Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0790/11
Data do Acordão:09/28/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Sucedendo-se diversos regimes de prescrição, atento o disposto no artº 297º, nº 1 do Código Civil, a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
II - Mostrando-se, no caso dos autos, que o prazo terminaria na mesma data, quer em face do CPT, quer em face da LGT, é aplicável o prazo previsto na LGT, uma vez que, segundo a lei antiga, não falta menos tempo para esse prazo se completar.
III - Mostrando-se penhorados bens suficientes para garantia da dívida e do acrescido, ao abrigo do artº 169º do CPPT a execução fiscal é suspensa, com suspensão também do prazo de prescrição (artº 49º, nº 3 da LGT, então em vigor), no caso de impugnação judicial da dívida.
IV - Embora por força do disposto no nº 2 do artº 49º da LGT (na redacção então em vigor) a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fizesse cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, este caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação, a contagem desse prazo suspende-se se, entretanto, a execução ficar suspensa por penhora de bens suficientes para pagamento da dívida e do acrescido, até ao trânsito em julgado da respectiva impugnação judicial.
V - As normas da LGT que instituíram causas suspensivas e interruptivas do prazo de prescrição sem correspondência com as previstas na lei antiga (n.º 1 e 3 do art.º 49.º), não dispõem sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação, dispondo apenas sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram. Isto é, essas normas conexionam-se com o direito, sem referência aos factos geradores da obrigação e da respectiva prescrição, pelo que nada obsta à aplicação dessas normas da LGT às situações tributárias que subsistam à data da sua entrada em vigor.
VI - Assim sendo, a LGT é competente para determinar e reger os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, sem que isso represente um efeito retroactivo da lei nova ou uma ofensa aos princípios da segurança jurídico-fiscal, da tutela da confiança e da separação de poderes.
Nº Convencional:JSTA00067166
Nº do Documento:SA2201109280790
Data de Entrada:09/09/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART34
LGT98 ART12 ART48 N1 ART49 N3
CCIV66 ART12 ART297 N1 N2
CONST97 ART103 N1 N2 ART165 N1 I
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5 N1 ART6
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC246/11 DE 2011/09/07; AC STA PROC1004/11 DE 2011/03/10; AC STA PROC177/11 DE 2011/03/17; AC STA PROC217/11 DE 2011/06/29; AC STA PROC1148/09 DE 2010/01/13; AC STA PROC154/08 DE 2008/05/28; AC STA PROC7/08 DE 2008/05/21; AC STA PROC26296 DE 2002/02/06
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS
ANTUNES VARELA IN RLJ ANO120 PAG151
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI PAG61
BAPTISTA MACHADO SOBRE A APLICAÇÃO NO TEMPO DO NOVO CÓDIGO CIVIL PAG18 PAG19 PAG29
OLIVEIRA ASCENSÃO O DIREITO INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL UMA PERSPECTIVA LUSO-BRASILEIRA 10ED PAG489
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, melhor identificada nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Braga que julgou improcedente a sua reclamação contra decisão do órgão de execução fiscal, proferida no Processo nº 0710/01/100631.2.1 e Apen., que indeferiu o seu pedido de declaração de prescrição das dívidas exequendas, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui.
1ª). Em matéria de facto: importa efectuar uma pequena correcção ao nível dos factos provados, concretamente o último deles, devendo o mesmo ser fixado da seguinte forma: Em 26.11.2010 a executada deu entrada de requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Cantanhede a solicitar a declaração de prescrição, o qual lhe foi indeferido por despacho datado de 15.12.2010, tendo a presente reclamação sido apresentada em 27.12.2010.
2ª). Em matéria de direito: as normas da LGT relativas à prescrição - prazo, causas de suspensão e de caducidade - apenas podem aplicar-se aos prazos que se iniciem depois da sua entrada em vigor,
3ª). Ou quando daí resulte, em concreto, um encurtamento do prazo relativamente ao que resulta da aplicação do regime do CPT.
4ª). Assim: a lei que encurta o prazo apenas terá válida aplicação nos casos e circunstâncias em que esse prazo é concretamente reduzido, sob pena de pelo artificialismo da redução do prazo prescricional, acoplada a uma panóplia de efeitos interruptivos ou suspensivos inovadoramente criados em relação à lei antiga, se verificar, como in casu, uma extensão desse mesmo prazo, incompatível com os princípios constitucionais acabados de referir.
