Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:08/16
Data do Acordão:04/06/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR
NULIDADE
ANULABILIDADE
AVERIGUAÇÕES
FACTO
Sumário:I - Os vícios dos actos tributários só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art. 133.º, n.º 2, do CPA (na versão em vigor à data), nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
II - Só em casos excepcionais os vícios de falta de fundamentação e de violação do dever de audiência prévia poderão ter como consequência a nulidade do acto.
III - No caso de os vícios imputados ao acto tributário impugnado apenas determinarem a anulabilidade do mesmo, o direito de impugnação fica sujeito aos prazos estabelecidos no n.º 1 do art. 102.º do CPPT.
IV - Pese embora a factualidade pertinente à averiguação da caducidade do direito de acção seja do conhecimento oficioso, não se justifica que o tribunal ad quem anule oficiosamente a sentença, em ordem a indagar se foi utilizada a faculdade prevista no n.º 1 do art. 37.º do CPPT, se nada nos autos indicia que o tenha sido e se o recorrente, devidamente representado por advogado, não faz a mínima alusão a esse facto.
Nº Convencional:JSTA000P20314
Nº do Documento:SA22016040608
Data de Entrada:01/07/2016
Recorrente:A..... E OUTRA
Recorrido 1:INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 216/15.5BECTB

1. RELATÓRIO

1.1 A………. e mulher, B……….. (a seguir Impugnantes ou Recorrentes), recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, considerando verificada a excepção da caducidade do direito de acção, absolveu o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (a seguir Recorrido) da instância na impugnação judicial por eles deduzida na sequência da citação que lhes foi feita, na qualidade de responsáveis subsidiários de uma sociedade, no âmbito de uma execução fiscal instaurada para cobrança de dívidas dessa sociedade à Segurança Social por contribuições e quotizações.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo e os Recorrentes apresentaram a motivação do recurso, resumida nas seguintes conclusões (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«a. A douta sentença, aqui em crise, considerou que a factualidade alegada pelos ora recorrentes não era suficiente para integrar a nulidade constante do artigo 133.º n.º 2 do CPA, consubstanciando mera anulabilidade e, por conseguinte, decidiu declarar procedente a excepção de caducidade do direito de acção aduzida pelo ora Recorrida.

b. Ora, nos termos do artigo 5.º do C.P.C., aplicável subsidiariamente ex vi artigos 2.º do CPPT e, bem assim, 1.º do CPTA, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.

c. Decorrendo dali um ónus de alegação, apenas, dos factos essenciais nucleares, e já não de factos essenciais complementares e/ou concretizadores, sendo que estes últimos não são precludidos pela falta de alegação – neste sentido vide Paulo Pimenta, in “Ónus De Alegação E Impugnação Das Partes e Poderes De Cognição Do Tribunal” disponível em https://www.oa.pt/upl/%7Bc90909c7-5821-4334-a3cc-15196c99770b%7D.ppsx.

d. Ora, o facto essencial nuclear foi devidamente alegado pelos ora Recorrentes na sua petição inicial – vide artigo 1.º a 13.º da petição inicial.

e. Nomeadamente, e no que aqui importa, quanto à preterição de audiência prévia, vício de fundamentação, da denegação do direito à participação nas decisões da administração que lhes respeitem, entre outros invocados e cf. artigo 13.º da petição inicial.

f. Daqui (e do demais exposto na Petição Inicial) concluíram os AA. que foi acto administrativo colocou [sic] em causa “o conteúdo de um direito fundamental e, em consequência, é nulo porque subsumível à causa de nulidade catalogada no artigo 133.º, n.º 1, al. d) do CPA (...)“ – vide artigos 13.º e 14.º da Petição Inicial.

g. Pois que, e entre outros, a falta de audiência prévia e falta de fundamentação, que reputam de injustificada, hão-de configurar como vício susceptível de provocar a nulidade do acto, na medida em que representa uma violação de direito fundamental, para os efeitos do artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do C.P.A.

