Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0620/19.0BELLE
Data do Acordão:03/23/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECLAMAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário:I - A arguida nulidade do acórdão por falta de fundamentação prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 615º do CPC só existe quando há falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II - A invocada nulidade, manifestamente se não verifica, pois se mostra cumprido o dever de fundamentação de uma decisão judicial dado que foram especificados os fundamentos de direito respectivos, não se violou o citado normativo.
III - A nulidade do acórdão por oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º CPC é um vício afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja: - existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
IV - Quer dizer que, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro. E a oposição tipificada no citado normativo se não confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
Nº Convencional:JSTA000P29145
Nº do Documento:SA2202203230620/19
Data de Entrada:09/24/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.°4 do CPC (aplicável por via dos arts. 685.°, 666°, n.°1 e ainda art. 281.° do CPPT e art. 2°, alínea e) do CPPT), 615.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), deduzida a arguição de nulidade por A………, melhor sinalizado nos autos, do acórdão de 16/12/2021, que decidiu conceder provimento ao recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública e revogar a sentença recorrida.

Irresignado, o recorrido A……….. formulou a arguição de nulidade, nos termos e pelos seguintes fundamentos:

1. O Acórdão proferido nos autos concedeu provimento ao presente Recurso interposto pela Fazenda Publica, e determinou a revogação da sentença recorrida por considerar que a mesma enferma de erro de julgamento que lhe é imputado pela Fazenda Pública.
2. E, isto porque, considerou que assiste razão à Recorrente, e que resultando provada a condução de um veículo de matrícula holandesa, pelo impugnante, em território nacional sem que o mesmo fosse introduzido no consumo através da apresentação da correspondente DAV, e legítima a conclusão de que o particular introduziu o veículo no consumo e, assim, se encontra preenchido o facto gerador de imposto, ao abrigo da alínea d) do n.° 2 do artigo 5.° do Código do ISV.
3. A verdade é que, com o devido respeito que nos merece, consideramos que o douto Acórdão ora proferido, parte de um pressuposto e fundamento totalmente errado, qual seja o de que, resulta provado que o Recorrido/impugnante, deve ser considerado como particular que introduziu o veículo no consumo, pelo que, estava obrigado a apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis, sendo este fundamento relevante para a decisão adoptada pelo Acórdão, o que determina a sua nulidade ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c), do n.° 1 do art. 615.° (aplicável por via dos arts. 685.°, 666.°, n.°1 e ainda art. 281.° do CPPT e art. 2.°, alínea e) do CPPT).
4. A sentença recorrida considerou que, “a introdução no consumo, ainda que presumida, não se pode sustentar num momento datado no tempo, isolado e sem qualquer elemento adicional que permita sustentar a legalidade da tributação, sabendo-se que quem está onerada com a essa prova é a AT”, e ainda que,
5. “Considerando que o veículo não era (nem é) propriedade do impugnante — do facto considerado como provado sob o ponto 2 resulta que o veículo em causa é propriedade de B……….., residente na Holanda — a utilização que se revelou esporádica do mesmo em território nacional não tem a virtualidade de consubstanciar a presumida introdução irregular no consumo, à míngua de qualquer outra factualidade que servisse de suporte a tal”.
6. E acrescenta, “dito de outro modo, e manifestamente insuficiente, para efeitos de tributação em ISV, a constatação, pela GNR, da condução do veículo em causa nos autos pelo impugnante, e consequentemente, a presunção de que este introduziu o veículo no consumo em território nacional”.
7. O presente acórdão, considera que tal ónus probatório de verificação dos pressupostos para a tributação em causa foi cumprido pela AT, mas, tal não decorre dos factos considerados como provados na douta sentença, e, a matéria de facto não foi sindicada no presente recurso.
8. Com efeito, tendo resultado apenas provada a condução pelo Recorrido num único momento do veículo em causa, não foi comprovado, como refere o acórdão que é legítima a conclusão de que o veículo tenha permanecido em território nacional em violação das obrigações previstas no CISV. Na verdade, em que factos considerados como provados na sentença resulta que o veículo permaneceu em violação das obrigações previstas no CISV? Nomeadamente que tenha excedido o limite de permanência em território nacional. Quais os factos em que se sustenta o Acórdão? O mesmo não os refere, circunstância que fere assim o Acórdão de nulidade.
