Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0550/12
Data do Acordão:10/24/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:HERANÇA INDIVISA
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
REPRESENTAÇÃO
CABEÇA DE CASAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LEGITIMIDADE
IRS
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário: I – O cabeça de casal tem poderes de administração da herança, até à sua liquidação e partilha (artº 2079º do CC), pelo que tem legitimidade para intervir nos procedimentos tributários e processos tributários, em representação da herança, de acordo com o disposto nos artºs 3º, nº 1 do CPPT, 15º e 16º, nº 3, ambos da LGT.
II - A inimpugnabilidade do acto de liquidação efectuado com base no acordo de fixação da matéria tributável (arts. 86º, nº4 e 92º, nº 3 da Lei Geral Tributária) limita-se ao respectivo quantum, sendo que poderá constituir fundamento de impugnação por parte do sujeito passivo qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à sua anulação, nomeadamente a falta de fundamentação.
III – Admitindo a sindicabilidade da fundamentação, no caso concreto dos autos deve a mesma ter-se por cumprida se os peritos explicitaram, ainda que sumariamente, as razões da fixação do montante dos proveitos e dos custos.
Nº Convencional:JSTA00067873
Nº do Documento:SA2201210240550
Data de Entrada:05/17/2012
Recorrente:A......E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA DE 2012/02/14 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART2078 ART2079 ART2091 ART2097 ART8 N3.
CPPTRIB99 ART3 ART8 ART9 ART154.
LGT98 ART15 ART16 ART18 ART65 ART86 N4.
CPC96 ART288 N1 E ART762 N2.
CONST76 ART20 N1 ART268 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0488/12 DE 2012/07/05; AC STA PROC039/02 DE 2002/07/10; AC STA PROC047268 DE 2004/01/13; AC STA PROC0656/04 DE 2004/11/23; AC STA PROC062/10 DE 2010/09/15
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLI PAG128.
MANUEL DE ANDRADE - TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURIDICA 1960 VOLII PAG62.
LEITE DE CAMPOS E OUTROS - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 4ED PAG749 PAG814.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……… e B………, na qualidade de herdeiros de C………, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 14 de Fevereiro de 2012, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e respectivos juros compensatórios, no montante € 22.508,38.

Terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O cabeça-de-casal tem poderes de mera administração ordinária da herança, não tendo poderes de disposição, salvo quanto a frutos ou outros bens deterioráveis e a frutos não deterioráveis, estes na justa medida da satisfação de certas despesas e encargos.
2. Fora destes casos, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078° (legitimidade de o herdeiro desacompanhado poder reclamar para a herança a propriedade de um qualquer bem), os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros e contra todos os herdeiros (art. 2091 ° nº 1), não podendo, pois, alienar, permutar ou onerar bens ou direitos imputáveis à herança.
3. Regra esta que se aplica ao pagamento do passivo hereditário in genere e às dívidas que especificamente o compõem, bem como à defesa dos direitos contestados, como expressamente refere OLIVEIRA ASCENSÃO (Sucessões, 4. Ed., 1989, p. 496), sendo indiferente a natureza da dívida concretamente em causa.
4. A única excepção ao regime de legitimidade do cabeça de casal consta do artigo 154° do CPPT, sendo que aí, a intenção da lei foi, claramente, a de alargar os poderes legalmente conferidos ao cabeça de casal, reconhecendo-lhe legitimidade em sede de execução fiscal para a prática de actos — vg. pagamento de dívidas, constituição de garantias, compensação de créditos, penhora de bens — que exorbitam da esfera de competência que resulta das atrás citadas normas juscivilísticas, tratando-se, no fundo, do reconhecimento legal de que, a contrario, sem a previsão normativa constante do artigo 154º do CPPT, os actos praticados em sede de pagamento coercivo das dívidas fiscais tinham de ser praticados pelo conjunto dos herdeiros, atentos poderes legalmente reconhecidos ao cabeça de casal.
5. O procedimento de revisão da matéria tributável constitui um procedimento que, envolve, ope legis, uma renúncia ao direito de impugnação da liquidação que seja feita com base na existência de um acordo em sede de comissão.
6. Esta, configura-se, assim, como um órgão quase-arbitral com poderes para dirimir uma controvérsia de modo definitivo quando for alcançado um acordo quanto à matéria tributável.
7. Esse acordo, na medida em que envolve a definição de um quantum debetur, por um lado e, por outro lado, dá origem a um acto inimpugnável, não pode ser concebido como um acto de mera administração do património hereditário,
8. Nem a lei prevê a possibilidade de intervenção do cabeça de casal nesse procedimento,
9. sendo que, mesmo a admitir-se hipótese contrária, tal acordo apenas poderia ser subscrito por quem tivesse poderes para dispor do montante da dívida e, mais grave, do direito de impugnação judicial do acto praticado na sequência desse acordo.
10. Ora, o cabeça de casal não tem poderes, desacompanhado dos restantes herdeiros, intervir num procedimento que afecta juridicamente o conjunto dos direitos que integram o património hereditário, da mesma forma que também não teria poderes para renunciar ao direito de impugnar a liquidação ou para estabelecer por acordo um montante que seja fixado como dívida do património hereditário.
11. Ora, ao dispor desse direito, nos termos do artigo 86°, n.º 4, da LGT, o cabeça-de-casal praticou um acto para o qual a lei não lhe atribui competência, e que, para mais, é um manifesto acto de disposição porque subtrai ao património hereditário um direito que o integra e que apenas poderia ser exercido, em conjunto, por todos os herdeiros.
12. Uma vez que o acto em matéria tributária praticado pela cabeça de casal excedeu os limites dos poderes que a lei lhe atribui, o mesmo não é oponível aos recorrentes, que, assim, podem impugnar as liquidações em crise.
13. As quais padecem de manifesta falta de fundamentação porquanto não permitem a um destinatário normal, colocado na situação concreta do contribuinte, conhecer o iter cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo autor do acto para o conformar nos termos em que o conformou.
14. Desde logo, de acordo com a fundamentação lavrada no procedimento, fica-se sem saber porque razão ou razões, sejam elas de facto, de direito, científicas, técnicas, económicas ou de experiência comum, se chegou ao resultado final, nomeadamente, porque é que os peritos concordaram em considerar como mais representativo o período temporal transcrito no mapa A e bem assim porque é que atribuíram 40% do valor das vendas.
15. Depois fica-se também sem saber, de forma expressa como é que foram alcançados os valores dos proveitos, ficando-se sem conhecer a razão de ser de tal procedimento.
16. Ora, mesmo tendo existido um acordo, a lei não subtrai o acto que venha a ser praticado na sequência deste do dever de fundamentação.
17. Sendo que essa fundamentação sempre será exigida para justificar a actuação da administração perante a definição de uma obrigação assente num crédito de natureza indisponível, que reclama, precisamente, que se explicitem as causas justificativas do acordo obtido, sendo também por aí que se deverá aferir se os intervenientes no acordo agiram de acordo com a lei (no caso da administração) e o mandato que delimitava a sua actuação (no caso do perito do contribuinte).»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, com a seguinte fundamentação:
«Recorrentes: A……… e B………
Objecto do recurso: decisões declaratórias constantes de sentença proferida em 14 Fevereiro 2012 com os seguintes conteúdos:
a) improcedência de impugnação judicial deduzida liquidações adicionais de IRS (anos 1999 e 2000) e respectivos juros compensatórios no montante global de €22 508,38; da
b) inadmissibilidade da impugnação judicial deduzida contra as liquidações citadas
FUNDAMENTAÇÃO
1ª Questão decidenda:
Ilegitimidade do cabeça de casal para intervenção no procedimento de revisão da matéria tributável, em representação da herança (art. 91º LGT)
O sujeito passivo originário C……… faleceu em 8 Julho 2002, antes do início da acção inspectiva em 30 Setembro 2002 (probatório n°1)
A herança, enquanto unidade referencial que exprime o conjunto das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida, é sujeito passivo em direito tributário (art.18° n°3 LGT; Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária comentada e anotada 2ª edição revista aumentada e actualizada 2002 p.113)
Como sujeito passivo a herança indivisa tem legitimidade para intervir no procedimento tributário (art.65° LGT)
O cabeça de casal dispõe igualmente de legitimidade para a intervenção, como representante da herança, na qualidade de obrigado ao pagamento da dívida tributária (art.9° n°1 CPPT)
O cabeça de casal tem o poder-dever de administração da herança jacente indivisa (arts.2046° e 2079° CCivil)
Como representante da herança indivisa o cabeça de casal tem legitimidade para requerer a revisão da matéria tributável de IRS, no exercício de um poder de administração conducente à redução do passivo fiscal que onera aquela (desiderato atingido no caso concreto , mediante redução do rendimento líquido da categoria B do ano 2000 para € 66 665,00; cf. probatório n°13 fls.98)
2ª Questão decidenda:
Ilegalidade das liquidações do imposto por insuficiência de fundamentação
As liquidações impugnadas resultaram do acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável.
Na impugnação das liquidações resultantes do acordo obtido no processo de revisão pode ser invocada qualquer ilegalidade, apenas estando precludida a apreciação de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, compreendidos no âmbito daquele acordo (art.86° n°4, 91° n°14 e 92° n°3 LGT)
O tribunal está vinculado à apreciação do fundamento invocado a título subsidiário (falta de fundamentação formal dos actos de liquidação), não abrangido pela preclusão de conhecimento supra indicada.
A intervenção do STA-SCT como tribunal de revista, com poderes de cognição restritos à matéria de direito, obsta ao conhecimento da questão em substituição do tribunal de ia instância (art.762° n°2 CPC na redacção DL nº 329-A/95,12 Dezembro; neste sentido Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ªedição 2011 p.364).
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento parcial.
A decisão de improcedência da impugnação judicial com fundamento na ilegitimidade do cabeça de casal deve ser confirmada
A decisão de inadmissibilidade da impugnação judicial com fundamento na insuficiência da fundamentação das liquidações deve ser revogada e substituída por acórdão que ordene a devolução do processo ao tribunal recorrido para conhecimento da questão»

