Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:085/12
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECLAMAÇÃO GRACIOSA NECESSÁRIA
INDEFERIMENTO TÁCITO
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RETENÇÃO NA FONTE
Sumário:I – Em regra, a reclamação graciosa tem natureza facultativa, mas há situações em que a lei não permite a impugnação directa do acto de liquidação e impõe a reclamação graciosa prévia como condição para abrir a via contenciosa como, v.g., no caso de retenção na fonte, quando o fundamento de impugnação não for exclusivamente matéria de direito e o acto não tiver sido efectuado de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT (art. 132.º, n.ºs 2 e 6, do CPPT).
II – Nos casos de retenção na fonte, se for apresentada reclamação graciosa, quer ela seja condição de abertura da via judicial, quer não o seja mas o interessado tenha optado por a apresentar, o prazo para a impugnação judicial é o do n.º 5 do art. 132.º do CPPT: 30 dias contados do indeferimento expresso ou tácito (sendo que, neste último caso, fica afastado o prazo geral do art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT para a impugnação da generalidade dos indeferimentos tácitos, como o permite o n.º 4 do mesmo artigo).
III – A reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente (art. 57.º, n.º 5, da LGT e art. 106.º do CPPT), sendo que o prazo para a decisão da reclamação graciosa é de seis meses (art. 57.º, n.º 1, da LGT) e conta-se da data da entrada da petição no serviço competente (art. 57.º, n.º 5, LGT) e nos termos do art. 279.º, alínea c), do CC ex vi do n.º 3 do art. 57.º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067534
Nº do Documento:SA220120419085
Data de Entrada:01/27/2012
Recorrente:A..., GMBH
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPTRIB99 ART2 E ART20 N1 ART106 ART132 N5
CPC96 ART150 ART684 N3 ART690-A N1
CCIV66 ART279
LGT98 ART57 N1 N3 N5
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG163-165 PAG406-409 PAG420 VOLI PAG638-639.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A……, GMBH” (adiante Impugnante ou Recorrente) apresentou impugnação judicial na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou relativamente às retenções na fonte de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foram efectuadas pela sociedade denominada “B……, Lda.” durante os anos de 2003 e 2005 com referência ao pagamento de royalties.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu sentença em que, na parte que ora nos interessa considerar (À impugnação judicial foi apensada uma outra – com o n.º 724/07.1BESNT – em que o pedido formulado foi de anulação dos juros compensatórios que foram liquidados com referência à retenção na fonte de IRC relativo ao pagamento de royalties no ano de 2003. A sentença julgou esta última impugnação judicial improcedente e, nessa parte, transitou em julgado.), absolveu a Fazenda Pública do pedido por julgar procedente a excepção da caducidade do direito de impugnar.

1.3 A Impugnante recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença, na parte que lhe foi desfavorável, e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 Apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A) Ao caso dos autos aplica-se o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º por remissão dos artigos 131.º n.º 3 ex vi do artigo 132.º n.º 6 todos do CPPT.

B) Com efeito, o prazo para apresentação da impugnação judicial é de 90 dias a contar da formação da presunção de indeferimento tácito e não de 30 dias, conforme decidido pelo Tribunal a quo.

C) O indeferimento tácito formou-se em 12.12.2006, pelo que o prazo para a apresentação da impugnação judicial terminou em 12.03.2007.

D) A impugnação judicial foi remetida ao Tribunal a quo no dia 08.03.2007, por meio de correio registado.

E) Donde, apenas se poderá concluir que a impugnação judicial aqui em apreço foi apresentada pela Recorrente de forma tempestiva e em tempo.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso com as legais consequências» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.).