5. Designadamente, a lei nova não será de aplicação aos prazos que se encontrem em curso, quando esse novo prazo se encontrar acoplado a alteração do regime de interrupção ou de suspensão desse prazo com introdução inovatória de fattispecies não consagradas, e com isso se determinar que a aplicação da lei nova conduz a um prazo prescricional mais longo do que o estabelecido na lei antiga.
6ª). De facto, a aplicação da lei nova sem ressalva dos casos em que o prazo computado pela lei antiga se consuma em primeiro lugar afecta o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica imanentes ao Estado de direito porque implica um insustentável alargamento do prazo de prescrição e a aplicação retroactiva desfavorável da nova lei a um prazo já em curso, decorrente da aplicação a um prazo prescricional em curso de uma lei nova que determina o seu prolongamento para além do prazo que resultava da aplicação da lei em vigor no momento em que se iniciou o decurso desse prazo.
7ª). Nessa medida, o critério de determinação da lei aplicável exigido pelo artigo 297.° do CC, pressupõe claramente que a lei nova apenas proceda ao encurtamento dos prazos e não à alteração dos termos e condições que determinam o seu cômputo, sendo que, quando essas condições sejam alteradas, o juízo de ponderação não pode deixar de as levar necessariamente em conta.
8ª). Não é pois, aplicável o prazo de 8 anos estabelecido na LGT, quando, de acordo com os critérios da lei em vigor no momento em que se inicia a contagem do prazo prescricional (o CPT), ocorra a prescrição da dívida em momento anterior ao que resultaria da aplicação das regras da LGT.
9ª). As causas de interrupção ou suspensão do prazo prescricional prescritas na LGT, não podem aplicar-se aos prazos que se tenham iniciado e se determinem segundo os critérios do CPT, porque tais causas interferem com garantias dos contribuintes, afastando-se, por isso, a aplicação imediata de um prazo que alargue concretamente o tempo de prescrição previamente estabelecido.
10. Por esses motivos, o artigo 5.°, n.° l, do diploma preambular da LGT (DL 398/98), conjugado com o disposto no artigo 297.°, n.° l, do CC é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade, da segurança e da tutela da confiança, quando interpretado no sentido de que a lei nova reguladora da prescrição se aplica aos prazos iniciados antes da sua entrada em vigor quando daí resulte um alargamento em concreto do prazo prescricional.
11ª). E igual juízo deverá fazer-se relativamente ao artigo 12.° da LGT, conjugado com o disposto no n.° 3 do artigo 49.°, quando interpretado no sentido de que as causas de interrupção da prescrição previstas ex novo são aplicáveis aos prazos de prescrição que se iniciaram antes da entrada em vigor da LGT, por ofensa dos princípios constitucionais da segurança jurídico-fiscal, da tutela da confiança e da irretroactividade da lei fiscal.
12ª). A Assembleia da República não autorizou o governo a definir as regras aplicáveis ao cômputo do prazo prescricional, editando um critério legislativo de acordo com o qual as regras definidas na LGT possam aplicar-se aos prazos já em curso quando daí resulte um alargamento em concreto daquele prazo, razão pela qual a norma do artigo 5.° do diploma preambular da LGT, é organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° l, al. i), da CRP.
13. As dívidas em causa mostram-se prescritas.
Termos em que e nos mais de direito, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue a reclamação procedente e, consequentemente, seja declarada a prescrição das dívidas com todas as legais consequências.
2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 348/350 no qual defende a improcedência do recurso.
3. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos.
1º) A requerente em 28.12.2001 impugnou a liquidação de IVA e de IRS de 1996 e entre 21/10/02 até 18.02.04 esteve parada por facto não imputável à impugnante.
2º) Em 28.01.2002 e 03.01.2002 foram instauradas as execuções 02/100513.8 e 02/100012.9.
3º) Em 03.07/06 foram as execuções apensadas.
4º) No processo de execução foram feitas várias penhoras e no seguimento destas o Chefe de Finanças proferiu despacho em 07.08.06, a suspender a execução por se mostrar prestada garantia.
5º) Entretanto, em 04.08.06 a executada foi citada pessoalmente para a execução (fls. 58 e 59 B).