4 – Colhidos os vistos, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. A Administração Tributária [em cumprimento da ordem de serviço n°36.882, de 22 de Agosto de 2002] encetou a 30 de Setembro de 2002 uma acção inspectiva a C……… que, todavia, falecera a 8 de Julho desse ano.
2. A morte daquele ocorreu sem que tivesse formulado testamento ou outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido sua mulher, D………, com quem se encontrava casado em primeiras núpcias de ambos sob o regime de bens de comunhão de adquiridos, bem como seus dois filhos, os Impugnantes A……… e B………, todos como tal habilitados por escritura de 7 de Outubro desse mesmo ano.
3. A acção inspectiva teve âmbito geral, versou sobre os anos de 1999, 2000 e 2001 e sobre Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo que a actividade que aquele desenvolvera era a de comércio por grosso de matérias primas agrícolas, animais vivos e outros [CAE 51.110], desenvolvendo ainda, como actividade secundária, a de extracção de areias, encontrando-se enquadrado no regime normal trimestral, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
4. A acção inspectiva fora suscitada pelo processo penal então pendente no Tribunal Judicial da comarca de Cantanhede, com o n°699/98, cujo objecto contendia com a extracção ilegal de inertes, nomeadamente areias, na área protegida das Dunas da Tocha, em que o falecido era suspeito ou arguido de ter de algum modo nisso participado, quando, por outra parte, não declarara à Administração Tributária rendimentos que dessa actividade tivesse auferido; igualmente foi a acção inspectiva suscitada pelo facto de o falecido ter sido declarado falido, sendo que os bens de que usufruía pertenciam à sociedade de direito britânico, E………, sediada nas Ilhas de Turk e Caicos.
5. No âmbito da aludida acção falimentar, com o n°203/2001 da 2ª Secção daquele Tribunal, o falecido e sua mulher haviam sido declarados insolventes, por decisão de 7 de Novembro de 2001, tendo sido justificados créditos em valor superior a 30.000.000$00, tendo igualmente sido apreendidos para a massa, além de móveis, sete prédios, entre rústicos e urbanos.
6. Os créditos ali reclamados seriam todos extrajudicialmente satisfeitos, vindo a ser levantados os efeitos pessoais da insolvência e reabilitada a viúva (havia já então falecido seu marido), bem como levantada a apreensão de bens, por decisão de 26 de Maio de 2003, que finalizou tal processo.
7. No decurso do processo falimentar fora igualmente interposta impugnação pauliana das alienações a favor da sociedade de direito estrangeiro referida no ponto 4., que foram declaradas inoponíveis em relação à massa falida.
8. Sob o contexto descrito no ponto 2., as notificações do procedimento inspectivo de início e de apresentação de documentos seriam efectuadas na pessoa da referida viúva, cabeça de casal da herança aberta por óbito do marido, que continuou por partir, bem como na do mencionado Impugnante.
9. Todavia, nenhum deles pôde apresentar nem soube indicar onde a documentação da escrita do falecido, como livros e registos.
10. Assim, porque pelo menos relativamente à actividade de extracção de areias, de que houvera confirmação de ter sido exercida no triénio objecto de inspecção, a Administração Tributária, para além de ter efectuado correcções aritméticas (restritas ao ano de 2000), socorreu-se de métodos indirectos, sob a falta daquela documentação e de declarações para efeito de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de Imposto sobre o Valor Acrescentado, naqueles anos, do falecido (à excepção da declaração para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas singulares do ano de 2001, que contudo não continha anexo «C», referente à sua actividade).
11. Formuladas as propostas para fixação de matéria tributável para aquele triénio, pelo modo acima indicado no relatório final da acção de 10 de Dezembro de 2002, viriam a ser aprovadas por despacho do dia 13 seguinte.
12. Notificada de tanto, a cabeça de casal suscitou procedimento de revisão em 20 de Fevereiro de 2003, invocando, em suma, sem embora pôr em causa o recurso a métodos indirectos, o excesso nos rendimentos colectáveis ali determinados para os anos de 2000 e 2001; assim, arguiu o critério utilizado para o seu apuramento de desfasado da realidade e das regras económicas de experiência comum, a mostragem de base inválida, incompreensível a desconsideração dos necessários custos, ou a anulação de facturas, ou a característica de descontinuidade própria do exercício da actividade cujos rendimentos se pretendia determinar, o preço por metro quadrado de areia adoptado, tudo enfim, levando àquele excesso.
13. Na reunião final da comissão, naquele procedimento, de 30 de Abril de 2003, os peritos chegaram a acordo, sob os seguintes pressupostos e conclusões:
«3) Estando excluída a hipótese de analisar os documentos antes referidos [de escrita da actividade do de cuius] para averiguar do eventual exagero da quantificação dos valores tributáveis, os peritos consideram o seguinte:
a) não põem em causa a tributação por avaliação indirecta, visto que não existem elementos de escrita de suporte das operações comerciais efectuadas;
b) a metodologia de quantificação dos valores tributáveis, baseada nos documentos requisitados às tipografias (conforme mapa D, anexo 11, fls.222) do relatório de inspecção e nos documentos comprovadamente emitidos, obtidos através dos cruzamentos de informação com diversos clientes do sujeito passivo, apenas merece reparo no aspecto de se admitir que todos os impressos de facturas requisitados às tipografias foram considerados como emitidos a clientes, já que isso não resulta necessariamente do cruzamento dos dados obtidos através dos seus clientes e que se encontram juntos ao relatório de inspecção;
c) conforme se verifica no mapa A, em anexo V, fls.35 do relatório, prova-se no processo que o sujeito passivo utilizou facturas dos livros requisitados com a numeração 2501 e 5000 e de outro tipo de facturas (destinadas a facturas globais compreendendo diversas guias de remessa) requisitadas com a numeração 1 e 250 (mapa D antes referido em requisição à Gráfica ………). Resulta do mapa, construído a partir dos dados recolhidos de clientes, que a factura n°2701 foi emitida em 08/04/2000 e que a factura 3164 foi emitida a 14/09/2000;
d) subsistindo incerteza quanto à utilização da totalidade dos impressos das facturas requisitadas, critério este que fundamentou os cálculos de quantificação dos valores tributáveis no relatório do exame à escrita (veja-se o ponto V do relatório de fls.12 a 16) os peritos concordaram em considerar como mais representativo esse período temporal transcrito no mapa A, em que são conhecidas facturas emitidas pelo sujeito passivo, e em fazer extrapolações do resultado para o período restante do ano de 2000 e para o ano de 2001;
e) nessa linha de pensamento, constata-se que entre a primeira factura com o n°2701 e a última, com o n°3164, vão 464, a que acresce a factura 22-A da outra série de facturas, somando assim 465 facturas presumivelmente emitidas nesse período, que corresponde ao período de 160 dias. Extrapolando para todo o ano, resulta o número estimado de 756 facturas emitidas (464/160x260). Nos cálculos considerou-se 260 dias úteis (52 semanas x5 dias).
4. Considerando que o valor médio de cada factura do mapa A é de €146,97, conforme ponto V.7 do relatório de inspecção, fls.14, teremos o volume de negócios anual estimado de €111.109,00 (756 facturas de valor médio de €146,97).
5) Os peritos reconhecem também que a actividade comportou necessariamente custos, com remoção de areias e preparação de caminhos, que exigem trabalhos com máquinas escavadoras, tendo associados custos com a sua compra ou aluguer e despesas inerentes de combustíveis, e mão de obra, a que atribuem 40% do valor das vendas, na falta de qualquer documentação de suporte.