h. O direito de audição prévia é um “direito fundamental”, ou, se preferirmos, “garantia” fundamental análoga aos DLG’s, referida, expressamente, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.º, n.º 2, alínea b), sob epígrafe “Direito a uma Boa Administração”, que tem força no nosso ordenamento por via do princípio da aplicabilidade directa e imediata do Direito Comunitário e entendido como tal pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

i. O qual integra a Constituição Material, e artigo 16.º da C.R.P., plasmado no artigo 267.º n.º 5, e que decorre “directamente do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP) e do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da CRP), tomado numa perspectiva de garantia da segurança jurídica, in casu, da previsibilidade da decisão por parte da Administração Pública”.

j. Assim, “quer se qualifique o direito à audiência prévia como mero “direito fundamental”, quer se denomine esse direito, numa perspectiva reforçada, como “direito análogo” a uma “garantia” de natureza jus-fundamental, a preterição desse momento procedimental (art 100.º do CPA) resultará sempre na nulidade do acto que corporiza a decisão administrativa (...)”.

k. Concluindo-se, assim, que a douta sentença não observou, nem aplicou devidamente, e entre outras, as disposições legais e imperativas constantes dos artigos 267.º, n.º 5, 16.º, 2.º e 1.º, todos da C.R.P., o artigo 41.º, n.º 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, anexa ao Tratado de Lisboa e os artigos 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA, bem como, e já referidos anteriormente, os artigos 5.º, 6.º e 590.º, n.º 2, alínea b) e n.º 4, todos do C.P.C. e aplicáveis ex vi artigos 2.º e 1.º, respectivamente, do CPPT e CPTA.

TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, por conseguinte, a sentença recorrida, substituindo-se por outra que declare a excepção da caducidade do direito de acção improcedente, com as legais consequências, por tal ser da mais sã JUSTIÇA».

1.3 Não foram apresentadas contra alegações.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja anulada a sentença recorrida, por «insuficiência de matéria de facto que permita apreciar de forma conveniente a questão da caducidade da acção», e ordenado que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí «ser ampliada a matéria de facto relativa aos termos em que foram comunicados os actos de liquidação que deram origem à quantia exequenda e se foi formulado qualquer pedido de esclarecimento sobre esses elementos e em que termos o mesmo foi satisfeito». Isto, após resumir os fundamentos da sentença e a posição dos Recorrentes, com a seguinte fundamentação:

«A questão que se coloca consiste em saber se a decisão recorrida padece da ilegalidade que lhe é apontada pelos Recorrentes ao julgar verificada a excepção da caducidade da acção.
Das alegações dos Recorrentes decorre a consideração de que na acção são invocados vícios que configuram nulidade, a qual é invocável a todo o tempo e nessa medida afastaria qualquer possibilidade de julgar a acção intempestiva.
E para tanto consideram os Recorrentes que na sua petição inicial, designadamente no artigo 13.º, invocaram como fundamentos a preterição do direito à audiência prévia vício de fundamentação e da denegação do direito à participação nas decisões da administração que lhes respeitem E atendendo a esses factos, consideram os Recorrentes que o processo põe em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que configura nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 133.º do CPA revogado (artigos 10.º e 11.º das alegações).
Como vimos o tribunal recorrido considerou que os fundamentos invocados e susceptíveis de apreciação em sede de impugnação judicial a procederem geravam apenas a anulabilidade do acto tributário. E foi nesse pressuposto que considerou que o prazo de 90 dias previsto no artigo 102.º do CPPT não foi respeitado.
A questão que se coloca é pois de saber se dos fundamentos invocados pelos Recorrentes na acção como causa de pedir algum é susceptível ou não de gerar nulidade do acto como estes defendem, a qual é invocável a todo o tempo – artigo 134.º, n.º 2, do CPA revogado (actual art. 162.º, n.º 2, do CPA).
Conforme se alcança da petição inicial apresentada em tribunal, os Recorrentes insurgiram-se contra o despacho de reversão, por o mesmo não se encontrar fundamentado, e de a citação não estar acompanhada de quaisquer elementos relativos às liquidações que deram origem à quantia exequenda, o que no seu entender afectava o seu direito de defesa e a possibilidade de suscitar qualquer erro ou vício dos actos de liquidação
De seguida (art. 13.º da P1) os Recorrentes invocam diversos princípios consagrados na Constituição da República e na Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem para concluir que o acto põe em causa o conteúdo essencial de um direito fundamental, o que no seu entender configura nulidade ao abrigo do disposto no artigo 133.º, n.º 1, alínea d) do CPA (pretendendo referir-se ao n.º 2, alínea d) do citado preceito do CPA revogado).
Na petição inicial que os impugnantes e aqui Recorrentes apresentaram ao tribunal nunca invocaram fados subsumíveis na falta de audição na fase prévia ao despacho de reversão ou que não lhes tivesse sido dada a possibilidade do exercício desse direito. E pese embora a sua invocação em sede de alegações de recurso, certo é que também não vem reportada a qualquer factualidade. Daí que tal alegação só possa ser entendida como pretendendo significar a falta de comunicação dos elementos relativos às liquidações que deram origem à quantia exequenda.
Assim e para além dos vícios que apontam ao acto de citação e despacho de reversão, designadamente por falta de fundamentação, que o Mmo. Juiz [do Tribunal] “a quo” desconsiderou por não poderem ser apreciados em sede de impugnação judicial, os impugnantes/Recorrentes alegam que aquando da sua citação na execução fiscal, esta não se fazia acompanhar dos elementos relativos às liquidações que deram origem à quantia exequenda e que permitisse apurar em que termos as mesmas haviam sido emitidas, situação que no seu entender afectava o seu direito de defesa E também por esse motivo consideram que o acto padece de falta de fundamentação o que no seu entendimento configura preterição de formalidade legal.
E é na decorrência dessa falta de acesso à fundamentação do acto que os impugnantes/Recorrentes invocam no artigo 13.º da sua petição inicial “o direito de audiência e à justiça administrativa”, “o direito de participação”, “o direito ao contraditório”, o “direito à fundamentação dos actos administrativos’ “o princípio do estado de direito democrático”, princípio da tutela jurisdicional efectiva” e “o princípio do direito ao procedimento justo e equitativo”.
É assim claro que a argumentação dos impugnantes/Recorrentes assenta no facto de não estarem esclarecidos quanto aos termos como foram realizados os actos tributários que deram origem à quantia exequenda e que lhe permita usar os meios de reacção ao seu alcance. E é nessa medida que invoca a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA.
O que está pois em causa é o direito de defesa e o direito a um processo justo.
Como decorre do n.º 4 do artigo 22.º da LGT, nos casos de chamamento à execução fiscal dos responsáveis subsidiários, a citação destes deve conter “os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais”.
A falta de observância de tal formalidade legal acarreta a nulidade da citação, a arguir em sede de execução fiscal. Por outro lado, o responsável subsidiário pode lançar mão do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, solicitando todos os elementos em falta relativos às liquidações que deram origem à quantia exequenda, sendo que neste caso, o prazo para a impugnação daqueles actos “conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida” – n.º 2 do citado preceito legal.
A sentença recorrida não faz qualquer alusão ou referência a tal diligência por parte dos aqui Recorrentes, mas a veemência como os impugnantes se insurgem contra a falta de acesso à fundamentação dos actos de liquidação, cujos contornos alegam desconhecer, exigiria que o tribunal recorrido apurasse os termos em que tal acto foi comunicado aos recorrentes e se lhe foi ou não dada possibilidade de ter acesso aos elementos que lhes permitissem compreender qual a proveniência da dívida.
Aliás é chocante como a representação do IGFSS se alheia desse facto na sua contestação e na falta de junção desses elementos no processo administrativo, o qual contém apenas os elementos documentais relativos à execução fiscal e que se revelam necessariamente insuficientes na medida em que estamos perante a impugnação dos actos de liquidação.
Ora, se foi efectuado esse pedido e não foi satisfeito, como parece resultar de alguns dos elementos do processo administrativo, então a questão do decurso do prazo de caducidade da acção não se apresenta tão clara como a sentença recorrida faz pressupor, atento o disposto no n.º 2 do artigo 37.º do CPPT. Com efeito, contando-se o prazo de impugnação apenas a partir da data em que os responsáveis subsidiários têm acesso a essa documentação, importava esclarecer se os mesmos tiveram acesso à mesma e no caso afirmativo em que data, ou se nunca lhes foi entregue qualquer documentação. E essas diligências não foram efectuadas pelo tribunal recorrido, como se impunha.
Em face do exposto, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência de matéria de facto que permita apreciar de forma conveniente a questão da caducidade da acção, o que constitui fundamento para a sua revogação.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida deve ser revogada e ser determinada a baixa dos autos a fim de ser ampliada a matéria de fato relativa aos termos em que foram comunicados os actos de liquidação que deram origem à quantia exequenda e se foi formulado qualquer pedido de esclarecimento sobre esses elementos e em que termos o mesmo foi satisfeito».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar, o que passa por indagar se os vícios invocados na petição inicial, designadamente o de violação do direito de audiência prévia, poderiam determinar a nulidade do acto impugnado.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1) Contra a sociedade “C………, Lda.” foi instaurado e autuado o processo de execução fiscal n.º 0901200701008889 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de contribuições, cotizações e juros devidos à Segurança Social – cfr. fls. 1, 2, 10 a 16 do PEF apenso;