6º) No âmbito da impugnação proferiu-se despacho a excluir da impugnação a liquidação do IVA, por se verificar uma cumulação ilegal de pedidos e por a impugnante ter optado pela impugnação do IRS (fls. 239 e 243 da impugnação)
7º) Em 11/10/10 transitou em julgado a sentença de impugnação judicial.
8º) Em 29/12/10 deu entrada de requerimento, dirigido ao Chefe, a pedir a declaração de prescrição, tendo sido indeferida por despacho de 15/12/10.
4. A única questão a conhecer no presente recurso é a de saber se a dívida exequenda de IRS de 1996 (uma vez que o IVA foi excluído da impugnação – v. facto 6º do probatório) se encontrava ou não prescrita à data da decisão recorrida.
Antes, porém, importa referir que a recorrente tem razão quanto a um invocado lapso, meramente material constante do facto 8º - a data da entrada da reclamação no órgão da execução fiscal. Ora, se a decisão ocorreu em 15.12.2010, a reclamação teria de dar entrada antes dessa data, como é evidente. Corrige-se assim aquele lapso, rectificando-se a data para 26.11.2010, embora este facto seja irrelevante para a decisão do recurso.
4.1. A decisão recorrida julgou improcedente a reclamação por entender que, sendo aplicável o prazo de oito anos previsto na LGT, em face das causas de interrupção e suspensão entretanto ocorridas no decurso do prazo de prescrição, este ainda não se havia completado.
Por sua vez, a recorrente, defende que as normas da LGT relativas à prescrição - prazo, causas de suspensão e de caducidade - apenas podem aplicar-se aos prazos que se iniciem depois da sua entrada em vigor, ou quando daí resulte, em concreto, um encurtamento do prazo relativamente ao que resulta da aplicação do regime do CPT.
Deste modo, a lei que encurta o prazo apenas terá válida aplicação nos casos e circunstâncias em que esse prazo é concretamente reduzido, sob pena de pelo artificialismo da redução do prazo prescricional, acoplada a uma panóplia de efeitos interruptivos ou suspensivos inovadoramente criados em relação à lei antiga, se verificar, como in casu, uma extensão desse mesmo prazo, incompatível com os princípios constitucionais acabados de referir.
A aplicação da lei nova sem ressalva dos casos em que o prazo computado pela lei antiga se consuma em primeiro lugar afecta o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica imanentes ao Estado de direito porque implica um insustentável alargamento do prazo de prescrição e a aplicação retroactiva desfavorável da nova lei a um prazo já em curso, decorrente da aplicação a um prazo prescricional em curso de uma lei nova que determina o seu prolongamento para além do prazo que resultava da aplicação da lei em vigor no momento em que se iniciou o decurso desse prazo.
O critério de determinação da lei aplicável exigido pelo artigo 297.° do CC, pressupõe claramente que a lei nova apenas proceda ao encurtamento dos prazos e não à alteração dos termos e condições que determinam o seu cômputo, sendo que, quando essas condições sejam alteradas, o juízo de ponderação não pode deixar de as levar necessariamente em conta.
Assim, não é aplicável o prazo de 8 anos estabelecido na LGT, quando, de acordo com os critérios da lei em vigor no momento em que se inicia a contagem do prazo prescricional (o CPT), ocorra a prescrição da dívida em momento anterior ao que resultaria da aplicação das regras da LGT.
As causas de interrupção ou suspensão do prazo prescricional prescritas na LGT, não podem aplicar-se aos prazos que se tenham iniciado e se determinem segundo os critérios do CPT, porque tais causas interferem com garantias dos contribuintes, afastando-se, por isso, a aplicação imediata de um prazo que alargue concretamente o tempo de prescrição previamente estabelecido.
Por esses motivos, o artigo 5.°, n.° l, do diploma preambular da LGT (DL 398/98), conjugado com o disposto no artigo 297.°, n.° l, do CC é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade, da segurança e da tutela da confiança, quando interpretado no sentido de que a lei nova reguladora da prescrição se aplica aos prazos iniciados antes da sua entrada em vigor quando daí resulte um alargamento em concreto do prazo prescricional.