9. O próprio acórdão, na tentativa de justificar a sua posição, menciona que, neste tipo de imposto, “(IV) constitui facto gerador de imposto, a permanência/condução na via pública do veículo em causa, em território nacional, em violação das obrigações previstas no CISV, de acordo com a alínea d) do n.° 2, do art. 5.º do CISV.
10. Ora, tal citação e referência ao dispositivo legal é claramente errada e tendenciosa, na medida em que, o artigo 5.°, n.° 2 alínea d) do CISV, não faz qualquer referência a condução na via pública de veículo, mas apenas refere, permanência do veículo, como se transcreve:
“d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código”.,
Circunstância que também fere de nulidade o presente Acórdão
11. Deste modo, a própria palavra permanência denota uma ideia de continuidade, e não é feita qualquer menção na disposição legal a condução de veículo, de modo isolado e sem qualquer outro elemento.
12. A posição acolhida no douto Acórdão, conduz a que, no limite, qualquer cidadão estrangeiro que se desloque a Portugal, de visita ou de férias, e nessa medida conduza um veículo de matrícula estrangeira, seja considerado, pelo simples acto da condução de tal veículo em território nacional, como introdução do veículo no consumo!!!!!.
13. O Acórdão preconiza ainda que, é irrelevante a questão da propriedade do veículo, na medida em que, o art. 20.°, n.° 1, al. a) do CISV, o Recorrido, como particular que introduziu o veículo no consumo, estava obrigado à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis.
14. Ora, desde logo, como supra se expôs, o Acórdão não sustenta, nem fundamenta com factos provados como pode o Recorrido ser considerado como particular que introduziu o veículo no consumo,
15. E, o art. 16.° do CISV define particular como “todo o sujeito passivo que proceda à admissão ou importação de veículos tributáveis, em estado novo ou usado, com a finalidade principal de satisfazer as suas necessidades próprias de transporte”.
16. Ora, como facilmente decorre do supra exposto, o ora Recorrido não pode ser considerado como sujeito passivo, enquanto particular, por não se enquadrar na previsão da citada disposição legal, tendo, reitere-se, conduzido, uma única vez o veículo em causa, o qual, não era, nem é sua propriedade, e nem se encontrava na sua posse e domínio de ação.
17. A acrescer, e sem prejuízo do exposto, na petição da impugnação em causa, o Recorrido, alegou e invocou como factos que, o veículo em causa era propriedade de um amigo de longa data que havia vindo a Portugal a passar férias — Sr. B………… - e que, a condução do veículo em causa pelo Recorrido apenas ocorreu para transportar ao aeroporto uma prima e nesse único dia, tendo junto prova testemunhal de tais factos.
18. Contudo, o Tribunal a quo dispensou a produção de prova testemunhal, por entender que os factos provados documentalmente, nomeadamente, a propriedade do veículo não ser do impugnante, seriam suficientes para decidir a causa, e porque, de tal circunstância e dos elementos constantes dos autos considerou, e bem, que a utilização do veículo se revelou esporádica.
19. Assim, tendo em conta a posição agora assumida no Acórdão, poderia ter assumido importância a prova de que o Sr. B………., proprietário do veículo em causa, e residente na Holanda, apenas se encontrava em Portugal de férias, e que nessa medida, foi o mesmo que trouxe o veículo para Portugal e num contexto de férias, circunstância que, claramente ilidiria qualquer presunção de que, como defende o Acórdão, a condução do veículo em causa, por si só, é suficiente para tornar legítima a conclusão de que o particular introduziu o veículo no consumo.
20. Deste modo, não pode o Recorrido ser prejudicado pela dispensa de prova determinada pela 1.ª Instância, a qual foi determinada por nessa sede o julgador ter considerado a prova documental existente nos autos suficiente, atenta a posição por si assumida, o que,
21. A não se considerar desse modo, sempre colidira com os princípios da tutela jurisdicional efectiva e acesso ao direito e aos tribunais, constantes do art. 20.° da Constituição da República Portuguesa.
22. Face ao exposto, o presente Acórdão encontra-se ferido de nulidade, pelo que, deverão V. Exas. julgar como verificada a nulidade apontada, e suprindo a mesma, não deverão decidir pela revogação da sentença recorrida por erro de julgamento de direito, mantendo a mesma na ordem jurídica.