2) Na sequência de despacho de reversão, foram remetidos, em 19-12-2012, sob registo com aviso de recepção, os ofícios n.ºs 1722 e 1723, para efeitos de citação dos ora oponentes para a execução fiscal n.º 0901200701008889 e apensos, na qualidade de responsáveis subsidiários – cfr. fls. 43, 44, 45, 54, 55, 56, 59, 59vº, 66 e 66vº do PEF apenso;

3) A missiva dirigida a B………… foi recepcionada pela destinatária em 15-01-2013 – cfr. fls. 60 do PEF apenso;

4) A missiva dirigida a A………… foi recepcionada por D……… em 16-01-2013 – cfr. fls. 67 do PEF apenso;

5) Em 16-04-2015, deu entrada neste TAF a presente impugnação judicial – cfr. fls. 1 dos autos».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Os ora Recorrentes foram citados em Janeiro de 2013 na qualidade de responsáveis subsidiários para os termos da execução fiscal deduzida contra uma sociedade para cobrança de contribuições e quotizações para a Segurança Social e, em 16 de Abril de 2015, apresentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco uma petição inicial na qual, dizendo vir deduzir impugnação judicial, pediram, para além do mais, a anulação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas.
O Juiz daquele Tribunal, depois referir que dos fundamentos invocados só podiam servir de causa de pedir em sede de impugnação judicial os de «falta de fundamentação legal das liquidações, caducidade do direito à liquidação e erro sobre os pressupostos no que concerne às ajudas de custo», considerou, em síntese, que estes vícios apenas poderiam determinar a anulação dos actos de liquidação, motivo por que se mostra excedido o prazo de 90 dias após a citação que a alínea c) do n.º 1 do art. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece para a impugnação judicial.
Em consequência, julgando procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolveu o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. da instância (No sentido de que a consequência da intempestividade do pedido formulado em impugnação judicial tem como consequência a absolvição da instância e não a absolvição do pedido, e explicando o porquê, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 18 ao art. 102.º, págs. 163 a 165. ).
Os Impugnantes insurgem-se contra esta sentença. Se bem que as alegações de recurso e respectivas conclusões não sejam de fácil compreensão, afigura-se-nos que consideram que os vícios invocados na petição inicial – que consideram ter sido a «preterição de audiência prévia», o «vício de [falta de] fundamentação» e a «denegação do direito à participação nas decisões da administração que lhe respeitem» – são susceptíveis de «provocar a nulidade do acto, na medida em que representa[m] uma violação de direito fundamental, para os efeitos do artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do C.P.A.». Põem a tónica na violação do direito de audiência prévia porque consideram que este direito se deve ter como um direito fundamental ou, pelo menos, uma garantia idêntica aos direitos, liberdades e garantias (Pensamos que é a estes que se refere o acrónimo DLG’s utilizado na alínea h) das conclusões.), por força do disposto no art. 41.º, n.º 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, directamente aplicável na nossa ordem jurídica, ex vi do art. 16.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), motivo por que a preterição do mesmo resultará na nulidade do acto.
Assim, a questão a apreciar e decidir é, como deixámos dito em 1.6, a de saber se o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar caducado o direito de impugnar, o que passa por indagar se os vícios invocados na petição inicial poderiam determinar a nulidade do acto impugnado.


