Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0117/10
Data do Acordão:04/21/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTO DA OPOSIÇÃO
CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - A falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade constitui fundamento de oposição à execução fiscal (artº 204º, nº 1, alínea e) da LGT).
II - Invocando o oponente que a liquidação foi efectuada com base em erro evidenciado na declaração de rendimentos e, por isso, o prazo de caducidade seria de três anos, importa conhecer os factos que fundamentaram a liquidação para se poder apurar qual o prazo de caducidade.
III - Sendo o probatório completamente omisso sobre esta matéria há que anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para ampliação da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA00066389
Nº do Documento:SA2201004210117
Data de Entrada:02/17/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 H I.
LGT98 ART45 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. A…, melhor identificado nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal contra si instaurada para cobrança de dívida de IRS do ano de 2002, no montante de € 13.272,12 apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª). No caso concreto, a Administração Tributária procedeu a uma liquidação oficiosa com suporte a um erro evidenciado na declaração de rendimentos - como, aliás, é assumido pela própria Administração - do recorrente, passados mais de 3 anos desde o facto tributário que lhe está subjacente, ou seja, os rendimentos respeitantes ao ano de 2002. Neste sentido, já o direito de liquidar o tributo havia caducado;
2ª). A douta sentença de que se recorre incorre em erro de julgamento ao decidir que o caso ora em apreço não é um caso de liquidação efectuada com correcções com base em erro evidenciado na declaração, quando tanto a Administração Fiscal como o Ilustre Magistrado do Ministério Público reconduziram a situação dos presentes autos ao erro evidenciado na declaração;
3ª). Mal andou a decisão recorrida, uma vez que não enquadrou a presente liquidação nos casos de liquidação efectuada com base em erro evidenciado na declaração, cujo prazo de caducidade relativo ao direito à liquidação se cifra em três anos, resultando violado o artigo 45°, n.º 2, da LGT, artigo 65.°, n.º 4, do CIRS, e por conseguinte o artigo 204.°, n.º 1, alínea e), do CPPT;
4ª). Por outro lado, a decisão recorrida faz depender a verificação do erro evidenciado na declaração à aplicação de métodos indirectos à situação tributária do contribuinte, requisito este que a Lei não impõe, daí resultando a sua violação;
5ª). Desta forma, a liquidação efectuada pela Administração Tributária não respeitou o prazo de 3 (três) anos previsto na lei, caducando assim o respectivo direito;
6ª). Mal andou a decisão recorrida ao julgar peremptoriamente não poder aferir da regularidade da notificação da liquidação, uma vez que uma notificação irregular - que não permita conhecer dos seus termos e fundamentos - é equivalente à falta de notificação, em termos da respectiva eficácia, nem que seja por via do disposto no artigo 204.°, n.º 1, alínea i), do CPPT;
7ª). Por via da disposição constante do artigo 45.°, n.º 1, da LGT, o direito a liquidar o tributo também já havia caducado;
8ª). De facto, ao contrário do que foi julgado na decisão recorrida, tal fundamento enquadra-se naqueles permitidos pelo número 1, do artigo 204.°, do CPPT, pois uma notificação inválida - ou ineficaz - é equivalente a uma verdadeira falta de notificação;
9ª). Assim, a decisão recorrida errou ao entender que basta que haja notificação para se interromper o prazo de caducidade, violando em consequência o preceituado no artigo 36. °, n.º 1 CPPT, artigo 77°, n.º 1, da LGT e artigo 204.°, n.º 1 alíneas e) e i) do CPPT, pois só as notificações perfeitas/válidas é que produzem efeitos, interrompendo o prazo de caducidade;
10ª). Desta forma, a liquidação de que se trata nos presentes autos, é uma liquidação “surpresa” e caduca que não pode ser exigível ao contribuinte.
Nestes termos deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, por provado, e em consequência deve a adesão recorrida ser revogada e substituída por outra, que em harmonia com uma correcta interpretação das disposições legais aplicáveis, julgue procedente a oposição à execução fiscal formulada pelo recorrente.
II. A Recorrida não contra alegou.
III. O Exmº Magistrado do MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 110 e seguintes, no qual defende a anulação da sentença recorrida e “… ordenada a baixa do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, nos termos do nº 4 do artº 712º do Código de Processo Civil.”