A parte contrária, nada disse.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de não se afigurar que o acórdão padeça das imputadas nulidades, com a seguinte argumentação:

A…………… vem arguir a nulidade do douto Acórdão de fls. 300 A 314 do SITAF, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão e por contradição entre os fundamentos e a decisão
Vejamos se lhes assiste razão.
NULIDADE DO ACÓRDÃO
Veio o Recorrido, ora Requerente, apelar de nula a douta sentença recorrida já que, alegadamente não especificou os respectivos fundamentos de facto de direito, com o que teria violado o disposto no artigo 615º, alíneas b) e c), do CPC.
No entanto, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a recorrente carece de razão.
Vejamos:
Nos termos das disposições legais citada, é, de facto, nulo o acórdão quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão,
Ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão
Quanto à nulidade resultante da falta de fundamentação, têm a doutrina e a jurisprudência entendido que a mesma apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos,
E não quando a justificação seja apenas deficiente, visto o tribunal não estar adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes.
No acórdão de que o Recorrido, ora Requerente reclama os fundamentos, quer de facto quer de direito, existem e estão expressos na decisão.
Só que não os aceita como bons.
O que, a ser verdadeiro, poderia integrar eventual erro de julgamento, mas nunca nulidade por falta de especificação dos fundamentos da mesma.
Não ocorre, pois, a nulidade prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 615º do CPC.
Do mesmo modo que também não ocorre a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, que a verificar-se constituiria nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º CPC.
Com efeito, esta nulidade só ocorre quando os fundamentos invocados deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada naquela.
Como decorre do texto daquela norma, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos
E não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro (cf. Acórdão do STA de 6/2/07, no recurso n.º 322/06, disponível em www.dgsi.pt).
Também esta oposição se não confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta:
Quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre,
Encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (cf. Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670).
Ora, no douto Acórdão em causa, depois de se citarem os preceitos legais aplicáveis à pretensão da Recorrente, ora Requerida, (legalidade da liquidação do imposto sobre veículos (ISV),
Conclui-se que, no caso em apreço, o acto de liquidação em causa deve ser mantido na ordem jurídica, pois se apurou que foi satisfeita a comprovação dos pressupostos nos quais se baseou
Daí que não exista qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão.
Nesta conformidade, perante a concreta decisão em crise, que, no nosso entender, se mostra suficientemente fundamentada, quer de facto quer de direito, e face à configuração legal e jurisprudencial desta questão,
Propendemos para a inverificação das imputadas nulidades do douto Acórdão recorrido.
*

Sem vistos, os autos vêm à conferência para decidir.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

