Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0107/11
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRC
CUSTO FISCAL
EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
RELAÇÃO DE DOMÍNIO
GRUPO DE EMPRESAS
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
Sumário:À luz do art. 23º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.
Nº Convencional:JSTA00067282
Nº do Documento:SA2201111300107
Data de Entrada:02/07/2011
Recorrente:A......,SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC01 ART23 ART58 N11 ART63 ART64 ART17
CSC86 ART72 ART503
L 30-G/2000 DE 2000/12/29
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1236/05 DE 2006/03/29; AC STA PROC21515 DE 1998/09/23; AC STA PROC1077/08 DE 2009/05/20; AC STA PROC246/02 DE 2002/07/10; AC STA PROC1046/05 DE 2007/02/07
Referência a Doutrina:ANTÓNIO MOURA PORTUGAL A DEDUTIBILIDADE DOS CUSTOS NA JURISPRUDÊNCIA FISCAL PORTUGUESA PAG113
TOMÁS DE CASTRO TAVARES DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA PARCIAL ENTRE A CONTABILIDADE E O DIREITO FISCAL NA DETERMINAÇÃO DO RENDIMENTO TRIBUTÁVEL DAS PESSOAS COLECTIVAS ALGUMAS REFLEXÕES AO NÍVEL DOS CUSTOS IN CTF N396 PAG7
SALDANHA SANCHES A QUANTIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DEVERES DE COOPERAÇÃO AUTOAVALIAÇÃO E AVALIAÇÃO ADMINISTRATIVA 2ED PAG238
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A………, SA., recorreu, para o Tribunal Central Administrativo Norte, da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, lhe julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação adicional de IRC do ano de 2001, na importância de € 10.736,40.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I – A discordância da recorrente prende-se fundamentalmente com a consideração jurídica que o Tribunal a quo adoptou relativamente à noção de custo relevante para efeitos fiscais.
II – Uma vez que o Tribunal recorrido não considerou fiscalmente relevantes os “encargos financeiros relacionados com a obtenção de crédito junto de instituições bancárias, com fundamento no artigo 23° CIRC, por entender que relativamente aos mesmos não se verificava a característica da “indispensabilidade” para a realização dos proveitos ou ganhos do contribuinte.
III – Acontece que, in casu, nos encontramos perante uma relação de grupo constituída por uma relação de domínio total (cfr. artigos 488° ss. CSC), uma vez que a impugnante é detida a 100% pela sociedade-mãe, “B……… SA”.
IV – Ora, nas relações que se estabelecem entre as sociedades do grupo está presente uma estratégia e uma lógica empresarial de “grupo”, i.é, uma estratégia de convergência e congregação de esforços mútuos com vista à maximização do lucro naquelas sociedades que pode justificar e justifica uma política comercial e económica pensada em termos de conjunto, a qual não pode ser perspectivada isolada e singularmente.
V – Podendo mesmo, num grupo de sociedades, serem as sociedades filhas obrigadas a praticar actos que sejam, para ela, desvantajosos e até causadores de prejuízo, desde que os mesmos visem os interesses do “grupo” (cfr. artigo 503°, nº 2 CSC aplicável ex vi artigo 491° CSC),
VI – Tendo sido desta regra e princípio basilar de uma relação de grupo, que na decisão ora em crise se fez tábua rasa.
VII – Desconsiderando-se igualmente que a decisão que justificou a reacção da administração fiscal e a liquidação ora em crise é inequivocamente uma correcta e boa decisão de gestão empresarial (atenta a “lógica de grupo”), uma vez que a operação em causa foi efectuada pela impugnante pela simples razão de ser ela quem estava em melhor situação (desde logo, porque dispunha de bens imóveis para dar em garantia - cfr. as actas juntas aos autos) para obter condições mais favoráveis (nomeadamente a nível da taxa de juro) nos empréstimos bancários que se tornava necessário contrair.
VIII – Não podendo, por ser manifestamente contrário aos mais elementares princípios de direito societário, ser a Administração Fiscal a questionar o mérito (ou demérito) de tais actos sob pena de haver uma insuportável e intolerável ingerência por parte do Fisco na gestão das empresas (cfr., a este propósito, a explicitação que recentemente foi feita, entre nós, deste princípio basilar do direito societário através da consagração expressa da business judgemet rule no artigo 72°, nº 2 CSC).