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2.2.2 DA CADUCIDADE DO DIREITO DE IMPUGNAR

Como bem ficou dito na sentença recorrida, quando os vícios imputados ao acto impugnado apenas podem determinar a anulabilidade do mesmo, em regra, o prazo para deduzir impugnação judicial é de noventa dias, que, no caso, se contam da citação, como estatui o art. 102.º, n.º 1, alínea c), do CPPT. Isto porque os ora Recorrentes foram citados como responsáveis subsidiários na execução fiscal instaurada contra uma sociedade para cobrança das dívidas respeitantes a contribuições e quotizações, que ora impugnam ao abrigo da faculdade que lhes é conferida pelo art. 22.º, n.º 5, da Lei Geral Tributária (LGT) (Na redacção da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que corresponde ao n.º 4 do mesmo artigo.) - («As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».).
Os Recorrentes pretendem que a petição inicial foi apresentada em tempo porque sustentam que, contrariamente ao que decidiu o Juiz do Tribunal a quo, os vícios que assacam ao acto impugnado geram a nulidade do mesmo, o que significa que a impugnação judicial poderia ser deduzida a todo o tempo, nos termos do n.º 3 do referido art. 102.º do CPPT («Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo».).
Ou seja, os Recorrentes não discordam do modo como foi efectuada a contagem do prazo; discordam, isso sim, de que a impugnação esteja sujeita a prazo, uma vez que sustentam que os vícios invocados determinam a nulidade do acto.
Salvo o devido respeito, não têm razão.
É certo que os actos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção da nulidade podem ser impugnados a todo o tempo, como resulta do preceituado no art. 102.º, n.º 3, do CPPT, em consonância com o disposto no art. 134.º, n.º 2 (actualmente, art. 162.º, n.º 2), do Código do Procedimento Administrativo (CPA) («A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal», na redacção aplicável que é a inicial, ou seja, anterior à Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro.) e no art. 58.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) («A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo», na redacção aplicável, que é a da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro.).
No entanto, como bem salientou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco os vícios invocados na petição inicial não são sancionáveis com a nulidade. Vejamos:
Como bem ficou dito na sentença, «da panóplia de fundamentos trazidos para os autos» a maioria não constitui causa de pedir admissível em processo de impugnação judicial, sendo que «como fundamentos de impugnação judicial restam os de falta de fundamentação legal das liquidações, caducidade do direito à liquidação e erro sobre os pressupostos no que concerne às ajudas de custo».
Nenhum dos referidos vícios, como ficou dito na sentença, pode determinar a nulidade do acto. Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar unânime e repetidamente – e a sentença recorrida bem referiu – por regra os vícios dos actos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (arts. 133.º e 135.º do CPA, a que actualmente correspondem os arts. 161.º e 163.º) (Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 18 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 417/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Novembro de 2014 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32220.pdf), págs. 2184 a 2187, também disponível
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9df39a02244b4c2d80257d00003d85f5;
- de 10 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 1681/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Outubro de 2015 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32230.pdf), págs. 2872 a 2879, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0a97ac33f91e221d80257d6b004d9403;
- de 5 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 371/13, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3605 a 3610, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c706fa96b69837ad80257d9e00593b55.
Vide MÁRIO DE AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, pág. 247, que afirmam: «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.º do CPA, segundo o qual são anuláveis os “actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”».).
É certo que do art. 133.º (actualmente, art. 161.º), n.ºs 1 e 2, alínea d), do CPA, resulta que são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. Porém, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, esses actos hão-de ser aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e não aqueles que contendem com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.
Pretendem os Recorrentes que as invocadas falta de fundamentação e de preterição da audiência prévia constituem vícios que ofendem direitos fundamentais e, por isso, geradores de nulidade.
