Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01178/04
Data do Acordão:05/18/2005
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO.
CONHECIMENTO OFICIOSO.
Sumário:A caducidade da liquidação não é de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA00062469
Nº do Documento:SAP2005051801178
Data de Entrada:11/11/2004
Recorrente:DIRSERV DE REGIMES DE SEGURANÇA SOCIAL
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS.
Objecto:AC 2 SECÇÃO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART333 N1.
CPCI63.ART27 PAR2 PAR3.
CPTRIB91 ART33 ART34 ART259.
LGT98 ART45 ART48.
CPPTRIB99 ART175.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O Director de Serviços de Regimes de Segurança Social interpôs recurso para este Pleno do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo que concedeu provimento a um recurso para aí interposto pela recorrente A..., Ld., acórdão que julgou verificada a excepção de caducidade do direito à liquidação de tributos, assim julgando procedente o recurso contencioso, com a inerente anulação do acto de liquidação impugnado.
Alegou o recorrente oposição de acórdãos.
Por despacho do Exmº Desembargador relator foi julgada verificada a alegada oposição.
Escreveu aquele Magistrado:
“Embora no acórdão recorrido se considere que a caducidade do direito à liquidação foi oportunamente arguida pela recorrente e sobre a mesma se omitiu pronúncia na sentença recorrida, também é certo que se considerou ser a dita caducidade de conhecimento oficioso, havendo pois, nesta parte, oposição de acórdãos nos termos perfilados na douta alegação de 1º grau”.
Que dizer?
Pois bem. Na situação presente dos autos, é pacífico que a alegação da caducidade do direito à liquidação foi suscitada não na petição inicial, mas apenas nas alegações finais do recurso contencioso.
E o acórdão ora recorrido considerou que, ao não se pronunciar sobre a caducidade (alegada em tal momento), o Mm. Juiz cometeu omissão de pronúncia, pelo que a sentença é nula.
Mas não declarou a nulidade da sentença por entender que “a caducidade do direito à liquidação … é de conhecimento oficioso … podendo ser invocada em qualquer fase do processo …”.
Quer isto dizer que só conheceu da dita caducidade por esta, na sua óptica, ser de conhecimento oficioso.
Ou seja, o que está em causa é saber se a caducidade é ou não de conhecimento oficioso, sendo que o acórdão recorrido, como vimos, entende que sim, e o acórdão fundamento entende que não.
Quer isto dizer que nada há a opor à decisão do Mm. Juiz relator que julgou verificada a oposição de acórdãos.
Referindo-se, porém que, a proceder o recurso, devem os autos ser remetidos ao TCA para que profira novo acórdão, agora na consideração de que a caducidade não é de conhecimento oficioso, devendo tomar posição sobre a invocada nulidade de sentença, também na perspectiva de saber se é bastante a invocação da caducidade nas alegações finais antes da prolação da sentença em 1ª instância, conhecendo, se for caso disso, das restantes questões suscitadas no recurso.
Sobre a questão de fundo, o recorrente apresentou as respectivas alegações, que finalizaram no seguinte quadro conclusivo:
1. A ora recorrida, interpôs um recurso contencioso de anulação de um acto de liquidação, não tendo, na respectiva petição, arguido a caducidade do direito à mesma.
2. O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, em consequência do que é referido no número anterior, não conheceu de tal caducidade, só referida pela então recorrente nas alegações finais do recurso contencioso.
3. O referido Tribunal convolou, observando o princípio da economia processual, o dito recurso contencioso em processo de impugnação de liquidação, por decisão manifestamente do interesse da impugnante.
4. A recorrente do recurso contencioso, tendo ficado vencida em 1ª Instância, interpôs recurso para o Tribunal "a quo", no qual foi proferido o douto acórdão recorrido, em que se decidiu, fundamentalmente, que a caducidade do direito à liquidação de prestações tributárias é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, pelo que, por maioria de razão, será arguível em qualquer fase do processo.
5. Ora, a caducidade do direito de praticar um acto de liquidação, segundo o douto acórdão fundamento, com que a ora recorrente concorda inteiramente, tendo já invocado tal entendimento em fases anteriores do processo, é susceptível apenas de conduzir à respectiva anulação, porquanto não se encontra tal ilegalidade elencada entre aquelas que conduzem à nulidade dos actos (cfr. art. 133º do Código de Procedimento Administrativo), sendo certo que só são nulos os actos para os quais a lei comine expressamente tal forma de invalidade.
