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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0161/11
Data do Acordão:06/08/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO DE ESCRITA
RECTIFICAÇÃO
NULIDADE
TAXA DE PUBLICIDADE
Sumário:I - Constatando-se na sentença recorrida lapso de escrita não rectificado, impõe-se a sua rectificação, ex vi do disposto no artigo 667.º do Código de Processo Civil.
II - Só se verifica contradição entre os fundamentos e a decisão geradora de nulidade da sentença se os fundamentos invocados na decisão conduzem, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada.
III – Constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, considerando-se como tais todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 125.º, n.º 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário e 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Nº Convencional:JSTA000P12992
Nº do Documento:SA2201106080161
Recorrente:CM DE LISBOA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Município de Lisboa recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 29 de Maio de 2009, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, S.A., com os sinais dos autos, contra acto de liquidação de taxa de publicidade referente ao ano de 2007 no montante de € 15.026,19, anulando as liquidações sindicadas.
O recorrente termina as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
1.ª Considerando o disposto no n.º 1, do art. 667.º, do CPC, ex vi da alínea e), do art. 2.º, do CPPT, a douta Sentença recorrida incorreu em erro material, na identificação da factura respeitante à liquidação impugnada, ao referir-se à mesma como 520000006084 e 520000006084, quando na realidade aquela corresponde ao n.º 520000060084;
2.ª Mais padece de nulidade, por oposição entre os respectivos fundamentos e decisão, nos termos do n.º 1, do art. 125.º, do CPPT, porquanto, pronunciando-se em sede de fundamentação sobre excepção invocada pela ora Recorrente, considerou a mesma procedente e concluiu pela improcedência do correspondente pedido da Impugnante, mas na Decisão, limitou-se a declarar a procedência da Impugnação.
Antes deveria, na Decisão, ter considerado a fundamentação que a antecedia e, por referência à mesma, decidido pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas, do Regulamento de Publicidade e da Tabela de Taxa e Outras Receitas Municipais, atenta a verificação da excepção dilatória de erro na forma do processo e consequentemente, nessa parte, absolvido a ora Recorrente da Instância, ao abrigo do n.º 2, do artigo 493.º, do CPC, “ex vi” da alínea e), do art. 2.º, do CPPT;
4.ª De igual modo se verifica nulidade da douta sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do n.º 1, do art. 125.º, do CPPT, na medida em que não apreciou ou decidiu excepção invocada na Contestação;
5.ª A impugnante peticionou nos autos a que o presente se reporta a declaração de nulidade, com força obrigatória geral, de normas do Regulamento de Publicidade e da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais;
6.ª O processo de impugnação judicial, considerando os fundamentos definidos para o mesmo no art. 99º do CPPT, não compreende a apreciação de tais questões, mas, tão só, a legalidade de actos, no caso concreto, do indeferimento de Reclamação Graciosa e da liquidação na mesma questionada, razão pela qual foi arguida na Contestação, também com referência a tal pedido, a excepção de erro na forma do processo;
7.ª Não obstante, tal questão não foi apreciada na douta Sentença recorrida, a qual deixou por decidir a excepção invocada, em sede de articulados, ao abrigo do mencionado n.º 1 do art. 493, do CPC;
8.ª A Jurisprudência dos Tribunais Superiores é inequívoca, quanto à nulidade por omissão de pronúncia, no sentido de a mesma ocorrer sempre que o Tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão suscitada pelas partes, que não fique prejudicada pela solução adoptada quanto a outras questões;
9.ª É, precisamente, a situação dos autos, uma vez que a douta Sentença recorrida omitiu a pronúncia sobre a excepção (dilatória) invocada na Contestação, cujo provimento motivaria a improcedência de pedido formulado nos mesmos.
Nestes termos, nos demais de Direito e invocando o mui douto suprimento de V. Exªs., se requer seja concedido provimento ao presente recurso e anulada a douta decisão recorrida, para que se faça a já costumada JUSTIÇA!
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal tendo tido vista dos autos, não emitiu parecer.
4 – Questões a decidir
São as de saber se houve erro material, de escrita, na identificação da factura respeitante à liquidação impugnada que deva ser objecto de rectificação e bem assim se é nula a sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia.
5 – Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
1. A Impugnante submeteu a licenciamento municipal a colocação de anúncios publicitários, luminosos e não luminosos, na fachada de vários estabelecimentos seus (informação de fls. 4 do apenso de reclamação);
2. O pedido de licenciamento foi aprovado pela Câmara Municipal e paga, então, a taxa devida pelo licenciamento;
3. Foi enviada à impugnante a factura/recibo nº 5200000060084, emitida em 01/03/2007, referenciada aos actos de liquidação da taxa de publicidade por renovação da licença relativa aos anúncios publicitários, luminosos e não luminosos, assinalados supra, em 1), reportada ao ano de 2007, na importância de € 15.026,19 e com prazo de pagamento voluntário até 31/03/2007 (fls. 11 do apenso de reclamação);
4. A impugnante “reclamou” dos actos de liquidação para o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (apenso de reclamação);
5. A reclamação foi indeferida por despacho de 04/09/2007, exarada sobre a informação nº 216/DAJAF/DAT/07, da Divisão de Apoio Técnico, constante do apenso de reclamação, que se dá por integralmente reproduzida;
