Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:095/17
Data do Acordão:02/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROCESSO DISCIPLINAR
NOTIFICAÇÃO
ADVOGADO
PRAZO
DEFESA
Sumário:Não é de admitir a revista quando, tendo o Acórdão recorrido anulado o acto punitivo com fundamento em duas diferentes ilegalidades, o Recorrente requer a admissão do recurso para que se reanalise a bondade de uma delas.
Nº Convencional:JSTA000P21505
Nº do Documento:SA120170216095
Data de Entrada:01/30/2017
Recorrente:UNIVERSIDADE DE ....
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………… intentou, no TAF de Coimbra, contra a Universidade de …………, acção administrativa especial de impugnação do acto do seu Reitor, de 13.04.2015, que lhe aplicou pena de suspensão pelo período de vinte dias, pedindo:
- “Seja anulado o acto impugnado;
- Condenação do Réu a reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, nomeadamente pagando à Autora a importância que lhe foi descontada da sua remuneração mensal em face dos vinte dias de suspensão que cumpriu, que se cifra em € 409,25, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”.

Com êxito já que aquele Tribunal julgou a acção procedente, declarando nulo o acto impugnado e condenando o Réu a pagar à Autora as quantias que lhe foram descontadas no cumprimento daquela pena, acrescida dos juros devidos.
Decisão que, no essencial, o Tribunal Central Administrativo Norte manteve (Acórdão de 23/09/2016, proc. n.º 747/15 BECBR).

É desse acórdão que Universidade de ……….. vem recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Autora impugnou o acto do Sr. Reitor da Universidade de ………. que a puniu com uma pena de suspensão pelo período de 20 dias alegando que o mesmo era ilegal por: (1) falta de fundamentação, (2) desconsideração da sua defesa com o argumento de que ela havia sido extemporaneamente apresentada e (3) violação do princípio da proporcionalidade.

E o TAF de Coimbra concluiu que aquele acto estava ferido por todas aquelas ilegalidades pelo que declarou-o nulo.

A Universidade de ………. apelou para o TCAN e este, reanalisando a bondade dos fundamentos da punição, ponderou:
- No tocante à falta de fundamentação do acto impugnado:
É manifesto que, não obstante a argumentação aduzida pela Recorrente, não se mostra suficiente e adequadamente justificada a razão pela qual a Universidade, divergindo da proposta da instrutora do processo, agravou substancialmente a pena proposta, incumprindo o estatuído no referido n° 4 do art.° 55° do Estatuto Disciplinar então aplicável.
Se é certo que a Universidade alega que a necessária fundamentação constará da acta da reunião da Comissão Especializada do Senado, de 1.03.2015, e que se a então arguida pretendesse saber quais as razões que conduziram à decisão punitiva, deveria ter requerido a consulta ao processo administrativo, por estarmos em processo de natureza punitiva, não é suposto que o funcionário a quem foi instaurado procedimento disciplinar tenha de diligenciar no sentido de procurar a fundamentação determinante da aplicação de uma determinada pena. Essa informação ter-lhe-á de ser facultada.
Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, sempre se dirá que da referida acta não se percepciona a razão pela qual a Universidade divergiu do que vinha proposto, no que respeita à pena aplicada, agravando a pena proposta.”

- Quanto à violação do direito de defesa da Autora:
… refira-se que tendo o mandatário da então arguida recebido a notificação de “acusação” no dia seguinte à data em que a arguida recebeu a mesma, apresentou a sua “defesa”, dentro vinte dias que lhe foram concedidos.
Não obstante o referido, a instrutora entendeu que a “defesa” seria extemporânea, atenta a data em que a arguida havia recebido a acusação.
..
Tendo a então arguida constituído mandatário, o qual foi, e bem, notificado da acusação, mal se compreende como poderia o prazo aplicável à apresentação de defesa, ter como termo inicial, a notificação da arguida, e não a sua própria notificação.
Com efeito, exercendo o advogado os direitos reconhecidos à arguida, a notificação que relevará para efeitos de contagem do prazo, será naturalmente aquela que lhe foi dirigida, e não qualquer outra.
Em face do que precede, não se vislumbram igualmente aqui razões para divergir da decisão adoptada pelo tribunal a quo, ao entender que a desconsideração da “defesa” apresentada pela então arguida, constitui a preterição do seu direito de defesa, determinante, só por si, da invalidade do procedimento disciplinar, nos termos do nº 1 do art.º 37º do Estatuto Disciplinar aplicável (Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro).”

Finalmente, e no tocante à violação do princípio da proporcionalidade:
“Só em casos de erro manifesto e/ou grosseiro, poderá o tribunal avaliar se a medida concreta da pena foi bem doseada, por esta ser uma tarefa tendencial da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários.
A sindicância judicial relativa ao exercício dos poderes disciplinares da Administração só poderá ter lugar quando os critérios de graduação utilizados ou o resultado a que se chegou tiverem sido grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis ou tiverem sido violados os princípios constitucionais ligados ao exercício de actividade administrativa, designadamente o da proporcionalidade e da justiça.
Tendo sido imputado à então arguida uma falta decorrente de uma violação do dever de correcção (alínea h) do n.º 2 do art.° 3.° da Lei n.º 58/2008, de 9/09), tal não deixa de potencialmente, cumpridos que fossem todos os requisitos formais aplicáveis, viabilizar a aplicação de pena de suspensão.
Com efeito, a violação do referido dever funcional é potencialmente susceptível de ser cominado com a aplicação de pena de suspensão, designadamente nos termos da alínea j) do art.° 7.° do ED.
Aqui chegados, não fossem terem-se precedentemente reconhecido vícios procedimentais vários, entende-se que a pena efectivamente aplicada não constituiria só por si, potencialmente uma pena desproporcionada, face à infracção de que a funcionária vinha acusada.
Assim, em função de tudo quanto precedentemente ficou dito, independentemente da prova feita, em abstracto e em função das infracções alegadamente praticadas, não se reconhece ser a pena aplicada necessariamente desproporcionada.”
Daí que tivesse mantido “o sentido da decisão proferida em 1.ª instância, ainda que sem coincidência integral quanto aos fundamentos aduzidos, alterando-se o primeiro segmento da estatuição final, decidindo-se pela anulação do acto punitivo.”

