Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0868/16
Data do Acordão:07/12/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PERDA DE MANDATO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista em que está em discussão o sentido da parte final do n.º 2 do art.º 8.º da Lei n.º 27/96, de 1/08 “visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem”, por se tratar de questão de importância fundamental relativa ao regime de perda de mandato e se mostrar decidida de modo divergente pelas instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P20810
Nº do Documento:SA1201607120868
Data de Entrada:07/05/2016
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar


Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. A…………. pede revista, ao abrigo do art.º 150.º do CPTA, do acórdão do TCA Sul de 5/5/2016 (P. 13231/16) que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público de decisão do TAF de Castelo Branco, julgou procedente a acção de perda de mandato do ora recorrente na qualidade de membro da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de .......... do ........., ...... e .............

Alega que o recurso é interposto com “fundamento em violação da lei substantiva (designadamente quanto à interpretação do segmento normativo “visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem” do art. 8º/2 da Lei N.º27/96, de 1 de Agosto (doravante Lei da Tutela Administrativa), (…) sendo admissível in casu, porquanto está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, reveste importância fundamental”.

E que “sendo tão mais revelante tal interpretação, porquanto em primeira instância, pela aplicação do Direito aos mesmos factos, entendeu que, in caso, tal pressuposto de “visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem” do art. 8°/2 da Lei N.°27/96, de 1 de Agosto (doravante Lei da Tutela Administrativa), não se verificava.”

Defende ainda que “esta é uma questão complexa que, com base em interpretações jurídicas diversas, deu origem, nos presentes autos a duas decisões contraditórias acerca da mesma factualidade (dada como assente e provada na 1ª instância e não alterada em sede de recurso), pelo que merece ser reapreciada em sede de recurso de revista (excepcional) pelo Supremo Tribunal Administrativo” e que, “por outro lado, conforme entendimento já explanado pelo Tribunal ad quem as questões relativas ao contencioso eleitoral “apresentam uma inegável repercussão comunitária, quer pela relevância na ordem jurídica comunitária, quer pela relevância na organização do poder político democrático, quer pelo reflexo na regularidade de funcionamento das instituições administrativas do poder local”.

O Ministério Público opõe-se à admissibilidade do recurso, salientando que a diferente análise conclusiva das instâncias não significa, por si só, que a questão concreta seja complexa e admitindo que ela possa ter alguma relevância social não é fundamental para uma melhor aplicação do direito. O recurso não versa sobre questão de relevância jurídica ou social de importância fundamental, por contender com interesses especialmente importantes da comunidade, ou particularmente complexa sob o ponto de vista jurídico e que, por outro lado, o recorrente invoca a existência de erro de julgamento na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, matéria excluída do objecto de revista.

2. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3. No caso em apreço, o Tribunal Central Administrativo Sul revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco e declarou a perda de mandato requerida na acção. As questões suscitadas no presente recurso são as mesmas que se discutem no Proc. 869/16, relativo à perda de mandato de outro autarca com origem no mesmo episódio, em que por acórdão de hoje se disse:
“Causa do pedido de perda de mandato e da sua declaração pelo acórdão recorrido é a participação do demandado na qualidade de presidente da então Junta de Freguesia de ........ em contrato de doação à Associação Progresso e Melhoramento do ........., sendo ele secretário da direcção desta.
Esteve nomeadamente em discussão nas instâncias o sentido da parte final do artigo 8.º, 2.º da Lei n.º 27/96, de 01.8: «visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem».
O Ministério Público, embora opondo-se à admissão, não deixa de reconhecer que a matéria tem «alguma relevância social e revela alguma possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros».
Em acórdão deste Supremo Tribunal de 9.1.2002, processo 48349, sumariou-se: «II - A decisão da perda de mandato há-de ser função da relevância da lesão da isenção e da imparcialidade, sob pena da subversão dos próprios desígnios expressos na Constituição da República, especialmente no Poder Local, considerando a curtíssima distância que o liga ao administrado, pelo que só um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo. / III - A gravidade da medida exige que seja métrica da culpa todo o circunstancialismo de espaço, tempo e modo em que os factos foram praticados, inseridos outrossim na personalidade do seu autor».
Toda a problemática da perda de mandato de titulares de órgãos autárquicos releva da organização democrática do Estado, sendo a perda de mandato uma medida de natureza grave. E na circunstância observa-se divergência de entendimento das instâncias.
Assim, essas questões atingem o patamar de importância fundamental, nos termos previstos no artigo 150.º do CPTA”.

É o que no presente processo igualmente se decide.

4. Decisão

Pelo exposto, admite-se o recurso.

Lisboa, 12 de Julho de 2016. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.