legislativa» decorrente da falta de criação de normas legais reguladoras da concessão do subsídio de desemprego relativo aos docentes do ensino superior, omissão que apenas foi sanada através da Lei nº11/2008, de 20 de Fevereiro, após ter sido declarada «inconstitucional» pelo acórdão nº474/2002, de 19.11.2002, do Tribunal Constitucional [Pº489/94].

E entendeu que, no caso, situado antes dessa Lei nº11/2008, de 20.02, e antes da Lei nº67/2007, de 31.12, a responsabilidade do Estado «por omissão ilícita e culposa de actos legislativos» era garantida pelo artigo 22º da Lei Fundamental, artigo que era directamente invocável e aplicável, devendo os pressupostos de tal responsabilidade ser aferidos por recurso aos exigidos pelo «regime geral da responsabilidade civil».

Em função deste enquadramento jurídico, considerou o acórdão recorrido que a omissão legislativa detectada era ilícita, pois que violava «um direito subjectivo originário a prestações», e era culposa porque depois do dito aresto do Tribunal Constitucional o legislador ficou ciente da omissão «e nela persistiu por mais de sete anos». Mais considerou que entre os danos apurados e essa conduta ilícita e culposa se verificava o indispensável «nexo de causalidade adequada».

3. O recorrente alega que, no caso, a sua responsabilização directa por omissão legislativa é errada. E desdobra a sua discordância em várias razões: - porque o artigo 22º da CRP apenas estabelece «um princípio geral» que «não respeita a direitos, liberdades e garantias», e daí que «só a partir da entrada em vigor da Lei nº11/2008, de 20.02» é que a representada do sindicato autor teria direito a subsídio de desemprego; - porque à data em que a representada do sindicato autor cessou o contrato de trabalho «não existia qualquer normativo a prever a atribuição do subsídio de desemprego a funcionários públicos», e nem qualquer normativo que «determinasse a responsabilidade do Estado por omissões» de natureza legislativa; - porque a inconstitucionalidade por omissão não pode ser «suprida pelos tribunais, mas apenas pelo legislador», sob pena de violação do «princípio da separação de poderes» [conclusões 4ª a 11ª, e 20ª a 23ª].

E alega, ainda, que no caso é errado concluir pela ocorrência de «uma conduta ilícita» e pela existência de «nexo de causalidade» entre essa eventual ilicitude e os danos invocados, porquanto a atribuição do subsídio de desemprego não é automática, antes depende da verificação de pressupostos que a associada do autor não preenche, e os danos reclamados não resultam da omissão legislativa mas antes do facto da associada do sindicato autor não ter requerido o subsídio de desemprego e não ter os requisitos necessários à sua concessão [conclusões 3ª, 12ª a 19ª, 24ª e 25ª].

4. Na altura em que a associada do SNES restou na situação de desemprego, ou seja, 15.10.2007, a respeito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas vigorava o artigo 22º da Lei Fundamental, e o DL nº48.051, de 21.11.67. Este último, como lei ordinária, apenas abrangia responsabilidade por danos resultantes do exercício da «função administrativa».

Só com a Lei nº67/2007, de 31.12, é que o legislador ordinário passou a prever a responsabilidade extracontratual do Estado por danos resultantes do exercício da função jurisdicional e da função político-legislativa.

Daí colher sentido a alegação do recorrente de que à data em que a associada do autor SNES cessou o contrato de trabalho «não existia» qualquer normativo que determinasse a responsabilidade do Estado por omissões legislativas, pois que, na sua tese, o artigo 22º da CRP apenas estabelece um princípio geral que não será directamente aplicável, porquanto não respeita a direitos, liberdades e garantias. Essa responsabilização só teria passado a ser possível, segundo ele, depois da entrada em vigor da Lei nº67/2007, e nos termos por ela definidos.

Mas não lhe assiste razão.

O artigo 22º da CRP, integrado nos «princípios gerais» [Título I] dos «direitos e deveres fundamentais» [Parte I], sob a epígrafe de «Responsabilidade das entidades públicas» diz que «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».

