Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0478/16
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ERRO MATERIAL
ERRO DE JULGAMENTO
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
ACTO
FIXAÇÃO
VALOR PATRIMONIAL
Sumário:I - Uma vez proferida a sentença esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 613º, nº 1 do Código de Processo Civil), sendo-lhe, porém, lícito “rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la”, nos termos previstos nos artigos 614º e segs. do Código de Processo Civil.
II - Fora desses termos, esgotado o seu poder jurisdicional, está vedado ao juiz emitir qualquer pronúncia relativa à matéria da causa.
III - Nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do C. P. P. T. os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias, após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente do vício alegado.
Nº Convencional:JSTA000P22373
Nº do Documento:SA2201710110478
Data de Entrada:04/14/2016
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A……………………….., Ldª, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente, a excepção da caducidade do direito de deduzir impugnação e consequentemente absolveu a Fazenda Pública da instância.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. A sentença recorrida considerou a impugnação extemporânea, por entender que esta foi apresentada após decurso do prazo de 90 dias que supostamente se encontraria previsto no n.º 1 do artigo 102.° do CPPT.
B. Acontece porém que o n.º 1 do artigo 102.° prevê um prazo de três meses e não de 90 dias, razão pela qual o erro de direito cometido pelo Tribunal a quo é por demais evidente.
C. Com efeito, está provado nos autos que este prazo de três meses foi devidamente cumprido.
D. E não se diga contra o exposto que é aplicável ao caso o prazo de 90 dias previsto no nº 1 do artigo 134.° do CPPT (norma que, de resto, nunca é mencionada na sentença recorrida).
E. Com efeito, a Recorrente não invocou um "erro de facto ou de direito na fixação" do valor patrimonial, mas uma ilegalidade cometida a montante, ou seja, nos pressupostos legais de que depende a avaliação.
F. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, nestes casos, não é aplicável o regime específico previsto no artigo 134.°, razão pela qual será aplicável in casu o prazo geral previsto no artigo 102.° do CPPT.
G. Da mesma forma, a doutrina e a jurisprudência têm também entendido que o vício de falta de fundamentação na avaliação afasta a aplicação do regime de impugnação especificamente previsto no artigo 134.° do CPPT.
H. Ora, a Recorrente invocou também este vício.
I. De resto, e se dúvidas houvesse sobre qual dos prazos aplicar a presente impugnação (se a prevista no nº 1 do artigo 134.°, se a prevista no nº 1 do artigo 102.°), a verdade é que o artigo 7º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT e artigo 20.° da CRP, impõe a interpretação das normais processuais no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito.
J. O mesmo é dizer que, entendendo a jurisprudência e a doutrina que as impugnações em que são alegados os vícios acima referidos não devem seguir o regime específico do artigo 134.° do CPPT, então deve também admitir a aplicação do prazo geral previsto no artigo 102.° do CPPT.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, e ordenado o regresso dos autos à 1ª instância a fim de aí prosseguirem os seus termos.

Requer-se também a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, conforme previsto no n.º 7 do artigo 6.° do RCP. »

