Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0987/16.1BEPRT 0533/18
Data do Acordão:02/21/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:FUNCIONÁRIO JUDICIAL
APOSENTAÇÃO ANTECIPADA
DATA
REQUERIMENTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:A circunstância do requerimento de aposentação voluntária, ao abrigo do regime transitório do «artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12», ter sido apresentado na vigência ou após a vigência desse regime, é motivo justificador do tratamento diferenciado de funcionários judiciais que preenchiam os pressupostos para obter essa aposentação antecipada no ano de 2013.
Nº Convencional:JSTA000P24254
Nº do Documento:SA1201902210987/16
Data de Entrada:07/11/2018
Recorrente:A..................
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA] interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 02.02.2018, que, concedendo provimento ao «recurso de apelação» que tinha sido interposto por A…………………., revogou a sentença do Tribunal Administrativo do Porto, de 14.03.2017, que havia julgado improcedente a acção administrativa por esta interposta.

2. Culmina assim as suas alegações de revista:

1- Verificam-se, neste caso, os pressupostos de que depende a «admissibilidade do recurso de revista» para o Supremo Tribunal Administrativo [STA], nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA, já que que se trata de questão jurídica de elevada importância social, na medida em que abrange um elevado número de subscritores que exercem funções relevantes no sistema judiciário, existindo mesmo diversas acções em curso sobre factos idênticos aos que se discutem na presente acção, ou seja, sobre oficiais de justiça que requereram a aposentação antecipada ao abrigo do artigo 5º do DL 229/2005, de 29.12, num momento em que este regime especial estava já revogado do ordenamento jurídico;

2- Trata-se, também, de uma matéria jurídica complexa, que ainda não foi tratada pelo STA, como o demonstra o facto de não existir dupla conforme entre a decisão proferida pela 1ª instância e o acórdão de que ora se recorre, e, bem assim, o facto de a decisão recorrida não ter merecido unanimidade do colectivo de juízes que a proferiu, nela tendo sido lavrado voto de vencido;

3- Pretendendo-se obter melhor interpretação e aplicação da lei, sendo pertinente questionar se a decisão recorrida não viola regras basilares do procedimento administrativo, designadamente as dos artigos 1º, 53º e 102º do CPA, o disposto no artigo 84º do Estatuto da Aposentação [EA], o nº2 do artigo 8º da Lei nº11/2014, de 06.03, que revogou, desde essa data, o artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12, ou mesmo o caso julgado no processo de execução de sentença a que se referem K) e L) dos «factos assentes», do qual resultou que a deliberação da CGA, referida em I) desses factos, deu integral execução ao AC do TCAS de 14.05.2015;

Nestes termos,

4- Decorre das regras previstas nos artigos 1º, 53º e 102º do CPA, e, bem assim, do disposto no artigo 84º do EA, que um dos «requisitos para a aposentação voluntária» [antecipada] é a apresentação de requerimento para o efeito, fundado na lei vigente, sendo este o momento que dá início ao respectivo procedimento administrativo;

5- Como resulta provado nestes autos, em N) dos «factos assentes [conjugadamente com M) dos mesmos], a interessada somente em 02.11.2015 apresentou o pedido de aposentação antecipada ao abrigo do artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12;

6- Ou seja, desencadeou o procedimento administrativo de aposentação ao abrigo do artigo 5º do DL nº229/2005 num momento em que tal regime estava já revogado desde 06.03.2014 pelo nº2 do artigo 8º da Lei nº11/2014, de 06.03;

7- Como bem concluiu a sentença proferida em 1ª instância - e, em bom rigor, o voto de vencido lavrado no acórdão recorrido - para que a interessada pudesse ser abrangida pelo alcance da sentença proferida no processo nº1853/14.0BELSB [na realidade, pela decisão final proferida nesse processo pelo TCAS em 14.05.2015, no âmbito do processo nº12047/15 - ver H) dos factos assentes] «…impunha-se à autora que apresentasse o seu pedido de aposentação antecipada até 06.03.2014» - ver transcrição constante no terceiro parágrafo de página 12 do acórdão recorrido;

8- Esse não foi, porém, o entendimento que prevaleceu na decisão recorrida, que acabou por considerar admissível - chamando essencialmente à colação o decidido no AC do TC nº195/2017, de 26.04, que não trata de nenhuma das normas aplicáveis a este caso - a apresentação de um requerimento de aposentação em 02.11.2015 fundado num regime de aposentação revogado desde 07.03.2014, por forma a «não tratar de modo diferente oficiais de justiça» que, de acordo com o seu entendimento, estarão em situação semelhante;

9- Como bem se sublinha no voto de vencido lavrado no acórdão recorrido, «...o princípio da igualdade é inoperante no caso, por existir distinção relevante entre aqueles que manifestaram pretender exercer o direito à aposentação antecipada em tempo útil, e os outros que, como a autora, mesmo possuindo os requisitos legais para o efeito, não exerceu esse direito nem demonstrou que foi impedida de o exercer em tempo útil» - ver página 20 do acórdão recorrido;

10- O princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP, impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente e que o mesmo se manifesta não só na proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis ou diferenciadas em função de critérios meramente subjectivos, mas ainda no dever de diferenciar o que é objectivamente diferente;