6) Resulta assim o rendimento líquido em sede de IRS, categoria B (em euros):

Ano de 2000

a) Proveitos ………………………………….111.109,00
b) Custos ………………………………………44.444,00
c) Rendimento Líquido ………………………66.665,00

Ano de 2000. Tendo em conta que a empresa está enquadrada no regime simplificado de tributação (no cadastro da DGCI consta que não tem contabilidade organizada):

a) Proveitos …………………………………………111 .109,00
b) Rendimento Tributável …………………………..22.221,80

7) Em sede de IVA, a base de incidência em cada um desses anos será de €1 11.109,00. Tendo no entanto em conta que, conforme mapa A em anexo V e conclusões do relatório (ponto 1.2, fls.5) que no ano de 2000 a importância de € 572,66 (114.809$00) resulta de IVA liquidado e não entregue (correcções técnicas por avaliação directa), sendo €462,3 1 referentes ao 2° trimestre de 2000 e €110,35 ao 3° trimestre desse ano.
8) Relativamente aos valores do ano de 1999 o perito do contribuinte não pôs em causa os valores fixados pelo que os mesmos se mantêm.
9) EM CONCLUSÃO, os peritos acordam:
a) com os pressupostos da tributação por avaliação indirecta, nos três exercícios de 1999, 2000 e 2001;
b) em não alterar os valores fixados para o ano de 1999;
c) em sede de IRS, alterar o rendimento líquido da categoria B do S. P. com o NIF ………, para €66.665,00 no ano de 2000 e de €22.221,80 no ano de 2001, de que resulta o rendimento global líquido do primeiro ano de igual montante e no segundo ano de €22.693,83 (este último ano inclui 472,03 de rendimento líquido categoria A).
O rendimento líquido da cat. B do ano de 2000 já inclui os 3.380,35 de correcções aritméticas (ver fls.4 do relatório);
d) em sede de IVA alterar o imposto em falta:
- no ano de 2000 o montante de €18.315,87. Este valor resulta do volume de negócios de 111.109,00, que à taxa de 17%, produz o montante de €18.888,53, abatido de €572,66 tributado por avaliação directa, dos quais €461,31 referentes ao 2° trimestre e €110,35 do 3° trimestre, O imposto devido reparte-se pelos períodos seguintes:

1° trimestre ……………………€4.722,13
2° trimestre…………………… €4.259,82
3° trimestre ……………………€4.611,79
4° trimestre …………… ……...€4.722,13

- no ano de 2001 o montante de €18.888,53. Este valor resulta da base tributável de 111.109,00, que à taxa de 17%. O imposto devido reparte-se pelos períodos seguintes:

1° trimestre…………… €4.722,13
2° trimestre ……………€4.722,13
3° trimestre…………… €4.722,13
4° trimestre…………… €4.722,14»

14. Relativamente ao ano de 1999, e sob os critério e método referidos na ata, o relatório inspectivo havia concluído que:

«[em sede de IRS} a correcção proposta ao lucro tributável declarado é de €9.700,02 (1.944.679$00). O valor apurado corresponde a 1.830m3 de areia extraída e comercializada, atendendo ao preço médio por metro cúbico presumido (9.700,02/€5,30).» e,

em sede de IVA (a uma taxa de 17%):

€2351,52 nos 1° e 2° trimestres = €399,76 em cada um

€2.498,49 nos 3° e 4° trimestres = €434,74 em cada um,

Sendo assim de «um total de IVA não liquidado de €1.649,00»

15. Na sequência do descrito acordo, a Administração Tributária viria a elaborar, além do mais, as seguintes liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares:
- relativa ao ano de 1999, com o n°5333817236, de 10 de Setembro de 2003, com dívida de imposto de €1314,84, sendo €203 a título de juros compensatórios, e com prazo de pagamento terminando a 27 de Novembro de 2003;
- relativa ao ano de 2000, com o n°5333817424, de 10 de Setembro de 2003, com dívida de imposto de €21.193,54, sendo €2.141,18 a título de juros compensatórios, com prazo de pagamento terminando a 27 de Novembro de 2003;
16. Os Impugnantes, que não participaram no procedimento de revisão, apresentaram a petição inicial da presente impugnação a 2 de Dezembro de 2003.

