Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0826/13
Data do Acordão:04/22/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
INACTIVIDADE
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:Inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto.
Nº Convencional:JSTA00069162
Nº do Documento:SA2201504220826
Data de Entrada:05/09/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CONST05 ART104.
LGT98 ART74.
CIRC01 ART1 ART90 N1 B C ART120.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0474/11 DE 2012/07/05.; AC STA PROC01039/10 DE 2011/03/02.; AC STA PROC0533/09 DE 2009/11/04.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC ED ALMEDINA PAG208.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade, A…….., Ldª., melhor identificada nos autos, contra a liquidação oficiosa de IRC referente ao ano de 2010 no montante de 13.811,96.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
« I- A referida liquidação resulta do facto de a ora Impugnante não ter entregue a declaração de IRC Modelo 22, a que estava obrigado, violando assim o disposto nos artigos 109.° n.º 1 alínea b) e Art.° 112, ambos do CIRC:
II - Ou seja, por não ter sido entregue a respetiva declaração de rendimentos, foi efetuada a liquidação oficiosa do imposto, nos termos do disposto no Art.° 90. nº 1 alínea b) do CIRC, tendo por base a matéria coletável do exercício económico mais próximo que se encontrava determinada, in casu, o exercício de 2004.
III - Tudo isto para referir que a liquidação ora impugnada, não resulta de qualquer critério arbitrário na determinação da matéria coletável e respetivo apuramento de imposto, mas sim, no cumprimento estrito da legislação aplicável.
IV - Ou seja, na falta de apresentação da declaração periódica de rendimentos, a Autoridade Tributária, no estrito cumprimento da legislação aplicável, procede à liquidação do imposto oficiosamente.
V - Pelo que, e com o devido respeito, não podemos concordar com a Sentença ora recorrida quando afirma que “Assim, não obstante a declaração da impugnante tenha sido apresentada fora de prazo, o que acarretou a aplicação e o pagamento da devida coima, a mesma terá inevitáveis reflexos a nível da actuação da Administração Tributária, que deixa de ter suporte legal”.
VI - Tanto mais que, da exegese do citado Art.° 90.° do CIRC, depreende-se de forma clara e inequívoca que não foi intenção do legislador, instituir uma norma dando poderes de liquidação oficiosa à Autoridade Tributária, nos casos de omissão declarativa, para que posteriormente, a simples entrega de uma declaração de substituição, muito para além do prazo legal previsto, tivesse a virtualidade de abalar aquela
VII - Esta convição, tem como farol orientador o preceituado no Art.º 9 do Código Civil que nos diz
“1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada”
2— Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 — Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (destacado nosso).
VIII - Sendo que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal
IX - Não podendo a simples entrega de uma declaração de substituição a “zeros”, ter a virtualidade de anular uma liquidação oficiosa.
X - Ora, in casu, não nos restam dúvidas que resulta do texto legal do Art.° 90 do CIRC, que não tendo sido entregue declaração de rendimentos por parte do Sujeito Passivo, a Autoridade Tributária procedeu, e bem, à liquidação do imposto devido tendo por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, in casu, o exercício de 2004.
XI- Pelo que não nos restam dúvidas que a liquidação ora Impugnada emerge de qualquer censura que lhe possa ser tecida.
XII - Assim, é nosso entendimento que a douta sentença fez uma incorrecta interpretação do disposto as alíneas b) e c) do n.°1 do Art.° 90 do CIRC.»

2 – Não houve contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer que, na parte mais relevante, se transcreve:
(….) «Efectivamente, a impugnante provou que, no exercício de 2010, não teve qualquer actividade e, consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC.
Inexistindo, de facto, rendimento tributável, ou seja o facto tributário, como demonstrou a recorrida, não faz sentido, a nosso ver, manter-se uma liquidação, ainda que oficiosa (Neste sentido acórdão do STA, de 2012.07.05 -P.0474/11, disponível no sitio da Internet www.dsgi.pt).
A tese da recorrente afigura-se violadora do princípio da tributação pelo rendimento real estatuído no artigo 104.º/2 da CRP.
O acto tributário é inválido, por inexistência de facto tributário.
Bem andou, pois, a sentença recorrida ao anular a liquidação em causa.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada fixou a seguinte matéria de facto:
A)
A Sociedade A………, Lda, com sede no ……….., n.º …., ………, em Almada, estava inscrita na CAE ........... pela actividade de Comércio a Retalho de Jornais, Revistas e artigos de papelaria, em estabelecimentos especializados, desde 1/1/2002, tendo cessado essa actividade para efeitos de IVA, em 30/4/2010 (cf. informação de fls. 30 do processo administrativo em apenso).
B)
Em 24 de Outubro de 2005, foi outorgada uma escritura de cessão, unificação de quotas, aumento de capital e alteração do contrato social, tendo sido ficado consignado como únicos sócios: B………, C………. e D……….., cf. fls. 61/68 do processo administrativo em apenso.
C)
Por documento particular e com as assinaturas reconhecidas notarialmente, foi outorgado em 23 de Junho de 2006, por C……… e D……….., na qualidade de sócios e gerentes da sociedade “A…………, Lda”, um “Contrato de Trespasse” em que declaram trespassar à “E…….. — …………, SA”, identificada como Segunda Outorgante, o estabelecimento comercial de Tabacaria e Papelaria, loja no R/C do prédio sito no …… … …. …….., ….., …………, em Almada, sendo o estabelecimento transmitido com todos os elementos que o integram, incluindo o seu aviamento, direito ao arrendamento, móveis, utensílios e demais bens incorporados no estabelecimento, sendo que a Segunda Outorgante comprometeu-se a dar continuidade à actividade actualmente licenciada e existente no estabelecimento comercial objecto da transmissão (cf. Cláusula Primeira, Segunda e Terceira do Contrato de Trespasse a fls. 23/27 dos autos que se dá por integralmente reproduzido).
D)
Desde a data em que foi efectuado o contrato de trespasse, identificado na alínea anterior, que a sociedade “A………., Lda” deixou de exercer a sua actividade / comercial e de obter qualquer rendimento (cf. depoimento da testemunha……………...).
E)
Em 30 de Novembro de 2011, foi emitida a Liquidação n.º 2011 8310028761, relativa a IRC, com data limite de pagamento a 16 de Janeiro de 2012, no valor de € 13,811,96, cf. fls. 20 dos autos.
F)
Em 30 de Janeiro de 2012, foram entregues via Internet as Declarações de Rendimentos — Modelo 22 - da Impugnante referente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, tendo sido indicado a “zeros” o quadro 7 — apuramento do lucro tributável, em cada uma das declarações, e em branco os quadros 8, 9, 10, 11 e 12, cf. fls. 28/43 dos autos.
G)
Em 16 de Fevereiro de 2012 foi paga a coima no montante de € 238,25 correspondente à entrega fora de prazo da declaração periódica de rendimentos correspondentes ao ano de 2010, cf. fls. 76 dos autos.
H)
Em 3 de Abril de 2012, deu entrada a presente impugnação neste tribunal (cf. fls. 1 dos autos).