Esta norma estabelece, pois, «um princípio geral de responsabilidade do Estado e demais entidades públicas», constatando-se que a doutrina dominante, e a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, vêm entendendo que ela inclui a responsabilidade subjectiva pelo exercício ilícito da função legislativa, e que, em face da omissão do legislador, que tardava em concretizá-la, nomeadamente no que concerne a esse tipo de responsabilidade, pode ser directamente invocada pelos particulares e aplicada mesmo na ausência de lei concretizadora [ver J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1999, página 476; J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra 1993, página 170; Marcelo Rebelo de Sousa/José Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada, Lisboa, 2000, 105; Marcelo Rebelo de Sousa, Responsabilidade dos estabelecimentos públicos de saúde, Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, página 161; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, volume IV, Coimbra, 2000, página 289; Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Coimbra, 1992, 86; AC do STJ de 24.02.94, BMJ nº434, páginas 396; AC STJ 14.11.96, Pº96B156; AC STJ de 23.09.99, CJ, Ano VII, Tomo III; AC do STJ de 07.02.2002, CJSTJ, Ano X, 1, página 86; AC do STJ de 25.09.2003, Pº03B1944; AC STJ de 26.02.2004, Pº04B2543; AC STJ de 29.06.2005, Pº05ª1064; AC STJ de 21.03.2006, Pº06A294; AC STJ de 14.06.2007, Pº07B190; AC STJ de 27.11.2007, Pº07A3954; AC STJ de 10.07.2008, Pº07B740; e AC do STJ de 31.03.2009, Pº08B2421].

Visa-se consagrar, ao lado da norma constitucional que assegura, a todos, o «acesso ao direito e aos tribunais» para defesa «dos seus direitos e interesses legalmente protegidos» [artigo 20º da CRP], o direito geral, fundamental, de todos os cidadãos, à reparação dos danos que para eles resulte do exercício das funções do Estado, nomeadamente da função legislativa.

Não obstante a doutrina e a jurisprudência não constituírem fontes de direito, o certo é que estribamos seus entendimentos numa interpretação do artigo 22º, da CRP, que se mostra tecnicamente irrepreensível e materialmente justa, pois a desconsideração da aplicabilidade directa de tal norma constitucional levaria a decisões desrazoáveis e injustas [a propósito, Karl Larenz, in Metodologia da Ciência do Direito, página 397].

Deste modo, o «princípio geral» vertido no artigo 22º da CRP não se fica por aí, pela generalidade que apenas se torna exequível através da lei concretizadora, mas consubstancia também um «direito fundamental» dos particulares lesados, direito esse que, por ser análogo aos direitos, liberdades e garantias, pode ser, na falta da devida concretização, directamente invocado pelo lesado e aplicado pelos tribunais.

Resulta, portanto, que numa altura em que o legislador não tinha concretizado a disposição constitucional em referência, nomeadamente naquilo que respeita à responsabilidade extracontratual do Estado-Legislador pelos danos causados no exercício e por causa do exercício dessa sua função, o sindicato autor fez bem em invocar perante o tribunal, em nome da sua associada, directamente o disposto no artigo 22º da CRP. E não «errou» o acórdão recorrido ao basear a responsabilidade extracontratual do réu nessa norma.

E os «pressupostos» de tal responsabilidade, na ausência da concretização legal específica, não podiam deixar de ser outros senão aqueles que o ordenamento jurídico consagrava, então, no âmbito do regime geral da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, ou seja, no artigo 483º do Código Civil, sendo que o artigo 2º do DL nº48.051, de 21.11.67, então em vigor, também nele se baseava.

5. Na altura em que a associada do autor, A………………, caiu na situação de desemprego, determinava o artigo 59º da CRP, capítulo III do Título II, sobre «direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», no seu nº1, alínea e), que «1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:[…] e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego[…]».

