Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0785/15
Data do Acordão:06/16/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO SANEADOR
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Do despacho do relator que no saneador absolve da instância a autora relativamente a um dos pedidos formulados cabe reclamação para a conferência, apenas cabendo recurso para o Pleno da Secção do acórdão proferido sobre a reclamação.
II - Nada obsta à convolação de eventual recurso em reclamação para a conferência caso aquele tivesse sido deduzido no prazo de 10 dias, previsto no artº 153º do CPC “ex vi” do artº 1º do CPTA.
III - Esse recurso sempre seria um recurso autónomo e imediato, como resulta do art. 644º nº 2 b) do NCPC, ex vi art. 142º nº 5 parte final do CPTA por estar em causa um despacho saneador que, “sem pôr termo ao processo, conheça do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
IV - É irrelevante o conhecimento de inconstitucionalidades do DL 112/2001, quando a decisão recorrida julgou improcedentes ambos os pedidos (principal e subsidiário) sem chamar à colação este diploma, por o mesmo não fazer parte nem da causa de pedir nem dos pedidos formulados.
V - Sendo a causa das remunerações dos associados da recorrente o Decreto-Lei nº 440/99 de 2 de novembro, não podemos concluir pela inexistência de causa justificativa para o alegado empobrecimento dos associados da autora e enriquecimento do Estado.
VI - O STA não dispõe de competência para impor a quaisquer entidades a emissão de um ato legislativo.
Nº Convencional:JSTA00069768
Nº do Documento:SAP201606160785
Data de Entrada:04/13/2016
Recorrente:ASSOCIAÇÃO SINDICAL DO CORPO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLO DA DIRECÇÃO-GERAL DO TRIBUNAL DE CONTAS - ACTVS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E TRIBUNAL DE CONTAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA DE 2016/01/07 PROC0785/15
Decisão:REJEIÇÃO REC CONT DO DESP SANEADOR
NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:CONST05 ART59 N1 A.
CPA02 ART27 N1 N2 ART29 N1 ART37 N2 A ART77 ART87 N1 A ART142 N5.
ETAF02 ART25 N1 A ART40 N3.
CPC13 ART153 ART628 ART644 N1 B.
CCIV66 ART473 N1.
L 98/97 DE 1997/08/26 ART30 N2 F.
DL 112/01 DE 2001/04/06.
DL 440/99 DE 1999/11/02.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC099/14 DE 2015/01/29.; AC STA PROC01831/13 DE 2014/04/26.; AC STJ DE 2001/03/08 IN CJ 2001 PAR1 PAG150.; AC STJ DE 1995/05/03 IN CJ 1995 PAR2 PAG61.
Referência a Doutrina:CARLOS CADILHA - DICIONÁRIO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PAG620.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - CPTA VOLI PAG221-222.
AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA - CPTA ANOTADO 2ED PAG223-224.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo:

I- RELATÓRIO

1.A Associação Sindical do Corpo Especial de Fiscalização e Controlo da Direcção-Geral do Tribunal de Contas e dos Serviços de Apoio às Secções Regionais dos Açores e da Madeira (ACTVS) vem interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, do acórdão da Secção, proferido em 7.01.2016, a fls. 370/381, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si instaurada contra o Estado Português, Ministério das Finanças e Tribunal de Contas, de reconhecimento “aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior [TVS] e técnico verificador [TV] da DGTC um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspecção existentes na Administração Pública, em conformidade com o disposto no art. 30º, n.º2, alínea f), da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com efeitos reportados à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril”, “condenando-se os demandados, nos termos do art. 37.º, nº2, alínea e), do CPTA, ao pagamento das quantias devidas aos associados da A. desde o dia 1 de Julho de 2000 (data à qual o Decreto-Lei nº 112/2001 reportou os seus efeitos), a apurar em sede de execução de sentença, nos termos conjugados dos art.s 473º, 551º e 564º, nº2, do Código Civil.”, e ainda “Subsidiariamente aos pedidos cumulados e indicados nas duas alíneas anteriores…nos termos e ao abrigo do disposto no art. 77º, nº1 e 2, do CPTA, a declaração de ilegalidade por omissão da aprovação de um regulamento que defina um estatuto remuneratório dos TVS e dos TV que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspecção existentes na Administração Pública, conforme impõe o art. 30º, nº2, alínea f), da Lei nº 98/97, devendo ser fixado um prazo não superior a seis meses para cumprimento do dever de regulamentação, acompanhado da definição de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de demora do cumprimento da decisão”.

Para tanto conclui as suas alegações da seguinte forma:

“1.ª Não pode deixar de se considerar que mal andou o despacho saneador sub judice ao declarar a falta de interesse em agir por parte da ora Recorrente para que se procedesse à apreciação do pedido de simples apreciação formulado ao abrigo do artigo 37.º, n. 2, alínea a) do CPTA.

2.ª É que a ora Recorrente não pretendia que se viesse declarar o que resulta expressamente da lei, ou seja, que os funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC têm direito a um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

3.ª O pedido formulado pela ora Recorrente era mais extenso do que o que atrás se plasmou, no sentido em que se pretendia que este Tribunal reconhecesse que a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 112/2001, de 6 de Abril não diminuiu a garantia implícita no direito previamente atribuído pela citada disposição legal, aos seus associados, de um estatuto remuneratório idêntico ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

4.ª Isto porque aos associados da Recorrente não foi reconhecida a situação jurídica subjetiva que o citado artigo 30º n.º 2, alínea f) da Lei n. 98/97 lhes conferia, tendo permanecido em desigualdade remuneratória face aos demais funcionários dos corpos inspetivos da Administração Pública definidos no Decreto-Lei n.º 112/2001, desde a data da entrada em vigor deste segundo diploma.

5.ª Por detrás de uma aparente concordância sobre a existência do direito existe uma dissensão à sua aplicabilidade, sendo precisamente essa a razão de ser da necessidade de intervenção judicial,

6.ª Motivo pelo qual deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado, revogando-se a parte do despacho saneador que procedeu à absolvição dos demandados do primeiro pedido formulado pela ora Recorrente na presente ação administrativa comum e procedendo-se ao seu julgamento.

