Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0754/17
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:TAXA
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:É ilegal a liquidação da TSAM se o tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora, mas sem que tivesse sido dado ao contribuinte o direito de audição em desconformidade com o art. 60º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P23593
Nº do Documento:SA2201809190754
Data de Entrada:06/22/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária recorre da sentença que, proferida no TAF de Braga, em 18/10/2016, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A., com os demais sinais dos autos, anulando, consequentemente, o acto de liquidação da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” relativa ao ano de 2013.
Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, ali foi proferida a decisão de fls. 350/354, declarando a incompetência desse tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e atribuindo tal competência ao STA, por o recurso versar exclusivamente matéria de direito.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Nos termos da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora;
II. No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (nºs. 4 e 5 do art. 5º da Portaria nº 215/2012);
III. Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento;
IV. O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no nº 4 do art. 5º da Portaria nº 215/2012 (ou da comunicação prevista no nº 3 do art. 10º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos termos do nº 2 do art. 9º pela DGAE;
V. Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria nº 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2014 (art. 1º da Portaria nº 87/2014, 17 de Abril), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do nº 3 do art. 5º;
VI. O processo administrativo junto, pese embora possa incorrer em alguma deficiência de organização, demonstra o mencionado procedimento;
VII. Existiu, pois, um procedimento de liquidação da TSAM que seguiu com rigor as regras aplicáveis pelo que não ocorre qualquer omissão de formalidade, muito menos omissão de procedimento e, em consequência, a apontada nulidade da liquidação;
VIII. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5º, 9º e 10º da Portaria nº 215/2012, e no art. 9º do Decreto-Lei nº 119/2012.
Termina pedindo o provimento do recurso, a revogação da sentença e a improcedência da impugnação.

1.3. Contra-alegou a recorrida A…………, S.A., formulando no final as Conclusões seguintes:
A - O Tribunal a quo, no que diz respeito à ilegalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais, para além de fazer uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios do procedimento tributário, aplicou imaculadamente as regras quanto às consequências previstas no caso de preterição de formalidades essenciais.
B - O entendimento da Fazenda Pública segundo o qual era dispensável a audiência prévia prévio à liquidação porque a Recorrida não forneceu os dados referentes à área do estabelecimento é, no mínimo, enviesada, por olvidar os princípios enformadores do procedimento tributário, designadamente os princípios do inquisitório e da participação, não sendo a liquidação dotada de certeza sobre a realidade tributária.
C - No entanto, ao contrário do que pretende fazer crer, a ausência de comunicação do contribuinte não torna dispensável a participação do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária.
D - A actuação da Recorrente ofende cada um dos princípios contidos no artigo 55º da Lei Geral Tributária e, em especial, o princípio do inquisitório, porquanto deveria aquela ter diligenciado no sentido de procurar saber qual a área tributável do estabelecimento comercial da Recorrida; e, mesmo que não tivesse diligenciado neste sentido, sempre poderia a Recorrente notificar a Recorrida para o exercício do direito de audição prévia contido no artigo 60º da Lei Geral Tributária, permitindo que esta demonstrasse qual a efectiva área tributável em sede de taxa de segurança alimentar mais.
E - É inadmissível que a DGAV, enquanto entidade pública, entenda como dispensável a participação e colaboração do sujeito passivo para se obter a certeza jurídica sobre uma realidade tributária que esta desconhece, preferindo, ao invés, calcular o valor da taxa estabelecendo uma presunção com base em factos desconhecidos, ou, quanto muito, indemonstrados, tendo inteira noção de que possivelmente está longe de corresponder à verdade, o que é mais grave quando é cristalino que os factos concretos estão ao alcance da Recorrida.
F - A DGAV ao recorrer à aplicação do critério de quantificação previsto na Portaria nº 200/2013, de 31 de maio, nos termos do artigo 5 nº 5, da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, está a estabelecer uma presunção da área de comércio dos produtos alimentares, área essa sobre a qual incide o tributo em causa.
G - A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (artigo 267º nº 5 da CRP), estando vertida, inclusivamente, no artigo 60º da Lei Geral Tributária.
H - Aqui chegados, cumpre citar o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011 (proc. n. 0539/11), do qual resulta que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267º da CRP e 60º da LGT). A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.”