11- No caso concreto, parece-nos, há que diferenciar o que é objectivamente diferente, sendo facto incontornável que uns oficiais de justiça tomaram a iniciativa de apresentar os seus requerimentos durante a vigência do artigo 5º do DL nº229/2005 [e, em função do exercício desse direito, tinham a expectativa de ser aposentados de acordo com aquele regime legal] e outros, como a recorrida, não tomaram essa iniciativa tempestivamente, aliás exigida quer em face das regras previstas nos artigos 1º, 53º e 102º do CPA, quer em face do disposto no artigo 84º do EA, que exige a apresentação de requerimento para instauração do procedimento de aposentação;

12- Assim, devendo tratar-se de forma igual o que é igual e diferente o que é diferente, não se verifica, na perspectiva da CGA, qualquer violação ao princípio da igualdade;

13- Não se compreende, também, a invocação, pelo acórdão recorrido, do acórdão do tribunal constitucional nº195/2017, de 26.04, na medida em que aquele não tratou de nenhuma das normas aplicáveis a este caso em concreto nem se ocupou das situações dos oficiais de justiça que apresentaram os seus requerimentos quando já não estava em vigor o regime especial de aposentação decorrente do revogado artigo 5º do DL nº229/2005;

14- Esse acórdão do TC decidiu afastar - circunscrevendo a sua decisão àquele caso em particular - a aplicação concreta do artigo 43º do EA, na redacção dada pelo artigo 79° da Lei n°66-B/2012, de 31.12, sendo que este normativo não se encontra em discussão nos presentes autos;

15- Sendo, por outro lado, como se alcança do ponto 9 do acórdão 195/2017, a fundamentação nele vertida faz reportar o seu raciocínio a uma questão de retroactividade de aplicação de certas normas de um diploma legal [a Lei nº1/2004] anteriormente à sua entrada em vigor - os artigos 1º, nº6, e 2º, da Lei nº1/2004, de 15.01. O que contrasta com a situação agora em análise, que não tem qualquer identidade com a situação nem com as normas ali apreciadas pelo TC;

Acresce que,

16- Como resulta de I) - factos assentes - a CGA, em execução da sentença proferida no processo nº1853/14.0BELSB [na realidade, pela decisão final proferida nesse processo pelo TCAS em 14.05.2015 - ver H) dos factos assentes] «...deliberou que os oficiais de justiça que, até à entrada em vigor da Lei nº11/2014, de 06.03 reuniram a idade legalmente exigida no Anexo II ao DL nº229/2005, de 29.12 [59 anos de idade em 2013 e 59 anos e seis meses de idade em 2014] e apresentaram o correspondente requerimento até 06.03.2014 tinham o direito a aposentar-se ao abrigo do regime contido no artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12...»;

17- E como também resulta de K) e de L) dos factos assentes, o «Sindicato dos Funcionários Judiciais» requereu a execução do referido AC do TCAS, de 14.05.2015, tendo o TAC de Lisboa proferido decisão em 26.01.2016, no processo nº1853/14.0-A - transitada em julgado - declarando que a «…aquela deliberação [parcialmente transcrita em I) dos factos assentes] se encontra em conformidade e de acordo com os termos enunciados da decisão exequenda» - ver transcrição constante no 1º parágrafo de página 12 do acórdão recorrido;

18- Havendo decisão judicial, já transitada em julgado, que explicitou o modo de execução da decisão proferida pelo TCAS a 14.05.2015, concluindo que a deliberação da CGA, parcialmente transcrita em I) dos factos assentes, dava integral execução àquele acórdão, mal se entende a fundamentação vertida nas páginas 18 e 19 da decisão recorrida segundo a qual os casos como o da recorrida, que não apresentaram requerimento até 06.03.2014, estarão, afinal, também eles abrangidos pelo caso julgado no acórdão do TCAS de 14.05.2015;

19- A decisão recorrida viola, pois, o caso julgado pelo TAC de Lisboa a 26.01.2016 no processo nº1853/14.0BELSB-A [ver L) dos factos assentes] onde se concluiu que a deliberação da CGA, parcialmente transcrita em I) dos factos assentes, deu integral execução ao acórdão do TCAS de 14.05.2015.

Termina pedindo o provimento da revista, com as legais consequências.

3. A recorrida – A…………….. - apresentou contra-alegações, e concluiu-as assim:

1- A simples discordância da recorrente relativamente ao decidido pelo TCAN não é suficiente para fundamentar a clara necessidade de melhor aplicação do direito;

2- O acórdão recorrido não está em contradição com outro acórdão proferido pelos Tribunais Centrais Administrativos, nem contém qualquer erro judiciário ostensivo pelo que, nos termos do disposto no artigo 150° do CPTA, o recurso não deverá ser admitido;

3- Por outro lado, não foram carreados factos que permitam concluir que estamos perante um assunto de relevância social fundamental, com grande impacto na comunidade, pelo que o recurso não deve ser admitido, nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA;

4- No processo que correu termos com o nº1853/14.0BELSB, foi reconhecido que os oficiais de justiça, que reuniram os pressupostos para se aposentarem no ano de 2013, têm direito a se aposentar sem penalização, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 81º da Lei nº66-B/2012, de 31.12, sendo que a recorrida reunia pressupostos para se aposentar em 2013;