Nessa altura, o legislador ordinário já havia regulado este direito constitucional, emergente da eventualidade do desemprego involuntário, mas somente no que respeita a parte dos «trabalhadores por conta de outrem» [DL nº79-A/89, de 13.03; DL nº119/99, de 14.04 – alterado pelo DL nº186-B/99, de 31.05, pelo DL nº326/2000, de 22.12, e pelo DL nº84/2003, de 24.04 – DL nº220/2006, de 03.11; DL nº67/2000, de 26.04 (relativamente aos educadores de infância e professores do ensino básico e secundário contratados para o exercício de funções docentes no ensino público); DL nº320-A/2000, de 15.12 (relativamente a militares em regime de voluntariado e contrato)].

A generalidade dos trabalhadores da Administração Pública, entre os quais se encontravam os «docentes do ensino superior», providos por nomeação ou por contrato, continuava «excluída da aplicação desta legislação ordinária» pois não se podia inscrever no regime geral da segurança social. Continuava, assim, sem poder beneficiar de «subsídio de desemprego», ou de qualquer outra prestação específica, quando em situação de «desemprego involuntário».

Por acórdão de 19.11.2002 [AC nº474/2002, Processo nº489/94], o Tribunal Constitucional, a requerimento do Provedor de Justiça, tinha apreciado a conformidade com a Lei Fundamental dessa «falta de medidas legislativas necessárias para conferir plena exequibilidade à norma contida na alínea e) do nº1 do artigo 59º da CRP no que diz respeito aos trabalhadores da Administração Pública», e concluíra, no dito acórdão, que se verificava «o não cumprimento da Constituição, por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequível o direito previsto na alínea e) do nº1 do artigo 59º, relativamente aos trabalhadores da Administração Pública».

Foi, assim, verificada e declarada a ocorrência de uma omissão parcial, já que o legislador deu exequibilidade à norma constitucional que lhe impõe assegurar o «direito à assistência material dos trabalhadores que se encontrem em situação de desemprego involuntário», mas apenas relativamente a alguns deles, com exclusão da generalidade dos trabalhadores da Administração Pública.

Porém, só pela Lei nº11/2008, de 20.02, e mais propriamente através dos seus artigos 9º e 10º [revogados, nos termos do artigo 31º da Lei nº4/2009, de 29.01, que define a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas], é que o legislador ordinário criou «a protecção no desemprego de trabalhadores da Administração Pública», mandando aplicar-lhes, com as necessárias adaptações e algumas alterações, o disposto no DL nº220/2006, de 03.11.

O recorrente, face a esta situação, defende que só a partir da entrada em vigor da Lei nº11/2008 é que a docente teria direito ao subsídio de desemprego, pois que à data em que cessou o contrato de trabalho não existia norma legal que a abrangesse, e defende, ainda, que a inconstitucionalidade por omissão nunca poderá originar a sua responsabilidade por danos da associada do autor, já que não há ilicitude nem nexo causal que o justifiquem nem os tribunais podem, no seu entender, substituir-se ao legislador.

Mas também a este respeito, cremos, não lhe assiste razão.

Naturalmente que, com base na lei ordinária, só a partir da entrada em vigor da Lei nº11/2008 é que a representada do SNES poderia ter direito ao «subsídio de desemprego». Mas não é isso que está em causa. A ilicitude da conduta do réu, enquanto Estado-Legislador, é concretizada no acórdão recorrido na omissão, já declarada inconstitucional, das medidas legislativas «necessárias para dar plena exequibilidade» à norma contida na alínea e) do nº1 do artigo 59º, da CRP, no que respeita aos trabalhadores da Administração Pública.

No contexto da responsabilidade civil o conceito de «ilicitude» tem um sentido bastante preciso: indica aquela forma particular de contrariedade ao direito que contém em si mesma força suficiente para dar vida a uma relação obrigacional nos termos da qual o autor do acto danoso se constitui no dever de indemnizar.