I - Ora, do exposto supra resulta que a decisão final do procedimento de liquidação teria sido diferente se à Recorrida for conferida a hipótese de se pronunciar claramente em momento prévio ao da liquidação.
J - De resto, tendo por base a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia, também se dirá que a audição prévia dos interessados se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da Administração Tributária.
K - In casu, o procedimento tributário tendente à liquidação é composto por um ofício de notificação e uma factura que consubstanciam a liquidação em sentido técnico.
L - Como indica, e bem a sentença recorrida, “a nulidade advém, assim, não da omissão de certas formalidades mas da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam um certo procedimento administrativo”.
M - A taxa de segurança alimentar mais, de acordo com o artigo 54º da Lei Geral Tributária, está dependente de um procedimento prévio, isto é, da sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários, sendo tal potenciado pela incerteza permanente que se vive quanto à sua natureza.
N - Seja como for, entende a sentença recorrida que se está perante uma contribuição especial e não perante uma mera taxa, pelo que se impõe um procedimento prévio à liquidação, de forma a serem respeitadas as garantias dos sujeitos passivos, levando ao procedimento as suas razões, que deverão necessariamente ponderadas pela Administração. Sucede que nada disto foi observado pela DGAV, que se limitou a fazer tábua rasa dos mais elementares direitos da Recorrida.
O - Assim, a taxa de segurança alimentar mais é composta pela área de venda de produtos alimentares, a qual é do conhecimento privilegiado do sujeito passivo, detendo este, em todo o momento, as ferramentas necessárias para conhecer da área de venda de produtos alimentares.
P - Tão ou mais importante é considerar que as isenções do artigo 9º, nº 2 do Decreto- Lei nº 119/2012, também obrigam à participação e colaboração do sujeito passivo para que se obtenha certeza jurídica sobre aquilo que deve - ou não - ser tributado.
Q - Mais importante que tudo será considerar que a liquidação não é o resultado aritmético de meros cálculos matemáticos, mas antes um regime complexo na determinação da base tributável, devendo ser considerada a existência de um procedimento administrativo que apele à participação dos contribuintes.
R - O direito de audição vem estabelecido e regulado no artigo 60º da Lei Geral Tributária, estando as situações de dispensa contidas no número 2, cabendo referir que:
- quanto à alínea a), a Recorrente efectuou a liquidação em causa sem ter por base qualquer declaração do contribuinte, não tendo existido qualquer decisão, em sede de procedimento;
- quanto à alínea b), tratou-se de uma liquidação oficiosa, sem que, contudo, esta tenha sido efectuada com base em critérios e objectivos previstos na lei, nem tão pouco foi a Recorrida notificada para apresentar qualquer declaração ou dado em falta.
S - Ora, a liquidação impugnada assentou em elementos indemonstrados obtidos na sequência de colaboração entre a DGAV e as entidades competentes, nomeadamente a Direcção-Geral das Actividades Económicas, nos termos do artigo 9º, nº 2 da Portaria 215/2012, de 17 de Julho.
T - Na medida em que o exercício do direito de audiência prévia teria permitido à Recorrida, não só acompanhar e controlar a actuação da DGAV, mas acima de tudo, participar na formação da decisão de liquidação, contribuindo, com os seus conhecimentos, naturalmente, privilegiados sobre qual a sua área afecta à comercialização de produtos alimentares, isto é, qual a área deveria ter sido tomada em consideração para o cálculo do tributo em questão.
U - O que importa a nulidade do acto de liquidação, por omissão de uma formalidade essencial do procedimento, correspondente à falta de forma, ao abrigo da alínea g) do número 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo.
V - Pelo que se conclui conforme o disposto pela douta sentença do TAF de Braga que apreciou e julgou a presente impugnação judicial, “trata-se, pois, não da simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falta total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde, como vimos, a uma absoluta falta de forma, subsumível na alínea f) do nº 2 do artigo 133º do CPA (actual artigo 161°, nº 2, alínea g)”.
Termina pedindo o não provimento do recurso.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, exarada a fls. 270 e seguintes, que julgou procedente a ação intentada contra o ato de liquidação da “taxa de segurança alimentar mais”, no valor de € 4.004,48 euros, referente ao ano de 2013.
Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação da questão que lhe foi colocada, uma vez que a taxa foi liquidada no âmbito de um procedimento e com base em elementos disponíveis pela DGAV, em observância do disposto na Portaria n° 215/2012.
Entende, assim, que a sentença violou o disposto nos artigos 5°, 9° e 10° da Portaria n° 215/2012, e no art. 9° do Dec.-Lei n° 119/2012.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue improcedente a ação de impugnação judicial.
2. A questão que se coloca consiste em saber se a sentença padece do vício de erro de julgamento, ao entender que a taxa impugnada foi liquidada sem que tivesse sido aberto o respetivo procedimento de li e sem a participação do contribuinte
2.1 Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo” que o ato de liquidação foi emitido pela AT sem que tenha sido realizado qualquer procedimento de liquidação e sem que à impugnante tenha sido dado a possibilidade de se pronunciar sobre esse ato. Tendo o TAF de Braga entendido que tal omissão configura não só a omissão de formalidade essencial, mas total falta de procedimento, o que conduz a «uma absoluta falta de forma, subsumível na alínea f) do n°2 do artigo 133° do CPA [actual artigo 161°, n° 2, alínea g)]».
E concluiu o tribunal “a quo” que «enferma de nulidade o acto em crise nos presentes autos, por preterição de formalidades que no seu conjunto formariam o procedimento tributário legalmente exigido».
2.2 Resulta da sentença recorrida que o tribunal “a quo” considerou que a emissão do ato de liquidação da taxa não ocorreu no âmbito de qualquer procedimento tributário, mas que a realização deste se impunha face às caraterísticas do tributo, de forma a possibilitar a intervenção do contribuinte, uma vez que a sua participação se afigura imprescindível.
Decorre do artigo 44º do CPPT que o procedimento tributário compreende «as ações preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais, ou de confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários».
Mas como decorre do citado preceito legal, a noção de procedimento tributário é mais abrangente e compreende o próprio ato de liquidação “stricto sensu” (alínea b)) e demais atos em matéria tributária.
Ora e ao contrário do que transparece da sentença recorrida, a liquidação e cobrança da denominada taxa de segurança alimentar mais, está amplamente regulada na Portaria n° 215/2012, de 17 de Julho de 2012, seja no aspeto da sua quantificação, seja quanto ao momento em que a mesma é devida (duas prestações realizadas em Maio e Outubro de cada ano).
Atento que a liquidação é notificada ao sujeito passivo até finais de Março de cada ano com base nos elementos que devem ser comunicados pelo sujeito passivo até ao dia 31 de Janeiro do mesmo ano, não oferece dúvidas que a liquidação em regra é efetuada com base em declaração do contribuinte anteriormente apresentada. Só no caso de tais elementos não serem fornecidos pelo sujeito passivo é que a DGAV emite a liquidação com base em elementos de que disponha (n° 5 do artigo 5° da Portaria 215/2012).
Ora, seja no caso da comunicação dos elementos a que faz referencia o n° 2 do artigo 5º da citada Portaria, seja no caso de tais elementos serem obtidos através da Direção Geral das Atividades Económicas (n° 2 do artigo 9°), não oferece dúvidas que estamos perante um procedimento tributário (esteja ou não reduzido a escrito ou apenas sob suporte electrónico).
Sucede que a conclusão que o tribunal “a quo” retirou de que não foi realizado qualquer procedimento prende-se com o facto de a DGAV, na sequência da citação para contestar e juntar aos autos o processo administrativo, ter remetido ao Tribunal apenas os elementos documentais sobre a comunicação da taxa ao sujeito passivo — documentos de fls. 52 a 63 dos autos e pontos 3) e 4) do probatório. Ou seja, dos elementos remetidos ao tribunal não constam os dados nos quais se baseou a DGAV para determinar o valor da taxa de segurança alimentar que exigiu ao sujeito passivo, designadamente a área de venda do estabelecimento de que é titular a impugnante. Mas será que tal omissão permite concluir que estamos perante a inexistência de qualquer procedimento tributário?