6. Do objecto do recurso:

Inconformados com a douta sentença do TAF de Coimbra a fls. 89 a 110 dos autos, vêm os recorrentes interpor recurso para este Tribunal da decisão que julgou improcedente a impugnação por eles deduzida, por ter considerado não só, ter a cabeça de casal (D………) legitimidade para promover o procedimento de revisão da matéria tributável nos termos do artº 91º da LGT, como também por ter considerado serem as liquidações, nos termos em que vêm postas em causa, inimpugnáveis, posto que assentes nos termos do acordo obtido no procedimento de revisão da matéria tributável, conforme o disposto no artº 86º, nº 4 da Lei Geral Tributária.

Tanto quanto se apura das conclusões das respectivas alegações, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, são as seguintes as questões que os recorrentes vêm submeter à apreciação deste Supremo Tribunal:
1ª – Saber se é legítima ou ilegítima a intervenção do cabeça de casal nos procedimentos tributários em representação da herança, desacompanhado dos demais herdeiros, nos termos estabelecidos nos art°s 61º e 91º da LGT.
2ª – Saber se está suficientemente fundamentado o acordo dos peritos que sancionou a fixação da matéria tributável.

Vejamos então a primeira questão:
6.1 Insurgem-se os recorrentes contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal alegando a ilegitimidade da cabeça de casal para o respectivo procedimento, e invocando, em síntese, os seguintes argumentos:
a) O cabeça de casal tem poderes de mera administração ordinária da herança, não tendo poderes de disposição, salvo quanto a frutos ou outros bens deterioráveis e a frutos não deterioráveis, estes na justa medida da satisfação de certas despesas e encargos, pelo que, fora destes casos, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078°do CC os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros e contra todos os herdeiros (artº. 2091º, nº 1), não podendo, pois, alienar, permutar ou onerar bens ou direitos imputáveis à herança.
b) a única excepção ao regime de legitimidade do cabeça de casal consta do artigo 154º do CPPT, sendo que aí, a intenção da lei foi, claramente, a de alargar os poderes legalmente conferidos ao cabeça de casal, reconhecendo-lhe legitimidade em sede de execução fiscal para a prática de aptos que exorbitam da esfera de competência que resulta das atrás citadas normas juscivilísticas.
c) constituindo o procedimento de revisão da matéria tributável uma renúncia ao direito de impugnação da liquidação que seja feita com base na existência de um acordo em sede de comissão esse acordo, na medida em que envolve a definição de um quantum debetur, por um lado e, por outro lado, dá origem a um ato inimpugnável, não pode ser concebido como um ato de mera administração do património hereditário, nem a lei prevê a possibilidade de intervenção do cabeça de casal nesse procedimento,
d) sendo que, mesmo a admitir-se hipótese contrária, tal acordo apenas poderia ser subscrito por quem tivesse poderes para dispor do montante da dívida e, mais grave, do direito de impugnação judicial do ato praticado na sequência desse acordo, sendo certo que o cabeça de casal não tem poderes, para, desacompanhado dos restantes herdeiros, intervir num procedimento que afecta juridicamente o conjunto dos direitos que integram o património hereditário, da mesma forma que também não teria poderes para renunciar ao direito de impugnar a liquidação ou para estabelecer por acordo um montante que seja fixado como dívida do património hereditário.
e) Ora, estando em causa um manifesto ato de disposição, porque subtrai ao património hereditário um direito que o integra e que apenas poderia ser exercido, em conjunto, por todos os herdeiros, o cabeça de casal excedeu os limites dos poderes que a lei lhe atribui, e, assim, o mesmo não é oponível aos recorrentes, que, assim, podem impugnar as liquidações em crise.

A questão nestes termos suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo em data recente por acórdão de 5/07/2012, no processo n.º 488/13, subscrito pelo presente relator, pelo que se acompanhará a argumentação jurídica aí aduzida, por economia de meios, e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC).