5- O acórdão nº195/2017 do TC, considerou que o artigo 43º do EA viola o artigo 13º da CRP, porque permite tratar de forma desigual requerimentos apresentados na mesma data, porque decididos em momentos diferentes, pela aplicação de regimes jurídicos distintos consoante a data de prolação da decisão que reconhece o direito à aposentação;

6- O momento do reconhecimento do direito pelo TCAS é o ponto de referência pelo qual o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP, tem de ser aferido;

7- Nem na PI, nem nas decisões judiciais, foram limitados os efeitos do reconhecimento do direito aos funcionários judiciais que já tivessem apresentado requerimento de aposentação;

8- Não é razoável impor à recorrida que tivesse entregado o pedido de aposentação, correndo o risco de que lhe tivesse sido atribuída pela CGA uma pensão com uma penalização global por antecipação calculada até aos 65 anos [em vez dos 59 anos previstos no DL nº229/2005], porque o entendimento da CGA pode no futuro vir a ser julgado ilegal;

9- O princípio da igualdade impõe que, havendo acórdão transitado em julgado, a reconhecer o direito aos oficiais de justiça que reuniram os requisitos em 2013, a aposentarem-se sem penalização, isso implica a aplicação «a todos os oficiais de justiça», não apenas àqueles que apresentaram o pedido de aposentação, uma vez que o acórdão do TCAS de 14.05.2015 não diferenciou essas situações;

10- O entendimento da CGA vertido no recurso viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP, pelo que o acórdão recorrido se encontra irrepreensivelmente fundamentado e não viola qualquer norma legal;

11- Em relação à violação do caso julgado do processo nº1853/14.0BELSB-A [ver conclusões nºs 16 a 19], porque a sentença da execução refere «...o judicialmente reconhecido direito dos oficiais de justiça em causa, por força da sua iniciativa processual através do respectivo sindicato, não se encontra prejudicado pela deliberação adoptado pelo Conselho Directivo da CGA, nem esta deliberação é impeditiva do cumprimento da decisão em causa… Bem pelo contrário, pois aquela deliberação encontra-se em conformidade e de acordo com o termos enunciados da decisão exequenda…» foi descontextualizado pela recorrente CGA, porque a execução com o nº1853/14.0BELSB-A foi interposta porque a CGA continuava sem despachar os pedidos dos oficiais de justiça que tinham requerido a sua aposentação no ano de 2013;

12- A CGA deduziu oposição nessa execução a referir que já tinha iniciado os procedimentos para a aposentação dos oficiais de justiça que tinham requerido a aposentação no ano de 2013, sendo que, no seguimento do despacho a questionar o exequente se considerava executada a decisão exequenda atendendo ao teor da oposição, este informou que não considerava executada a sentença, porque a CGA estava a aplicar uma taxa global de penalização errada e uma fórmula de cálculo que só entraram em vigor com a Lei nº11/2014, de 06.03;

13- A sentença proferida no processo nº1853/14.0BELSB-A ao contrário do que dá a entender a recorrente no seu recurso decidiu que «…Tendo sido praticados actos renovadores pela CGA - praticando novos actos nos quais são apreciados pedidos de aposentação de oficiais de justiça que requereram a aposentação antecipada prevista no artigo 37º do EA - não é esta a sede própria para a apreciação dos novos vícios que contra estes actos invoca o exequente no requerimento inicial. Com efeito, tratando-se de vícios subsequentes, isto é, vícios do novo acto que não ofendam o caso julgado a jurisprudência sempre entendeu que os vícios subsequentes de um novo acto não faziam parte do objecto da execução. Mesmo para uma doutrina que defende um âmbito do objecto do processo de inexecução mais abrangente, como a preconizada por Mário Aroso de Almeida as ilegalidade que envolvem aspectos novos, devem ser decididas em processo autónomo»;

14- A autoridade do «caso julgado objectivo», que se impunha ao tribunal recorrido respeitar - artigos 205 nº2 da CRP e 158º CPTA - é limitado pelo pedido e causa de pedir no processo declarativo - na acção administrativa comum;

15- Pelo que, a decisão da acção executiva invocada pela recorrente CGA que correu termos com nº1853/14.0BELSB-A não tem nada a ver com a questão em discussão neste processo;

16- A sentença executiva não se pronunciou acerca do direito ou não dos funcionários judiciais que reuniram os pressupostos para se aposentar em 2013, mas só entregaram o requerimento de aposentação em 2015, após terem tido conhecimento que o entendimento da CGA foi considerado ilegal pelo TCAS, pelo que não assiste qualquer razão ao recorrente.

Termina pedindo a «não admissão da revista», e, de todo o modo, que lhe seja negado provimento.

4. Mas o recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA.

5. O Ministério Público não se pronunciou - artigo 146º, nº1, do CPTA.

6. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir a revista.