Significa que a contrariedade ao direito que configura ilicitude responsabilizante não se esgota na mera ilegalidade, antes exige a violação de norma que proteja o direito ou interesse legítimo que o particular pretende ver satisfeito. À ilicitude interessa, pois, o conteúdo da norma violada [ver, a propósito, J. Gomes Canotilho, O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Actos Lícitos, Coimbra 1974, página 74 e seguintes; AC do STA de 23.10.2008, Rº0665/08].

No caso, estamos face à omissão inconstitucional, assim foi declarada pelo dito acórdão de 19.11.2002, de medidas legislativas necessárias a tornar exequível o direito dos trabalhadores da administração pública «à assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego.»

Esta omissão inconstitucional, na medida em que inviabiliza a aplicação de uma norma constitucional que confere à representada do sindicato autor assistência material na sua situação de desemprego involuntário, obviamente que impede a satisfação da sua pretensão ao «subsídio de desemprego», pretensão essa que lhe assistiria não fosse ela trabalhadora da Administração Pública. E configura, destarte, uma omissão ilícita geradora da responsabilidade do Estado-Legislador pelos danos «causados» à associada do autor.

Este «nexo causal» imprescindível para a responsabilização do réu pelos danos, reclamados nesta acção comum, terá de ser encarado numa dupla vertente: - a naturalística, que exige que a omissão ilícita seja, em concreto, conditio sine qua non dos danos; - e a jurídica, que exige que a omissão ilícita seja, ora no plano abstracto, adequada em si mesma a produzir o tipo de danos reclamados.

Na verdade, como tem vindo a entender a doutrina e a jurisprudência, o artigo 563º do CC, norma que fixa o regime do «nexo de causalidade» em matéria de obrigações de indemnização, consagra a assim chamada «teoria da causalidade adequada», na formulação negativa dada por ENNECERUS-LEHMANN, segundo a qual uma condição do dano deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano» [ver, entre outros, AC STA de 16.05.2006, Rº0874/05, e a doutrina e jurisprudência nele citada; ver Mário Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição, revista e aumentada, página 605].

Ora, contemplado o caso concreto nessa dupla vertente, que não constitui mais do que duas faces de uma mesma moeda, não poderemos deixar de concluir no sentido da ocorrência de «nexo causal» relevante entre a dita «omissão ilícita» de medidas legislativas, necessárias a conferir exequibilidade ao direito vertido na alínea e) do nº1 do artigo 59º da Lei Fundamental, e o «não pagamento de subsídio de desemprego» à associada do SNES. No plano jurídico, ou abstracto, é adequado que a falta dessa previsão legal inviabilize a atribuição da prestação em causa. E no plano concreto, naturalístico, parece não haver dúvidas de que essa ausência de previsão legal, que consubstancia a «omissão inconstitucional declarada», constituiu condição necessária para o «não pagamento de subsídio de desemprego» à docente A……………...

O recorrente, no âmbito deste plano naturalístico, entende que «a atribuição do subsídio de desemprego não é automática», mas depende de pressupostos que a associada do autor não preenchia, e que, por via disso, os danos reclamados deverão atribuir-se ao facto da docente não ter requerido o subsídio nem ter os requisitos necessários à sua concessão, e não à omissão legislativa.

O único dano que releva para esta discordância do recorrente é, como vemos, o montante global que ele foi condenado a pagar à associada do autor a título de «subsídio de desemprego», sendo certo que esse montante, em si mesmo, não é objecto de discussão.

Mas, afigura-se-nos que a razão não está do seu lado. Na verdade, não consta da factualidade provada que a associada do autor tenha requerido a atribuição de «prestações de desemprego» junto do seu respectivo «centro de emprego», fazendo-o mediante a utilização do «modelo próprio» devidamente instruído [ver artigos 72º a 81º do DL nº220/2006, de 03.11], embora conste de documento junto aos autos, e cuja genuinidade e fidelidade não foram controvertidas, que por despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, de 26.05.2008, lhe foi indeferido o requerimento de «subsídio de desemprego» feito com base na Lei nº11/2008, de 20.02 [ver folhas 140 a 146 dos autos].