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«1. A reclamação graciosa apresentada em 31.05.2006, tendo por fundamento erro na retenção na fonte de IRC incidente sobre royalties, presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial em 30.11.2006 (arts. 57º nºs 1 e 5 LGT; art. 106º CPPT)
Em regra a impugnação judicial pode ser deduzida no prazo de 90 dias contados da formação da presunção de indeferimento tácito (art. 102º nº 1 al. d) CPPT)
No caso de retenção de imposto na fonte o legislador estabeleceu prazos distintos para dedução de impugnação judicial, na norma remissiva constante do art. 132º nº 6 CPPT:
a) 90 dias no caso de inexistência de prévia reclamação graciosa (art. 131º nº 3 CPPT)
b) 30 dias no caso de indeferimento expresso ou tácito de reclamação graciosa (art. 131º nº 2 CPPT, aplicável nos termos do art. 131º nº 3 primeiro segmento CPPT)
2.Neste contexto,
a) o termo final do prazo em 30.12.2006 (período de férias judiciais) transferiu-se para 4.01.2007 (art. 279º al. e) CCivil; art. 20. nº 1 CPPT)
b) é intempestiva a petição de impugnação judicial apresentada em 8.03.2007
c) é igualmente intempestiva, ainda que se acolhesse o entendimento de que a interessada dispunha do prazo de 90 dias o qual, contado de forma contínua, terminaria em 28.02.2007».

1.7 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar, o que implica que se estabeleça
· qual o prazo para impugnar, o qual, como procuraremos demonstrar, depende de ter sido ou não apresentada reclamação graciosa,
· em que data se formou a presunção do indeferimento tácito.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

« III – Fundamentação

DOS FACTOS

Factos Provados

A) Em 24/10/2002 a A……, GMBH emitiu à B……, Lda. a factura no montante de € 739.486,30 (cfr. fls. 18 e 32).

B) Em 24/03/20034, a A……, GMBH emitiu à B……, Lda. uma nota de crédito no montante de € 34.727,50 (FLS. 19 e 35).

C) Em 31/10/2003 a A……, GMBh emitiu à B……, Lda., a factura no montante de € 1.723.567,00 (FLS. 20 e 38).

D) Em 18/11/2004 a B……, Lda. procedeu ao pagamento das importâncias de € 73.948,63 e € 186.039,75, referentes a retenções na fonte a não residentes, cuja data limite de pagamento era 20/11/2002 (cfr. FLS. 21 e 22).

E) Em 16/12/2004 a B……., Lda. procedeu ao pagamento da importância de € 172.356,70, referente a retenções na fonte efectuadas a não residentes, cuja data limite de pagamento era 10/12/2003 (cfr. FLS. 23)

F) Em 21/03/2005, a ora Impugnante emitiu à B……., Lda., uma nota de crédito no montante de € 18.831,97 FLS. 24 e 41).

G) Em 02/11/2005 a ora Impugnante emitiu à B……, Lda., uma factura referente a royalties, no montante de € 1.356.882,00 (cfr. FLS. 25 e 44).

H) Em 20/12/2005 a B….., Lda. procedeu ao pagamento da importância € 135.688,20, referentes a retenções na fonte a não residentes, cuja data limite de pagamento era 20/12/2005 (FLS. 26)

I) Em 2006.01.11, a B……, Lda., foi notificada de duas notas de liquidação de Juros Compensatórios referentes a royalties do ano de 2003, respectivamente com nºs 200600000001567, no montante de € 7.400,81 e 200600000003244 no montante de € 6.818,71 as quais foram pagas em 19/01/2006 (FLS. 25 a 28 do processo apenso).

J) Em 16/05/2006, a B……, Lda. foi reembolsada dos juros liquidados no valor de € 6.818,71, correspondentes ao período compreendido entre 01/01/2003 e 31/12/2003 (FLS. 29 do processo apenso).

L) A Impugnante apresentou reclamação graciosa com os mesmos fundamentos e pedido invocados no processo de impugnação judicial nº 301/07.7BESNT, a qual deu entrada no Serviço de Finanças em 31/05/2006 e de cujo indeferimento tácito deduziu Impugnação Judicial, à qual coube o nº 301/07.7 BESNT, e que foi remetida a tribunal por correio registado em 08/03/2007 (cfr. fls. 5 do processo administrativo apenso ao proc. 301/07.7 e fls. 3 dos autos).