Entretanto, notificada a recorrente do despacho de fls.355 e seguintes exarado a fls. 27.01.2016 pelo qual o Tribunal “a quo” procedeu à rectificação da sentença proferida a 27.11.2015, veio a recorrente manter interesse no recurso, apresentando para o efeito alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«A. O Tribunal a quo considerou aplicável ao caso o artigo 102.°, n.º 1 do CPPT, invocado pela Recorrente na impugnação, tendo mencionado este artigo e o seu regime por diversas vezes na sentença proferida nos autos.
B. No entanto, por manifesto lapso, considerou que o prazo previsto na referida norma era de 90 dias, ao invés dos três meses que se encontra aí previsto.
C. Este pequeno e manifesto lapso fez com que o Tribunal a quo considerasse a impugnação intempestiva, quando na verdade a mesma era tempestiva.
D. Alertado para este erro pelas alegações de recurso da ora Recorrente, o Tribunal a quo veio retificar a sentença proferida.
E. No entanto, ao invés de retificar o erro material, substituindo a referência ao prazo de “90 dias” por um prazo de “três meses”, o Tribunal a quo veio considerar aplicável ao caso outra norma, cuja aplicação tinha sido defendida pelo Exmo. RFP na contestação mas que nunca foi referida, nem explícita, nem implicitamente, na sentença.
F. Assim, ao invés de retificar um erro material, o Tribunal a quo efetuou uma reapreciação do caso à luz das alegações de recurso e identificou um (suposto) erro de julgamento.
G. Ao retificar este erro de julgamento ao abrigo dos artigos 613.°, n.º 2 e 614.°, n.º 1 e nº 2 do CPC, o Tribunal a quo cometeu uma ilegalidade processual.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«Impõe-se (….) saber qual é o prazo aplicável, ou seja, se o prazo previsto no artigo 102° ou se o prazo do artigo 134° do CPPT.
No primeiro caso - art. 102º - estamos perante uma norma que abrange todos os atos suscetíveis de impugnação autónoma, enquanto no segundo caso - art. 134° - a mesma é restrita ao atos de fixação dos valores patrimoniais. Ora, se é verdade que anteriormente à redação introduzida pela Lei n° 66-B/2012 o prazo estava definido em dias nos dois preceitos e não se descortina a razão dessa discrepância (contribuindo apenas para uma maior complexidade dos regimes legais), também é certo que no caso dos autos estamos perante um ato de fixação de valor patrimonial e assim sendo há que aplicar a norma que especificamente lhe diz respeito. Aliás a Recorrente não logra convencer sobre as razões pelas quais se impõe no caso concreto a aplicação do artigo 102° ao invés do artigo 134° do CPPT.
Em face do exposto entendemos que no caso concreto dos autos em que está em causa a impugnação contenciosa de ato de avaliação em que foi fixado o valor patrimonial de prédio, o prazo aplicável é o prazo de 90 dias previsto no n°1 do artigo 134° do CPPT. Tendo o referido prazo terminado em 05/02/2016, a ação apresentada pela Recorrente é intempestiva, motivo pelo qual há que confirmar a sentença recorrida, ainda que com outra fundamentação.»

4 – Colhidos os vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou como provado os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. A administração tributária remeteu à impugnante, sob registo postal, o resultado da 2ª avaliação do valor patrimonial tributário dos prédios inscritos sob os artigos P-1461 e P-1462 na matriz predial urbana da extinta freguesia de Caparrosa, P-524, P-525, P-526 e P-527 da freguesia de Silvares, e P-1658, P-1659, P-1560 e P-1561 da freguesia de Guardão, todos do concelho de Tondela.
2. A impugnante recebeu as notificações relativas ao resultado da 2ª avaliação dos prédios identificados em 1 no dia 7/11/2014, conforme documentação de fls. 6, 9, 11, 13, 15, 17,19, 21, 23 e 25 do processo administrativo apenso que se dá por reproduzida.
3. A petição inicial que se encontra a de fls. 2/37 foi remetida ao tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu via CTT Expresso, no dia 6/2/2015, conforme documento de fls. 272 que se dá por reproduzido.

6- Do objecto do recurso:
Da análise da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração podemos concluir que são as seguintes as questões objecto do presente recurso:

a) A alegada ilegalidade processual por violação do disposto nos arts. 613º, nº 2 e 614º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil.

b) O invocado erro de julgamento da sentença recorrida que, no âmbito da impugnação judicial, considerou verificada a excepção de caducidade da ação e consequentemente absolveu a Fazenda Pública da instância.

6.1 Da invocada ilegalidade por violação do disposto nos arts. 613º, nº 2 e 614º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Na sentença recorrida deu-se como assente que a impugnante foi notificada do acto de 2ª avaliação de vários prédios inscritos na matriz predial urbana de três freguesias do concelho de Tondela, por carta registada recebida em 07/11/2014, tendo a impugnação judicial sido apresentada em 06/02/2015 (data da remessa da correspondência postal).
Entendeu o Tribunal que à contagem do prazo não se aplicam as regras previstas no artigo 139° do CPC, que permitem a prática do acto após o termo do prazo mediante o pagamento de multa.
E assim concluiu que, tendo a impugnante sido notificada em 07/11/2014, o prazo de 90 dias previsto no artigo 102° do CPPT terminou em 05/02/2015, pelo que a impugnação apresentada em 06/02/2015 é intempestiva.