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1º). O oponente foi citado, em 21/05/2007, no processo executivo n°4227200701016180 contra ele instaurado em 02/02/2007, por dívida de IRS/2002, na importância de € 13.272,12 (fls. 1 e capa do processo executivo apenso);
2º). A oposição deu entrada no Serviço de Finanças em 21/06/2007, conforme carimbo aposto a fls. 5;
3º). Foram notificados da liquidação exequenda em 07/12/2006 (“print” informático a fls. 33 do apenso);
4º). Foi apresentado pedido de revisão do acto tributário em 29/12/2009, o qual veio a ser indeferido por despacho, de 19/10/2007, da Sra. Directora de Serviços de IRS, o qual consta de fls. 24 do apenso e está exarado sobre informação dos serviços, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
VI. Conforme resulta da petição de oposição, o oponente – ora recorrente – assentou a sua oposição à execução fiscal em dois fundamentos:
a) Caducidade do direito à liquidação (artº 204º, nº 1, alínea i) do CPPT);
b) Ilegalidade da dívida exequenda (artº 204º, nº 1, alínea h) do CPPT).
A decisão recorrida entendeu, quanto à 1ª questão, que não havia ocorrido a caducidade, face ao disposto no nº 1 do artº 45º da LGT, e que “Os elementos dos autos não sustentam o entendimento de que as correcções que originaram a liquidação exequenda resultaram de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”. Deste modo, não era aplicável ao caso o prazo de caducidade do artº 45º, nº 2 citado.
Quanto à segunda questão, foi entendido que a ilegalidade invocada pelo oponente “é concreta, na medida em que envolve a apreciação da legalidade das correcções levadas a efeito pela Administração Fiscal e assentes na sua sujeição ao regime simplificado de tributação com desconsideração da sua pretensa opção pelo regime de contabilidade organizada”. Deste modo, o meio processual próprio para apreciação da legalidade da liquidação é a impugnação judicial.
Tanto quanto parece depreender-se da petição de oposição e da contestação da Fazenda Pública, o fundamento da liquidação objecto da presente execução, terá sido o seguinte:
O oponente terá na sua declaração de reinício de actividade indicado que pretendia ser tributado pelo regime da contabilidade organizada. A administração tributária terá aceite a declaração e efectuado a tributação do ano de 2002 segundo esse regime. Posteriormente, a administração tributária terá verificado pela declaração e rendimentos que o regime de tributação deveria ser o regime simplificado e procedeu a liquidação adicional (a qual é objecto da execução).
Porém, não existe no probatório qualquer facto que nos leve a concluir que a situação foi a que descrevemos. Quer isto dizer, que as questões de direito suscitadas pelo recorrente, quer na petição de oposição, quer nas alegações de recurso, não podem ser decididas sem que se conheçam os factos que conduziram à liquidação.
Com efeito, alegando o recorrente e a própria Fazenda Pública que “a liquidação validamente notificada ao oponente em 07.12.2006 foi efectuada com base no disposto no nº 4 do artº 65º do CIRS, tendo sido efectuadas correcções com base em erro evidenciado na declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2002”, importa apurar qual foi esse erro, pois daí poderá resultar um encurtamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, tal como resulta do nº 2 do artº 45º da LGT.
Do mesmo modo, esse aspecto é relevante para se poder decidir do fundamento da ilegalidade em concreto da liquidação, isto é, apurar se estamos perante ilegalidade em abstracto, que pode constituir fundamento de oposição, ou ilegalidade em concreto, caso em que o meio processual adequado seria o da impugnação judicial.
Sendo assim, e tal como refere o MºPº no seu parecer de fls. 110/111, importa ampliar a matéria de facto em ordem a apurar quais as diligências encetadas pela Administração Fiscal para a fixação da matéria tributável (conhecer o fundamento da liquidação) e, por outro lado, dar relevância no probatório aos documentos de fls. 20 a 27 dos autos juntos pelo recorrente.
Na verdade, só após ampliada a matéria de facto se poderá concluir se a correcção da liquidação foi efectuada com base em erro evidenciado na declaração de rendimentos apresentada pelo oponente.
Em face do que ficou dito, impõe-se anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para a ampliação da matéria de facto nos termos referidos.
VII. Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso pelos fundamentos referidos, em anular a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para ampliação da matéria de facto nos termos acima descritos.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Abril de 2010. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Brandão de Pinho. (Vencido. Seguindo a posição que continuo a perfilhar – a qual, todavia, é minoratária, na secção – os fundamentos invocados são próprios da impugnação judicial, não sendo possível a convolação por intempestividade da petição. Assim, negaria provimento ao recurso, com a presente fundamentação e absolveria a Fazenda Pública da instância, com custas pelo recorrente).