7.ª E assim sendo, no que concerne ao recurso do acórdão sub judice, não pode deixar este Tribunal de reconhecer que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril não poderia ter limitado o direito previamente atribuído pelo artigo 30º, n.º 2, alínea f), da Lei n. 98/97, de 26 de Agosto, aos associados da Recorrente, de um estatuto remuneratório idêntico ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

8.ª Reconhecendo-se assim, necessariamente, o direito dos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC a um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

9.ª Face ao disposto no artigo 30.º, n.º 2, alínea f) da Lei n. 98/97, de 26 de Agosto e não se tendo procedido à adaptação dos vencimentos processados aos técnicos verificadores superiores e aos técnicos verificadores da DGTC na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 112/2001, de 2 de Novembro, não pode deixar de se concluir que este diploma padece de duas clamorosas inconstitucionalidades.

10ª. Com efeito, as normas do Decreto-Lei n. 112/2001, de 2 de Novembro, interpretadas no sentido de que o regime nelas contido não se aplica aos associados da ora Recorrente, padecem de inconstitucionalidade orgânica uma vez que estamos perante direitos análogos aos “Direitos, Liberdades e Garantias” que constituem matéria da competência reservada da Assembleia da República, não podendo o Governo alterar por Decreto-Lei (não autorizado) a norma que anteriormente a Assembleia da República acolheu em Lei.

11.ª Por outro lado, as normas do Decreto-Lei n. 112/2001, de 2 de Novembro, interpretadas no sentido de que o regime nelas contido não se aplica aos associados da ora Recorrente, padecem ainda de inconstitucionalidade material, porque a norma contida em Lei era uma mera concretização do princípio constitucional consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Lei Fundamental, o qual é claramente violado com a adoção de um regime que a não respeite.

12.ª Face ao exposto, não pode deixar de se concluir que mal andou o acórdão recorrido, uma vez que, reconhecendo-se o direito dos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC a um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública, não se poderia ponderar outra consequência que não a extensão automática do regime contido em tal diploma legal aos associados da ora Recorrente.

13.ª Ainda para mais, como já se demonstrou, face à clamorosa inconstitucionalidade das normas acima referenciadas, designadamente do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 2 de Novembro, a qual sempre determinaria que este Venerando Tribunal declarasse que a única interpretação constitucionalmente conforme de tal norma seria a que dispusesse no sentido de que o regime contido naquele diploma legal se aplica, por força do artigo 30.º, n.º 2, alínea f) da Lei n. 98/97, de 26 de Agosto, aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC.

14.ª O que, em qualquer caso, sempre determinaria o afastamento do regime atualmente previsto no Decreto-Lei n. 440/99, de 2 de Novembro, o qual sempre se deveria considerar tacitamente revogado, por força da necessária aplicação aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC do regime Decreto-Lei n.º 112/2001, de 2 de Novembro.

15.ª Assim sendo, uma vez que o reconhecimento da situação jurídica subjetiva devida aos TVS e aos TV decorrente do artigo 30º, n. º2, alínea f), da Lei n. 98/97, impõe um dever de prestar por parte dos Recorridos nos presentes autos, designadamente, o pagamento de remunerações consentâneas com o estatuto remuneratório condigno por reporte aos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública, não podem deixar os demandados de ser condenados, nos termos do artigo 37º, n.º 2, alínea e), do CPTA, ao pagamento das quantias devidas aos associados da A. desde o dia 1 de Julho de 2000 (data à qual o Decreto-Lei nº 112/2001 reportou os seus efeitos), a apurar em sede de execução de sentença.

16.ª Afigurando-se claro que o acima exposto, quanto à inconstitucionalidade do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 2 de Novembro e à consequente obrigatoriedade da sua interpretação conforme à Lei Fundamental sempre determinaria, no caso concreto, a falta de uma “causa justificativa” para o aludido enriquecimento por parte dos Recorridos, ao contrário do que, no aresto recorrido, vem expendido a este propósito.

17.ª Importa ainda ponderar a hipótese deste Venerando Tribunal considerar que a situação jurídica subjetiva reclamada pelos TVS e pelos TV, no que respeita à obtenção de um estatuto remuneratório não inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública não é possível ser operacionalizada diretamente por via do estabelecido no artigo 30º n.º 2, alínea f), da Lei n. 98/97, de 26 de Agosto e da extensão a estes trabalhadores do regime contido no Decreto-Lei n. 112/2001, de 2 de Novembro.

18.ª Nesse caso, mal andou este Venerando Tribunal ao não julgar procedente o pedido subsidiário formulado pela Recorrente, tendente à declaração de ilegalidade por omissão da fixação de um estatuto remuneratório dos TVS e dos TV não inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

19.ª Com efeito, a presente ação é própria para que o Tribunal proceda à declaração de ilegalidade por omissão da fixação de um estatuto remuneratório dos TVS e dos TV não inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública e, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 77º do CPTA, dê conhecimento do facto ao Governo, fixando-lhe prazo não inferior a seis meses para que supra a referida omissão.

NESTES TERMOS,

E nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

a) Ser parcialmente revogado o despacho saneador proferido em 17 de Setembro de 2015, apreciando-se, na presente sede, o primeiro pedido formulado pela Recorrente na presente ação administrativa comum;

b) Ser revogado o acórdão ora recorrido e proferir-se nova decisão, que julgue procedente, por provados, os pedidos formulados.”