E igual juízo deverá fazer-se relativamente ao artigo 12.° da LGT, conjugado com o disposto no n.° 3 do artigo 49.°, quando interpretado no sentido de que as causas de interrupção da prescrição previstas ex novo são aplicáveis aos prazos de prescrição que se iniciaram antes da entrada em vigor da LGT, por ofensa dos princípios constitucionais da segurança jurídico-fiscal, da tutela da confiança e da irretroactividade da lei fiscal.
Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.
4.2. Em matéria de prescrição este Supremo Tribunal tem produzido variados arestos, tendo, de um modo uniforme fixado a seguinte doutrina, que o recente Acórdão de 07.09.2011, proferido no Processo nº 0246/11 sintetizou nestes termos:
“I - Em face da previsão normativa contida no artigo 297.° do Código Civil, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos de prescrição de obrigações tributárias não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois o preceito só se refere à lei que altere o prazo, e não a tudo o mais que releva para o seu curso. Por conseguinte, não há que comparar os regimes de suspensão e interrupção do prazo de prescrição adoptados pela lei antiga e pela lei nova para determinar qual é o mais favorável e escolher a lei aplicável segundo o juízo assim atingido.
II - Para determinar se o prazo de prescrição aplicável é o do CPT ou o da LGT apenas há que verificar se, no caso concreto, faltava em 1 de Janeiro de 1999 menos tempo para se completar o prazo de prescrição de 10 anos previsto na lei antiga do que o de 8 anos previsto na lei nova – única situação em que se deixará de aplicar o novo e encurtado prazo contido na LGT.
III - Definido que o prazo de prescrição aplicável é de 8 anos previsto na LGT, contado a partir da entrada em vigor desta Lei, há que apurar se ele já decorreu perante a ocorrência de factos com efeito interruptivo ou suspensivo previstos na lei vigente à data da respectiva ocorrência, em conformidade com a regra contida no artigo 12.º do Código Civil.
IV - No domínio da LGT a instauração da execução deixou de constituir facto interruptivo da prescrição (artigo 49.º), passando a relevar, como acto interruptivo, a citação dos executados - devedora originária e/ou subsidiária.
V - Embora a instauração da impugnação judicial, em 28/05/2004, constitua um acto interruptivo da prescrição à luz do nº 1 do artigo 49.º da LGT, e de esse efeito interruptivo ter cessado com a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável à impugnante, fazendo recomeçar a contagem do prazo de prescrição nos termos previstos no nº 2 do artigo 49.º, há que ter em conta que a prestação de garantia ou a realização de penhora de bens suficientes para garantia do pagamento da dívida e acrescido, aliada à pendência da impugnação, suspende a execução fiscal até à decisão do pleito e que esta suspensão determina a suspensão do próprio prazo de prescrição (artigo 169.º n.º 1 do CPPT e artigo 49.º n.º 3 da LGT).”
(Esta doutrina consta também, entre outros, dos seguintes Acórdãos deste Supremo Tribunal e Secção
- Acórdão de 29.06.2011- Processo nº 0217/11;
- Acórdão de 29.06.2011- Processo nº 0233/11;
- Acórdão de 29.06.2011- Processo nº 0563/11;
- Acórdão de 08.06.2011- Processo nº 0117/11;
- Acórdão de 08.06.2011- Processo nº 0301/11
- Acórdão de 25.05.2011- Processo nº 0298/11.
- Acórdão de 17.03.2011- Processo nº 0177/11
- Acórdão de 10.03.2011 - Processo nº 01004/11)
4.3. Posto isto, aplicando então esta doutrina na interpretação das normas legais sobre a matéria, vejamos se a dívida estava ou não prescrita à data da decisão da reclamação e da decisão de 1ª instância.
À data do facto tributário - IRS de 1996 - estava em vigor o Código de Processo Tributário, cujo artº 34º, rezava assim:
Artigo 34.º
Prescrição das obrigações tributárias
1 - A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2 - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Em 1 de Janeiro de 1999 entrou em vigor a Lei Geral Tributária que, em matéria de prescrição, veio estabelecer o seguinte:
“Artigo 48º
Prescrição
1 - As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3 - A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.
Artigo 49º
Interrupção e suspensão da prescrição
1 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, este caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.
Temos então que no decurso do prazo de prescrição se sucederam dois regimes legais, sendo que o último diploma legal encurtou o prazo de prescrição.