II. De Facto

São estes os factos provados que nos vêm das instâncias:

A) A autora é oficial de justiça, exercendo funções de técnica de justiça adjunta na Comarca e Núcleo do Porto;

B) A autora nasceu em 28.05.1957;

C) Entre os dias 5 e 9 do mês de Janeiro de 1976, até ao fim de Julho de 1976, a autora fez estágio no extinto Tribunal de Polícia do Porto - folha 11 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

D) No ano de 2014, o «Sindicato dos Funcionários Judiciais» deu entrada no TAC de Lisboa de uma acção administrativa comum contra a aqui ré com vista ao reconhecimento dos direitos dos funcionários judiciais que tivessem reunidos os pressupostos para se aposentarem no ano de 2013 se aposentaram sem penalização ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 81º da Lei nº66-B/2012, de 31.12 - folhas 28 e seguintes dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

E) Concomitantemente, o referido «Sindicado» interpôs no mesmo Tribunal uma providência cautelar contra a aqui ré visando a intimação desta a abster-se da prática de actos que violassem o disposto no nº1 do artigo 81º da Lei nº66-8/2012, de 31.12 [idem];

F) Nessa providência, que correu termos sob o nº1853/14.0BELSB, foi decidido antecipar o juízo da causa principal nos termos do disposto no artigo 121º do CPTA [idem];

G) Por sentença datada 16.01.2015, foi a dita acção julgada procedente, tendo-se declarado que os oficiais de justiça «…que reuniram os pressupostos para se aposentarem no ano de 2013 têm direito de se aposentar sem penalização ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 81º da Lei nº66-8/2012, de 31.12…» [idem];

H) Inconformada, a ré apelou para o TCAS, que, por acórdão datado de 14.05.2014, negou provimento ao recurso interposto - folhas 54 a 82 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

I) Em execução do aludido aresto, em 04.08.2015, a aqui ré deliberou que os oficiais de justiça que, até à entrada em vigor da Lei nº11/2014, de 06.03, reuniram a idade legalmente exigida no Anexo II ao DL nº229/2005, de 29.12 [59 anos de idade em 2013 e 59 anos e seis meses de idade em 2014] e apresentaram o correspondente requerimento até 06.03.2014, tinham o direito a se aposentar ao abrigo do regime contido no artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12 - folhas 110 a 119 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J) Mais deliberou que, aos oficiais de justiça que, até à entrada em vigor da Lei nº11/2014, de 06.03, requereram a aposentação antecipada e reuniram os requisitos legalmente exigidos pelo nº1 do artigo 37º-A do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo DL nº498/72, de 09.12, a taxa global de redução prevista no nº3 daquele normativo, terá por referência a idade especialmente prevista no Anexo II ao DL nº229/2005, de 29.12 [59 anos de idade em 2013 e 59 anos e seis meses de idade em 2014] e não a idade então prevista para a generalidade dos funcionários públicos [idem];

K) Em data não determinada, o «Sindicato dos Oficiais de Justiça» requereu a execução da decisão judicial proferida no âmbito do processo nº1853/14.0BELSB, peticionado a condenação da executada [aqui ré] na prática dos actos administrativos consubstanciados no deferimento dos pedidos dos oficiais de justiça que requereram a sua aposentação à luz do regime transitório previsto no artigo 5º do DL nº229/2005, por efeito da ressalva contida na 1ª parte do artigo 81º da Lei nº66-B/2012, de 31.12 [idem];

L) Por sentença datada de 26.01.2016, foi a referida execução julgada improcedente [idem];

M) Em Janeiro de 2015, a autora tomou conhecimento do teor do acórdão do TAC de Lisboa, e em final de Maio de 2015 tomou conhecimento da confirmação desse mesmo acórdão pelo TCAS, em que se reconhece o direito aos oficiais de justiça que reunissem os requisitos até 7 de Março de 2014, a virem aposentados ao abrigo do DL nº229/2005;

N) No seguimento dessa decisão judicial, em 02.11.2015, a autora apresentou um pedido de aposentação antecipada - folhas 1 a 14 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

O) Nesse requerimento, a autora peticionava à GGA «...se digne aceitar o seu pedido de aposentação, com efeitos a 31.12.2013...» [idem];

P) Por ofício datado de 08.01.2016, a ré notificou a autora, nos termos e para os efeitos do artigo 122º do CPA, que o seu pedido iria, em princípio, ser indeferido, porquanto, de acordo com a nova redacção do artigo 43º do Estatuto da Aposentação [em vigor desde 01.01.2013, por força da Lei nº66-B/2012, de 31.12], o regime legal e a situação de facto a considerar no reconhecimento do direito à aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade e na fixação dessas pensões são os que vigorarem na data em que seja proferida a resolução final pela CGA, sendo que, a partir de 07.03.2014 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo da DL nº229/2005, de 29.12, não podendo aposentar-se com base naquela disposição legal - folha 15 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

Q) A autora exerceu o seu direito de resposta nos termos e com os fundamentos que fazem folhas 18 a 27 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

R) Por despacho da Direcção da CGA, de 25.01.2016, foi indeferido o pedido de aposentação antecipada da autora, com os fundamentos já invocados em sede de audiência prévia - folhas 28 e 29 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

S) A autora foi notificada do despacho de indeferimento por ofício datado de 25.01.2017 - folha 30 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

T) Dá-se por reproduzido todo o teor dos documentos que integram os autos - inclusive o PA apenso;

Nos termos do artigo 662º, nº1, CPC, é introduzido o seguinte facto:

U) A recorrente iniciou funções nos tribunais em 1982.

III. De Direito

1. A autora da presente acção administrativa – A……………. - em Abril de 2016 dirigiu-se ao tribunal administrativo pedindo a condenação da ré CGA à prática de um acto administrativo que considera devido, ou seja, a deferir o seu pedido de «aposentação antecipada», apresentado a 02.11.2015, e a calcular a respectiva pensão de acordo com a «legislação em vigor em 2013», isto é, com o disposto no artigo 5º, do DL nº229/2005, de 29.12.