3. A Ré recorreu, ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA, sustentando que o mesmo deve ser admitido pelas razões constantes das conclusões que se transcrevem:
“1. O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo TCA Norte que - circunscrevendo-se, desde já, o âmbito da presente Revista (Sublinhado nosso.) ao que “in casu” releva - considerou que a decisão de desentranhamento da defesa apresentada pela trabalhadora, no âmbito do processo disciplinar que conduziu à prática do acto administrativo impugnado, por extemporaneidade, consubstanciou uma postergação dos direitos de defesa da Recorrida.
2. A questão fulcral a apreciar consistirá em saber se, em sede de processo disciplinar, sujeito ao procedimento previsto no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (doravante EDTEFP), o prazo para apresentação de defesa escrita se inicia com a notificação da acusação à trabalhadora, ou, havendo Mandatário constituído, com a notificação deste.
3. Na génese do problema está a concatenação do disposto nos arts. 35.º e 49.º, n.º 1, ambos do EDTEFP, que tem dado origem a diferentes interpretações jurídicas, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência, e levado, consequentemente, a que, perante factualidades idênticas, tenham sido aplicados regimes jurídicos diferenciados e proferidas decisões contraditórias.
4. O cabal esclarecimento do momento em que se inicia a contagem do prazo de defesa, no âmbito do procedimento disciplinar, é essencial para o efectivo exercício do direito de audição e defesa por parte dos arguidos/trabalhadores, pelo que a questão suscitada assume relevância jurídica e social, afigurando-se-nos como imprescindível a uma melhor aplicação do direito.
7. Dado que estamos perante uma questão que tem tido um tratamento tão diferenciado entre a Jurisprudência Administrativa, importará, salvo melhor opinião, que seja proferido, por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão que venha dirimir a interpretação que deverá ser dada à leitura conjugada dos normativos constantes dos art.ºs 35.º e 49.º, n.º 1, do EDTEFP, clarificando qual a notificação a que se deverá atender, para efeitos de contagem do prazo para apresentação de defesa, em sede de processo disciplinar: se a que é, obrigatoriamente, efectuada ao trabalhador, se aquela que, facultativamente, for expedida para o Mandatário constituído.
8. A admissão do presente Recurso revela-se, assim, necessária para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que a matéria trazida à apreciação deste Venerando Supremo Tribunal tem sido objecto de decisões contraditórias por parte dos nossos tribunais, o que deixa as Instituições Públicas numa situação de incerteza quanto à interpretação jurídica dos normativos aplicáveis às relações contratuais que celebram, particularmente no que concerne aos procedimentos disciplinares instaurados.”

4. O acto impugnado foi anulado por duas ordens de razões: por um lado, por não estar fundamentado, por outro, por ter sido entendido que a defesa da Recorrida tinha sido atempadamente apresentada e que a sua desconsideração constituía violação de lei, determinante, só por si, da invalidade do procedimento disciplinar, nos termos do nº 1 do art.º 37º do Estatuto Disciplinar.
E resulta, também, que o Recorrente se conformou com a decisão que julgou ilegal o acto impugnado por este não estar fundamentado uma vez que, neste ponto, não lhe dirigiu qualquer censura.
Deste modo, qualquer que fosse sorte do recurso permaneceria de pé a decisão que julgou ilegal o acto impugnado por este não estar fundamentado, o que vale por dizer que a sua procedência nunca determinaria a satisfação da pretensão do Recorrente – a manutenção na ordem jurídica da decisão punitiva. O que, por si só, e de forma irremediável, determina a não admissão da revista uma vez que a finalidade desta não é a reanálise académica de uma questão jurídica mas a obtenção de uma sentença que conduza à alteração da decisão recorrida. E esta, pela apontada razão, já não será possível. Daí que, não podendo a revista produzir os efeitos para que ela foi prevista, não faça sentido a sua admissão.
Acresce que, muito embora se desconheça jurisprudência sobre a concreta questão suscitada no recurso, este Supremo tem, repetidamente, afirmado, em situações com alguma similitude com a presente, que encontrando-se advogado constituído este deve ser sempre notificado para exercer, plenamente, o mandato que lhe foi outorgado, isto é, para poder defender o seu constituinte. – vd., por ex., Acórdãos de 22/11/94 (rec. 31532), de 26/04/2012 (rec. 1194/11) e de 10/10/2013 (rec. 1489/12).
Sendo assim, sendo que as instâncias decidiram de acordo com essa orientação jurisprudencial e sendo, ainda, que se não evidencia que a questão que o Recorrente pretendia que fosse reapreciada tivesse sido manifestamente mal decidida, uma vez que não só o seu julgamento foi convergente como foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada, nos autos não estão preenchidos os requisitos de admissão de revista.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017. – Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.