Então tem aqui aplicação o artº 297º, nº 1 do Código Civil que estabelece o seguinte:
ARTIGO 297º
(Alteração de prazos)
1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Considerando que, no âmbito do artº 34º do CPT o prazo de 10 anos se conta a partir de 01.01.1997, a prescrição completar-se-ia em 01.01.1007.
Considerando o disposto no citado nº 1 do artº 297º do CC e no nº 1 do artº 48º da LGT, o prazo de oito anos de prescrição completar-se-ia em 01.01.2007, ou seja na mesma data em que ocorreria aplicando o CPT.
Neste caso, é de aplicar o prazo da LGT, já que segundo a lei antiga, não falta menos tempo para o prazo se completar.
Por outro lado, há também que considerar as causas interruptivas e suspensivas previstas na LGT, já que “a LGT é competente para determinar e reger os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, sem que isso represente um efeito retroactivo da lei nova ou uma ofensa aos princípios da legalidade e da separação de poderes” (Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13.01.2010 - Processo nº 01148/09)
Iniciando-se então a contagem do prazo em 01.01.1999, verifica-se que em 28.12.2001 mesmo ficou interrompido por força da instauração da impugnação judicial (artº 49º, nº 1 da LGT).
Porém, com a paragem do processo entre 21.10.2002 e 18.02.04, cessou o efeito interruptivo da prescrição (artº 49º, nº 2 da LGT), pelo que há que somar o tempo que decorreu após 21.10.2003 ao que tiver decorrido até à data da autuação, neste caso ao do início da contagem do prazo 01.01.1999.
Assim, temos desde 01.01.1999 até 28.12.2001- 2 anos, onze meses e 28 dias.
Quanto ao prazo decorrido após 21.10.2003 o mesmo só pode ser contado até 07.08.2006, data em que foi suspensa a execução por força de prestação de garantia, ou melhor por se ter concluído que as penhoras efectuadas garantiam a totalidade da dívida e acrescido. Esta suspensão era obrigatória por força do artº 169º do CPPT, em conjugação com o nº 3 do artº 49º da LGT (então em vigor).
Deste modo, o prazo a considerar é de 2 anos, nove meses e 15 dias.
Somando esses prazos, temos 5 anos, 9 meses e 13 dias.
A impugnação que determinou a suspensão da execução transitou em julgado em 11.10.2010 (facto 7º do probatório).
Ora, uma vez que faltavam ainda 2 anos, 2 meses e 17 dias para a prescrição se completar, contando esse prazo a partir de 11.10.2010, o mesmo só se completará em 28.12.2012.
4.4. Como já se referiu, nas conclusões 9ª a 12ª a recorrente veio alegar que as causas de interrupção ou suspensão do prazo prescricional prescritas na LGT, não podem aplicar-se aos prazos que se tenham iniciado e se determinem segundo os critérios do CPT, porque tais causas interferem com garantias dos contribuintes, afastando-se, por isso, a aplicação imediata de um prazo que alargue concretamente o tempo de prescrição previamente estabelecido.
Deste modo, o artigo 5.°, n.° l, do diploma preambular da LGT (DL 398/98), conjugado com o disposto no artigo 297.°, n.° l, do CC é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroactividade, da segurança e da tutela da confiança, quando interpretado no sentido de que a lei nova reguladora da prescrição se aplica aos prazos iniciados antes da sua entrada em vigor quando daí resulte um alargamento em concreto do prazo prescricional.
E do mesmo vício padece o artº 12.° da LGT, conjugado com o disposto no n.° 3 do artigo 49.°, quando interpretado no sentido de que as causas de interrupção da prescrição previstas ex novo são aplicáveis aos prazos de prescrição que se iniciaram antes da entrada em vigor da LGT, por ofensa dos princípios constitucionais da segurança jurídico-fiscal, da tutela da confiança e da irretroactividade da lei fiscal.
Alega ainda que a Assembleia da República não autorizou o governo a definir as regras aplicáveis ao cômputo do prazo prescricional, editando um critério legislativo de acordo com o qual as regras definidas na LGT possam aplicar-se aos prazos já em curso quando daí resulte um alargamento em concreto daquele prazo, razão pela qual a norma do artigo 5.° do diploma preambular da LGT, é organicamente inconstitucional, por violação do disposto no artigo 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° l, al. i), da CRP.