O tribunal administrativo de 1ª instância veio a julgar esta acção improcedente, e fê-lo porque entendeu que resultava de caso julgado anterior que o pedido de aposentação antecipada da autora, para poder ser considerado à luz do regime legal transitório por ela invocado - artigo 5º, do DL nº229/2005, de 29.12 - teria de ter sido apresentado até 06.03.2014, inclusive, e só o foi em 02.11.2015, como dito.

A autora, insatisfeita, apelou para a 2ª instância, tendo o TCAN, por acórdão de 02.02.2018, concedido provimento ao recurso, e revogado a sentença recorrida.

Fê-lo essencialmente por 2 motivos jurídicos: - porque entendeu que o princípio constitucional da igualdade impunha o deferimento do seu pedido de aposentação antecipada; - e, ainda, porque o caso julgado invocado na sentença recorrida era compatível com os contornos - nomeadamente temporais - do pedido de aposentação antecipada da autora.

A ré CGA discorda, e pretende que seja confirmada a sentença da 1ª instância. É ela, pois, a interpor a presente revista, na qual imputa erro de julgamento de direito ao acórdão do TCAN, por alegada violação dos artigos 1º, 53º, e 102º do CPA, 84º do Estatuto da Aposentação [EA], 8º, nº2, da Lei nº11/2014, de 29.12, 13º da CRP, e, ainda, do caso julgado chamado à colação.

2. Antes de mais, vejamos que caso julgado é este.

É precisamente o que resulta do descrito nos pontos D) a L) do provado, isto é, o formado sobre o acórdão de 14.05.2014 [ponto H) do provado], e a sentença executiva de 26.01.2016 [ponto L) do provado].

Aquele acórdão negou provimento à apelação interposta pela CGA da sentença que - antecipando o juízo da causa principal «ao abrigo do artigo 121º do CPTA» - julgou procedente o pedido feito pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais [SFJ], com o reconhecimento do direito dos oficiais de justiça que reuniram os pressupostos para se aposentarem no ano de 2013 a aposentarem-se [ao abrigo do regime contido no artigo 5º do DL nº229/2005] por efeito da ressalva contida na 1ª parte, do nº1, do artigo 81º, da Lei nº66-B/2012, de 31.12» [ver página 28, in fine, do acórdão, a folha 81 dos autos].

Essa sentença, julgou improcedente a execução deste julgado, pedida pelo SFJ, e fê-lo porque entendeu que o direito reconhecido na decisão exequenda «não se encontra prejudicado pela deliberação adoptada pelo Conselho Directivo da CGA, nem esta deliberação é impeditiva do cumprimento da decisão em causa […]» e, continua, «Bem pelo contrário… pois que aquela deliberação encontra-se em conformidade, e de acordo, com os termos enunciados na decisão exequenda…».

A «deliberação do Conselho Directivo da CGA», que pretendeu dar execução ao julgado no acórdão de 14.05.2014, é - na parte aqui pertinente - a que consta do ponto I) do provado. Ou seja, em execução desse aresto, foi deliberado que os oficiais de justiça que até à entrada em vigor da Lei nº11/2014, de 06.03, reuniram a idade legalmente exigida no anexo II ao DL nº229/2005, de 29.12, e apresentaram o correspondente requerimento até 06.03.2014, têm o direito de aposentar-se ao abrigo do regime contido no artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12.

3. Em essência: não vem posto em causa que a autora da acção, ora recorrida, cumpra os «requisitos» de idade [59 anos em 2013] e de tempo de serviço necessários para poder beneficiar do «regime transitório» do artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12. O pomo da discórdia focaliza-se, apenas, em ser necessário ou não, para tal, ter formalizado o pedido de aposentação antecipada até 06.03.2014.

Efectivamente, foi este o último dia da vigência desse DL nº229/2005, ao abrigo do qual a autora pretende aposentar-se antecipadamente, uma vez que a partir de 07.03.2014 - com a entrada em vigor da Lei nº11/2014, de 06.03 - essa possibilidade foi revogada [artigos 8º, nº1, e 9º, da Lei nº11/2014, de 06.03, que veio estabelecer mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança socia].

4. O DL nº229/2005, de 29.12 - que procedeu à «revisão dos regimes que consagram desvios às regras previstas no Estatuto da Aposentação [EA] em matéria de tempo de serviço, idade de aposentação, fórmula de cálculo e actualização das pensões, para determinados grupos de subscritores da CGA», por forma a «compatibilizá-los com a convergência do regime de protecção social da função pública ao regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo de pensões» [seu artigo 1º] - no seu artigo 5º, sob a epígrafe de «regimes transitórios», diz, além do mais, que «2. Sem prejuízo das modalidades previstas no Estatuto da Aposentação, até 31.12.2021 podem aposentar-se, desde que tenham a idade mínima estabelecida no anexo II: […] b) Os oficiais de justiça […]». Este diploma legal entrou em vigor a 01.01.2006 [seu artigo 7º].