6. Do objecto do recurso:
O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Almada que julgou procedente a impugnação interposta pela sociedade A……….., Ldª contra a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2010, por inexistência do facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo.

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a sentença impugnada ao anular a liquidação oficiosa de IRC/2010, nomeadamente por violação e errada interpretação do disposto e nas alíneas b) e c) do art.º 90º, ambos do CIRC.

A sentença recorrida, exarada a fls. 125/134, julgou procedente impugnação judicial interposta contra a Liquidação de IRC do exercício de 2010, no entendimento de que, não obstante se verificarem os pressupostos para a Administração Tributária proceder à liquidação oficiosa, não tendo a recorrente obtido qualquer lucro tributável, inexiste facto tributário, o que determina a anulação da liquidação sindicada.

Não conformada vem a Fazenda Pública recorrer.

A base jurídica da sua argumentação assenta nas seguintes premissas:
- na falta de apresentação da declaração periódica de rendimentos, a Autoridade Tributária, no cumprimento da legislação aplicável - artº 90º do CIRC - procede à liquidação do imposto oficiosamente, tendo por base a matéria coletável do exercício económico mais próximo que se encontrava determinada, in casu, o exercício de 2004.
- do texto do artº 90º do CIRC resulta que não foi intenção do legislador, instituir uma norma dando poderes de liquidação oficiosa à Autoridade Tributária, nos casos de omissão declarativa, para que posteriormente, a simples entrega de uma declaração de substituição, muito para além do prazo legal previsto, tivesse a virtualidade de abalar aquela.

A nosso ver carece de razão legal.

Vejamos.
6.1 A liquidação oficiosa em causa foi efectuada nos termos do estatuído no artigo 90.°/1/b) / c) do CIRC, por falta de apresentação da declaração anual modelo 22 e uma vez que não foi feita a declaração formal de cessação de actividade.

De harmonia com o disposto no referido artº 90º, al. b), do CIRC, na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.
A falta de cumprimento das obrigações declarativas por parte do contribuinte impõe assim à administração o dever funcional de proceder a uma liquidação oficiosa, cujo objectivo será também prevenir a caducidade do direito à liquidação.( Neste sentido vide Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, ed. Almedina, pag. 208).

O montante assim fixado será necessariamente provisório uma vez que fica sempre sujeito a uma eventual correcção posterior pela AF.
Ora no caso subjudice, resulta do probatório (pontos E e F) que tendo a recorrida omitido a declaração periódica de rendimentos relativa ao exercício de 2010, a AF procedeu oficiosamente à liquidação impugnada em Novembro de 2011,
Nessa medida, verificando-se os pressupostos legais de tal liquidação, a Administração Tributária actuou de acordo com a lei.
Porém, esse facto, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, não impede a impugnante de usar a faculdade de demonstrar que a matéria tributável apurada pela Administração Tributária, nos termos estatuídos na lei, não corresponde à realidade ou inexiste, de todo.
No caso em apreço decorre da alínea D do probatório que a impugnante cumpriu esse ónus (artigo 74.º da LGT), já que, como ficou ali exarado, deixou de exercer a sua actividade comercial e de obter qualquer rendimento desde a data em que foi efectuado o trespasse do seu estabelecimento comercial (2006).
Ora, como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto (artigo 1.º do CIRC) - cf. acórdãos de 05.07.2012, recuso 474/11, 02.03.2011, recurso 1039/10, e de 04.11.2009, recurso 533/09, todos in www.dgsi.pt.
Assim sendo a liquidação oficiosa do imposto não se poderia manter na ordem jurídica, sob pena de violação do princípio da tributação pelo lucro real consagrado no artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa, interpretado no sentido de que as sociedades apenas devem ser tributadas quando têm rendimento e na exacta medida desse rendimento.
A sentença recorrida, que decidiu neste pendor, não merece, pois, censura e deve ser confirmada.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 22 de Abril de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca CarvalhoAscensão Lopes.