6. Além disso, entendeu o douto acórdão recorrido que a caducidade do direito à prática de um acto de liquidação de tributo se regeria pelo art. 333º do Código Civil, quando tal disposição se aplica a prazos de natureza adjectiva ou processual e não a actos administrativos, como é o caso daquele a que se referem os autos, cuja caducidade se reveste de natureza substantiva. Com efeito, nem a caducidade nem a prescrição de direitos da Administração Tributária estão sujeitos à disciplina do Direito Privado, como resulta, por exemplo, da disposição do art. 259º do CPT (hoje art. 175º do CPPT), cuja solução diverge claramente da consignada no art. 303º, quanto ao conhecimento da prescrição.
7. Conhecendo da questão da nulidade do direito à liquidação, a qual não fora oportunamente invocada pela recorrente no recurso contencioso, com o predito fundamento da possibilidade legal da respectiva oficiosidade, violou, pois, o douto acórdão recorrido o disposto no nº 1 do citado art. 133º do CPA e incorreu em excesso de pronúncia, por conhecer de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, pelo que é nulo, nos termos do disposto na segunda parte da alínea d) do nº 1 do art. 668°do Código de Processo Civil.
8. Por todo o exposto, bem como por divergir da solução perfilhada no douto acórdão fundamento, deve o douto acórdão recorrido ser revogado, decidindo-se que a caducidade do direito à prática de acto de liquidação de tributos é geradora de mera anulabilidade do acto, apesar dela, praticado, devendo tal forma de invalidade ser alegada pela parte interessada no seu conhecimento, na petição inicial da impugnação e não posteriormente.
9. É quanto a recorrente espera desse Supremo Tribunal, a bem da Justiça e em benefício da uniformização da jurisprudência dos Tribunais Tributários.
Contra-alegou a recorrida, que terminou as suas contra-alegações com o seguinte quadro conclusivo:
a) A obstrução da Recorrente, em fornecer à Contra Alegante, durante a instrução do procedimento instrutor do acto contenciosamente recorrido, a informação que lhe era devida, retardou para o momento da consulta desse procedimento instrutor depois apensado aos autos, o conhecimento das situações lesivas dos direitos da Contra Alegante;
b) O procedimento instrutor foi apensado aos autos em 10.Dez.1997;
c) O primeiro articulado que a Contra Alegante levou aos autos após aquela apensação, foi o de Alegações Finais de recurso contencioso;
d) Nessas Alegações arguiu logo a caducidade do direito à liquidação exercitando, dessa forma, a faculdade prevista pelo art. 506º, n. 1 do CPC, aplicável por força do art. 1º da LPTA;
e) O momento da sua arguição nunca, nos autos, foi objecto de qualquer decisão que contrariasse a oportunidade dessa arguição;
f) A arguição foi tempestiva;
g) Voltou a arguir essa mesma caducidade em todos os articulados que, a partir daí levou aos autos;
h) Nas alegações de recurso jurisdicional para o TCA foi afirmada a nulidade da sentença de 1ª instância por omissão de pronúncia sobre a invocada caducidade;
i) Constando tal fundamento das conclusões dessa alegação de recurso, estava o TCA obrigado a pronunciar-se sobre a matéria sob pena de incorrer, por sua vez, em nulidade por omissão de pronúncia como previsto pelo art. 125°, 1 do CPPT;
j) A partir daí são irrelevantes, neste concreto aspecto, as considerações que adornam o acórdão recorrido e precedem a parte decisória do mesmo;
k) O Acórdão recorrido decidiu a questão da caducidade porque esta foi tempestivamente alegada e foi submetida à apreciação do Tribunal daí decorrendo a obrigação legal de sobre ela tomar ser tomada decisão no acórdão recorrido;
l) Não se verificando a alegada intempestividade da arguição da caducidade e sendo imperativa a decisão sobre a mesma através do acórdão recorrido, nenhuma das situações do acórdão fundamento concorrem no acórdão recorrido.
m) Este recurso por oposição não tem fundamento.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
2. Está em causa, como dissemos, saber se a caducidade da liquidação é de conhecimento oficioso.
Esta a questão.
2.1.Da caducidade da liquidação. Regime do seu conhecimento.
Será a caducidade da liquidação de conhecimento oficioso?
A questão é controversa.
Defendem uns, arrimando-se no disposto no art. 333, 1, do Código Civil (CC), que a mesma é de conhecimento oficioso.