Assim e como se disse naquele aresto, são as seguintes as normas de direito civil sobre esta matéria:
«ARTIGO 2079º (cabeça de casal)
A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal.
ARTIGO 2091º (Exercício de outros direitos)
1. Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
2. O disposto no número anterior não prejudica os direitos que tenham sido atribuídos pelo testador ao testamenteiro nos termos dos artigos 2327º e 2328º, sendo o testamenteiro cabeça de casal.
ARTIGO 2097º (Responsabilidade da herança indivisa)
Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.
Porém, em matéria tributária, existem normas próprias, nomeadamente as seguintes:
ARTIGO 3º (CPPT) Personalidade e capacidade tributárias
1.A personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária.
2. A capacidade judiciária e para o exercício de quaisquer direitos no procedimento tributário tem por base e por medida a capacidade de exercício dos direitos tributários.
ARTIGO 8.º (CPPT) Representação das entidades desprovidas de personalidade jurídica mas que dispõem de personalidade tributária e das sociedades ou pessoas colectivas sem representante conhecido
1. As entidades desprovidas de personalidade jurídica mas que disponham de personalidade tributária são representadas pelas pessoas que, legalmente ou de facto, efectivamente as administrem.
ARTIGO 9º (CPPT) Legitimidade.
1. Têm legitimidade no procedimento tributário, além de administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.
Artigo 15.º (LGT) Personalidade tributária
A personalidade tributária consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias.
Artigo 16.º (LGT) Capacidade tributária
1- Os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato.
2- Salvo disposição legal em contrário, tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária.
3- Os direitos e os deveres dos incapazes e das entidades sem personalidade jurídica são exercidos, respectivamente, pelos seus representantes, designados de acordo com a lei civil, e pelas pessoas que administrem os respectivos interesses.
4- O cumprimento dos deveres tributários pelos incapazes não invalida o respectivo acto, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação do representante.
Artigo 18.º Sujeitos
3- O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
Artigo 65.º (LGT) Legitimidade
Têm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Destas normas resulta então, resumidamente, o seguinte, com interesse para a decisão:
a) A herança indivisa, tem personalidade tributária embora não tenha personalidade jurídica, constituindo um património autónomo (Neste sentido V. o Acórdão deste STA, de 10.07.2002-Processo nº 39/2002). Tendo personalidade tributária é susceptível de ser sujeito de relações jurídico-tributárias, neste caso concreto de ser sujeito passivo das dívidas de IVA da responsabilidade do de cujus.
b) Sendo então a herança desprovida de personalidade jurídica, mas dispondo de personalidade tributária a sua representação cabe às pessoas que legalmente ou de facto, efectivamente as administrem (artºs 8º, nº 1 do CPPT e 16º, nº 3 da LGT, transcritos acima).
c) Tendo a herança personalidade tributária e representante, a este cabe exercer os direitos legalmente permitidos em matéria tributária em representação da herança
É este o entendimento que se colhe também em Jorge Lopes de Sousa – CPPT- 6ª edição, Vol. I, pág. 128, onde ficou escrito o seguinte:
“O cabeça de casal tem poderes de administração da herança, até à sua liquidação e partilha (artº 2079º do CC), pelo que tem legitimidade para intervir nos procedimentos tributários e processos tributários, em representação da herança, o que é expressamente reconhecido no artº 154º do CPPT relativamente aos processos de execução fiscal.”
Quer isto dizer, que no caso do artº 154º citado, se reconhece expressamente essa legitimidade, mas não se pode daí concluir, a contrario, como fazem os recorrentes, que só nesse caso a cabeça de casal tem legitimidade para intervir em representação da herança em matéria tributária.»

Ora, no caso concreto dos autos, não restam dúvidas de que a actuação do cabeça de casal ao promover o procedimento de revisão não constitui seguramente acto de disposição ou de oneração dos bens da herança, nas sim acto de mera administração ou de ordinária administração, na acepção que a tais actos é dada pela doutrina, ou seja actos destinados a prover a conservação dos bens administrados ou a promover a sua frutificação normal e que não afectem, numa palavra, o capital administrado, pondo-o em risco, por importarem um novo e diverso investimento desse capital ( Cf, neste sentido, M. Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1960, pág. 62 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 13.01.2004, recurso 47268, in www.dgsi.pt.).

Pelo contrário, como acertadamente se nota na decisão recorrida, a inacção da cabeça de casal é que poderia ser considerada uma violação grosseira dos poderes- deveres de administração que lhe incumbem, caso viesse a comprovar-se, v. g., um recurso indevido a métodos indirectos, ou a sua má utilização, ou um excesso na fixação, sem que esses actos tivessem sido contrariados por quem administra a herança.
É certo que, em virtude do acordo de peritos, o direito de impugnação judicial ficou limitado por força do disposto no artº 86º, nº 4 da LGT. No entanto, essa é uma consequência da intervenção no procedimento tributário, não podendo daí concluir-se que essa intervenção prejudicou o património da herança.
Concluímos, pois, tal como se concluiu no supra citado acórdão 488/12, que o cabeça de casal, como representante da herança indivisa tem legitimidade para requerer a revisão da matéria tributável de IRS, no exercício de um poder de administração conducente à redução do passivo fiscal que onera aquela, desiderato que, como salienta o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, foi atingido no caso concreto, mediante redução do rendimento líquido da categoria B do ano 2000 para € 66 665,00 (cf. probatório n°13 fls.98)
Decidindo neste pendor nenhuma censura merece a decisão em apreço, pelo que improcedem as conclusões 1ª a 12ª dos recorrentes.

6.2 A segunda questão trazida à apreciação deste Tribunal, tal como formulada pelos recorrentes nas conclusões das respectivas alegações, consiste em saber se está suficientemente fundamentado o acordo dos peritos que sancionou a fixação da matéria tributável.