Vejamos.
Relativamente à aplicação do artº 297º do Código Civil, este apenas se refere a prazos e dúvidas não restam de que, por aplicação deste preceito, o prazo a considerar é o da LGT. Não vemos em que a aplicação do princípio geral consagrado naquela norma possa ofender os princípios princípios da proibição da retroactividade, da segurança e da tutela da confiança.
Do mesmo modo, também não se vê em que é que o artº 49º, nº 3 da LGT ofende os princípios constitucionais da segurança jurídico-fiscal, da tutela da confiança e da irretroactividade da lei fiscal.
Remetemos, por isso, para o que ficou escrito sobre esta matéria no Acórdão de 13.01.2010 deste Supremo Tribunal, proferido no Processo nº 01148/09:
“O diploma que aprovou a Lei Geral Tributária (Dec.Lei n.º 398/98, de 17.12) indica a data da entrada em vigor dessa Lei (art.º 6.º) e contém nos seus artigos 3.º e 5.º algumas normas de direito transitório formal e material que disciplinam a aplicação no tempo da LGT quanto às matérias aí concretamente especificadas, designadamente no que toca ao prazo de prescrição (que a LGT encurtou para 8 anos), dispondo que a ele se aplica o preceituado no artigo 297.º do Código Civil (n.º 1 do art.º 5.º).
Por conseguinte, embora a lei aplicável ao prazo de prescrição seja, em regra, a fixada na lei vigente à data da constituição da respectiva obrigação tributária, quando esse prazo se encontra em curso à data da entrada em vigor da LGT há que aplicar a regra contida no artigo 297.º do C.Civil, que dispõe que a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar (n.º 1); e que a lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial (n.º 2).
Esta regra constitui um desvio à regra geral sobre a aplicação da lei no tempo prevista no artigo 12º do Código Civil, mas é explicado por evidentes razões de protecção das expectativas dos credores, pois que se trata, como refere o Ilustre Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária - Notas Práticas”, Áreas Editora”., «de uma restrição explicada por evidentes razões de protecção das expectativas dos credores, pois o encurtamento do prazo, se fosse contado desde o momento que a lei nova indica como sendo o do início da prescrição, provocaria imediatamente a prescrição de todas as dívidas relativamente às quais já tivesse decorrido mais tempo do que o previsto na nova lei, frustrando as expectativas dos credores que sabiam ainda dispor de algum tempo para diligenciarem no sentido de cobrarem as suas dívidas».
Todavia, apesar de a escolha do prazo de prescrição aplicável a dívida tributária nascida na vigência do CPT e que persista à data da entrada em vigor da LGT, tenha de ser feita em harmonia com a regra do art.º 297.º nº 1 do C.Civil, já a sucessão no tempo das demais normas tributárias, designadamente daquelas que disciplinam os restantes aspectos do instituto da prescrição das obrigações tributárias, tem de ser resolvida pela aplicação da regra contida no artigo 12.º da LGT, que regula a aplicação no tempo das normas tributárias nos seguintes termos:
Artigo 12 °
Aplicação da lei tributária no tempo
1. As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos.
2. Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.
3. As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.
4. Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária.
Tal norma limita-se, ao fim e ao cabo, a reafirmar o princípio geral de direito firmado no nosso sistema jurídico e constante do artigo 12.º do C.Civil, de que as normas tributárias se aplicam aos factos posteriores à sua entrada em vigor, a explicitar o princípio constitucional da irretroactividade dos impostos constante do artigo 103.º da Constituição, e a renovar os princípios gerais da aplicação das leis relativas ao procedimento e ao processo. Mas porque essa norma não regula todas as hipóteses de direito transitório tributário, ter-se-á de convocar, para todas aquelas situações que não encontrem nela previsão, o princípio geral constante do artigo 12.º do C.Civil.
Deste modo, e sabido que normas tributárias não são apenas as que definem os factos tributários, mas também as que disciplinam o regime da prescrição das obrigações que emergem desses factos tributários, designadamente as que prevêem causas de interrupção e suspensão dessa prescrição, impõe-se aplicar a regra ínsita no art.º 12.º da LGT e, subsidiariamente, o princípio geral contido no art.º 12.º do CC, da aplicação prospectiva da lei – a lei só dispõe para o futuro.