Parece-se-nos ser óbvio o exagero de tal conclusão. Desde logo porque é a própria impugnante que na contestação que faz à quantificação da taxa confirma os valores tidos em consideração pela DGAV para chegar ao valor da taxa exigido — cfr. artigos 126 e seguintes da petição inicial — e que são corroborados na contestação oferecida pela entidade demandada. Ou seja, o valor objeto de liquidação e constante do documento assinado pelo diretor geral da DGAV e que foi comunicado ao sujeito passivo tem por base elementos que foram recolhidos sobre o estabelecimento comercial da impugnante. E nessa medida, o ato de liquidação em causa configura um procedimento tributário, nos termos dos artigos 54º da LGT e 44° do CPPT.
Questão diversa é a de saber se o referido procedimento tributário padece de vícios que inquinam a sua validade, como seja a falta de fundamentação e a falta de audição do contribuinte, como é invocado pelo sujeito passivo. E quanto a estes pontos dúvidas não se nos suscitam que o ato padece de tais vícios que inquinam a sua validade.
Desde logo porque no ato de liquidação da autoria do diretor geral da DGAV não consta a área do estabelecimento comercial tida em consideração, seja para efeitos de aplicação da taxa e apuramento do valor da contribuição devida, seja para efeitos de verificação de eventual isenção nos termos do n° 1 do artigo 3° da Portaria n° 215/2012, assim como do valor do acerto que foi considerado por referência à cobrança do ano de 2012. Sendo tal elemento imprescindível na liquidação da contribuição, mais se impõe que o mesmo conste do ato de liquidação nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu a sua obrigação de colaboração imposta pelo n° 4 do artigo 5° da Portaria n° 215/2012, como aparentemente ocorreu no caso concreto (uma vez que tal facto não foi levado ao probatório, nem o tribunal “a quo” fez qualquer diligência no apuramento da área do estabelecimento, embora reconheça a sua relevância).
Por outro lado, se os elementos a que se refere o n° 2 do artigo 5° da Portaria não são comunicados pelo sujeito passivo, então impõe-se a sua audição, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 60° da LGT, desde que não se mostre verificada uma das condições previstas nas alíneas do n° 2 do mesmo preceito legal.
Ora, não se verifica qualquer das condições em que é dispensada a audição, uma vez que não estamos perante elementos objetivos previstos na lei. Na verdade, embora a Portaria n° 200/2013, de 31 de Maio, tenha introduzido elementos de ponderação na determinação da área relevante — “área de comércio alimentar” - que podem ser utilizados pela DGAV nos casos em que tais elementos não são comunicados pelo sujeito passivo, certo é que sempre se mostra necessário apurar a “área de venda do estabelecimento”. E neste caso não resulta que o sujeito passivo tenha sido notificado para apresentar os elementos em falta.
E assim sendo, entendemos que sempre que ocorra essa situação se impõe a audição do contribuinte, ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artigo 60° da LGT, o que não ocorreu no caso concreto.
3. Em face do exposto, entendemos que o ato tributário padece dos vícios de falta de fundamentação e preterição de formalidade legal, por falta de audição do contribuinte, que inquinam a sua validade e determinam a sua anulação, tal como invocado pela impugnante. Motivo pelo qual se impõe a confirmação da sentença recorrida, ainda que com outra fundamentação.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2.1. Na sentença recorrida julgou-se provada a factualidade seguinte:
1. A Impugnante explora o hipermercado denominado ……… sito em Barcelos.
2. Parte da área total do estabelecimento referido na alínea anterior está destinada à comercialização de produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, sendo que há outra parte reservada para produtos de origem não alimentar.
3. Em 11.07.2013, a DGAV — Direcção Geral de Alimentação e Veterinária enviou à Impugnante um ofício do qual se refira que: “(…) Como é do conhecimento de V. Exas, o Decreto-Lei n.º 119/2002, de 15 de Junho, criou a Taxa de Segurança Alimentar Mais, a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no n° 1 do artigo 9° do mencionado diploma.
Nos termos do n° 3 do artigo 5° da Portaria n° 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direcção Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar.
Assim, fica V. Exa notificado (a) que, nos termos do n° 1 do artigo 2 da portaria supra citada, o montante devido é de € 4004,48 (quatro mil quatro euro(s) e quarenta oito cêntimo(s)), conforme factura n° 39/F em anexo, sendo este o resultado da aplicação da taxa fixada no n° 1 do artigo 4° da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, à área de venda do estabelecimento, atento o previsto nas disposições conjugadas dos nºs. 4 e 5 do artigo 5° da Portaria n° 215/2012, de 17 de Julho e do artigo 1° da Portaria 200/2013, de 31 de Maio.