IX – Acresce que, para que aqueles custos financeiros fossem aceites e relevados fiscalmente não é necessário que a sociedade faça uso do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previstos nos artigos 63° ss. CIRC.
X – Trata-se efectivamente de coisas distintas: uma coisa é o grupo (rectius, a sociedade dominante) pretender ficar sujeita ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades; outra, absolutamente distinta é saber se (apesar da sociedade dominante não ter optado por tal regime especial) as decisões tomadas e os custos suportados pelas sociedades do grupo (v.g., pelas sociedades filhas), ainda que em seu prejuízo e ainda que não sejam estritamente necessárias para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, deverão ser aceites e relevados fiscalmente.
XI – Finalmente, caso se entenda – como entendeu o Tribunal a quo –, o que, em todo o caso, não se concede, que aqueles custos com encargos financeiros não podem ser fiscalmente relevados pela aqui impugnante, há manifestamente in casu relações especiais entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram dos financiamentos por ela concedidos.
XII – Pelo que a haver correcções na matéria colectável da impugnante, tal deverá necessariamente implicar correcções idênticas (de sentido inverso) nas outras empresas do grupo (cfr. artigo 58°, nº 11 CIRC), o que deverá ser judicialmente declarado.
XIII – Ao assim não decidir, a douta decisão do Tribunal a quo violou, entre outras, as normas dos artigos, as normas dos artigo 23°, 63° e 64° CIRC, bem como as normas dos artigos 72° e 503° CSC.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que anule a liquidação adicional efectuada pela Administração Fiscal e que atenda à matéria tributável determinada pela impugnante na declaração por si apresentada.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, este Tribunal veio, por acórdão de 3/12/2010 (fls. 118/123) a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, com fundamento em que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, declarando, consequentemente, competente este STA.
1.5. Subidos os autos a este STA, ordenou-se a notificação do MP, que não emitiu parecer (fls. 137 verso).
1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - A ora impugnante e doravante designada por A………, foi objecto de uma acção de fiscalização por parte dos Serviços de Inspecção e Prevenção Tributária de Braga.
2 - Da acção de fiscalização referida em 1) realizada em Março de 2005, resultou a liquidação adicional de IRC, ora impugnada e que teve por base o relatório constante do PA de fls. 6 a 17 e que aqui se dão por reproduzidas.
3 - Contra a liquidação adicional referida em 2) foi deduzida reclamação graciosa, cfr. processo que se encontra apenso.
4 - A dita reclamação graciosa foi objecto de indeferimento expresso, cfr. despacho e notificação do mesmo junto ao PA.
5 - A ora impugnante dedica-se à actividade de compra e venda de bens imobiliários e está enquadrada no regime geral para efeitos de determinação da matéria colectável.
6 - A ora impugnante é uma sociedade anónima, com capital social de € 1.247.500, sendo este inteiramente detido pela sociedade B………, Sa.
7 - A ora impugnante insere-se num grupo de empresas das quais fazem parte, entre outras como sociedades-filhas, a A……… e a C………, Sa., que são detidas a 100% pelo sociedade-mãe B………, Sa.
8 - No âmbito da acção inspectiva identificada em 1) e 2) foi apurado que a ora impugnante contabilizou no exercício de 2001 como custo fiscal da actividade a importância de € 10.736,40 referente a encargos financeiros relacionados com a obtenção de crédito junto de instituições bancárias.
9 - Os encargos financeiros em causa correspondem essencialmente a juros e imposto de selo sobre os mesmos.
10 - Foi ainda apurado que a ora impugnante financiou a título gratuito as sociedades B……… e a C………, Sa.
3.1. Enunciando como questão essencial a decidir a de saber se os encargos financeiros referidos no Probatório, contabilizados pela impugnante no exercício de 2001, são efectivamente um custo fiscal enquadrável no art. 23° do CIRC, a sentença, analisando o conceito de indispensabilidade ali referenciado, veio a concluir pela negativa.