Entretanto, na sequência do recurso interposto a fls. 334, em que a recorrente alegava que a sentença havia incorrido em erro de direito porque o artº 102º, nº 1 do CPPT prevê um prazo de três meses e não de 90 dias, o que tem reflexos na contagem do prazo e na tempestividade da impugnação, o Tribunal “a quo” procedeu à rectificação da sentença proferida a 27.11.2015, através do despacho de fls.355 e seguintes exarado a 27.01.2016.
Considerou o Mº Juiz que na sentença em crise ocorreu manifesto lapso no normativo mencionado, «lapso que decorreu da utilização de meios informáticos mediante recurso a texto retirado de outra decisão» por si proferida.
Mais ponderou que a impugnante formulou o pedido de anulação do resultado da segunda avaliação, pelo que sendo questionado o acto de fixação do valor patrimonial dos prédios em causa, se aplica o artº 134º, nº 1 do CPPT, que rege especificamente a impugnação judicial dos actos de fixação dos valores patrimoniais e afasta a norma geral constante do artº 102º do CPPT.
E com base em tal fundamentação procedeu o Tribunal recorrido à rectificação da sentença, no que respeita à referência ao artº 102º do CPPT, que substitui por menção ao artº 134º do mesmo diploma legal, nos termos exarados na decisão reformulada que consta de fls. 357 e segs. e invocando o disposto nos arts. 613º, nº 2 e 614º, nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil.


Alega a recorrente que ao invés de rectificar o erro material, substituindo a referência ao prazo de “90 dias” por um prazo de “três meses”, o Tribunal a quo veio considerar aplicável ao caso outra norma, cuja aplicação tinha sido defendida pela Fazenda Pública na contestação mas que nunca foi referida, nem explícita, nem implicitamente, na sentença.
E que assim, ao invés de rectificar um erro material, o Tribunal a quo efectuou uma reapreciação do caso à luz das alegações de recurso e identificou um (suposto) erro de julgamento.
Sendo que ao rectificar este erro de julgamento ao abrigo dos artigos 613.°, n.º 2 e 614.°, n.º 1 e nº 2 do CPC, o Tribunal a quo cometeu uma ilegalidade processual.

Neste ponto assiste razão à recorrente.
Com efeito proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artº 613º, nº 1 do Código de Processo Civil)
É certo que é lícito ao juiz rectificar erros materiais suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos 614 e segs. seguintes.
Porém a situação em análise não parece configurar o chamado erro material.
Entende-se por erro material a inexactidão, na expressão da vontade do julgador, por lapso notório, normalmente traduzida em erro de escrita ou de cálculo revelado no próprio contexto da sentença ou em peças do processo para que ela remeta. (Neste sentido Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição. Coimbra Editora, vol. II, pag.)
Como ensina o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Vol. 5, pag. 132.), «é necessário que do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreenda claramente que se escreveu manifestamente coisa diferente do que se queria escrever: se assim não for, a aplicação do art. 667º é ilegal, pois importa evitar que, à sombra da mencionada disposição, o juiz se permita emendar erro de julgamento, espécie diversa do erro material. Quer dizer, importa evitar que, à sombra deste artigo, o juiz se permita emendar erro de julgamento, que, (…) é espécie diversa de erro material».
No caso, como bem nota a recorrente, a sentença recorrida decidiu que a impugnação era extemporânea por considerar, erradamente, que o nº 1 do artº 102º do CPPT estabelece um prazo de 90 dias, quando na verdade estabelece um prazo de três meses (na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 66-B/2012 de 31 de Dezembro que, certamente por lapso, não foi considerada)
Considerando estar-se perante um erro material o Tribunal a quo procedeu à rectificação da sentença invocando o disposto nos artigos 613.°, n.º 2 e 614.°, n.º 1 e nº 2 do Código de Processo Civil.
Porém, em vez de proceder à rectificação corrigindo a referência à indicada duração do prazo de 90 dias para três meses, o Tribunal a quo manteve a decisão que julga a impugnação intempestiva, alterando no entanto a sua fundamentação por considerar ser aplicável, não o prazo previsto no artº 102º, nº 1 do CPPT mas sim, o prazo previsto no artº 134º do CPPT.
E rebateu a ainda a jurisprudência citada pela recorrente nas suas alegações de recurso, citando também jurisprudência a favor da sua (nova) posição.
Em suma em vez de proceder a uma mera rectificação de erro material, o despacho em causa interfere com o mérito da decisão, alterando sua fundamentação jurídica.
Ora, porque não se trata da correcção mero erro material, mas sim da definição, em novos termos, da relação jurídica apreciada, não era lícito ao juiz proceder àquela rectificação, nos termos em que o fez, porque se encontrava já esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria da causa.
Neste contexto a decisão de rectificação de erro material constante do despacho em crise não tem fundamento legal (art. 613° n° 1 Código de Processo Civil e art. 2° al. e) CPPT).
E o despacho recorrido, por ter violado a regra da extinção do poder jurisdicional do tribunal de 1ª Instância, não pode manter-se já que padece do vício de inexistência jurídica, não podendo tal decisão considerar-se como resultado do exercício do poder jurisdicional- cf. neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28.04.1999, recurso nº 23167, 02.06.1999, recurso 023070, de 24.02.2010, recurso 503/09 e Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pag. 125
Procede, pois, nesta parte, o recurso pelo que prevalece, como única decisão válida, a sentença recorrida.
Importa agora conhecer do recurso interposto da sentença recorrida que tem como objecto a questão da caducidade do direito de acção.

