Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01655/18.5BEPRT
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROCESSO DISCIPLINAR
COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO
DIREITO DE DEFESA
FALTA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estarem em discussão questões que envolvem complexidade e relativamente às quais se verifica capacidade de expansão da controvérsia, cuja elucidação assume relevo jurídico e relativamente às quais se regista necessidade de intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P29384
Nº do Documento:SA12022050501655/18
Data de Entrada:01/20/2022
Recorrente:A..........
Recorrido 1:CAAJ - COMISSÃO PARA O ACOMPANHAMENTO DOS AUXILIARES DE JUSTIÇA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………. [doravante A.], devidamente identificado nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 08.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 241/262 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso e manteve a decisão proferida, em 30.03.2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT - cfr. fls. 144/184] na ação administrativa deduzida contra Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça e que julgou «a ação totalmente improcedente» e, consequentemente, absolveu «o Réu do pedido» [respeitante à impugnação da decisão disciplinar punitiva, proferida a 27.03.2018, que aplicou ao A. a sanção disciplinar de interdição definitiva do exercício da atividade profissional de agente de execução].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 285/313], ao que se extrai das alegações produzidas, na relevância social e jurídica das questões [respeitantes à violação dos princípios do contraditório (art. 03.º, n.º 3, do Código de Processo Civil - CPC/2013) e da segurança jurídica (art. 02.º da Constituição da República Portuguesa - CRP) ante a operada dispensa da audiência prévia no contexto do que havia sido a tramitação e anterior decisões prolatadas; à nulidade insuprível por omissão de inquirição das testemunhas arroladas pelo A.; ao erro sobre os pressupostos de facto pela consideração da forma ilícita e culposa do A.; à prescrição do procedimento por efeito da aplicação remissiva para o art. 178.º da Lei n.º 35/2014, de 20.06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas - LGTFP); e à violação do princípio da proporcionalidade] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação do arts. 87.º-B do CPTA, 03.º do CPC/2013, 02.º e 268.º da CRP, 135.º e 168.º do DL n.º 88/2003, de 26.04 [Estatuto da Câmara dos Solicitadores (ECS)], 184.º, 189.º e 204.º da Lei n.º 154/2015, de 14.09 [Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (EOSAE)], 178.º e 218.º da LGTFP, e, bem assim, dos princípios do contraditório, da segurança jurídica, da igualdade e da proporcionalidade.

3. Devidamente notificado a R. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 319/344], nelas pugnando, desde logo, pela não admissão da revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Discute-se nos autos a legalidade da decisão disciplinar impugnada [deliberação da Comissão de Disciplina da R. de 27.03.2018] que determinou a aplicação da pena de interdição definitiva do exercício da atividade profissional de agente de execução pelo A..

7. O TAF/PRT apreciou a pretensão impugnatória e julgou-a totalmente improcedente, desatendendo as ilegalidades acometidas à decisão disciplinar, juízo esse mantido in toto pelo TCA/N.

8. O A., aqui recorrente, insurge-se contra este juízo, acometendo-o de incurso em nulidade e erros de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo e principiológico atrás enunciado.

9. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

10. A jurisprudência desta formação tem considerado que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo n.º 1 do art. 150.º do CPTA, se verifica quando, designadamente se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

11. E a relevância social fundamental ocorre, designadamente, nas situações em que esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão no tecido social, ou expansão do interesse orientador da intervenção do Supremo relativamente a futuros casos análogos ou apenas do mesmo tipo, mas em que a utilidade da decisão se antevê com condições para ultrapassar os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

12. Já a admissão da revista fundada na melhor aplicação do direito prende-se com situações respeitantes a matérias relevantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo.

13. Presentes os termos com que se mostra colocadas algumas das quaestiones juris ora objeto do recurso de revista, envolvendo quanto a alguns dos themata de natureza substantiva e adjetiva/processual suscitados a possibilidade de repetição e a suscetibilidade de poderem ser recolocados noutras situações, temos que devem considerar-se as problemáticas como de importância fundamental a justificar a admissão da presente revista, cientes, ainda, de que para além de encerrarem alguma complexidade jurídica resulta que o juízo impugnado do TCA/N se apresenta, prima facie, quanto aos aspetos dubitativos sinalizados como carecido de devida e aprofundada análise/ponderação, pois o juízo firmado pelo acórdão recorrido não está imune à dúvida, revelando-se também necessária a admissão da revista tendente à dissipação das dúvidas que aquele juízo aporta.

14. Flui do exposto que se justifica o afastamento, in casu, da regra da excecionalidade das revistas para garantia de uma mais exata aplicação do direito, impondo-se a necessidade de admissão do recurso.



DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 5 de maio de 2022. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.