Para tanto, considera que, tratando-se, no caso, de encargos financeiros (correspondentes a juros e imposto de selo incidentes sobre financiamentos) relacionados com a obtenção de crédito com vista ao financiamento das empresas do grupo, embora a lei não proíba, face ao princípio do poder de gestão atribuído às empresas, que seja a impugnante a assumir os compromissos em função do grupo, contudo e quando tal situação ocorra esta terá de relevar tais operações contabilisticamente, já que a contabilidade terá que espelhar a totalidade das operações efectuadas.
Porém, dado que a impugnante não relevou contabilisticamente a totalidade das operações, pois não debitou às restantes empresas do grupo os custos financeiros decorrentes dos empréstimos, e porque não obteve qualquer proveito resultante do empréstimo obtido, os custos daí decorrentes não são custos indispensáveis nos termos referidos nos arts. 23° e 17° do CIRC.
Além disso, embora a impugnante também sustente que, havendo correcções em sede da sua matéria colectável, tais correcções terão que ser repercutidas nas empresas do grupo em questão, nos termos do nº 11 do art. 58° do CIRC, dos autos não resulta que ela se encontre na situação aí estabelecida (determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais entre sujeitos passivos) pelo que tal normativo é inaplicável ao caso, por não se verificarem os requisitos ali estabelecidos.
3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente interpôs, como acima se disse, para o TCA Norte, o presente recurso, com as respectivas alegações e as Conclusões acima transcritas, o qual se julgou incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por versar exclusivamente matéria de direito.
E assim é, na verdade.
Como ali se exara, a questão suscitada no recurso prende-se «… com a noção de custo relevante para efeitos fiscais, maxime saber se os encargos financeiros relacionados com a obtenção do crédito junto das instituições bancárias, por parte da Recorrente, devem ou não ser considerados como custo fiscal da sua actividade, no âmbito da interpretação e aplicação do art. 23° do CIRC» e «… o teor das Conclusões III e segs. das alegações de recurso prende-se com a argumentação, por parte da Recorrente, em ordem à qualificação como custos fiscais daqueles encargos. Tais argumentos foram, aliás, tidos em consideração na sentença recorrida em ordem à subsunção ou não dos encargos financeiros contraídos pela recorrente para fazer face a necessidades financeiras das empresas do grupo a que pertence, na noção de custos, maxime do critério da indispensabilidade e da relação com os ganhos, constante do art. 23° do CIRC. Ou seja o que está em causa nos autos e no recurso é tão só a consideração jurídica adoptada pelo tribunal a quo concernente à subsunção daqueles encargos na noção de custos fiscais. Nesta perspectiva, o recurso tem por exclusivo fundamento matéria de direito…».
4. No caso não vem questionado que os custos aqui em causa estão comprovados documentalmente.
A questão a decidir passa, portanto, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, ou seja, o objecto do presente recurso reconduz-se a saber se, à luz do art. 23º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total.
Vejamos.
4.1. O nº 1 do citado art. 23º do CIRC dispõe:
«Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
…c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…».
Não obstante a enunciação exemplificativa das várias categorias concretas de encargos dedutíveis, constantes das diversas alíneas deste art. 23º, resulta claro, perante a referência à necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim. Ou seja, sem embargo da relevância assumida pela realidade juridico-economica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr. o ac. do STA, de 23/9/98, AD 452/453, p. 1057) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da AT, importa, então, aferir os termos do enquadramento legal de tal conceito.
E desde logo, parece decorrer do normativo legal em apreciação que a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na actividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
Como refere Saldanha Sanches, estamos perante um conceito de custo «que poderemos considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial: a definição fiscal de custo, como um conceito mais amplo do que os de custo de produção e custos de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade de empresa e necessidade de empresa: estabelecendo uma conexão objectiva entre actividade desta e as despesas que inevitavelmente daqui decorrerão.» (in A Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, 2ª ed., Lex, Lisboa, 2000, p. 238).
Aliás, de acordo com Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, pp. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.
Neste sentido vai, também, o entendimento de António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pags. 113 e sgts.), quando sustenta que «A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. (…)
A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”».