M) Em 21/06/2006, a B……, Lda., foi notificada da nota de liquidação de juros compensatórios sobre royalties do ano de 2003, com o n.º 2006 000000189411, no montante de € 6.780,93, a qual foi paga em Junho de 2006 (fls. 48 e 49 do processo apenso).

N) Em 20/10/2006 a ora impugnante deduziu reclamação contra a liquidação de juros compensatórios nº 2006 00000189411 no valor de € 6.780, 93, de cujo indeferimento tácito, deduziu Impugnação Judicial em 2/07/2007, a que coube o nº 724/07.1BESNT.

O) As reclamações graciosas referidas nas alíneas Q) e S) foram apensas aos processos 302/07.7BESNT e 724/07.1BESNT, não contendo qualquer decisão administrativa (cfr. fls. 65 do processo 302/07.7BESNT e fls. 83 do processo nº 724/07.1BESNT).

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Factos Não Provados

Não se provou que o impugnante pago pela sociedade “B……, Lda.” diga respeito a retenções na fonte efectuadas à sociedade “A……., GMBH”».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Impugnante vem recorrer da decisão da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte (Ver nota 1.) em que julgou caducado o direito de impugnar e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido (Com interesse sobre o efeito – absolvição da instância ou absolvição do pedido – no caso de caducidade do direito de impugnar, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 18 ao art. 102.º, págs. 163 a 165.).
Para assim decidir, considerou a Juíza do Tribunal a quo, em resumo, o seguinte:

· porque a reclamação graciosa deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 3 em 31 de Maio de 2006, «formou-se indeferimento tácito no dia 30/11/2006, nos termos do disposto no art. 57º, nº 1 da LGT e 106º do CPPT»;
· sendo que a Impugnante, «nos termos do art. 132º, nº 2 do CPPT», dispunha do prazo de 30 dias para deduzir a impugnação judicial, esse prazo terminaria em 30 de Dezembro de 2006, ou seja, em período de férias judiciais, transferindo-se, por isso, para o dia 4 de Janeiro de 2007 – primeiro dia útil seguinte –, nos termos do art. 279.º do Código Civil (CC) e do art. 20.º, n.º 1, do CPPT;
· assim, quando a petição inicial foi apresentada, em 8 de Março de 2007, estava já caducado o direito de impugnar;
· a caducidade deste direito extingue o direito de sindicar judicialmente a legalidade do acto tributário, constituindo uma excepção peremptória que determina a absolvição da Fazenda Pública do pedido, como resulta dos arts. 493.º, n.º 3, e 496.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.

A Impugnante insurge-se contra esse entendimento. Segundo alega, o prazo para a impugnação judicial é, não de 30 dias, como considerou a Juíza do Tribunal a quo, mas de 90 dias a contar da formação da presunção do indeferimento tácito, como resulta do disposto na alínea d) do art. 102.º, n.º 1, do CPPT «por remissão dos artigos 131.º n.º 3 ex vi do artigo 132.º n.º 6», ambos do mesmo Código.
Por isso, e também porque situou a formação do indeferimento tácito no dia 12 de Dezembro de 2006, considera que quando a petição inicial foi apresentada, em 8 de Março de 2007, estava ainda a correr o prazo para impugnar, que apenas terminou no dia 12 desse mês e ano.
Assim, a questão a apreciar e decidir é, como deixámos dito em 1.8, a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar, o que passa por saber (i) qual o prazo para o efeito, o qual, como procuraremos demonstrar, depende de ter ou não sido apresentada reclamação graciosa e (ii) em que data se formou a presunção do indeferimento tácito.