Os recorrentes haviam invocado na petição inicial que o acordo obtido quanto à matéria tributável subjacente às liquidações de IRS impugnadas padecia de vício de forma por falta de fundamentação.
Na óptica dos recorrentes inexistia na acta onde foi fixada a matéria tributável um discurso fundamentador, apto a esclarecer os destinatários sobre a motivação que suporta o valor acordado, mormente a indicação de forma clara, suficiente e congruente dos elementos e critérios utilizados na sua determinação, nomeadamente, por que foi considerado mais significativo dado período temporal para dele serem feitas extrapolações para o período de 2000, e por que foi atribuído às vendas o valor de 40% e não outro.
Sobre esta questão jurídica, que constituía o segundo fundamento, subsidiário, da impugnação, se pronunciou a sentença recorrida (fls. 107 e segs.) concluindo ser legalmente inadmissível, quanto ao fundamento de insuficiência de fundamentação, a impugnação com base na excepção de inimpugnabilidade do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, decorrente do disposto no artº 86º, nº 4 da Lei Geral Tributária.
E, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública da instância nos termos do artº 288º, nº 1, al. e) do Código de Processo Civil.

Contra o assim decidido vêm os recorrentes com o presente recurso concluindo, em síntese, que as liquidações em crise padecem de manifesta falta de fundamentação porquanto não permitem a um destinatário normal, colocado na situação concreta do contribuinte, conhecer o iter cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo autor do acto para o conformar nos termos em que o conformou.
E que se fica também sem saber porque razão ou razões, sejam elas de facto, de direito, científicas, técnicas, económicas ou de experiência comum, se chegou ao resultado final, nomeadamente, porque é que os peritos concordaram em considerar como mais representativo o período temporal transcrito no mapa A e bem assim porque é que atribuíram 40% do valor das vendas.
Argumentam ainda que, mesmo tendo existido um acordo, a lei não subtrai o acto que venha a ser praticado na sequência deste do dever de fundamentação.
Sendo que essa fundamentação sempre será exigida para justificar a actuação da administração perante a definição de uma obrigação assente num crédito de natureza indisponível, que reclama, precisamente, que se explicitem as causas justificativas do acordo obtido, sendo também por aí que se deverá aferir se os intervenientes no acordo agiram de acordo com a lei (no caso da administração) e o mandato que delimitava a sua actuação (no caso do perito do contribuinte) –conclusões 16ª e 17ª do recurso.

Pese embora os recorrentes façam uso de mais desenvolvida argumentação sobre a alegada insuficiência da fundamentação do acordo obtido no procedimento da revisão da matéria tributável, concluindo-se ser este o ponto axial da sua pretensão, não pode deixar de se considerar que nas conclusões 16ª e 17ª põem em crise a fundamentação jurídica da sentença recorrida no que respeita à, ali tratada, questão da insindicabilidade judicial da fundamentação do acordo de peritos.

Argumentam para o efeito que a lei não dispensa o cumprimento desse dever de fundamentação do acto de liquidação quando o mesmo venha a ser praticado na sequência de um acordo em sede de fixação da matéria tributável.
E que, por outro lado, mesmo tendo na sua base um acordo, por mor dos princípios constitucionais que recortam a actuação da administração pública, a exigência de fundamentação das decisões administrativas, sejam elas ou não concertadas, constitui um dado indefectível para que o ordenamento jurídico possa controlar os actos praticados, se os mesmos são legítimos e se encontram de acordo com a lei.
Finalmente sustentam que essa fundamentação é também imprescindível para o representado poder sindicar a actuação do perito que o representa e para aferir se os poderes foram ou não exercidos de acordo com o concreto mandato que os conferiu.

Neste particular aspecto afigura-se-nos que a razão está com os recorrentes.
O art. 86.º, n.º 4 de Lei Geral Tributária estabelece que «na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».
Resulta literalmente deste normativo que a existência de acordo inviabiliza a susceptibilidade de impugnação judicial posterior da liquidação com fundamento em ilegalidade ocorrida no processo de avaliação indirecta.
Mas isto não quer dizer que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.
Ficará aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo invocando ilegalidade procedimental que afecte a sua validade - neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2010, recurso 62/10 e de 23-11-2004, recurso 656/04, ambos in www.dgsi.pt . De resto, como se sublinha no supra citado Acórdão 62/10, «o art. 62.º, n.º 1, do CPPT confirma esta interpretação no sentido do carácter não absoluto da proibição de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, ao estabelecer que «em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais», o que supõe que o contribuinte possa questionar a validade do acordo, pois estabelece-se que «a declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte» (n.º 2 deste art. 62.º)»
E também a doutrina vem afirmando que «a medida da inimpugnabilidade da liquidação feita com base no acordo, tendo a sua razão de ser na existência deste acordo, terá de ter (de) ser restringida ao que foi objecto deste, que é a medida da matéria tributável. Por isso, a existência de acordo não poderá afastar o direito do contribuinte impugnar a liquidação feita com base no acordo por qualquer razão que não lhe esteja ligada, como, por exemplo, vícios de forma (falta de fundamentação, incompetência, violação de direitos procedimentais) ou de violação de lei (como erro na taxa aplicável ou sobre a existência de uma isenção total ou parcial). ( Cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada, 4ª edição, fls. 749.)
Finalmente se dirá que este também parece ser o entendimento mais consentâneo com os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20º, nº 1 e 268º nº 4 da Constituição da República) e com o reconhecimento constitucional do dever de fundamentação expressa e do direito de impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os administrados.
Temos, pois, para nós que a inimpugnabilidade do acto de liquidação efectuado com base no acordo de fixação da matéria tributável se limita ao respectivo quantum, sendo que poderá constituir fundamento de impugnação por parte do sujeito passivo qualquer ilegalidade susceptível de conduzir à sua anulação, nomeadamente a falta de fundamentação (Também neste sentido ob. citada, pag. 814).