Para este autor, a interpretação para a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica. (…) uma interpretação da indispensabilidade em função do objecto social e da actividade desenvolvida pela sociedade. A identificação com a actividade comercial, industrial ou agrícola desenvolvida pelo sujeito passivo é critério suficiente. Se se quiser falar de “relação causal”, esta só pode ter lugar por via de uma ligação entre os custos e a actividade da empresa. Nunca entre os custos e os proveitos ou a manutenção da fonte produtora.»
4.2. Em idêntico sentido, o ac. deste STA, de 29/3/2006, rec. nº 01236/05, refere que «À luz do vigente CIRC, pode desde logo afirmar-se que, a todas as luzes, constitui um custo indispensável o gasto que a própria lei imponha. Mesmo pelo critério mais limitativo – o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos – este tipo de despesa é elegível. Não obstante, há que atender a que nem todos estes custos, cuja incursão a empresa não possa evitar, são dedutíveis – lembre-se a derrama, que a lei exclui dos custos dedutíveis, e que motivou larga produção jurisprudencial.
(…) A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.
Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.
O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, com já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.
O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.
Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.»
4.3. Mesmo aceitando o conceito de indispensabilidade assim caracterizado, atentando na letra do supra transcrito nº 1 do art. 23º do CIRC, havemos de convir, porém, como se refere no ac. deste STA, de 20/5/2009, rec. nº 01077/08 (que versou situação idêntica à dos presentes autos e que, com a devida vénia, passaremos a seguir de perto) que desse normativo resulta que «… os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades. A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.»
Ora, no caso vertente, a recorrente dedica-se à actividade de compra e venda de bens imobiliários e está enquadrada no regime geral para efeitos de determinação da matéria colectável (cfr. nº 5 do Probatório). E as quantias em questão correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.
Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social que é o de compra e venda de bens imobiliários (empreendimentos e gestão de imóveis) e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco; e também não se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.
Por outro lado, também não estamos perante juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na al. c) do nº 1 do art. 23º do CIRC.
E «a mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada.» (cfr. citado ac. do STA).
Em suma, as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais (cfr., ainda, os acs. do STA, de 10/7/2002 e de 7/2/2007, rec. nº 246/02 e rec. nº 1046/05, respectivamente) e, assim sendo, a sentença recorrida não violou as invocadas normas dos arts. 23°, 63° e 64° do CIRC, 72° e 503° do Código das Sociedades Comerciais, improcedendo, pois, as Conclusões I a X.
5. Por outro lado, nas conclusões XI e XII, a recorrente alega que «… caso se entenda — como entendeu o Tribunal a quo — (…) que aqueles custos com encargos financeiros não podem ser fiscalmente relevados pela aqui impugnante, há manifestamente in casu relações especiais entre a impugnante e as sociedades que beneficiaram dos financiamentos por ela concedidos.»
«Pelo que a haver correcções na matéria colectável da impugnante, tal deverá necessariamente implicar correcções idênticas (de sentido inverso) nas outras empresas do grupo (cfr. art. 58°, n° 11 CIRC), o que deverá ser judicialmente declarado».
Ora, a este respeito, a sentença recorrida considerou que, se atentarmos no conteúdo do art. 58° do CIRC, verificamos que tal normativo se aplica nos casos de determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais entre sujeitos passivos, situação que é aplicável se os requisitos lá estabelecidos se encontrarem observados, sendo que, no caso dos autos, não resulta que a impugnante se encontre na situação aí estabelecida, não sendo, portanto, esse normativo aplicável ao caso.
E, na verdade, assim é.
O nº 11 do citado art. 58º do CIRC (a que corresponde o actual nº 11 do art. 63º do CIRC) dispõe (redacção da Lei nº 30-G/2000, de 29/12) que «Quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.»
Tratando-se de norma que se refere aos denominados preços de transferência, logo se vê que, no caso presente, as correcções aqui em questão e a consequente determinação do lucro tributável não foram operadas, como resulta do Probatório, em virtude de quaisquer relações especiais eventualmente existentes entre a recorrente e as sociedades B……… e C………, SA..
Pelo que, assim sendo, não há lugar à aplicação do disposto naquele normativo, como bem decidiu a sentença recorrida.
Improcedem, portanto, também as Conclusões XI e XII das alegações de recurso.
DECISÃO
Termos em que se acorda em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.