Porém, a verdade é que a associada do autor não tinha, ao tempo, outra lei em que basear a sua pretensão, resultando em acto inútil, por falta de base legal, o estar a dirigir ao centro de emprego um requerimento legalmente infundado. E, nesta perspectiva, cremos que a falta de um tal requerimento, ou sua alegação, se tornam irrelevantes em termos de obstrução do «nexo de causalidade».

E não é verdade, ao menos na apreciação perfunctória que aqui nos poderá ser pedida, que a associada do autor não preenchesse os requisitos necessários à concessão do subsídio de desemprego ao abrigo do regime, então vigente, para os demais trabalhadores. Efectivamente, conforme o disposto no artigo 8º, nº1, do DL nº220/2006, «A titularidade do direito ao subsídio de desemprego […] é reconhecida aos beneficiários cujo contrato de trabalho tenha cessado nos termos do artigo 9º, reúnam as respectivas condições de atribuição à data do desemprego e residam em território nacional». E, de acordo com o nº1 do seu artigo 18º, «O reconhecimento do direito às prestações de desemprego depende da caracterização da relação laboral, da situação de desemprego e da verificação de prazos de garantia […]». Ora, da ponderação dos «pontos A) B) C) e G)» do provado, resulta bastante claro que a associada do autor preenche todos os requisitos exigidos por tais normas, incluindo o prazo de garantia que então era exigido pelo artigo 22º, nº1, do diploma legal em referência, isto é, «450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior ao desemprego».

Mostra-se ajustado, pois, que o dano patrimonial sofrido pela docente em causa seja liquidado em função das prestações de «subsídio de desemprego» que ela receberia se lhe fosse aplicado o regime dos demais trabalhadores por conta de outrem, sendo que esta solução não se traduz, como entende o recorrente, na violação do «princípio da separação de poderes» por a inconstitucionalidade por omissão não poder ser «suprida pelos tribunais, mas apenas pelo legislador».

Mas não é disto que se trata.

Ao poder judicial compete dirimir os litígios que lhe são apresentados, e fazê-lo mediante a selecção, interpretação e aplicação ao caso concreto do manancial jurídico pré-existente, respeitando, portanto, o plano previamente gizado pelo legislador. Ou seja, o juiz decide o «caso concreto» lançando mão do «material jurídico» relevante para essa decisão, respeitando o existente, e sendo com ele coerente.

O poder legislativo não visa aplicar mas criar direito, e não visa casos concretos mas estabelecer regimes gerais e abstractos. Por isso mesmo não está sujeito, por regra, ao material jurídico pré-existente nem se lhe exige com ele coerência se entender que a nova solução jurídica é a melhor.

No presente caso, o que se pede ao tribunal é que dirima o litígio concreto, que verifique se ocorrem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e aplique o regime para ele vigente, seleccionando as regras de direito aplicáveis, interpretando-as e aplicando-as de modo a chegar a uma solução justa e legal.

Ao proceder a este labor, nomeadamente ao determinar a forma de estabelecer o critério jurídico que permita apreciar e fixar o montante indemnizatório devido à associada do autor quanto a danos patrimoniais, o tribunal não está a invadir a esfera legislativa, antes a cumprir a sua missão constitucional de fazer justiça, apreciando e decidindo o litígio concreto.

Não detectamos no acórdão recorrido, portanto, os demais erros de julgamento de direito que lhe são imputados pelo recorrente EP, ao nível da «ilicitude», do «nexo de causalidade» e da violação do «princípio da separação de poderes».

6. Ressuma do exposto, cremos, que deverá ser negado provimento ao recurso de revista, e mantido o acórdão recorrido, do TCAS, nos seus precisos termos.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista interposto pelo Estado Português, e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Sem custas, dada a isenção objectiva do recorrente Estado Português – artigos 3º, nº1 alínea a), do CCJ, e 8º, nº4, da Lei nº7/2012, de 13.02.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.