Mais se informa que o valor acima mencionado contempla o acerto relativamente ao valor facturado em 2012, atenta a aplicação retroactiva do disposto no artigo 1° da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio.
O pagamento da taxa do corrente ano, em virtude de não se encontrarem ainda reunidas as condições previstas no artigo 6°, poderá ser efectuado, de acordo com o disposto no n° 4 do artigo 10° da Portaria 215/2012, de 17 de Julho, através de multibanco ou cheque, devendo o mesmo ser realizado no prazo de 60 dias úteis, a contar da presente notificação, conforme resulta das disposições conjugadas do n° 3 do artigo 5° e n° 2 do artigo 6° do mesmo diploma (…)” (cf. doc. fls. 57 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
4. Em anexo à notificação referida na alínea anterior, a DGAV enviou à Impugnante a factura nº 39/F, emitida em 01-07-2013, no valor de € 4.004,48 (quatro mil e quatro euro e quarenta oito cêntimo) (cf. doc. fls. 58 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
5. Em 27.07.2013, a Impugnante procedeu ao pagamento da factura referida na alínea anterior (cf. doc. a fls. 20 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

2.2. Como fundamento da impugnação a impugnante invocara ilegalidade da liquidação por inconstitucionalidade do art. 9º do DL n° 119/2012, de 15/7 (inconstitucionalidade orgânica por o tributo em causa se configurar como imposto e não como taxa e inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade), bem como ilegalidade por ter ocorrido preterição de formalidades legais antes da liquidação (a impugnante invocara inexistência de forma legal do acto de liquidação — já que a carta ou, mesmo, a factura que lhe foram remetidas para pagamento, não se podem considerar uma verdadeira liquidação — quer porque esta deve obedecer aos critérios legais de audição, decisão e fundamentação, o que não se verificou: e, por sua vez, a AT sustentara que, no caso, existiu uma operação de liquidação e só por esta ter existido é que se justificou a existência de notificação à impugnante: os documentos que a impugnante menciona não são, no entendimento da AT, a “liquidação”, mas apenas a sua demonstração, sendo que aquela ocorreu em momento anterior e no procedimento respectivo).
A sentença julgou improcedente a alegação de inconstitucionalidade e passou, em seguida, a apreciar a ilegalidade da liquidação, por preterição de formalidades legais essenciais, concluindo que, dado o processo administrativo ser constituído unicamente pelo ofício de notificação e pela factura, remetidos à impugnante para pagamento da taxa do ano de 2013 e respectivo aviso de recepção (fls. 57 a 59), nada mais constando relativamente à liquidação impugnada, a nulidade advém, então, não da omissão de certas formalidades, mas, antes, da preterição das formalidades (e actos) que, no seu conjunto, formam o procedimento administrativo. Isto porque a nulidade do acto administrativo, decorrente da carência absoluta de “forma legal” [art. 133°, nº 2, al. f) do CPA — actual art. 161°, n° 2, al. g)], ocorre quando a lei prescreva a forma escrita para um acto administrativo e este seja praticado sob a forma oral (carência de forma em sentido estrito) e quando um acto administrativo seja emitido sem observância de qualquer das formalidades prévias exigidas por lei, isto é, sem o procedimento prévio devido (carência de formalidades) salvo estado de necessidade”.
Sendo que, no caso dos autos, estamos perante uma contribuição especial (que, na ausência de um regime geral próprio, se encontra sujeita às disposições da LGT, na medida em estas não colidam com a sua natureza bilateral, prevendo-se no art. 54° deste diploma que o procedimento tributário é compreendido por uma sucessão de actos dirigidos à declaração de direitos tributários) impondo-se, assim, a existência de um procedimento, como instrumento garantístico da posição dos sujeitos passivos.