Objectam outros que, sendo a caducidade da liquidação uma ilegalidade que afecta o respectivo acto, e não sendo caso de nulidade, terá um tratamento idêntico às restantes ilegalidades, susceptíveis de impugnação, e como tal a necessitar de alegação prévia. Ou seja: a caducidade não é de conhecimento oficioso.
Quid juris?
A caducidade do direito do Estado à liquidação, ao contrário da prescrição, não obteve acolhimento no Código do Processo das Contribuições e Impostos.
A sua pesquisa haveria de fazer-se nas várias leis de tributação (vide, a título de exemplo, o art. 28º do CIMV, o art. 94º, do CCI, o art. 35º do CIP e o art. 41º do CIC).
Não assim a prescrição que constava expressamente do art. 27º do CPCI.
Não era esta então de conhecimento oficioso, a não ser em hipóteses contadas (vide §§ 2º e 3º deste artigo).
O Código de Processo Tributário vem consagrar expressamente a figura da caducidade do direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias (art 33º), nada adiantando, porém, sobre o regime do seu conhecimento (se era oficioso ou não).
Por sua vez, consagra-se também nesse Código a prescrição das obrigações tributárias (art.34º), esclarecendo-se que o seu conhecimento é oficioso (art. 259º).
A caducidade da liquidação tem depois assento na Lei Geral Tributária (art. 45º), nada se dizendo também aqui sobre o regime do seu conhecimento.
Por sua vez, a prescrição das dívidas tributárias tem previsão no art. 48º da LGT, estatuindo o art. 175º do CPPT que o seu conhecimento é oficioso.
Não havendo nas leis tributárias qualquer norma sobre o regime do conhecimento da caducidade da liquidação, impõe-se saber se esta é ou não de conhecimento oficioso.
Já vimos que aqueles que assim pensam, ou seja, que defendem que a caducidade da liquidação é de conhecimento oficioso, estribam o seu pensamento no art. 333º, 1, do CC, que reza assim:
“A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes”.
Pois bem. Como, no tocante a impostos, estamos patentemente perante matéria excluída da disponibilidade das partes, é óbvio que, para quem entende aplicável este preceito, é a caducidade de conhecimento oficioso.
É nestas águas que se move o acórdão recorrido.
Mas não nos parece ser esta a melhor solução.
Desde logo, e se bem atentarmos, não é paralelo o caminho seguido no direito civil para a prescrição (a invocar sempre pelas partes – art. 303º do CC), o que desde logo evidencia não haver aqui consonância com o direito tributário, onde, como vimos, a prescrição é de conhecimento oficioso. Não é pois decisivo apontar a regra prevista no CC para a caducidade, pois, como vimos, onde as disposições são expressas – na prescrição – o regime é diverso.
Depois porque se nos afigura patentemente que a liquidação efectuada já depois de decorrido o prazo de caducidade, é apenas uma ilegalidade, idêntica a outras ilegalidades, susceptível de gerar a anulabilidade do acto, a alegar expressamente no processo de impugnação.
Vemos realmente no art. 99º do CPPT que constitui fundamento de impugnação “qualquer ilegalidade”, sendo que nos parece inequívoco que a liquidação depois de decorrido o prazo de caducidade, é igualmente uma ilegalidade idêntica a todas as outras que se englobam no citado art. 99º do CPPT, e que não merece pois tratamento diverso.
A necessitar de alegação na petição inicial. Sob pena do seu conhecimento ficar precludido.
Tal e qual como acontece com as outras ilegalidades.
Estando nós no domínio da legalidade tributária, afigura-se-nos ser de apelar aos princípios que a regem, a procurar no direito tributário, e não ao Código Civil.
É certo que a prescrição é de conhecimento oficioso. Mas aqui podemos ver uma questão que tem a ver com a eficácia do acto, que não com a sua ilegalidade, justificando assim tratamento diverso.
Concluímos assim que a caducidade da liquidação não é de conhecimento oficioso.
3. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, ordenando-se a baixa dos autos ao TCA, a fim de que profira novo acórdão na perspectiva acima assinalada.
Custas pela recorrida, que contra-alegou, fixando-se a taxa de justiça em 300 € e a procuradoria em 50%.
Lisboa, 18 de Maio de 2005. - Lúcio Barbosa (relator) – António Pimpão Vítor MeiraBaeta de QueirozPimenta do ValeBrandão de Pinho.