6.2 Da caducidade do direito de acção
Como vimos a decisão recorrida concluiu que tendo a impugnante sido notificada em 07/11/2014, o prazo de 90 dias previsto no artigo 102° do CPPT terminou em 05/02/2015, pelo que tendo a ação sido apresentada em 06/02/2015 a mesma é intempestiva.

Contra este entendimento se insurge o recorrente argumentando em síntese, que o prazo aplicável é o de três meses, previsto no artigo 102°, n°1, alínea a), do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n° 66-B/2012, de 3 de Dezembro, o qual terminou em 07/02/2015, por o vício invocado não ser qualquer dos previstos no artigo 134° do CPPT, tendo como referente o ato de avaliação, mas ilegalidade reportada à inscrição como prédio para efeitos de IMI do imóvel, ou seja, aos pressupostos legais de que depende a avaliação.

A questão central que no presente recurso se coloca, é, pois, a de saber se a impugnação é ou não tempestiva e se se deve aplicar o prazo que consta no nº1 do artº 134º do CPPT ou o prazo previsto no artº 102º, nº1 do CPPT.
Decorre da alínea e) do nº 1 do artº 102º do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro que o prazo de impugnação contenciosa de atos que podem ser objecto de impugnação autónoma é de três meses contados a partir da sua notificação e não o prazo de 90 dias que foi considerada na sentença recorrida e que constava no mesmo preceito na redacção anterior.
Por sua vez resulta do artº 134º, nº 1 do CPPT que os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
Como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal Administrativo, embora o prazo fixado em meses corresponda sensivelmente a 90 dias (e designadamente se se considerar que um mês corresponde a 30 dias), a diferença entre os prazos reside na sua forma de contagem. De acordo com o disposto no n°1 do artigo 20° do CPPT, à contagem dos prazos de impugnação contenciosa aplica-se o disposto no artigo 279° do Código Civil, o qual por sua vez estipula que o prazo fixado em meses, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data. Já no prazo fixado em dias os mesmos são contados de forma contínua.
Assim e tendo a impugnante sido notificada em 07/11/2014, o prazo de 90 dias terminou em 05/02/2015, enquanto o prazo de três meses terminou em 07/02/2015, o que tem reflexos na solução a dar à causa, uma vez que tendo a ação sido apresentada em 06/02/2015, no primeiro caso a mesma é intempestiva e no segundo é tempestiva.
A questão, nestes termos suscitada, é semelhante à que foi objecto do recente acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 10/05/2017 no recurso 885/16, em que se decidiu que nos termos do artigo 134.º, n.º 1, do C. P. P. T. os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias, após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, independentemente do vício alegado.

Trata-se de jurisprudência que sufragamos por inteiro e que também aqui acompanharemos.

Será, pois, pertinente referir os argumentos principais aduzidos pelo citado Acórdão 885/16, sobre o prazo de impugnação dos actos de fixação do valor patrimonial, que é de 90 dias e se encontra fixado no artº 134º, nº 1 do CPPT, e sobre a relação de especialidade desta norma com o artº 102º, nº1, al. e) do mesmo diploma legal (norma geral sobre a possibilidade de impugnação de actos destacáveis)
Respondeu-se a tal questão no sentido que se passa a transcrever:
«A norma do CPPT que, sob a epígrafe “objecto da impugnação», trata da impugnação judicial dos actos que fixam os valores patrimoniais dos prédios é a prevista no artigo 134.º. n.º 1, que determina a possibilidade de lançar mão desta garantia contenciosa no prazo de 90 dias após a notificação do acto impugnando ao contribuinte.
Com esta norma do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, pretendeu o legislador permitir a impugnação imediata do ato que fixa o valor patrimonial tributário de um prédio, mas – n.º 7 – só “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