No caso, em face dos termos em que foi enunciado o requerimento pelo e levando em conta também o Parecer da EPGA, a questão que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida no acórdão que decidiu conceder provimento ao recurso interposto pela então recorrente padece de nulidade (i) por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão e (ii) por contradição entre os fundamentos e a decisão.
Aquilatando.
No que concerne à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão como causa de nulidade do acórdão, é entendimento firme na doutrina e na jurisprudência que a mesma apenas ocorre quando haja uma total e absoluta ausência de ambas e não quando ela possa ser entendida, como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias que apenas são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão.
Como ensinava já Alberto dos Reis no seu “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág.140, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art.º 668.º».
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/02/2013, tirado no processo n.º 03/13, disponível em www.dgsi.pt «…tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação».
E como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25/06/2015, proferido no processo nº 0905/14, consultável no mesmo sítio, «Só é causa de nulidade da sentença, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013, a falta absoluta de fundamentação, ou seja, a nulidade só se verifica quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão judicial».
Releva ainda o que se deixou consignado neste último aresto, «…como é sabido, só a falta absoluta de fundamentação é motivo de nulidade da sentença – ou seja, a nulidade só se verifica quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão judicial –, não se verificando este vício se, como no caso dos autos, o juiz optou por não reproduzir o conteúdo de determinados documentos ou por não fazer referência expressa a certos factos que constam do processo de inspecção devidamente identificado. Num recente acórdão deste STA pode ler-se, no respectivo sumário, que “a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem, com o mínimo de suficiência e de explicitação, os fundamentos de facto e de direito que a justificam, não devendo confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, visto só a esta última se reporta a alínea em questão” (Acórdão do STA de 15.01.15, Proc. n.º 092/14). Já em acórdão anterior se tinha afirmado “que, por um lado, a nulidade da sentença por falta de fundamentação está intimamente ligada à necessidade de esclarecimento das partes e, por outro, que esse vício pressupõe que a sentença não indique as razões jurídicas que estiveram na base da decisão (…). E, porque assim, esta nulidade só ocorre quando a sentença seja totalmente omissa no tocante à fundamentação, não bastando que seja insuficiente, obscura ou mesmo errada visto, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzir num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a sua nulidade” (Acórdão do STA de 09.01.13, Proc. n.º 01076/12)».
Volvendo aos autos, basta ler atentamente a decisão reclamada para facilmente se verificar que ela contém a motivação factual e jurídica da decisão. No que em particular respeita à motivação factual, aquela não foi (e não podia) ser posta em causa no recurso); e, quanto aos fundamentos jurídicos, o reclamante não os aceita como bons o que, como bem enfatiza o Ministério Público, a ser verídico, poderia integrar eventual erro de julgamento, mas nunca nulidade por falta de especificação dos fundamentos da mesma.
Questão diferente da nulidade que aqui se discute, é o facto de o recorrente discordar do fundamentado e decidido; tal questão prende-se com eventual erro do julgamento e já não com a validade formal da decisão.
Não obstante os actos dos magistrados estarem subordinados ao dever geral de fundamentar a decisão consagrado no CPC, a nulidade da sentença ou do acórdão por falta de fundamentação só é operante quando ocorra total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que radica a decisão, irrelevando a deficiente, errada ou incompleta fundamentação.
O requerente não imputa ao acórdão qualquer violação das regras da sua elaboração e estruturação ou vício que atente contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, pretendendo apenas, num recurso em que não é admitida a discussão sobre o julgamento sobre a matéria de facto, que em relação aos factos admitidos na sentença houve inadequada subsunção jurídica.
Ora, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por ter sido invocada uma nulidade que, manifestamente se não verifica, pois se mostra cumprido o dever de fundamentação de uma decisão judicial dado que foram especificados os fundamentos de direito respectivos, não se violando os citados normativos.
Não se verifica, pois, a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 615º do CPC.
*

E também não ocorre a arguida contradição entre os fundamentos e a decisão, que a verificar-se constituiria nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º CPC.
Ora, a nulidade do acórdão por «oposição dos fundamentos com a decisão», é um vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja: - existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente (v. Prof. J.A.Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 141 e A.Varela, J.M.Bezerra e Sampaio e Nora, CPC Anotado, pág. 686).
Quer dizer que, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro (cf. Acórdão do STA de 6/2/07, no recurso n.º 322/06, disponível em www.dgsi.pt).
E a oposição tipificada no citado normativo se não confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, como bem salienta o Prof. Lebre de Freitas, in CPC Anotado, vol. 2.º, pág. 670: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
Sendo patente que no Acórdão reclamado, depois de se citarem os preceitos legais aplicáveis à pretensão do Recorrente, ora Reclamante, (legalidade da liquidação do imposto sobre veículos (ISV), conclui-se que, no caso análise, o acto de liquidação impugnado deve ser mantido na ordem jurídica, mediante a constatação de que foi satisfeita a comprovação dos pressupostos nos quais se baseou.
Não se alcançando que dos fundamentos aduzidos no Acórdão sob censura se possa e deva logicamente extrair um resultado oposto ao que nele foi expresso, pelo que dos fundamentos da decisão que foram fixados nenhuma outra decisão se poderia retirar em silogismo lógico que não fosse a constante do Acórdão sob análise.
Termos em que se tem por não verificada a nulidade arguida.
Em suma: do que vem dito é forçoso concluir que, a concreta decisão reclamada se mostra suficientemente fundamentada, quer de facto quer de direito, e face à configuração legal e jurisprudencial desta questão, de tais fundamentos outra decisão não cabia extrair, improcedendo totalmente a presente reclamação.
*

3. – Decisão:

Termos em que acordam os juízes deste tribunal em julgar inverificadas as nulidades que lhe foram assacadas e manter o acórdão nos seus precisos termos.

Custas pelo reclamante.
*

Lisboa, 23 de Março de 2022. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.