2.Admitido o recurso, a fls. 420, o Ministério das Finanças apresentou as suas contra-alegações, a fls. 431/448, que conclui da seguinte forma:

“a) Resulta do disposto no artigo 142°, n°5 do CPTA, na versão em vigor a 17/09/2015, que as decisões proferidas em despachos interlocutórios, por regra, devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos de subida imediata previstos na lei processual civil, ou ainda, na versão que atualmente resulta do DL n° 214-G/2015, de 2/10, nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil);

b) Sucede que entre os casos passíveis de impugnação (apelação) autónoma nos termos previstos no artigo 644°, n°1 do CPC novo (em vigor desde 01/09/2013), está incluído o despacho saneador que sem pôr termo ao processo decide do mérito da causa ou absolve da instância o réu ou os réus quanto a algum ou alguns dos pedidos — cfr ex vi, o n°1 alínea b) do referido preceito;

c) Daqui resulta que a decisão interlocutória que conheceu concretamente da questão processual de falta de interesse em agir e absolveu os demandados da instância, sem ter posto termo ao processo, é imediatamente impugnável;

d) Deste modo, o meio idóneo para reagir contra a decisão que em sede de despacho saneador, conhece de uma excepção, julgando-a procedente, seria a reclamação para conferência, nos termos conjugados dos artigos 27°, n°2, e 142°, n°5 do CPTA e do artigo 644°, n°1, alínea b), do CPC, que deveria ter sido deduzida no prazo de 10 dias, por aplicação do artigo 29°, n°1 do CPTA;

e) Assim, não sendo o pedido de impugnação do despacho saneador admissível ou tempestivamente deduzido, tem de se concluir que foi indevidamente admitido e por isso deste não tem de ser conhecido por esse douto Tribunal, o que desde já se requer;

f) Como quer que seja, o douto despacho saneador de 17/09/2015 não enferma de erro de apreciação no segmento em que julgou verificada a falta de interesse em demandar da agora Recorrente relativamente a um dos pedidos, devendo improceder o pedido revogatório deduzido contra aquele despacho;

g) Com efeito, é bem evidente que a então Autora peticionou, primariamente, em 1ª instância, um pedido de mera apreciação tendente a que se “(..)reconheça aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC o direito a um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inexistentes na Administração Pública, em conformidade com o disposto no art. 30°, n°2, al. f), da Lei n°98/97, de 26/8, com efeitos reportados à data da entrada em vigor do DL n° 112/2001, de 6/4”;

h) Reconhecimento esse que já decorre, ex vi legis e ipsis verbis, dos princípios gerais que orientam a definição do estatuto remuneratório das referidas carreiras, atento o disposto no artigo 30º, n°2, proémio e alínea f) da Lei n° 98/97;

i) Mas, mais uma vez, a Recorrente não logra invocar e concretizar, de forma objectiva, um estado de incerteza relativamente à definição do estatuto remuneratório dos seus associados originado pela entrada em vigor do DL n° 112/2001, de 06/04, uma vez que os serviços de apoio do Tribunal de Contas não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação deste diploma, nem este encerra qualquer conteúdo decisório de caráter inovador que afete expressamente o estatuto remuneratório das carreiras de técnico verificador da DGTC;

j) No que tange à decisão final de mérito emitida em primeiro grau de jurisdição, as questões que a Recorrente pretende ver apreciada no presente recurso — maxime a que respeita às alegadas inconstitucionalidades orgânica e material do DL n° 112/20012 - são questões novas que não foram validamente colocadas, segundo o que está processualmente firmado, perante o tribunal a quo, devendo antes ser desconsideradas pelo órgão ad quem justamente por obstarem, no segmento assinalado, ao conhecimento do objeto do recurso;

l) Trata-se, isso sim, de questões que vieram pela primeira vez ao processo na alegação de recurso para o tribunal ad quo, mostrando-se, até aí, em absoluto ausentes do processo, não tendo sido suscitadas na petição apresentada em 1ª instância e não tendo, por isso, sido apreciadas na respectiva sentença;

m) Como é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, estando o âmbito dos poderes cognitivos do tribunal de recurso balizado pela matéria de facto alegada em primeira instância, pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e pelo julgado na decisão proferida em primeira instância;

n) Ainda assim, importa ter presente que na conformação do estatuto remuneratório das carreiras de técnico verificador do corpo especial de fiscalização e controlo da DGTC, o artigo 30°, n°2, alínea f) da mesma Lei não sugere qualquer equiparação ou paridade remuneratória entre as carreiras de técnico verificador — que, note-se, entre si, já apresentam grelhas salariais e regras de ingresso diferenciadas — com os demais corpos e carreiras de inspecção de outros serviços de controlo e inspecção da Administração Pública;

o) Por outras palavras, a lei não diz que o regime remuneratório das carreiras de técnico verificador tem que ser igual ao sistema retributivo vigente para aqueles que exercem funções noutras carreiras dos serviços de controlo e inspecção da Administração Pública para se poder concluir que se encontra em situação de desigualdade remuneratória face aos trabalhadores dos demais corpos inspectivos da Administração Pública, entre outros, os definidos pelo DL n° 112/2001;

p) Visa sim a norma do artigo 30º da Lei n° 98/97 assegurar que na coexistência das carreiras de técnico verificador da DGTC com as carreiras próprias e autonomizadas de outros serviços de controlo e inspecção existentes na Administração Pública exista alguma harmonização remuneratória;

q) Por outro lado, o artigo 30.° da Lei n.° 98/97, dispõe que a organização e estrutura da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, incluindo os serviços de apoio das secções regionais, e o regime do seu pessoal devem constar de decreto-lei, que deve desenvolver as regras e princípios nele estabelecidos (artigo 30°, n°2, alíneas d) e f));

r) Ora, o modo de concretização deste comando normativo passou pela edição do ato legislativo corporizado no DL n° 440/99, de 2/12, diploma que estabelece o desenvolvimento dos princípios orientadores relativos, entre outros, ao regime do pessoal integrado no corpo especial de fiscalização e controlo;

s) Como bem referiu o Tribunal a quo na decisão colocada em crise, o estatuto remuneratório das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador em que se integram os associados da agora Recorrente já resulta ex lege de um diploma legal — DL n° 440/99, de 02/11 — como aliás o previa e exigia o artigo 30°, n°3 da Lei n° 98/97, residindo na própria lei o título jurídico justificativo das remunerações estabelecidas;

t) E é completamente desajustado vir imputar ao DL nº112/2001, de 06/04, qualquer solução material colidente ou desconforme com a norma do artigo 30°, n°2, alínea f) da Lei n° 98/97, de 26/08;

