Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01376/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
Sumário:Não é de admitir a revista quando as decisões das instâncias são concordantes e tudo indica que o Acórdão recorrido fez correcto julgamento já que ponderou adequadamente as normas em vigor e julgou de acordo com a factualidade provada.
Nº Convencional:JSTA000P22699
Nº do Documento:SA12017121301376
Data de Entrada:12/04/2017
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:
A……………. intentou, no TAF de Sintra, contra o Ministério da Administração Interna, acção administrativa especial pedindo a anulação da decisão do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 14.12.2012, que a expulsou do território nacional.
Em resumo, alegou que residia em Portugal desde os cinco anos de idade, que tinha um filho menor de nacionalidade portuguesa a residir em Inglaterra, que não tinha qualquer ligação à Guiné-Bissau onde nasceu e que tais circunstâncias impediam, nos termos do art.º 135.º/c) da Lei 29/2012, de 9/08, a sua expulsão do território português.
Com êxito já que aquele Tribunal, julgando a acção totalmente procedente, anulou o acto impugnado.
E o TCA Sul, para onde a Entidade Demandada apelou, negou provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida.

É desse acórdão que vem a presente revista, interposta ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA.

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Recorrente pretende a revogação do Acórdão do TCAS que manteve a decisão do TAF que julgou a acção totalmente procedente, pela seguinte ordem de razões:
“O Tribunal Administrativo de Círculo considerou que o ato administrativo não se fundou na cit. al. f) do artigo 134.º/1 da Lei 23/2007, além da al. a).
Também entendeu que a autora, nascida em 1984, reside em Portugal desde idade inferior a 10 anos de idade (cf. art.º 135.º/c)).
A autora, aquando da emissão do ato de afastamento coercivo estava em prisão preventiva por crimes de roubo. Entretanto, foi condenada a prisão efectiva (4 anos), que está a cumprir. Portanto, o ato administrativo impugnado teve presente que a autora era arguida em vários procedimentos criminais por crimes de furto e de roubo. E que estava em prisão preventiva. E, ao contrário do referido na sentença, o ato administrativo também invocou a al. f) do artigo 134.º/1 cit. (além da al. a)), para se decidir pelo afastamento coercivo.
Só que o SEF não pode determinar o afastamento coercivo fora da situação prevista na cit. al.ª a) do art.º 134.º/1 da Lei 23/2007. É isto o que resulta do artigo 145.º:
“sem prejuízo da aplicação do regime de readmissão, o afastamento coercivo só pode ser determinado por autoridade administrativa com fundamento na entrada ou permanência ilegais em território nacional” (cf., ainda o artigo e, quanto ao mais, os artigos 151.º ss: competências dos tribunais).
E, assim sendo, contra o réu e a cit. al.ª a) relevam sempre as três alíneas do artigo 135.º cit.
Como o SEF não se podia fundar na al. f) do artigo 134.º/1 (nem na al. c)), qualquer decisão de afastamento da autoria daquela entidade administrativa que está e estava Iimitada pelo artigo 135.º, designadamente pela situação prevista na al.ª c) deste artigo 135 (cf. os art.ºs 145.º e 151.º ss).
Assim, sendo ilegal a invocação pelo SEF da al. f) do artigo 134/1 da Lei 23/2007 (cf. artigo 145.º) para determinar o afastamento coercivo de cidadão estrangeiro, quedando porém o caso da al.ª a) do art. 134.º/1 (não constante da primeira parte do proémio do art. 135.º), o SEF, portanto, estava legalmente impedido de se decidir pelo afastamento coercivo, porque a ora recorrida e autora com 32 anos de idade, embora esteja na situação prevista no artigo 134.º/1/a) cit. reside e residia em Portugal desde idade inferior aos seus 10 anos (cf. artigo 1352/c) da Lei 23/2007).
Diferente será o caso que respeite a tribunais, i.e., a expulsão judicial (cf. art. 145.º).”