Volvidos sete anos, a Lei do Orçamento de Estado para 2013 - LOE/2013 aprovado pela Lei nº66-B/2012, de 31.12 - veio dizer no seu artigo 81º, sob a epígrafe «aposentação», e além do mais, o seguinte: «1. Sem prejuízo do regime estatutariamente previsto para os militares da Guarda Nacional Republicana, para o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, para o pessoal da Polícia Judiciária, para o pessoal do corpo da guarda prisional e para os funcionários judiciais, a idade de aposentação e o tempo de serviço estabelecidos no nº1 do artigo 37º do Estatuto da Aposentação [EA] passam a ser de 65 anos e de 15 anos, respectivamente. 2. São revogadas todas as disposições legais que estabeleçam regimes transitórios de passagem à aposentação, reforma, reserva, pré-aposentação e disponibilidade a subscritores da CGA, que, em 31.12.2005 ainda não reuniam condições para passar a essas situações, designadamente: […] h) O artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12 [alterado pela Lei nº77/2009, de 13.08, e pelo DL nº287/2009, de 08.10] bem como os anexos I a VIII desse decreto-lei; […] 4. O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos. 5. O disposto neste artigo aplica-se apenas aos pedidos de aposentação entrados após a data da entrada em vigor da presente lei.»

5. O referido acórdão de 14.05.2014 [H) do provado], fundamentou a sua decisão na seguinte interpretação da lei, que diferiu, em alguns pontos, da fundamentação apresentada pela 1ª instância:

- A regra prevista na 2ª parte do nº1 do artigo 81º da Lei nº66-B/2012, quanto à uniformização [para a generalidade dos trabalhadores da administração pública] dos 65 anos de idade e 15 anos de tempo de serviço para a aposentação, não se aplica, por se encontrar expressamente ressalvada na sua 1ª parte, aos grupos de profissionais ali identificados, entre eles, os funcionários judiciais [alínea h)];

- O objectivo do nº2 desse mesmo artigo foi, inequivocamente, o de acabar com os regimes especiais transitórios de aposentação […], que à data ainda vigoravam, para os subscritores da CGA que em 31.12.2005 [isto é, até à entrada em vigor do DL nº229/2005, de 29.12] ainda não reuniam condições para passar a essa situação. Desiderato que foi reforçado no nº4 desse artigo;

- É meramente aparente a contradição entre a dita ressalva, contida na 1ª parte do nº1 desse artigo, e a norma revogatória contida no seu nº2, mormente a ínsita na sua alínea h).

E foi nesta base que manteve o decidido pela sentença recorrida, reconhecendo aos «oficiais de justiça» que reuniram no ano de 2013 os pressupostos para se aposentar, e por efeito da ressalva contida na 1ª parte do nº1 desse artigo 81º, o direito a fazê-lo ao abrigo do regime do DL nº229/2005.

Por seu lado, a sentença que pôs fim à execução de julgado intentada pelo SFJ, julgando-a improcedente, considerou que a CGA, através da deliberação do seu Conselho Directivo, tinha dado execução ao julgado ao deliberar que os oficiais de justiça podiam aposentar-se ao abrigo do regime contido no artigo 5º, do DL nº229/2005, se reunissem o requisito de idade [que é referido no anexo II deste diploma] e o tivessem requerido até ao dia 06.03.2014 [último dia de vigência do regime transitório do artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12].

E esta sentença, embora não abordando, expressamente, esta última exigência da deliberação executiva, sublinhou no seu arrazoado que o direito judicialmente reconhecido não resultava prejudicado pela deliberação da CGA, antes estando ela em conformidade com o julgado. E acrescentou que o caso julgado objectivo que se impunha à CGA respeitar era limitado pelo pedido e causa de pedir invocados na acção declarativa.

6. Posto isto, vejamos se assiste razão à ora recorrente, CGA, quanto ao erro de julgamento de direito imputado ao acórdão recorrido [de 02.02.2018].

Ela considera que este aresto, ao decidir como decidiu, errou na interpretação e aplicação dos artigos [definição de procedimento administrativo], 53º [iniciativa desse procedimento], e 102º [requisitos do requerimento inicial dos interessados], todos do CPA [aprovado pelo «DL nº4/2015, de 07.01»], 84º do Estatuto da Aposentação [aprovado pelo DL nº498/72, na sua «actual versão», sendo que tal artigo trata da «instauração do processo» de aposentação], e 13º da CRP [princípio da igualdade], e, do caso julgado referido no ponto 2 supra.

Ou seja, defende que o caso do interessado que «requereu a aposentação» ao abrigo do regime transitório do DL nº229/2005, durante a vigência deste diploma, não é igual ao daquele que a requereu depois do mesmo ter sido revogado, pois que o regime aplicável à aposentação deve ser, por regra, o que vigora à data do respectivo requerimento.

7. Como já salientámos - no anterior ponto 1 - o principal fundamento do acórdão ora recorrido para revogar a sentença de 1ª instância foi o da «violação do princípio constitucional da igualdade» [artigo 13º da CRP]. A seu ver, este princípio «impunha o deferimento do pedido de aposentação» da autora, pois não o fazer traduzir-se-ia num tratamento desigual entre aqueles que, preenchendo os pressupostos de aposentação antecipada, ao abrigo do artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12, a requereram durante a vigência deste regime transitório, e aqueles que, como a autora da acção, a requereram quando este regime já tinha sido revogado.

Mas, apesar desta primazia argumentativa patente no acórdão recorrido, temos por mais acertado - porque a realidade jurídica do caso assim no-lo impõe - começar por apreciar o invocado erro de julgamento de direito relativo à violação do caso julgado.