u) Com efeito, é por demais evidente que o DL n° 112/2001 (artigo 2°, n°2) não teve a pretensão de abranger os serviços de fiscalização e controlo que disponham de carreiras de inspecção com estatuto de corpo especial, na medida em que estes corpos especiais estariam submetidos a um regime específico regulado por diploma próprio em conformidade com o disposto nos artigos 13°, n°3 do DL n° 248/85, de 15/06 e artigo 28° do DL n° 353-A/89, de 16/10;

v) A opção apresentada pelo legislador do DL n° 112/2001 de não abranger os corpos especiais da Administração Pública visou preservar a sua especialidade de forma compatível com os princípios do DL nº 248/85, de 15/06 e artigo 28° do DL n° 353-A/89, de 16/10, pelo é absolutamente neutral relativamente à regulação das carreiras de técnico verificador vertida no DL n° 440/99, deixando-a intocada;

x) Deste modo, e porque o DL n° 112/2001 não encerra qualquer conteúdo decisório de caráter inovador que afete ou interfira diretamente com o estatuto remuneratório das carreiras de técnico verificador da DGTC regulado pelo DL n° 440/99, não se vislumbra de que forma poderá afrontar ou colidir com o artigo 30°, n°2, alínea f), da Lei n° 97/98, como afirma a Recorrente;

z) Carecendo assim de sentido, como bem concluiu o douto acórdão recorrido, tentar obter as diferenças remuneratórias que a Recorrente reclama por via do instituto do enriquecimento sem causa, porquanto os seus pressupostos não estão verificados;

aa) Como bem assumiu o tribunal a quo, o pedido subsidiário de declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares que definam o estatuto remuneratório nos termos da norma do artigo 30° da Lei n° 98/97, está votado ao insucesso uma vez que estamos perante matéria cuja definição normativa deve operar mediante um ato legislativo e que até já tem assento no DL n° 440/99, tornando inviável que o tribunal pudesse forçar a Administração a editar normas regulamentares nesse campo;

ab) Por tudo isto, a equiparação remuneratória das carreiras de técnico verificador às carreiras de inspecção abrangidas pelo DL n° 112/2001 — tal como pretendido pela Recorrente - só poderia ser conseguida por via legislativa, representando um domínio onde a Administração não tem o dever de regulamentar a situação remuneratória existente pelo que não se pode afirmar que o seu cumprimento tenha sido omitido;

ac) E sendo uma opção que tem que estar incluída em diploma legislativo e decorre da função legislativa do Governo — e já não da sua atividade administrativa - não está em causa uma omissão regulamentar suscetível de impugnação judicial;

ad) Com efeito, estando, porventura, perante a omissão de ato legislativo inserido na função legislativa cujo conhecimento está vedado aos tribunais administrativos nos termos do artigo 4º n.º 2, alínea a), do ETAF, os tribunais administrativos são incompetentes para ordenar a emissão de atos legislativos de qualquer espécie;

ae) Pelo que nada deve ser censurado ao acórdão impugnado, devendo ser confirmada a decisão da primeira instância no sentido da total improcedência da presente causa.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas decerto doutamente suprirão:

a) Deve ser proferida decisão que não admita o recurso jurisdicional do despacho saneador de 17/09/2015, no segmento impugnado, ou, caso assim não se entenda,

b) Deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo a douta decisão recorrida nos seus exatos termos, assim se fazendo a costumada Justiça.”


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida considerou a seguinte matéria de facto pertinente para a decisão da causa:

1 – A autora é uma associação sindical que congrega, como associados, trabalhadores do Tribunal de Contas – e dos serviços de apoio às Secções Regionais dos Açores e Madeira – com as categorias de técnico verificador superior e de técnico verificador.

2 – A autora está munida de «estudos» comparativos de regimes remuneratórios que concluem no sentido desses seus associados terem, desde 1/7/2000, um estatuto remuneratório inferior ao praticado noutros serviços de controlo e inspeção da Administração Pública.

O DIREITO

1.Questão Prévia

Vem o recorrido Ministério das Finanças invocar que a decisão proferida no despacho saneador de procedência da exceção de falta de interesse em agir e consequente absolvição da instância dos demandados e aqui objeto de recurso foi uma decisão que, não tendo posto termo ao processo, era imediatamente impugnável através da reclamação para conferência, no prazo de 10 dias , nos termos conjugados dos artigos 27°, n°2, e 142°, n°5 do CPTA e do artigo 644°, n°1, alínea b), do CPC, e artigo 29°, n°1 do CPTA.

Daí conclui que, não tendo havido reclamação para a conferência, não é admissível o recurso do referido saneador, do qual não se pode conhecer.

Quid juris?

Vem o recorrente começar por sindicar o despacho saneador proferido nestes autos na parte em que o mesmo declara a sua falta de interesse em agir para que se procedesse à apreciação do pedido de simples apreciação formulado ao abrigo do artigo 37.º, n. 2, alínea a) do CPTA.

E, daí concluiu pela revogação do despacho saneador na parte em que aí se absolveram os demandados do primeiro pedido por si formulado.

E fá-lo nos seguintes termos:

Foi o seguinte o teor do despacho saneador na parte aqui sindicada:

Assim, julgo o autor parte legítima, improcedendo a correspondente excepção dilatória.

Mas essa legitimidade do autor não significa nem implica que ele disponha de interesse em agir relativamente ao pedido de reconhecimento que primariamente deduziu.

Aí, o autor pretende que o tribunal declare que os funcionários presentemente em questão têm o estatuto remuneratório que lhes é reconhecido no art. 30°, n.º 2, al. f), da Lei 98/97, de 26/8, isto é, um estatuto que «não será inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspecção existentes na Administração Pública».

Assim formulado e autonomizado, esse pedido é de simples apreciação. Mas ele visa que o tribunal declare o que, «expressis verbis», já consta da lei. E, porque o que se pede já decorre «ex lege», não vem alegado pelo autor um qualquer estado de incerteza justificativo da formulação do pedido; pois as hesitações e as dúvidas de que o autor fala a fls. 290 e ss. não residem nessa definição do estatuto remuneratório — a que o dito pedido tende — mas no modo de, subsequentemente, a concretizar ou efectivar.