Com efeito, o mencionado preceito do Código Civil dispõe do seguinte modo:
Artigo 12.º
Aplicação das leis no tempo. Princípio geral
1 - A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2 - Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Deste preceito, tal como do artigo 12º da LGT, retiram-se, pois, dois princípios basilares: o da não retroactividade da lei e o da sua aplicação imediata. Ou seja, a lei nova só tem, em princípio, eficácia para o futuro, apresentando, como regra, eficácia prospectiva.
Mas, como adverte ANTUNES VARELA in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 120, pág.151., o princípio da aplicação prospectiva assume duas faces distintas, embora complementares: salvo disposição em contrário, a lei aplica-se a factos futuros, mas quanto às relações jurídicas duradouras a lei nova aplica-se não só às relações constituídas na sua vigência como às constituídas antes que se mantenham na vigência da lei nova.
E, como explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA in “Código Civil, Anotado”, Vol. I, pág. 61., «Previnem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc.), bem como os efeitos da respectiva invalidade, têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado. (...). Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, ou de qualquer outro direito real, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação do direito. (...)».
Dito de outro modo, e citando BAPTISTA MACHADO in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina, pag. 29 e 18 e 19., «no n.º 2 do art.º 12º do nosso Código estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos, e neste caso só se aplica a factos novos, ou define o conteúdo (os efeitos) de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação jurídica deram origem, e então é de aplicação imediata (quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas anteriormente constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor)». E acrescenta, «(...) a lei nova relativa ao conteúdo (ou efeitos) de uma relação jurídica só não abstrai dos factos que a essa relação deram origem quando define ou modela intrinsecamente esse conteúdo em função de tais factos (...) isto é, quando os efeitos ou consequências jurídicas que ela determina são o produto da valoração legal de tais factos e variam consoante essa valoração, de tal modo que se possa dizer que a aplicação da lei nova aos efeitos duma relação constituída com base num facto passado representaria uma nova valoração desse facto passado e, consequentemente, teria carácter retroactivo.».
Sobre essa mesma norma, OLIVEIRA ASCENSÃO “O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 489, pronuncia-se em termos que se nos afiguram impressivos, estabelecendo a seguinte distinção: «1) A lei pode regular efeitos como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos. Assim, a lei que delimita a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; (...); 2) pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado. Se a lei estabelece os poderes vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam. Aplica-se, então, imediatamente a lei nova.».
Em consonância com o que acaba de se expor, podemos fixar o seguinte entendimento: se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, ela tem, tão só, aplicação aos factos novos; já se a nova regulamentação se conexiona apenas ao direito, sem referência ao facto que lhe deu origem, então a lei nova aplica-se às relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Nesta conformidade, as normas de natureza substantiva contidas na LGT não se aplicam a factos e efeitos já consumados no domínio da lei anterior; mas se essas normas definirem o conteúdo (ou efeitos) de relações jurídico-tributárias duradouras, como é o caso da maior parte das obrigações tributárias, sem referência ao facto que lhes deu origem, elas vão aplicar-se não só às relações e situações jurídicas que se constituírem após a sua entrada em vigor, como, também, a todas aquelas que, constituídas antes, protelem a sua vida para além do momento da entrada em vigor da nova regra.
Donde decorre que é perfeitamente possível, no nosso sistema jurídico, aplicar normas tributárias compreendidas em diferentes diplomas (lei antiga e a lei nova) a uma relação ou situação jurídica de natureza tributária duradoura, não podendo o efeito imediato da lei nova ser considerado, em tais situações, como representando um efeito retroactivo. Advoga, porém, a Recorrente que a sentença recorrida, ao aplicar as causas interruptivas e suspensivas da prescrição previstas na LGT a factos tributários ocorridos em 1994, isto é, ocorridos antes da sua entrada em vigor, está a atribuir eficácia retroactiva a essas normas. Pelo que, na sua perspectiva, se deveriam aplicar somente as causas de interrupção e suspensão previstas na lei em vigor à data do facto tributário gerador das dívidas exequendas.
Todavia, não lhe assiste razão.