Efectivamente, o «caso julgado» objectivo que se formou no âmbito das acções declarativa e executiva, a que nos referimos no ponto 2 supra, delimita-se pelos pedidos julgados procedentes e motivos por que o foram, sendo certo, todavia, que tendo-se tornado definitiva a decisão executiva, pelos motivos assinalados, é este caso julgado executivo que delimita o âmbito do caso julgado declarativo.

Donde resulta, como certo e definitivo, que a deliberação do Conselho Directivo da CGA, de Agosto de 2015 [ponto I) do provado], deu execução à decisão declarativa de Maio de 2014.

Na verdade, na «acção executiva» desta decisão declarativa, foi decidido julgar improcedente a execução pelo facto de a «deliberação do Conselho Directivo da CGA» ter dado execução à mesma. Daí resultando que a deliberação, apesar de exigir que o requerimento de aposentação antecipada ao abrigo do artigo 5º do DL nº229/2005 tenha sido apresentado «até 06.03.2014», cumpre o decidido no acórdão de 14.05.2014.

Destarte, o «indeferimento do requerimento» da ora recorrida, autora da acção, pela CGA, apresenta-se como um acto administrativa estritamente vinculado.

Erra no julgamento de direito, pois, o acórdão recorrido, na medida em que dele resulta que a CGA não podia indeferir o requerimento da autora, e ora recorrida, pelo facto do exercício do seu direito de aposentação voluntária, antecipada, ter ocorrido após a revogação do regime que o permitia. E este entendimento - razão para a recorrente - viola certamente o referido caso julgado.

8. Passemos agora, então, à apreciação do alegado erro de julgamento sobre a violação do princípio constitucional da igualdade» [artigo 13º da CRP].

E assiste, também, razão à recorrente CGA quanto a esta questão de direito, ou seja, quanto a qualificar de errado o julgamento feito pela 2ª instância.

O que é patente, desde logo, pelo facto de estarmos - como ficou dito - perante um acto vinculado. Efectivamente, no âmbito da vinculação há que aplicar a norma, sem mais, não restando à administração qualquer margem de discricionariedade.

Não pode, pois, exigir-se que a CGA, em nome do «tratamento igual», deixe de aplicar à recorrida - autora da acção - o vector normativo e vinculativo emergente do caso julgado declarativo, executado pela «deliberação do Conselho Directivo da CGA».

Outra coisa, diferente, será o tribunal negar-se a aplicar essa determinação, ao caso da autora da acção, por o considerar violador do «princípio constitucional da igualdade», sendo certo que, na abordagem efectuada pelo tribunal «a quo», estas duas questões mereceram tratamento simbiótico pouco esclarecedor.

E importará esclarecer, desde já, que a este propósito são chamados à colação pelo tribunal a quo dois acórdãos do Tribunal Constitucional [nº186/2009, de 21.04.2009, processo nº778/07; e nº195/2017, de 26.04.2017, processo nº681/16] que, no nosso entender, tratam situações jurídicas que, aparentemente semelhantes, são diferentes da presente situação.

No primeiro, foi decidido declarar - «com força obrigatória geral» - a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, nº6, e 2º, da Lei nº1/2004, de 15.01, «quando interpretadas no sentido de que aos subscritores da CGA que, antes de 31.12.2003, hajam reunido os pressupostos para a aplicação do regime fixado pelo DL nº116/85, de 19.04, e hajam requerido essa aplicação, deixa de ser reconhecido o direito a esse regime de aposentação pela circunstância de o respectivo processo ter sido enviado à CGA, pelo serviço onde o interessado exercia funções, após a data da entrada em vigor da Lei nº1/2004, por violação do princípio da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, e do princípio da igualdade, consagrados nos artigos 2º e 13º da CRP».

No segundo, foi decidido julgar inconstitucional, por violação dos artigos 2º, e 13º, nº1, da CRP, a norma do artigo 43º, nº1, do EA, na redacção dada pela Lei nº66-B/2012, de 31.12, «no segmento que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito de aposentação».

A diversidade entre as normas apreciadas, num e noutro, assenta «no diferente critério de determinação da lei aplicável» à aposentação: se a do momento em que é enviado o processo à CGA [AC 186/2009] ou a do momento em que é proferido pela CGA o despacho que reconhece o direito à aposentação [AC 195/2017].

Em ambos os casos, pois, a questão cifra-se em saber se é constitucionalmente admissível um critério que é inteiramente dependente do «momento da decisão administrativa», seja do serviço do aposentando, seja da CGA.

E o Tribunal Constitucional entendeu em ambos os casos, em síntese, que nada justifica que sejam tratados de modo diferente 2 requerentes contemporâneos, cujos processos são enviados à CGA, pelo respectivo serviço, em momentos diversos, ou são por ela despachados no domínio da vigência de leis diversas.

No presente caso, confrontamo-nos com questão diferente, pois que não radica numa conduta da administração, seja de envio seja de reconhecimento do direito à aposentação, mas em conduta do próprio aposentando, relativa ao momento em que formula o seu requerimento, doutro modo, ao momento em que exerce o seu direito a aposentar-se.

9. Temos consciência de que pouco ou nada haverá mais a dizer - que já não tenha sido dito - sobre o princípio constitucional da «igualdade» - referimo-nos aqui, obviamente, ao princípio geral da igualdade, consagrado no nº1 do artigo 13º da CRP, e não à sua refracção levada ao nº2 do mesmo artigo.