Em rigor, tal pedido de apreciação parece consistir num falso pedido, por funcionar como simples premissa lógica do pedido autêntico — que é o de condenação no pagamento das quantias devidas à luz da definição legal. Mas, tendo-o o autor autonomizado, forçando o STA a considerá-lo, suscita-se o problema de saber se o autor tem interesse em deduzi-lo.

Qualquer pedido de simples apreciação supõe um estado de dúvida que urja suprimir. Sem isso, a apreciação do pedido é inútil e o autor carece de interesse em demandar. E, «in casu», é inadmissível pedir que o tribunal redundantemente declare o que a lei já exprimiu — visto que o dissídio entre as partes se situa a jusante dessa incontroversa expressão.

Portanto, o autor carece de interesse em agir no tocante à formulação do mencionado pedido de simples apreciação — o que traduz a falta de um pressuposto processual inominado (cfr, entre muitos arestos, e v.g., os acórdãos do STJ de 3/5/95 e de 8/3/2001, respectivamente publicados na CJ, 1995, 2.°, pág. 61, e CJ, 2001, 1.°, pág. 150). O que, todavia, não impede que o tribunal deva tomar o estatuído naquele art. 30°, n.° 2, al. f), como elemento a considerar na análise do demais que o autor solicita.

Nestes termos, e por o autor carecer de interesse em agir no que respeita à dedução do pedido primário de mero reconhecimento, absolvo os demandados da instância relativamente a tal pedido.”

Colocam-se, desde logo, duas questões:

_ a da interposição do recurso do despacho saneador aquando da interposição de recurso da decisão final;

_a sempre prévia reclamação para a conferência.

Senão vejamos.

O despacho saneador aqui impugnado foi proferido pelo relator do processo ao abrigo do disposto no artº 87º do CPTA.

Contudo, nos termos do artº 27º nº 2 do CPTA, dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência e não recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA.

O que, aliás, também resulta do artº 25º nº 1/a) do ETAF, que dispõe que compete ao Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA conhecer dos “recursos dos acórdãos proferidos pela Secção em primeiro grau de jurisdição” e não dos despachos proferidos pelo relator.

A este propósito extrai-se do acórdão do STA de 29.01.15, Proc. n.º 99/14 :

“...Determina o art. 40º, nº 3, do ETAF que “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”.

Por sua vez, estabelece o art. 27º, nº 1, do CPTA, que, “Compete ao relator sem prejuízo dos demais poderes que lhe são conferidos neste Código: (…)”. E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, “dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência”.

Um dos poderes concedidos ao relator é o de, findos os articulados, proferir despacho saneador, quando deva conhecer obrigatoriamente de todas as questões que obstem ao conhecimento do objecto do recurso (cfr. art. 87º, nº 1, al. a) do CPTA).

Ora, a decisão proferida foi-o precisamente ao abrigo do disposto no art. 87º, nº 1, al. a) do CPTA, tendo a 1ª instância julgado procedente a excepção da inadmissibilidade do pedido subsidiário formulado pelas Autoras.

Mas por se tratar de um despacho do relator, daquela decisão cabia reclamação para a conferência, no prazo de 10 dias, por aplicação do artigo 29º, n.º 1, do CPTA e não directamente recurso jurisdicional.

Tal reclamação é para a conferência do próprio tribunal de 1ª instância.

Conforme escreve o Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, a pág. 620 (entrada Relator, 2.):

«Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, que constitui o único meio de reacção de que dispõe a parte que se considere prejudicada, e que se destina a permitir que o relator leve o processo à conferência de modo a que sobre a matéria do despacho recaía um acórdão. Se a conferência confirmar o despacho do relator, o interessado poderá então lançar mão do recurso jurisdicional quando este seja admissível, impugnando a decisão colegial perante o TCA, quando seja proferida pelo tribunal administrativo de círculo funcionando em formação de três juízes (…)».

Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, 2004, anotação IV ao art. 27º do CPTA, págs. 221 e 222, referem que:

«Quanto à competência do relator em matéria de actos e efeitos processuais específicos, há que tomar em conta não apenas o disposto nas diversas alíneas deste art. 27.º, mas também os demais poderes que lhe estejam esparsamente atribuídos no Código, de maneira explícita ou implícita, como sucede, por exemplo, no caso, do art. 58.º/4, da alínea a) do art. 87º/1 e do art. 90.º/1 e 2».

Ou seja, de acordo com o estabelecido no art. 27º, nº 2 do CPTA, só não há lugar a reclamação para a conferência relativamente a despachos de mero expediente, a despachos que recebam recursos de acórdãos do tribunal e dos proferidos no TCA que não recebam recursos de acórdãos desse tribunal, havendo lugar a essa reclamação quanto a todos os outros despachos do relator.

É que, como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no CPTA anotado, 2ª ed. revista, 2007, sobre o art. 27º, nº 2), págs. 223 e 224:

«Estes poderes do relator, alguns verdadeiramente decisivos – porque não apenas moldam mas, às vezes, definem o destino do processo ou do pedido, a sua procedência ou decadência – tinham de ter uma «válvula de escape» para assegurar que quem controla ou julga o processo é, em última instância, o tribunal colectivo, não um dos seus juízes.

Daí que a possibilidade prevista neste n.º 2 de as partes reclamarem para a formação de juízes, para a conferência, dos actos e despachos do relator, a fim de os fazer reapreciar (e revogar ou substituir) em acórdão subscrito por todos os juízes, incluindo o reclamado.

É nesta reclamação que reside o contrapeso dos poderes que a lei, por inquestionáveis regras de eficiência, desafogo e celeridade judicial, conferiu ao relator em detrimento da competência «natural» do colectivo»”.

Em suma, não é possível a interposição de recurso jurisdicional para o Pleno da Secção de despacho saneador proferido pelo relator já que o Pleno só conhece dos recursos interpostos dos acórdãos da Secção.

O meio próprio que a interessada tinha para impugnar esse despacho era, pois, a reclamação para a conferência, apenas cabendo recurso para o Pleno da Secção do acórdão proferido sobre a reclamação.