Antes do mais, diremos que a preterição de audiência prévia, que surge nas alegações de recurso e respectivas conclusões erigida em principal vício susceptível de determinar a nulidade dos actos impugnados (A par da falta de fundamentação, é certo; mas, havemos de convir, que o seu esforço argumentativo se refere quase em exclusivo à demonstração de que a preterição da audiência prévia constitui vício que origina a nulidade.), não foi invocada como vício dos actos impugnados. Apenas foi referido, de passagem, no art. 13.º da petição inicial, o «direito de audiência» e o «direito de participação dos cidadãos na administração pública», mas sem que tenha sido alegada factualidade alguma que possa integrar uma eventual violação desses direitos.
Assim, salvo o devido respeito, não faz sentido esgrimir em sede de recurso com um putativo erro de julgamento relativamente à consequência jurídica do vício de preterição de audiência prévia pela simples razão de que tal vício não foi invocado na petição inicial, nem conhecido na sentença.
Nem se diga, como os Recorrentes parecem de algum modo sugerir nas conclusões vertidas sob as alíneas a) a e), que na petição inicial alegaram os factos essenciais susceptíveis de integrarem a preterição de audiência prévia e, assim, que «o facto nuclear foi devidamente alegado pelos ora Recorrentes na sua petição inicial – vide artigo 1.º a 13.º da petição inicial», «[n]omeadamente, e no que aqui importa, quanto à preterição de audiência prévia […] cf. art. 13.º da petição inicial» [cfr. conclusões d) e e)].
Na verdade, compulsada a petição inicial, maxime os seus arts. 1.º a 13.º, nela não encontramos alegação alguma que possa subsumir-se ao vício de preterição da audiência prévia. Aliás, é esclarecedor que os Recorrentes afirmem que alegaram o facto nuclear, mas que não esclareçam que facto é esse. A única referência que na petição inicial é feita ao direito de audiência (que não à sua preterição ou violação) é para afirmar que o mesmo (e muitos outros) tem assento constitucional. Para que não subsistam dúvidas a esse propósito, permitimo-nos aqui reproduzir integralmente o referido art. 13.º da petição inicial: «O certo é que os direitos de audiência e à justiça administrativa (artigo 286.º, n.º 5, da Constituição), o direito de participação dos cidadãos na administração pública, o direito ao contraditório, resultante do Direito Internacional, nomeadamente a Convenção Europeia sobre os Direitos do Homem, artigo 6.º, o direito à fundamentação dos actos administrativos, enquanto garante de controle de legalidade dos mesmos (artigos 3.º, n.º 2 e 268.º, n.º 3, ambos da Constituição), o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição), o princípio da tutela jurisdicional efectiva, acolhido no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, o princípio do direito ao procedimento justo e equitativo, direito a um “due process of law”, ínsito no artigo 268.º, da Constituição, a garantia dos particulares que, no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, têm assento constitucional».
Assim, e porque a alegação que os Recorrentes apresentam como erro de julgamento relativamente ao vício de preterição de audiência prévia, sempre salvo o devido respeito, não faz sentido, nem sequer como nulidade da sentença por omissão de pronúncia (Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar diversas vezes, o tribunal ad quem não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).), na medida em que se trata de questão que não foi suscitada na petição inicial e também não foi conhecida pela sentença, não cumpre agora ocuparmo-nos dela.
Sem prejuízo do que vimos de dizer, sempre diremos que, por via de regra, quer a falta de fundamentação quer a falta de audiência dos interessados antes da decisão final do procedimento constituem vícios geradores de mera anulabilidade dessa decisão (art. 135.º CPA, actual art. 163.º). Vejamos:
Em relação à fundamentação do acto, admitindo-se embora que nalgumas situações especiais a falta de fundamentação gere a nulidade do acto, essas serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do acto, acabando por cair debaixo do critério do n.º 1 do art. 133.º (actualmente, art. 161.º) do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA].
Tal «acontecerá sempre que, para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados, uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade, ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando» ou «quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida [pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito liberdade e garantia” ( JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, 1991, pág. 293.).
No caso, como decorre do que vem sendo exposto, não estamos, nem perante uma situação em que haja ofensa do conteúdo essencial de direito fundamental, nem em face de qualquer das duas situações especiais acima referidas, como resulta da leitura da petição inicial.