É certo que a LGT veio criar novas causas suspensivas do prazo de prescrição das obrigações tributárias (n.º 3 do art.º 49º) e fixar causas interruptivas sem correspondência com as previstas na lei antiga (como acontece com o acto da citação - n.º 1 do art.º 49.º), mas fê-lo abstraindo do facto tributário que gerou a dívida sujeita a extinção por prescrição, abstraindo dos elementos constitutivos da obrigação tributária, e abstraindo do facto que despoletou o efeito jurídico inicialmente pretendido (cumprimento da obrigação tributária) e do facto gerador da prescrição (inércia do titular do direito obrigacional).
Pode, pois, dizer-se, na busca do enquadramento dessas normas entre as hipóteses previstas no n.º 2 do art.º 12.º do CC, que elas se limitam a determinar os actos que acarretam a suspensão e a interrupção do prazo de extinção (por prescrição) de uma obrigação tributária, não dispondo sobre as condições de validade formal ou substancial do facto tributário ou da respectiva obrigação tributária, e que, por isso, só podem qualificar-se como normas que dispõem sobre o conteúdo de situações jurídicas que, com base naqueles factos, se constituíram.
Neste cenário, essas normas conexionam-se apenas com o direito, sem referência aos factos que lhes deram origem, pelo que nada obsta, face aos princípios gerais que acima deixámos enunciados, à aplicação dessas normas da LGT às relações tributárias de natureza obrigacional que subsistam à data da sua entrada em vigor.
E assim sendo, a LGT é competente para determinar os eventos interruptivos e suspensivos que ocorram na sua vigência, ainda que atinentes a prazos prescricionais iniciados na vigência do CPT, e para determinar os efeitos que sobre esse prazo têm esses eventos, não podendo esse efeito imediato da lei nova ser considerado como representando um efeito retroactivo.
Por outro lado, como também tem sido repetidamente afirmado por este Supremo Tribunal, a aplicação de diferentes regimes no tocante aos prazos prescricionais, em face da previsão normativa do art.º 297.° do CC, não determina a aplicação de um ou outro regime em bloco, pois só se refere à lei que altere o prazo, à sua medida, e não aos termos em que se conta e a tudo o mais que releva para o seu curso – cfr., entre outros, os acórdão proferidos em 28/05/2008, no recurso n.º 154/08 e em 21/05/2008, no recurso n.º 7/08.
Por conseguinte, não há que comparar os regimes de suspensão e interrupção do prazo de prescrição adoptados pela lei antiga e pela lei nova, para determinar qual é o mais favorável e escolher a lei aplicável segundo o juízo assim atingido, já que o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido só tem emprego no âmbito do direito sancionatório, não sendo aplicável ao direito obrigacional de natureza tributária. Como se deixou dito no acórdão do STA proferido em 6/02/2002, no recurso n.º 26296, «O princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido só tem emprego no âmbito do direito sancionatório, explicando-se pela razão de a lei reflectir o sentir coevo da sociedade, pelo que deixa de fazer sentido aplicar a lei antiga sempre que o legislador, interpretando esse sentir, a alterou de modo a beneficiar o agente. Aqui, na execução fiscal, estamos fora do campo sancionatório, tratando-se, apenas, do direito do Estado a cobrar o seu crédito de imposto, e da correspondente obrigação do devedor de satisfazer a prestação.».
Em conclusão, a solução do problema da aplicação da lei no tempo depende do momento em que o facto interruptivo ou suspensivo ocorreu e não da eventualidade de, à face das regras do art. 297.º do Código Civil, ser aplicável o regime do CPT ou da LGT no que concerne à duração do prazo de prescrição.
Neste contexto, cai por terra toda a tese construída pela Recorrente, no sentido de que a aplicação de normas da LGT implica uma retroactividade, bem como toda a sua argumentação no sentido de que ocorreu uma violação do disposto no artigo 103.° da CRP, uma violação do princípio de separação de poderes e do princípio da legalidade, pois que o julgador se limitou a observar e aplicar as regras e princípios de direito vigentes no nosso ordenamento jurídico-fiscal, não se tendo transformado em legislador nem ido buscar causas interruptivas e suspensivas sem previsão na lei aplicável ao caso vertente”.
5. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida e mantendo-se a decisão reclamada do órgão da execução fiscal quanto à não verificação da prescrição.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Setembro de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce NetoLino Ribeiro.