Acrescendo que a base tributável da TSAM é constituída pela área de venda de produtos alimentares, a qual é do conhecimento privilegiado do sujeito passivo ou, pelo menos, que a este é exigível com o máximo rigor, bem como as eventuais alterações que possam, entretanto, ter ocorrido, além de que, por outro lado, as “isenções” previstas no n° 2 do art. 9° do DL nº 119/2012 também tomam indispensável a participação e colaboração do sujeito passivo para se obter certeza jurídica sobre a realidade tributada, não se estando, pois, perante um caso em que a decisão é uma mera aplicação mecânica de cálculos matemáticos.
Assim, dado que a decisão de cobrar o montante de € 4.004,48 à impugnante, a título de TSAM, consubstanciada na emissão da factura n° 000039/F de 01/07/2013, foi tomada sem que fosse previamente desencadeado o competente procedimento tributário, não se trata, sequer, de simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falta total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde a uma absoluta falta de forma, subsumível na al. f) do n° 2 do art. 133° do CPA (actual art. 161°, n° 2, al. g)).
Quanto aos pedidos juros indemnizatórios, visto o disposto no art. 43º da LGT e a jurisprudência do STA, não são os mesmos devidos uma vez que a impugnação do acto de liquidação procede com fundamento em vício de forma e não em vício de natureza substantiva.

2.3. Do assim decidido discorda a recorrente Fazenda Pública, restringindo-se, portanto, o objecto do recurso à decisão da questão atinente ao invocado vício de forma e importando, então, apreciá-lo, visto que, na perspectiva considerada pelo TCAN (como acima ficou dito, esse Tribunal julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso) também aqui se entende que o recurso tem por exclusivo objecto matéria de direito (nº 1 do art. 280º do CPPT) pois as partes não contestam os factos constantes do probatório, divergindo apenas quanto à interpretação das regras jurídicas aplicáveis.
Vejamos, pois.
O DL n.º 119/12, de 15/6, criou (art. 1.º), no âmbito do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, bem como a taxa de segurança alimentar mais (TSAM), que constitui receita desse Fundo, especificada no nº 1 do art. 9º daquele DL, nos termos seguintes: «Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre € 5 e € 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura.» Estão isentos do pagamento desta taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas, em certas situações definidas no nº 2 deste mesmo normativo.
Competindo à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, à qual cabe assegurar a respectiva liquidação e cobrança — cfr. o art. 9.º da Portaria n.º 215/2012 [que veio regulamentar esta «taxa de segurança alimentar mais» (() Bem como a Portaria n.º 214/2012, também de 17/7 e a Portaria n.º 200/2013, de 31/5.)].
No art. 5º desta mesma Portaria se definem as regras da liquidação e cobrança da taxa, nos termos seguintes:
«1 - Para efeitos de aplicação da taxa, é considerada a situação dos estabelecimentos comerciais à data de 31 de dezembro do ano anterior ao que respeita a liquidação.
2 - A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) elabora, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, uma lista atualizada dos estabelecimentos abrangidos, e da qual constam, designadamente, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social;
b) NIF;
c) Morada do estabelecimento;
d) Área de venda do estabelecimento.
3 - A liquidação da taxa é notificada ao sujeito passivo, por via eletrónica para a caixa postal eletrónica a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da lei geral tributária ou por carta registada, até ao final do mês de março de cada ano, com a indicação do montante da taxa a pagar.
4 - Os sujeitos passivos devem comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais.
5 - Em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º»
Assim, a liquidação é efectuada, em regra, com base em declaração do contribuinte anteriormente apresentada e só no caso de tais elementos não serem fornecidos pelo sujeito passivo é que a DGAV opera a liquidação com base em elementos de que disponha (n° 5 do art. 5° da Portaria nº 215/2012). Devendo a liquidação ser notificada ao sujeito passivo até final de Março de cada ano com base nos elementos que este deve comunicar até ao dia 31/1 do mesmo ano. E a taxa deve ser paga em duas prestações de montante igual, até ao final, respectivamente, dos meses de Maio e Outubro de cada ano, sendo que a citada Portaria 200/2013, de 31/5 veio, como dela consta, esclarecer o critério de apuramento da área relevante e o modo da sua determinação.