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2.2.2 DO PRAZO PARA IMPUGNAR NA SEQUÊNCIA DO INDEFERIMENTO TÁCITO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA

Como deixámos já dito, a sentença considerou que o prazo para impugnação judicial na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa era de 30 dias, motivo por que julgou caducado o direito de impugnar, uma vez que a petição inicial deu entrada bem para além do termo desse prazo.
Sustenta a Recorrente que o prazo não é de 30 dias, mas de 90 dias, uma vez que lhe é aplicável o disposto na alínea d) do art. 102.º, n.º 1, do CPPT «por remissão dos artigos 131.º n.º 3 ex vi do artigo 132.º n.º 6», ambos do mesmo Código
Ou seja, a Recorrente sustenta que a impugnação judicial não estaria dependente de reclamação graciosa prévia – como resulta da referência ao n.º 3 do art. 131.º (Diz o art. 131.º, n.º 3, do CPPT: «Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º».), aplicável ex vi do n.º 6 do art. 132.º (Dispõe o art. 132.º, n.º 6, do CPPT: «À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior».), ambos do CPPT – e que dessa invocada natureza facultativa da reclamação graciosa resulta que o prazo para a impugnação judicial a deduzir para a impugnação do respectivo indeferimento tácito será o prazo geral do art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT (Nos termos do art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT: «1. A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes: […] d) Formação da presunção de indeferimento tácito; […]».).
Já a Juíza do tribunal a quo, sem estabelecer se a reclamação graciosa era necessária ou facultativa, afirmou que o prazo para a impugnação judicial é de 30 dias a contar do indeferimento tácito. É certo que na sentença se referiu ser esse o prazo «nos termos do art. 132º, nº 2 do CPPT», mas é manifesto que a indicação do n.º 2 daquele artigo resulta de lapso, pois naquele número não há referência a prazo de impugnação algum e só no n.º 5 do art. 132.º se prevê prazo para impugnar.
Vejamos:
Em regra, a reclamação graciosa tem natureza facultativa. No entanto, em certas situações, a lei não permite a impugnação directa do acto e impõe a reclamação graciosa prévia como condição para abrir a via contenciosa.
«É o que sucede nos casos previstos no CPPT nos arts. 131.º, n.ºs 1 e 3 (impugnação em caso de autoliquidação, quando o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação não tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária), 132.º, n.ºs 2 e 6 (impugnação em caso de retenção na fonte, quando o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação não tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária) e impugnação em caso de pagamento por conta (art. 133.º, n.º 2).
[…]
Nestas situações em que a reclamação graciosa é necessária, apenas do acto expresso que decide a reclamação ou do indeferimento tácito é admissível impugnação judicial, pelo que o acto de liquidação é inimpugnável directamente, sendo-o apenas mediatamente, através da impugnação da decisão expressa ou tácita da reclamação graciosa que o mantenha» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 12 ao art. 69.º, págs. 638/639.)
A Recorrente parece entender que, porque a reclamação graciosa que apresentou era facultativa, o prazo para a impugnação judicial será o prazo geral de impugnação dos indeferimentos tácitos do art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT.
Mas, pelo contrário, para a solução do caso sub judice, ou seja, para determinar qual o prazo para impugnar judicialmente o indeferimento tácito da reclamação graciosa, é despiciendo averiguar se era ou não necessária a reclamação graciosa para abrir a via contenciosa (Como é sabido, a reclamação graciosa só não será necessária como condição prévia para abertura da via contenciosa, como decorre do n.º 3 do art. 131.º, aplicável às situações de retenção na fonte ex vi do n.º 6 do art. 132.º, ambos do CPPT, quando «o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação [leia-se a retenção na fonte] tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária».
Sobre as razões desta excepção à regra da reclamação necessária, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 3 ao art. 131.º, págs. 406 a 409.).
Na verdade, o que importa apenas é saber se foi ou não apresentada reclamação graciosa, sendo que, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ainda que a reclamação graciosa não seja necessária, pode ser «apresentada, nos termos do n.º 3 deste art. 132.º, pois seria constitucionalmente inadmissível que o contribuinte perdesse o direito de impugnação contenciosa, por entretanto decorrer o prazo de impugnação directa (nos termos do n.º 6 deste art. 132.º, com remissão para o n.º 3 do art. 131.º), por não conhecer orientações genéricas da Administração tributária que não é obrigado a conhecer.
Nos casos em que não há lugar a reclamação graciosa necessária, a impugnação deve ser apresentada no prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do art. 102.º do CPPT, a contar do termo do ano em que ocorreu a retenção a impugnar [o n.º 3 deste art. 132.º estabelece como termo inicial da contagem do prazo de impugnação o termo do prazo referido no número anterior, que é o do ano em que se efectuou o pagamento indevido; o prazo é o previsto no n.º 1 do art. 102.º, por força da remissão efectuada para ele pelo art. 131.º, n.º 3, para que, por sua vez, remete o n.º 6 deste art. 132.º]».
Mas logo adverte: «No entanto, se o interessado apresentar reclamação graciosa, apesar de se tratar de situação em que ela era dispensável, o prazo para impugnação contenciosa será o prazo especial de 30 dias a contar da notificação do indeferimento ou da formação de indeferimento tácito, indicado no n.º 5 deste art. 132.º» (Ob. cit., volume II, anotação 5 b) ao art. 132.º, pág. 420.).