Em relação ao direito de audiência, como ficou dito no acórdão de 17 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 187/12 (Acórdão que se encontra publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 2979 a 2985, e também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/385e76588a01c72880257aa00054c768.), trata-se de direito que «enquanto dimensão do princípio da participação - art. 60.º, da LGT, a sua omissão só implica a nulidade do acto final nos casos em que a violação do direito de participação assume uma dimensão qualificada, configurando-se como uma garantia fundamental, como sucede quando o acto final consubstancia a aplicação de sanções em procedimento disciplinar ou de contra-ordenação [Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J.PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp. 449-450]. Fora destas situações qualificadas, a preterição da audição prévia, quando exigível, torna os actos meramente anuláveis por vício de forma [Cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de: 11/05/2011, processo n.º 833/10; 6/9/2011, processo n.º 787/10; 16/11/2011, processo n.º 539/11; e 31/1/2012, processo n.º 927/11. No mesmo sentido, e na doutrina, cfr. DIOGO LEITE CAMPOS /BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária, 4.ª ed., Encontro da escrita, editora, anotação ao artigo 60.º da LGT, p. 515 e VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2.ª ed., Coimbra 2011, pp. 178 ss.]. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do STA, de 1612/2010, proc. n.º 623/10, que “A anulabilidade constitui uma forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva. No primeiro grupo, incluem -se: a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto, quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade (incompetência relativa); b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54.º e segs. do CPA), na omissão ou deficiência respeitante à forma do acto (art. 120.º do CPA), desde que não se reconduza à carência absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à enunciação do objecto e dos elementos do acto (art. 123.º do CPA)”».
De igual modo, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 594/2008, de 10 de Dezembro de 2008, proferido no processo n.º 1111/07 ( Acórdão que se encontra publicado no Diário da República, II Série, n.º 17, de 26 de Janeiro de 2009 (https://dre.pt/application/file/1851920), págs. 3676 a 3682, e também disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080594.html.), fazendo exaustivo tratamento da questão, não julgou inconstitucional a interpretação dos arts. 100.º, 123.º, n.º 1, alínea d), 124.º, n.º 1, alínea a), e 133.º, n.º s 1 e 2, alínea d), do CPA, no sentido de que nem a deficiência da fundamentação nem a falta audiência prévia geram a nulidade deste acto.
Uma breve nota final para referir que o invocado art. 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
- o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente,
[….]».) se refere aos direitos das pessoas perante as instituições e órgãos da União Europeia (As instituições da União Europeia são as seguintes: Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Conselho da União Europeia, Comissão Europeia, Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Banco Central Europeu (BCE), Tribunal de Contas Europeu (TCE), Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE), Comité Económico e Social Europeu (CESE), Comité das Regiões (CR), Banco Europeu de Investimento (BEI), Provedor de Justiça Europeu, Autoridade Europeia para a Protecção de Dados (AEPD).), como resulta do texto da norma; não estão impedidas as diversas ordens jurídicas nacionais dos Estados membros da União Europeia de definir qual a sanção jurídica para a preterição do direito de audiência prévia, que pode até ser diferente consoante a natureza dos interesses em causa.
Assim, concluímos que bem andou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco ao considerar que os vícios imputados aos actos impugnados não poderiam conduzir senão à anulabilidade dos mesmos.
Note-se ainda que, em face da conclusão da sentença recorrida no sentido da caducidade do direito de acção, não se lhe impunha o conhecimento sobre qualquer questão de mérito, quer tivesse sido suscitada quer fosse de conhecimento oficioso.
Finalmente, uma nota quanto à posição sustentada pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, no sentido da revogação da sentença em ordem à ampliação da matéria de facto, a fim de se averiguar se os ora Recorrentes usaram da faculdade concedida pelo n.º 1 do art. 37.º do CPPT, o que, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, diferiria o início do prazo da impugnação judicial, o qual se contaria apenas a partir da notificação dos elementos omitidos ou entrega de certidão que os contenha ( Dizem os dois primeiros números do art. 37.º do CPPT:
«1. Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.
2. Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida».).
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que nada aconselha a anulação (Afigura-se-nos que quando o tribunal ad quem, conhecendo oficiosamente dessa questão, entende que a matéria de facto que foi dada como assente em 1.ª instância não é suficiente para decidir de direito, impõe-se-lhe a anulação da sentença em ordem à ampliação da matéria de facto. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, no já referido Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, volume II, anotação 7 b) ao art. 125.º, págs. 358/359. ) da sentença em ordem à ampliação da matéria de facto no sentido sugerido.
Desde logo, porque não encontramos na petição inicial nem nas alegações de recurso a mais ténue alusão a uma eventual utilização do mecanismo previsto no n.º 1 do art. 37.º do CPPT.
É certo que o Procurador-Geral Adjunto sugere a possibilidade de ter sido efectuado pedido ao abrigo do n.º 1 do art. 37.º do CPPT, afirmando que tal «parece resultar de alguns dos elementos do processo administrativo», mas, para além de não vislumbrarmos que elementos são esses, não podemos olvidar que, contrariamente ao que sucede relativamente aos actos do próprio processo judicial, que cabem no âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo, a este está vedado conhecer oficiosamente dos actos que constem do processo administrativo (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume IV, anotação 23 h) ao art. 279.º, pág. 369.). Por outro lado, a prova do recurso à faculdade prevista no n.º 1 do art. 37.º do CPPT só pode fazer-se documentalmente, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo («3. A apresentação do requerimento previsto no n.º 1 pode ser provada por duplicado do mesmo, com o registo de entrada no serviço que promoveu a comunicação ou notificação ou por outro documento autêntico».).
Depois, porque sendo certo que a matéria de caducidade do direito de acção é do conhecimento oficioso, entendemos que o tribunal não deve estender para além daquilo que se afigura razoável a sua actividade instrutória de averiguação dos factos pertinentes à decisão das questões cujo conhecimento se lhe impõe.
Ou seja, não havendo, como não há, indício algum de que os ora Recorrentes usaram a faculdade prevista no n.º 1 do art. 37.º do CPPT, afigura-se-nos manifestamente desproporcionada a promovida anulação da sentença e regresso dos autos ao Tribunal a quo, a fim de aí ser indagado da eventual utilização dessa faculdade, a que os Recorrentes nunca aludiram, nem sequer sugeriram e que os autos também não indiciam.
Finalmente, porque os Recorrentes estão representados por advogado, o que é garantia de assistência técnica jurídica. Caso se tivessem socorrido da faculdade prevista no n.º 1 do art. 37.º do CPPT, por certo não teriam deixado de referir que a petição inicial era apresentada ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, sobretudo tendo em conta que essa apresentação se deu mais de dois anos após a sua citação [cfr. factos provados sob os n.ºs 2) a 5)], quando o prazo geral para a impugnação judicial é de 90 dias a contar desse facto, nos termos do já referido art. 120.º, n.º 1, alínea c), do CPPT.
Assim, a sentença recorrida não merece censura, pelo que o recurso não logrará provimento.


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2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Os vícios dos actos tributários só são sancionados com a nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto, quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade ou ainda quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art. 133.º, n.º 2, do CPA (actualmente art. 161.º), nomeadamente quando ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.
II - Só em casos excepcionais os vícios de falta de fundamentação e de violação do dever de audiência prévia poderão ter como consequência a nulidade do acto.
III - No caso de os vícios imputados ao acto tributário impugnado apenas determinarem a anulabilidade do mesmo, o direito de impugnação fica sujeito aos prazos estabelecidos no n.º 1 do art. 102.º do CPPT.
IV - Pese embora a factualidade pertinente à averiguação da caducidade do direito de acção seja do conhecimento oficioso, não se justifica que o tribunal ad quem anule oficiosamente a sentença, em ordem a indagar se foi utilizada a faculdade prevista no n.º 1 do art. 37.º do CPPT, se nada nos autos indicia que o tenha sido e se o recorrente, devidamente representado por advogado, não faz a mínima alusão a esse facto.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

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Lisboa, 6 de Abril de 2016. - Francisco Rothes (relator) - Fonseca Carvalho - Casimiro Gonçalves.