Contudo, (e conforme jurisprudência constante deste STA) nada obstava à convolação de eventual recurso em reclamação para a conferência caso aquele tivesse sido deduzido no prazo de 10 dias, previsto no artº 153º do CPC “ex vi” do artº 1º do CPTA.

Veja-se, a este propósito o Acórdão do STA de 26.04.14, Proc. n.º 1831/13, que dispõe que: “Podemos admitir que o Tribunal a quem for erradamente dirigida uma pretensão pode decidir sobre a admissibilidade da convolação, e, por razões de economia processual, indeferir essa possibilidade quando for evidente que a mesma não pode ser admitida. O que não podia era considerar, desde logo, verificado um pressuposto processual (tempestividade) do meio processual adequado, quando este devia ser apresentado noutro Tribunal.”

Esta admissibilidade da convolação do recurso em reclamação, apesar de visar que questões formais não se tornem impeditivas da emissão de pronúncia sobre a questão de mérito ou de fundo em obediência ao princípio pro atione, exige sempre que o prazo para a dedução da reclamação não tenha sido ultrapassado.

Pelo que, ultrapassado esse prazo, sem que tenha sido deduzida reclamação para conferência ou seja possível convolar o recurso em reclamação, o decidido no despacho saneador transitou em julgado.

O que acontece no caso sub specie em que, não sendo o despacho saneador susceptível de recurso jurisdicional, e não tendo a reclamação sido deduzida no prazo de dez dias, a decisão considera-se transitada em julgado nos termos do artº 628º do CPC e 29º nº1 do CPTA.

Em suma, sem prévia reclamação tempestiva para a conferência, não era o referido saneador passível de recurso para o Pleno.

De qualquer forma, e mesmo que tivesse ocorrido a referida reclamação para a conferência, sempre não seria este o momento para interpor recurso da decisão que viesse a ser proferida pela mesma já que, como resulta do art. 644º nº2 b) do NCPC, ex vi art. 142º nº5 parte final do CPTA, é admissível recurso de apelação imediato da decisão que “ponha termo à causa” e do despacho saneador que, “sem pôr termo ao processo, conheça do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.

Em suma, há recurso autónomo de despacho interlocutório no caso de extinção meramente parcial da causa, por envolver apenas algum dos réus ou algum dos pedidos, mesmo que não seja posto termo a todo o processo.

Ora, essa autonomia não se verifica, mesmo quando na mesma peça processual se identificam os recursos do saneador e do acórdão final e se pede o provimento de cada um deles.

Pelo que, sempre se imporia interposição de recurso autónomo do despacho saneador proferido após reclamação para a conferência e não apenas aquando do recurso do acórdão final, inserido na mesma peça processual deste, não obstante com identificação de ambos os recursos.

Assim sendo, não é de admitir o recurso jurisdicional do despacho saneador proferido nos autos.

2. Pretende a A. fazer daquele seu interesse em agir o reconhecimento do seu do direito que havia formulado em 1º lugar na petição, ou seja:

7.ª E assim sendo, no que concerne ao recurso do acórdão sub judice, não pode deixar este Tribunal de reconhecer que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril não poderia ter limitado o direito previamente atribuído pelo artigo 30º, n.º 2, alínea f), da Lei n. 98/97, de 26 de Agosto, aos associados da Recorrente, de um estatuto remuneratório idêntico ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

8.ª Reconhecendo-se assim, necessariamente, o direito dos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC a um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.”

Ora, apenas está a pretender aquilo que lhe foi negado por não ter interesse em agir, ou seja, o reconhecimento “aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior [TVS] e técnico verificador [TV] da DGTC um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspecção existentes na Administração Pública, em conformidade com o disposto no art. 30º, n.º2, alínea f), da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com efeitos reportados à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril”.

Claro que tal não impede que esse pressuposto que pretende ver reconhecido seja tido em consideração pelo tribunal, se for caso disso, aquando do conhecimento do pedido de condenação ao pagamento das quantias devidas aos associados da A. desde o dia 1 de Julho de 2000 por si formulado.

Como bem o diz o relator no referido despacho saneador ao referir que:

“O que, todavia, não impede que o tribunal deva tomar o estatuído naquele art. 30°, n.° 2, al. f), como elemento a considerar na análise do demais que o autor solicita.”

E, da consideração deste teor normativo não resulta a possibilidade de condenação em quaisquer quantias que não as quer resultam do Estatuto dos associados da autora, o DL 440/99 de 2/11.

Pelo que, não podemos deixar de concluir que, resolvida a questão de falta de interesse em agir para o pedido formulado em primeiro lugar não só fica prejudicado o seu pedido de reconhecimento do direito como também daí não resulta qualquer condenação no segundo pedido de condenação ao pagamento de quaisquer quantias devidas aos associados da autora.

3. Vem, também, a recorrente invocar que as normas do Decreto-Lei nº 112/2001, de 2 de novembro, interpretadas no sentido de que o regime nelas contido não se aplica aos seus associados, padecem de inconstitucionalidade orgânica uma vez que estamos perante direitos análogos aos “Direitos, Liberdades e Garantias” que constituem matéria da competência reservada da Assembleia da República, e de inconstitucionalidade material, porque a norma contida em Lei era uma mera concretização do princípio constitucional consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Lei Fundamental, o qual é claramente violado com a adoção de um regime que a não respeite.

Pelo que, teria de se concluir pelo reconhecimento do direito dos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC a um estatuto remuneratório que não seja inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública, e a inerente extensão automática do regime contido em tal diploma legal aos seus associados.

Ou seja, que se declarasse que a única interpretação constitucional da norma seria o sentido de que o regime contido naquele diploma legal se aplica, por força do artigo 30.º, n.º 2, alínea f) da Lei nº 98/97, de 26 de agosto, aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC.

O que, determinaria o afastamento do regime atualmente previsto no Decreto-Lei nº 440/99, de 2 de novembro, o qual sempre se deveria considerar tacitamente revogado, por força da necessária aplicação aos funcionários das carreiras de técnico verificador superior e de técnico verificador da DGTC do regime Decreto-Lei n.º 112/2001, de 2 de novembro.