Ou seja, e em conclusão, se a ora Recorrente entendia que não lhe era exigível a apresentação de reclamação graciosa para abrir a via contenciosa (por estar em causa apenas matéria de direito e a retenção ter sido efectuada de acordo com instruções administrativas)

· podia deduzir impugnação judicial sem prévia apresentação de reclamação graciosa, no prazo do art. 102.º, n.º 1, do CPPT;

· mas nada a impedia de apresentar reclamação graciosa, sendo que, neste caso, o prazo para a impugnação judicial será o prazo especial de 30 dias a contar da notificação do indeferimento ou da formação de indeferimento tácito, nos termos do n.º 5 do art. 132.º do CPPT.

Do que vimos de dizer resulta que o recurso não pode ser provido, uma vez que, tendo sido apresentada reclamação graciosa, o prazo para impugnar nunca poderia ser de noventa dias, como pretende a Recorrente (cfr. conclusões A) e B)), mas é de trinta dias, a contar da formação do indeferimento tácito.
Assim, quer a reclamação graciosa se presuma indeferida em 30 de Novembro de 2006, como considerou a Juíza do Tribunal a quo, quer em 12 de Dezembro de 2006, como sustenta a Recorrente, em ambos os casos é de concluir que em 8 de Março de 2007 – data em que a impugnação judicial se considera deduzida (por ter sido a data em que a petição inicial foi remetida a juízo por correio registado, como consta da alínea L) dos factos provados), em face do disposto no art. 150.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT –, estava já caducado o direito de impugnar, porque esgotado o prazo de 30 dias que o n.º 5 do art. 132.º do CPPT fixa para o efeito.
Note-se, em todo o caso, que bem andou a Juíza do Tribunal a quo ao considerar que o prazo de 30 dias para a ora Recorrente deduzir a impugnação judicial terminaria em 30 de Dezembro de 2006, ou seja, em período de férias judiciais, transferindo-se, por isso, para o dia 4 de Janeiro de 2007 – primeiro dia útil seguinte –, nos termos do art. 279.º do CC, aplicável ex vi do art. 20.º, n.º 1, do CPPT.
A sentença recorrida, que decidiu nesse sentido, não merece censura.