6. A impugnante foi notificada do despacho de indeferimento em 13/09/2007 (apenso de reclamação);
7. A impugnação deu entrada no tribunal em 18/10/2007, conforme carimbo aposto na petição inicial, a fls. 1.
6 – Apreciando
6.1 Da rectificação da sentença recorrida por erro material de escrita
Peticiona o recorrente a rectificação da sentença recorrida por erro material de escrita (artigo 667.º n.º 1 do CPC, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT) no que respeita à identificação da factura subjacente à liquidação impugnada, porquanto o respectivo Relatório identifica a factura subjacente à liquidação impugnada como correspondendo ao n.º 520000006084 e, em 3. do probatório, como 5200000060084, quando na verdade o número que identifica a mesma é o 520000060084 como pode concluir-se da análise dos articulados e da cópia da própria factura (cfr. alegações de recurso a fls. 197 e 198 e respectiva conclusão 1.ª).
Confrontando o número constante da cópia da factura junta com a petição inicial (a fls. 23 dos autos) - 520000060084 - com o número pelo qual é designada na sentença recorrida (relatório, a fls. 166 dos autos: 520000006084; n.º 3 do probatório, a fls. 169 dos autos: 5200000060084) manifesto é que tem o recorrente razão na sua alegação de que incorre a sentença, nesta parte, em lapso de escrita que importa corrigir, pois que o juiz “a quo” o não fez em momento anterior ao da subida do recurso (cfr. o n.º 2 do artigo 666.º e o n.º 2 do artigo 667.º do CPC).
Assim, atento o facto de a sentença recorrida, por lapso de escrita, ter procedido à incorrecta identificação da factura subjacente à liquidação impugnada a fls. 166 e 169 dos autos, procede-se à respectiva rectificação nos termos seguintes:
- a fls. 166, onde se lê “520000006084” deve ler-se “520000060084”;
- a fls. 169, onde se lê “5200000060084” deve ler-se “520000060084”.
6.2 Das alegadas nulidades da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia
Alega ainda o recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por oposição entre os respectivos fundamentos e decisão, nos termos do n.º 1, do art. 125.º, do CPPT, porquanto, pronunciando-se em sede de fundamentação sobre excepção invocada pela ora Recorrente, considerou a mesma procedente e concluiu pela improcedência do correspondente pedido da Impugnante, mas na Decisão, limitou-se a declarar a procedência da Impugnação, quando deveria na Decisão, ter considerado a fundamentação que a antecedia e, por referência à mesma, decidido pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas do Regulamento de Publicidade e da Tabela de Taxa e Outras Receitas Municipais, atenta a verificação da excepção dilatória de erro na forma do processo e consequentemente, nessa parte, absolvido a ora Recorrente da Instância, ao abrigo do n.º 2, do artigo 493.º, do CPC, “ex vi” da alínea e), do art. 2.º, do CPPT (cfr. conclusões 2.ª e 3.ª das respectivas alegações de recurso).
No que respeita à alegada omissão de pronúncia, sustenta o recorrente que a sentença recorrida não apreciou ou decidiu excepção invocada na Contestação cujo provimento motivaria a improcedência de pedido formulado nos mesmos.
Por despacho datado de 24/1/2011 (a fls. 213 verso dos autos) o tribunal “a quo” sustentou o decidido, considerando que na sentença não foram cometidas as nulidades que lhe são imputadas.
Vejamos.
Nos termos no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT constituem, entre outras, causas de nulidade da sentença, a oposição dos fundamentos com a decisão e a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Na sua petição inicial de impugnação a então impugnante, ora recorrida, terminou pedindo (cfr. fls. 14 e 15 dos autos) que:
“1. – se digne declarar nulo o acto de cobrança ora impugnado, por padecerem as normas em que assentou a sua liquidação, designadamente, de vício de ilegalidade, nos termos que vão expressos;
sem conceder
2. – se digne declarar as normas dos arts. 2º, nº1, 3º n.1, 15º, 16º n.1, 20º alínea c), 22º nº3 do Regulamento de Publicidade da Câmara Municipal de Lisboa conjugados com o disposto no art. 28º e art. 5º das observações do Capítulo IV da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, inconstitucionais, por violação dos arts. 103º n.2 e 165º n.1 i) da C.R.P., sendo as citadas normas desaplicadas no caso “sub judice”, em cumprimento da sua fiscalização concreta que igualmente se requer;
3. – à luz do quadro exposto e a serem julgados os pedidos supra referidos (em 1. E 2.), mais se requer a declaração de nulidade de todas as cobranças efectuadas ao abrigo das normas do citado Regulamento, bem como, a notificação à Câmara Municipal de Lisboa, para restituição à ora Impugnante de todas as quantias, que até à presente data, a mesma Câmara tenha cobrado à Impugnante a este título”.