Quanto ao conhecimento das referidas inconstitucionalidades do DL 112/2001, o seu conhecimento é irrelevante para a reapreciação da decisão recorrida já que esta julgou improcedentes ambos os pedidos (principal e subsidiário) sem chamar à colação este diploma, por o mesmo não fazer parte nem da causa de pedir nem dos pedidos formulados.

Na verdade a autora e aqui recorrente baseou a sua pretensão principal no facto de os seus associados terem permanecido em desigualdade remuneratória face aos demais funcionários dos corpos inspetivos da Administração Pública definidos no Decreto-Lei n.º 112/2001, desde a sua entrada em vigor e atenta a redação do art. 30º n.º 2, alínea f) da Lei n. 98/97, sem atribuir àquele DL 112/2001 qualquer ilegalidade como pressuposto dos pedido formulados.

Não são, pois, de aqui conhecer as referidas inconstitucionalidades.

4. Faz a recorrente concluir das referidas inconstitucionalidades a falta de uma “causa justificativa” para o aludido enriquecimento por parte dos Recorridos, ao contrário do que se diz na decisão recorrida.

Diz a decisão recorrida que:

“...O art. 30º, n.º 2, al. f), da Lei n.º 98/97, de 26/8 – a «Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas» – preceitua que «o estatuto remuneratório das carreiras de técnico verificador não será inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspecção existentes na Administração Pública». Mercê dos «estudos» referidos na matéria da facto dada por assente, a autora afirma que essa norma legal está a ser violada desde 1/7/2000 – com enriquecimento dos réus e correlativo empobrecimento dos técnicos (TVS e TV), seus associados. Por isso, e a título principal, a autora persegue a condenação dos demandados – agora só o Ministério das Finanças e o Tribunal de Contas – a pagarem aos ditos técnicos as diferenças remuneratórias devidas desde aquela data segundo o regime do enriquecimento sem causa, relegando-se para «execução de sentença» a actualização e a liquidação desses «quanta».

É significativo que a autora não assuma, como título jurídico imediato do seu pedido condenatório principal, aquele art. 30º, n.º 2, al. f). Isso deve-se provavelmente à circunstância do estatuto remuneratório dos associados dela constar de um diploma legal – o DL n.º 440/99, de 2/11 – como, aliás, se previa e exigia no n.º 3 do mesmo art. 30º da Lei n.º 98/97. Daí que a autora tenha deslocado o fundamento do seu pedido condenatório principal para o instituto do enriquecimento sem causa; pois, não vindo alegado que os associados da autora estejam, desde 1/7/2000, a auferir menos do que a lei (aquele DL n.º 440/99) vem especificamente prevendo, parece que a autora concedeu que as diferenças remuneratórias pretendidas só serão atingíveis pela via subsidiária do enriquecimento sem causa.

Mas a inviabilidade deste pedido é manifesta. Os «quanta» de vencimentos e restantes abonos têm, no nosso direito administrativo, um único título possível – a norma jurídica, seja ela legal ou regulamentar. «In casu», a autora não nega – e até tacitamente reconhece – que os seus associados têm sido pagos mediante um estatuto remuneratório fixado «ex lege» – no DL n.º 440/99. Sendo assim, a enunciada pretensão acrescente, ademais concebida com efeitos «ex tunc», tem de passar pela própria mudança, aliás retroactiva, do disposto nesse diploma, posto que ele foi e é o título justificativo das remunerações satisfeitas a tais associados. E, se o título desses pagamentos tem estado e só podia estar aí, carece minimamente de sentido a ideia de que, contornando-se essa base legal, continuaria possível obter-se as diferenças remuneratórias em questão através do instituto do enriquecimento sem causa.

Até porque esta figura – «ultima ratio» no reequilíbrio das relações entre enriquecidos empobrecidos – pressupõe sempre a falta de causa de uma deslocação patrimonial (art. 473º, n.º 1, do Código Civil). Ora, o pormenor de, na óptica da autora, os seus associados haverem sofrido um empobrecimento – por estarem a receber menos do que seria devido – constitui um efeito cuja causa é óbvia e reside na própria lei; pois as remunerações que eles vêm auferindo desde 1/7/2000 correspondem ao previsto no DL n.º 440/99. Ora, este circunstancialismo logo exclui que se possa falar da falta de uma «causa justificativa» do empobrecimento alegado – e, portanto, também do enriquecimento que lhe seria correlativo.

Assim, a autora pode ter razão quando assinala a disparidade entre o disposto no art. 30º, n.º 2, al. f), da Lei n.º 98/97, de 26/8, e o «status» remuneratório legalmente deferido aos seus associados desde 1/7/2000. Pode tê-la ainda quando sugere a ocorrência de uma omissão legislativa causadora de danos. Mas daí não surge a possibilidade do problema se resolver pela via do enriquecimento sem causa, já que os pressupostos desta figura são alheios à situação.

Ora, a recorrente não vem questionar estes fundamentos, antes e apenas quer fazer derivar de eventual interpretação do Decreto-Lei nº 112/2001, de 2 de novembro a falta de justificação para o enriquecimento sem causa.

Mas, não estando em causa no âmbito do pedido por si formulado o referido diploma 112/2001 apenas há que ter presente que, efetivamente, qualquer ausência de diferenças remuneratórias que se impusesse, entre os técnicos (TVS e TV), seus associados, e os serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública apenas deriva do Decreto-Lei nº 440/99 de 2 de novembro, de cujo preâmbulo se extrai:

“Todavia, o artigo 30º da Lei nº 98/97 (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas) dispõe que a organização e estrutura da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, incluindo os serviços de apoio das secções regionais, e o regime do seu pessoal devem constar de decreto-lei, que deve desenvolver as regras e princípios nele estabelecidos.

É este, pois, o escopo do presente diploma, que, atento o princípio do autogoverno do Tribunal de Contas, consagrado no artigo 7º da mesma lei, define o estatuto daqueles serviços e o regime do respectivo pessoal.

Foram observados os procedimentos decorrentes da Lei nº 23/98, de 26 de Maio.