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2.2.3 DA DATA EM QUE SE FORMOU A PRESUNÇÃO DO INDEFERIMENTO TÁCITO

Mesmo que aceitássemos a tese da Recorrente quanto ao prazo para deduzir impugnação judicial – e não aceitamos, como resulta do que deixámos já dito –, ainda assim sempre teríamos que concluir pela caducidade do direito de impugnar.
É certo que não seria assim (sempre no pressuposto – que não aceitamos – de que o prazo era de noventa dias), caso pudéssemos considerar que o indeferimento tácito se formou na data apontada pela Recorrente, ou seja, em 12 de Dezembro de 2006 (cfr. conclusão C)). Nesse caso, a contagem de 90 dias a contar dessa data levar-nos-ia até 12 de Março de 2007. Mas, não podemos aceitar aquela data como sendo a da formação do indeferimento tácito. Vejamos:
Foi dado como provado que a reclamação graciosa deu entrada no Serviço de Finanças em 31 de Maio de 2006 (cfr. alínea K) dos factos provados), facto que não foi posto em causa nas conclusões do recurso, sendo que é nestas que o recorrente define o âmbito do recurso (cfr. art. 684.º, n.º 3, do CPC).
O facto de nas alegações de recurso a Recorrente ter afirmado outra data como sendo a da apresentação da reclamação graciosa não releva, na medida em que essa divergência não foi por ela erigida em questão levada às conclusões das alegações, pelo que não pode considerar-se como integrando o objecto do recurso (Se assim não fosse, por um lado, teria a Recorrente também que ter dado cumprimento ao ónus que sobre ela impenderia nos termos do art. 690.º-A, n.º 1, do CPC, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (a que hoje corresponde o art. 685.º-B do mesmo Código), e, por outro lado, seríamos levados a concluir pela incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia para conhecer do recurso (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e art. 280.º, n.º 1, do CPPT).).
Tendo como certo que a reclamação graciosa foi apresentada em 31 de Maio de 2006, a formação do indeferimento tácito ocorreu em 30 de Novembro de 2006, como resulta do disposto nos arts. 57.º, n.ºs 1, 3 e 5, da LGT (Dispõe o art. 57.º da LGT nos seus n.ºs 1, 3 e 5:
«1. O procedimento deve estar concluído no prazo de seis meses […].
[…]
3. No procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do Código Civil.
[…]
5. Sem prejuízo do princípio da celeridade e diligência, o incumprimento do prazo referido no n.º 1, contado a partir da data da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial».) e 106.º do CPPT (Diz o art. 106.º do CPPT: «A reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente».).
Ora, a contagem de 90 dias sobre a data em que ocorreu a formação da presunção do indeferimento tácito, a efectuar nos termos do disposto no art. 279.º do CC, ex vi do art. 20.º, n.º 1, do CPPT, levar-nos-ia até ao dia 28 de Fevereiro, ou seja, a uma data anterior àquela em que deve considerar-se instaurada a impugnação judicial (como deixámos já dito, 8 de Março de 2007, data do registo postal da correspondência por que foi remetida a juízo, como resulta da alínea L) dos factos provados e do art. 150.º CPC).
Assim, ainda que, como sustenta a Recorrente, o prazo para a impugnação judicial fosse de 90 dias a contar da formação do indeferimento tácito – e não é –, sempre teríamos de concluir pela intempestividade da impugnação.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Em regra, a reclamação graciosa tem natureza facultativa, mas há situações em que a lei não permite a impugnação directa do acto de liquidação e impõe a reclamação graciosa prévia como condição para abrir a via contenciosa como, v.g., no caso de retenção na fonte, quando o fundamento de impugnação não for exclusivamente matéria de direito e o acto não tiver sido efectuado de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT (art. 132.º, n.ºs 2 e 6, do CPPT).
II - Nos casos de retenção na fonte, se for apresentada reclamação graciosa, quer ela seja condição de abertura da via judicial, quer não o seja mas o interessado tenha optado por a apresentar, o prazo para a impugnação judicial é o do n.º 5 do art. 132.º do CPPT: 30 dias contados do indeferimento expresso ou tácito (sendo que, neste último caso, fica afastado o prazo geral do art. 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT para a impugnação da generalidade dos indeferimentos tácitos, como o permite o n.º 4 do mesmo artigo).
III - A reclamação graciosa presume-se indeferida para efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente (art. 57.º, n.º 5, da LGT e art. 106.º do CPPT), sendo que o prazo para a decisão da reclamação graciosa é de seis meses (art. 57.º, n.º 1, da LGT) e conta-se da data da entrada da petição no serviço competente (art. 57.º, n.º 5, LGT) e nos termos do art. 279.º, alínea c), do CC ex vi do n.º 3 do art. 57.º da LGT.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.


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Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.