3. O Recorrente discorda dessa decisão e, por isso, requer a admissão desta revista para se reapreciem as questões que identifica nas seguintes conclusões:
M - …O facto de a ora Recorrida ter vindo para Portugal com idade inferior a 10 anos não constitui de per se inibição à decisão de afastamento coercivo do território nacional para usufruir desta prerrogativa, e uma vez que aqui permanece ilegalmente, demonstrar-se que a sua conduta não tentou contra a ordem pública ou que não praticou acto criminoso grave.

Z - Não há dúvida de que está preenchida, por simples subsunção, a previsão do artigo 134°/1-a) supratranscrito (cfr. o artigo 9° do Código Civil): a autora é cidadã estrangeira e está em situação irregular em Portugal, pois não tem qualquer documento.
Também está preenchido o artigo 134°/1 - b): os crimes referidos são um atentado à ordem pública, entendida esta como o conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas.”

4. A tese do Recorrente é que o Acórdão sob censura incorreu em erro de julgamento uma vez que não ponderou criteriosamente as normas reguladoras da matéria em causa (art.ºs 134.º e 135.º da Lei 23/2007), maxime o disposto nas al.ªs a) e b) do citado art.º 134.º/1, visto elas permitirem a expulsão da Recorrida nas circunstâncias provadas nos autos. E isto porque o art. 134° da Lei estatuía:
“1 - Sem prejuízo das disposições constantes de convenções internacionais de que Portugal seja Parte ou a que se vincule, é afastado coercivamente ou expulso judicialmente do território português, o cidadão estrangeiro:
a) Que entre ou permaneça ilegalmente no território português;
b) Que atente contra a segurança nacional ou a ordem pública;

f) Em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia;”

Norma que, apesar de ter de ser harmonizada com o disposto no art. 135° da mesma Lei, não impedia a ordem de expulsão da Recorrida do território nacional. Com efeito, sob a epígrafe Limites à expulsão, estabelecia-se naquele normativo:
“Não podem ser expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:
(...)
b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efectivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.

5. O acto impugnado, apesar de remeter para o relatório que precedeu a sua prática, onde se lê que a Recorrida estava detida preventivamente, refere de forma expressa que a razão da sua expulsão foi apenas a circunstância da mesma “se encontra(r) em situação irregular no Território Nacional – cfr. art.º 134.º, n.º 1, al.ª a) da lei 23/07, de 4/07 …”
O que levou as instâncias divergirem na interpretação desse acto, na medida em que o TAF considerou que o único fundamento do afastamento coercivo da Autora foi a circunstância da mesma aqui ter entrado e permanecido ilegalmente no País e o Acórdão recorrido a ter sustentado que o acto impugnado, para além dessa justificação, também estava fundamentado na al. f) do artigo 134.º/1 citado.

Todavia, e apesar disso, o certo é que as instâncias concordaram que nenhum daqueles fundamentos permitiam a ordem de expulsão, quer porque era ilegal a expulsão de estrangeiro que residisse em Portugal desde idade inferior a 10 anos quer porque o afastamento coercivo só podia ser determinado por autoridade administrativa com fundamento na entrada ou permanência ilegais em território nacional.
O Recorrente vem, agora, alargar a fundamentação da decisão impugnada invocando razões para a impugnada expulsão que não constavam daquele acto, maxime o facto da mesma estar detida preventivamente pela prática de crimes graves e tal atentar contra a ordem pública (al.ª b) do já citado art.º 134.º). O que não é legalmente admissível.
No entanto, o Acórdão recorrido já tinha dado, ainda que indirectamente, resposta a essa questão ao afirmar que o SEF não podia determinar o afastamento coercivo fora da situação prevista na cit. al.ª a) do art.º 134.º/1 da Lei 23/2007.
Deste modo, sendo as decisões das instâncias concordantes e tudo indicando que o Acórdão sob censura fez correcto julgamento, já ponderou adequadamente as normas em vigor e julgou de acordo com a factualidade provada, e, por outro lado, carecendo a natureza do assunto de importância jurídica ou social justificativa da admissão do recurso não se justifica a sua admissão.
Acresce que, encontrando-se a Autora a cumprir pena de prisão e que se admite como provável que a acção principal venha a ser julgada antes de concluído esse cumprimento, tudo aconselha a que o recurso não seja admitido.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.