No caso, a sentença concluiu pela falta absoluta de fundamentação, por falta do legal procedimento, face à circunstância de a DGAV, na sequência da citação para contestar e juntar aos autos o processo administrativo, ter remetido apenas os elementos documentais sobre a comunicação da taxa ao sujeito passivo [docs. de fls. 52 a 63 dos autos e pontos 3) e 4) do probatório], isto é, por dos elementos remetidos ao tribunal não constarem os dados nos quais a DGAV se baseou para determinar o valor da taxa que exigiu ao sujeito passivo, designadamente a área de venda do estabelecimento de que é titular a impugnante.
Dos próprios elementos dos autos resulta, porém, que a própria impugnante confirma os valores relativos à área total do estabelecimento (2.495 m2) tidos em consideração pela DGAV para chegar ao valor da taxa exigido (em função do índice de 75% sobre essa área, resultou a área de 1.871,25 m2, sobre a qual veio a ser aplicada a taxa — cfr. os arts. 126 e seguintes da petição inicial e o teor da alegação de fls. 97 e ss.), pelo que, assim sendo, se o valor objecto de liquidação e constante do documento assinado pelo director geral da DGAV e que foi comunicado ao sujeito passivo, também tem por base tais elementos, pode concluir-se que houve recolha de elementos atinentes ao estabelecimento comercial da impugnante e que, nessa medida, não pode dizer-se que o acto de liquidação em causa não assente num procedimento tributário, nos termos dos arts. 54º da LGT e 44º do CPPT.
O que, contudo, não afasta a apontada e decidida falta de fundamentação.
Na verdade, também se constata que em termos do próprio acto de liquidação (que a recorrente sustenta estar consubstanciada, em sentido técnico, no ofício de notificação e na factura) não constam aqueles elementos (nem consta a área do estabelecimento comercial tida em consideração, seja para efeitos de aplicação da taxa e apuramento do valor da contribuição devida, seja para efeitos de verificação de eventual isenção nos termos do n° 1 do art. 3° da Portaria n° 215/2012, bem como do valor do acerto que foi considerado por referência à cobrança do ano de 2012), sendo que, como igualmente salienta o MP, tratando-se de elementos imprescindíveis na liquidação do tributo em questão, mais se impõe que fundamentem e constem do acto de liquidação nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu a obrigação de colaboração imposta pelo n° 4 do art. 5° da Portaria n° 215/2012, como aparentemente ocorreu no caso concreto (uma vez que tal facto não foi levado ao probatório, nem o tribunal “a quo” fez qualquer diligência quanto ao apuramento da área do estabelecimento, embora reconheça a sua relevância).
Por outro lado, se os ditos elementos (referidos no n° 2 do art. 5° da Portaria) não são comunicados pelo sujeito passivo, impõe-se a audição deste antes da liquidação, nos termos da al. a) do n° 1 do art. 60° da LGT, dado que não se verificam as condições em que é dispensada tal audição (nº 2 do mesmo artigo) e uma vez que não estamos perante elementos objectivos previstos na lei: é que apesar de a Portaria n° 200/2013, de 31/5, ter introduzido elementos de ponderação na determinação da área relevante — “área de comércio alimentar” - que podem ser utilizados pela DGAV nos casos em que tais elementos não são comunicados pelo sujeito passivo, certo é que esse “mecanismo substitutivo” a que se refere a recorrente, não determina imediato afastamento do contribuinte em termos de dispensar o direito de audição prévia deste.
Como se pondera nos acórdãos deste STA, de 17/05/2017, proc. nº 0216/17; de 05/07/2017, procs. n.ºs 0270/17 e 0273/17, “[s]e cumprido o direito de audição o contribuinte nada tivesse dito quanto à área do estabelecimento, então teria que funcionar o «tal mecanismo substitutivo» a que se refere a recorrente de «a liquidação ser efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º». Se tal tivesse acontecido e a taxa tivesse sido erradamente liquidada, então a entidade liquidadora haveria dado cumprimento a todos os preceitos legais e só ao contribuinte poderia ser imputado qualquer erro que ainda pudesse estar contido na liquidação.”
No caso, impunha-se, portanto, também a audição do contribuinte, ao abrigo da al. a) do n° 1 do art. 60° da LGT, formalidade legal que igualmente foi preterida e que, por isso, sempre implicaria, só por si, a anulação da liquidação.
Em suma, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, impondo-se a sua confirmação, com a presente fundamentação.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em conferência em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) - ­Francisco Rothes – Isabel Marques da Silva.