6.3 Ponto é saber se, no caso em apreço, está suficientemente fundamentado o acordo dos peritos que sancionou a fixação da matéria tributável.

Como vimos os recorrentes alegam, em síntese, que as liquidações em crise padecem de manifesta falta de fundamentação porquanto não permitem a um destinatário normal, colocado na situação concreta do contribuinte, conhecer o iter cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo autor do acto para o conformar nos termos em que o conformou.

No seu parecer de fls. 151 o Exmº Procurador-Geral Adjunto sustenta que a intervenção do STA-SCT como tribunal de revista, com poderes de cognição restritos à matéria de direito, obsta ao conhecimento da questão em substituição do tribunal de primeira instância (art.762° n°2 CPC na redacção DL nº 329-A/95,12 Dezembro).
Não se nos afigura, porém, que a norma em análise seja aplicável ao caso em apreço.
Na verdade esta restrição à possibilidade de conhecimento em substituição prende-se com o facto de os poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo se restringirem a matéria de direito e para o conhecimento em substituição ser necessário, frequentemente, o conhecimento de matéria de facto.
Ora no caso a questão em análise consiste em saber se as liquidações em crise padecem de manifesta do vício de falta de fundamentação.
Trata-se inequivocamente de questão de direito não se suscitando também qualquer discordância com a fixação factual.
Daí que nada obste a que se conheça, agora, de tal questão.

E conhecendo, desde já se adiantará que, em nosso entender, a fundamentação constante do acordo é clara e suficiente.
Com efeito, relativamente aos proveitos, consta do relatório o seguinte (v. facto 13º do probatório):
“…prova-se no processo que o sujeito passivo utilizou facturas dos livros requisitados com a numeração 2501 e 5000 e de outro tipo de facturas (destinadas a facturas globais compreendendo diversas guias de remessa) requisitadas com a numeração 1 e 250 (mapa D antes referido em requisição à Gráfica …). Resulta do mapa, construído a partir dos dados recolhidos de clientes, que a factura n° 2701 foi emitida em 08/04/2000 e que a factura 3164 foi emitida a 14/09/2000; d) subsistindo incerteza quanto à utilização da totalidade dos impressos das facturas requisitadas, critério este que fundamentou os cálculos de quantificação dos valores tributáveis no relatório do exame à escrita (veja-se o ponto V do relatório de fls. 12 a 16) os peritos concordaram em considerar como mais representativo esse período temporal transcrito no mapa A, em que são conhecidas facturas emitidas pelo sujeito passivo, e em fazer extrapolações do resultado para o período restante do ano de 2000 e para o ano de 2001;
e) nessa linha de pensamento, constata-se que entre a primeira factura com o n° 2701 e a última, com o n° 3164, vão 464, a que acresce a factura 22-A da outra série de facturas, somando assim 465 facturas presumivelmente emitidas nesse período, que corresponde ao período de 160 dias. Extrapolando para todo o ano, resulta o número estimado de 756 facturas emitidas (464/160x260). Nos cálculos considerou-se 260 dias úteis (52 semanas x5 dias). 4. Considerando que o valor médio de cada factura do mapa A é de €146,97, conforme ponto V.7 do relatório de inspecção, fls.14, teremos o volume de negócios anual estimado de €111.109,00 (756 facturas de valor médio de €146,97)”.
Percebe-se, assim, que os peritos se basearam nas facturas conhecidas e que consideraram 260 dias por ano e o valor médio de cada factura para daí extraírem um valor presumido de negócios. Trata-se de um critério que pode ser discutível, como será sempre qualquer critério utilizado em métodos indirectos. No entanto, não restam dúvidas de que os peritos explicaram com clareza o modo como chegaram aos proveitos fixados.
Já quanto à fixação dos custos em 40%, a mesma está também justificada nos seguintes termos: “Os peritos reconhecem também que a actividade comportou necessariamente custos, com remoção de areias e preparação de caminhos, que exigem trabalhos com máquinas escavadoras, tendo associados custos com a sua compra ou aluguer e despesas inerentes de combustíveis, e mão de obra, a que atribuem 40% do valor das vendas, na falta de qualquer documentação de suporte”.
Poderá perguntar-se porque não fixaram 50%, ou 30%, por exemplo.
No entanto, é preciso não esquecer que estamos perante utilização de métodos indirectos e permanecerá sempre alguma incerteza que tem de ser suprida pela razoabilidade. No caso, os peritos acharam razoável os 40%, estabelecendo uma relação entre os proveitos obtidos e as despesas presumivelmente realizadas para os obter. Na falta de melhor critério – que os recorrentes não propõem – temos de aceitar que esta fundamentação é suficiente para se aferir das razões que se consideraram justificativas do acordo obtido entre a administração e o contribuinte.

Improcedem, desta maneira, todas as conclusões do recurso.

7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Outubro de 2012. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.