Assim:

No desenvolvimento dos princípios e regras estabelecidos nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 30º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, e nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 198º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:...”

O que se diz neste preâmbulo está em perfeita sintonia com o que vem referido na decisão recorrida.

Sendo a causa das remunerações dos associados da recorrente este Decreto-Lei nº 440/99 de 2 de novembro, não podemos concluir pela inexistência de causa justificativa para o alegado empobrecimento dos associados da autora e enriquecimento do Estado.

Existe, e é este diploma.

5. Refere, também, a recorrente que a decisão recorrida errou ao não julgar procedente o pedido subsidiário por si formulado, tendente à declaração de ilegalidade por omissão da fixação de um estatuto remuneratório dos TVS e dos TV não inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública.

A seu ver, nada obsta a que o Tribunal proceda à declaração de ilegalidade por omissão da fixação de um estatuto remuneratório dos TVS e dos TV não inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública e que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 77º do CPTA, dê conhecimento do facto ao Governo, fixando-lhe prazo não inferior a seis meses para que supra a referida omissão.

O pedido subsidiário aqui em causa tem a ver com a intervenção deste STA ao abrigo do art. 77º do CPTA nos termos do qual:

“Declaração de ilegalidade por omissão

1 - O Ministério Público, as demais pessoas e entidades defensoras dos interesses referidos no nº 2 do artigo 9º e quem alegue um prejuízo diretamente resultante da situação de omissão podem pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adopção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação.

2 - Quando o tribunal verifique a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, nos termos do número anterior, disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.

Ora, o artigo 30º da Lei nº 98/97 (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas) dispõe que a organização e estrutura da Direcção-Geral do Tribunal de Contas, incluindo os serviços de apoio das secções regionais, e o regime do seu pessoal devem constar de decreto-lei, que deve desenvolver as regras e princípios nele estabelecidos.

Isto é, o regime do pessoal do Tribunal de Contas há-de ser fixado por DL, e não por quaisquer disposições regulamentares, e que veio a ser o DL 440/99 de 2/11.

O que a recorrente pretende é que se venha a determinar à Administração a prolação de norma, que o DL 440/99 não regula, no sentido de estabelecer uma sintonia entre o estabelecido no artigo 30º n.º 2, alínea f), da Lei n. 98/97, de 26 de agosto e a extensão a estes trabalhadores do regime contido no Decreto-Lei nº 112/2001, de 2 de novembro.

E isto, porque a situação jurídica subjetiva reclamada pelos TVS e pelos TV, no que respeita à obtenção de um estatuto remuneratório não inferior ao praticado nos serviços de controlo e inspeção existentes na Administração Pública, não é possível ser operacionalizada diretamente por via do estabelecido no artigo 30º n.º 2, alínea f), da Lei nº 98/97, de 26 de agosto e da extensão a estes trabalhadores do regime contido no Decreto-Lei nº 112/2001, de 2 de novembro.

Só que essa norma, não podendo ser de natureza regulamentar, como resulta dos supra referidos preceitos, mas antes de natureza legislativa, está fora da possibilidade de intervenção deste STA.

Daí que este STA não disponha de competência para impor a quaisquer entidades a emissão de um ato legislativo e que seja de manter, na sua totalidade, o vertido no acórdão recorrido:

“(...) Com efeito, o n.º 3 do já mencionado art. 30º dispôs que o regime, designadamente o remuneratório, do pessoal afecto ao Tribunal de Contas haveria de constar de decreto-lei. E, conforme vimos «supra», foi isso que deveras sucedeu, pois o DL n.º 440/99 – activando esse art. 30º, n.º 3, como explicou o seu preâmbulo – definiu o regime remuneratório desse pessoal, em que se incluem os associados da autora cujos interesses ela protege nesta acção.

Ora, se o estatuto remuneratório desses associados deve constar de decreto-lei, torna-se impossível que o tribunal force a Administração a editar normas regulamentares nesse campo – sob pena de assim se proferir uma pronúncia judicial «contra legem». E, se acaso se dissesse que o art. 30º, n.º 3, da Lei n.º 98/97 é alheio à questão remuneratória ora em presença – o que configuraria uma interpretação temerária e até abstrusa dessa norma – a posição da autora não melhoraria. É que, face à presença do DL n.º 440/99, de 2/11 – em que se define o «estatuto remuneratório do corpo especial de fiscalização e controlo» dos serviços de apoio do Tribunal de Contas – está vedado à Administração redefinir o assunto por instrumento regulamentar, já que esse hipotético regulamento nunca poderia revogar e substituir um diploma normativo hierarquicamente superior.

Tudo o que acima se referiu evidencia que não houve, por parte da Administração, um qualquer dever de regulamentar o «status» remuneratório dos ditos associados da autora. Não existindo esse dever, não se pode afirmar que o seu cumprimento tenha sido omitido; e, se não ocorreu esta omissão, não se justifica a condenação dos demandados nos termos do pedido que a autora subsidiariamente formulou.

Resta referir que tal pedido concerne apenas à edição de normas regulamentares. Assim – e por estar fora do «petitus» – este STA está dispensado de afirmar e demonstrar algo que é óbvio: a manifesta incompetência dos tribunais administrativos para ordenarem a emissão de actos legislativos de qualquer espécie.”

Assim, temos de concluir, tal como a decisão recorrida, que o pedido subsidiário não pode proceder.


*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em :

a) não admitir o recurso no segmento em que no mesmo se impugna o despacho saneador;

b) negar provimento no mais ao recurso do acórdão, que se mantém.

Não são devidas custas, por isenção da autora aqui recorrente (art. 338º, n.º 2, da LGTFP – a Lei n.º 35/2014, de 20/6) – sem prejuízo da eventual responsabilidade dela nos termos do art. 4º, n.º 6, do RCP.

Lisboa, 16 de Junho de 2016. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa ReisVítor Manuel Gonçalves GomesAntónio Bento São PedroCarlos Luís Medeiros de CarvalhoJosé Augusto Araújo VelosoMaria Benedita Malaquias Pires UrbanoMaria do Céu Dias Rosa das Neves.