Relembraremos, apenas, que tal princípio reflecte a preocupação constitucional, que se impõe ao legislador e ao julgador, no sentido de os orientar no caminho criativo e interpretativo, respectivamente, proibindo-lhes a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, que implementem desigualdades de tratamento não fundadas ou sem fundamentação razoável, objectiva e racional.

Em suma, impede-lhes soluções, legais ou jurisprudenciais, que se traduzam em conferir um tratamento substancialmente diferente a situações que se configurem como essencialmente iguais. A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamentação racional.

A essência do princípio constitucional da igualdade parte, assim, da necessidade de verificação de uma comunhão, ou núcleo comum, existente entre objectos ou sujeitos diversos, e da verificação - e apreciação - do motivo que é apresentado como justificador do tratamento diferenciado.

10. No presente caso, deparamos com funcionários de justiça, entre eles a autora da acção, que no ano de 2013, ou seja, no ano da vigência do artigo 81º da Lei nº66-B/2012, de 31.12 [LOE/2013], preenchiam todos os requisitos para se poderem aposentar «voluntariamente» ao abrigo do regime transitório consagrado no DL nº229/2005, de 29.12.

Acontece que a CGA entendia que tal regime transitório não deveria ser aplicado, devido a esse artigo 81º da LOE/2013, aos funcionários de justiça, sendo essa a informação que lhes ia sendo prestada. Daí a referida acção intentada pelo SFJ, que culminou com o acórdão de 14.05.2014 [ver H) do provado], e com a sentença de 26.01.2016 [ver ponto L) do provado].

Mas, a par desses oficiais de justiça que requereram no ano 2013 a aposentação antecipada ao abrigo do dito «regime transitório», outros, como a autora desta acção, decidiram aguardar pela decisão do processo intentado pelo SFJ, motivo pelo qual apenas em 2015, após o reconhecimento judicial de que o direito a tal regime de aposentação era ressalvado - relativamente ao ano de 2013 - na 1ª parte, do nº1 do artigo 81º, da Lei 66-B/2012, é que «requereram» à CGA a respectiva aposentação antecipada ao abrigo do artigo 5º do DL nº229/2005, de 29.12.

Ou seja, só em 2015, quando este regime transitório já estava revogado, é que exerceram o seu pretenso direito a aposentar-se ao abrigo do mesmo.

Sublinha-se que o acórdão judicial de Maio de 2014, ao contrário do que parece entender a recorrida - autora da acção - não dispensa o exercício do direito reconhecido perante a CGA, bem como o reconhecimento, por esta, de que ela preenche no ano de 2013 todos os requisitos para se aposentar ao abrigo desse regime.

Efectivamente, estamos perante uma aposentação voluntária, que, enquanto tal, obviamente que depende da manifestação da vontade de se aposentar, por parte da interessada, através do respectivo requerimento à CGA, sendo este, em boa verdade, que inaugura o processo de aposentação [ver artigos invocados pela recorrente: 1º, 53º, 102º, do CPA aplicável, 39º, nº1, e 84º, do EA].

Constatamos, pois, que apesar de se verificar um núcleo essencial comum entre os oficiais de justiça que requereram a aposentação voluntária e antecipada, ao abrigo do regime em referência, durante ou depois da vigência do mesmo, e que se traduz em todos preencherem «no ano de 2013» os pressupostos de idade e tempo de serviço necessários para o seu reconhecimento, verifica-se, também, um motivo para que a CGA os tenha tratado de «modo diferente»: o terem, uns, exercido o pertinente direito durante a vigência do regime ao abrigo do qual se pretendiam aposentar, ou seja, até 06.03.2014, e outros numa altura em que o mesmo estava revogado, ou seja, no caso da recorrida, em Novembro de 2015.

Não integra o objecto da revista apreciar a legalidade deste motivo justificador, mas apenas apreciar se configura um motivo razoável, objectivo e racional, que faça surgir o tratamento diferenciado como racionalmente justificado e não como uma distinção discriminatória.

E a conclusão só pode ser uma: atenta a importância dada pela lei - CPA e EA - ao requerimento do interessado no âmbito das aposentações voluntárias, isto é, ao momento da sua manifestação de vontade de se aposentar, do seu exercício do direito à aposentação, o motivo apresentado pela CGA para tal «diferenciação», mostra-se objectivo e racionalmente justificado.

A explicação dada pela recorrida, de que só requereu a aposentação antecipada depois da decisão definitiva da acção intentada pelo SFJ, já que antes disso sabia qual o destino do seu requerimento, embora esclarecedora da sua conduta, não inverte de modo algum a conclusão a que chegamos. Nada a impediu de deduzir o respectivo requerimento até 06.03.2014, tendo a sua cautela para arredar um risco resultado negativo, e tão-pouco o seu requerimento dependia da decisão a proferir na acção do SFJ.

Deverá, assim, ser julgado procedente o erro de julgamento de direito apontado pela recorrente CGA ao acórdão recorrido, no que concerne ao julgamento nele efectuado sobre a violação do «princípio da igualdade».

11. Tudo visto, impõe-se conceder provimento ao recurso de revista, revogar o acórdão recorrido, e repor na esfera jurídica a sentença da 1ª instância.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Jorge Artur Madeira dos Santos.