Na sua contestação, a fls. 47 a 76 dos autos, a ora recorrente defendeu-se por excepção, invocando erro na forma de processo insusceptível de convolação quanto à impugnação das normas regulamentares com fundamento em inconstitucionalidade e em nulidade (cfr. fls. 49 a 56 dos autos), bem como por impugnação, refutando a existência de ilegalidades do acto de liquidação (cfr. fls. 56 e seguintes os autos).
A então impugnante, ora recorrida, defendeu-se das invocadas excepções nos termos de fls. 86 a 93 dos autos.
A sentença recorrida considerando que assiste razão à Ré quando excepciona o erro na forma do processo quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas regulamentares, na medida em que a impugnação judicial é o meio próprio para se questionar a legalidade de actos tributários, ou em matéria tributária, que não das normas ao abrigo das quais são emitidos (artigo 97.º nº 1, do CPPT), sem prejuízo da apreciação concreta incidental da inconstitucionalidade, nos termos do artigo 204.º, da CRP, julgou de seguida que improcede a impugnação quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas regulamentares (cfr. sentença recorrida, a fls. 170 dos autos).
Passou depois a sentença a apreciar a ilegalidade reportada aos actos de liquidação e cobrança de taxas, para o qual julgou ser a impugnação judicial o meio próprio (cfr. sentença recorrida, a fls. 171 e seguintes dos autos) consignando, a final, no respectivo segmento decisório da sentença (fls. 175 dos autos) que: «Com os fundamentos expostos, o tribunal decide julgar a presente impugnação procedente».
Do exposto decorre que a decisão de procedência da impugnação consignada a final respeita ao mérito desta relativo à questão que foi apreciada, pois que em relação à que o não foi em razão do julgado erro na forma do processo diz-se expressamente na sentença recorrida que improcede a impugnação quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas regulamentares (cfr. fls. 170 dos autos).
Não há, deste modo, contradição entre os fundamentos e a decisão, como sucederia, designadamente, se julgada a existência de erro na forma de processo o tribunal viesse a conhecer da inconstitucionalidade das normas regulamentares, ou que, conhecendo da ilegalidade da liquidação e concluindo ser esta ilegal, julgasse a impugnação improcedente. Nestes casos, sim, mas não no dos autos, os fundamentos invocados na decisão conduziriam num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada (cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, reimpr. 3.ª ed. 1952, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 141).
É certo que no segmento decisório da sentença, até por razões de clareza, devia o juiz ter também consignado o que atrás consignou quanto ao erro na forma de processo e daí ter tirado a consequência da absolvição da instância do então recorrido quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas, com consequências, aliás, quanto à decisão de condenação em custas que não foram adequadamente retiradas. Não ocorre, de qualquer modo, pelo facto de assim não ter procedido, nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão, haverá, quando muito, erro de julgamento quanto à condenação em custas, contudo não alegado pelo recorrente.
Improcede, pois, a alegada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.
No que respeita à também alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, que o recorrente imputa à sentença por esta não se ter pronunciado sobre a excepção de erro na forma de processo, invocada na sua contestação em primeira instância, relativamente ao pedido de declaração de nulidade das normas regulamentares, há que atender, por um lado, a que o pedido formulado pelo então impugnante na sua petição inicial de impugnação respeitante à nulidade das normas regulamentares (supra reproduzido) foi-o apenas para o caso de serem julgados (procedentes) os pedidos supra referidos (em 1. e 2.).
Ora, não tendo o pedido formulado em 2. (da petição inicial) sido julgado procedente – em razão da julgada verificação de erro na forma de processo – não se impunha ao tribunal “a quo” conhecê-lo, pois que a improcedência de um dos pedidos dos quais dependia o terceiro prejudicaria, na perspectiva do próprio impugnante, prejudicaria o conhecimento deste, e, consequentemente, não tinha o tribunal “a quo” de conhecer da excepção de erro na forma de processo que, na perspectiva da entidade então recorrida, se verificaria (e que suscitou na respectiva contestação), pois que o conhecimento deste, ou de eventuais excepções ao conhecimento do respectivo mérito, ficaram prejudicados pela improcedência do segundo pedido.
Sendo assim, não ocorre igualmente a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pois que o tribunal a quo não omitiu pronúncia sobre questão que devesse conhecer e que não estivesse prejudicada pela solução dada a outra.
Improcedem, deste modo, as alegações do recorrente, à excepção da requerida rectificação da sentença, que se defere nos termos expostos em 6.1.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso na parte em que se requer a rectificação da sentença recorrida, negando-o no demais, sendo a sentença rectificada nos termos seguintes:
- a fls. 166 dos autos, onde se lê “520000006084” deve ler-se “520000060084”;
- a fls. 169 dos autos, onde se lê “5200000060084” deve ler-se “520000060084”.
Custas pelo recorrente, na proporção do vencimento.
Lisboa, 8 de Junho de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - Dulce Neto.