Este requisito do esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação está, em sintonia com o artigo 77.º do IMI (que apenas admite a impugnação do resultado da segunda avaliação, que não da primeira), bem como com o artigo 86.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária
(“A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”).
Trata-se, pois, de uma exceção à regra da impugnação unitária prevista no artigo 54.º do CPPT (“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”) que tem como efeito destacar, para efeito de impugnação autónoma, o ato de fixação do valor patrimonial tributário.
Ora, quanto à matéria da impugnação de atos destacáveis dispõe igualmente o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, que a impugnação será apresentada no prazo de 3 meses contados a partir da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código.
Aqui, pretendeu o legislador que o interessado pudesse lançar mão do meio processual Impugnação Judicial contra os atos em matéria tributária que possam ser objeto de impugnação autónoma, no prazo de 3 meses contados a partir da respetiva notificação.
Sendo, pois, uma norma mais ampla que a do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, que, permite a utilização do mesmo meio processual para reagir contra um ato destacável concreto – o ato que fixa o VPT em segunda avaliação –, no prazo de 90 dias contados a partir da respetiva notificação.
Estas duas normas estão, então, numa relação de especialidade, uma vez que a do artigo 134.º, n.º 1, contém elementos que também constam da do artigo 102.º, n.º 1, alínea e) - possibilidade de impugnação judicial de atos destacáveis -, acrescentando-lhe particularidades: o único ato destacável ali previsto é o ato de fixação dos valores patrimoniais (aqui são os restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma); e o prazo para lançar mão da Impugnação é ali de 90 dias (e aqui de 3 meses).
Sendo que por a previsão da norma especial ser mais concreta que a da norma geral, a norma aplicável à situação de facto terá de ser a especial - que, por este motivo, afasta a aplicação da norma geral.
Esta relação de especialidade entre a norma do artigo 134.º, n.º 1, e a do artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT existe desde a entrada em vigor deste diploma, apesar da diferente redação que esta última norma tinha inicialmente.
Até à entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT dispunha que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código. Nesta redação, a relação de especialidade existia em relação ao «Objecto da impugnação», epígrafe do dito artigo 134.º do CPPT, que, como se disse, previa, como prevê e sempre previu, a impugnação dos actos de fixação dos valores patrimoniais no prazo de 90 dias.
Ou seja: apesar de, à data, na prática a questão ser quase irrelevante, uma vez que nas duas normas o prazo para deduzir a Impugnação Judicial era de 90 dias, a impugnação da segunda avaliação já era efetuada ao abrigo do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT e não do 102.º n.º 1, alínea e).
Neste sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Novembro de 2012, processo n.º 716/12, em cujo ponto 1 do sumário se afirma que “de acordo com o disposto nos artigos 77.º do CIMI e 134.º do CPPT, do resultado das segundas avaliações cabe Impugnação Judicial, a deduzir no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, podendo esta ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.”
No mesmo sentido, em anotação ao preceito relativo à fixação do valor da causa, pode ver-se JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, Áreas Editora, 2011, nota 6 ao artigo 97.º-A: “A impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais está prevista no artigo 134.º do CPPT”.
Tendo o legislador, em 2012, optado por alterar o prazo de Impugnação previsto no artigo 102.º do CPPT de 90 dias para 3 meses, mantendo inalterado o prazo de Impugnação previsto no artigo 134.º, n.º 1, de 90 dias, nenhuma transformação sofreu o modo de efetivar a garantia contenciosa prevista no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI.
Daí que “do resultado das segundas avaliações cabe Impugnação Judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, isto é, ao abrigo da norma especial do artigo 134.º, n.º1, do CPPT, no prazo de 90 dias, antes e depois da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, uma vez que a alteração promovida por esta Lei foi efetuada à norma geral de impugnação de atos autónomos, que não à norma especial de impugnação do ato que, em segunda avaliação, fixa o valor patrimonial tributário de um prédio.» (fim de citação).

No caso vertente, ao invés do que é alegado pela recorrente, os vícios invocados na impugnação têm como referente a ilegalidade das avaliações do valor patrimonial tributário dos componentes do Parque Eólico do Caramulo.
É o que resulta com evidência da petição inicial, em que se deduz impugnação judicial contra o resultado da 2ª avaliação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos tipo “outros” que compõem o referido parque eólico e do respectivo pedido em se requer a «anulação do resultado da segunda avaliação dos VPTs dos prédios urbanos tipo "outros", inscritos na matriz predial urbana sob a designação P-1461, P-1462 da extinta freguesia de Caparrosa, P-524, P- 525, P-526 e P-527 da extinta freguesia de Silvares e P-1658, P-1659, P-1660 e P-1661 da freguesia de Guardão, todos do concelho de Tondela».
Em face do exposto entendemos que no caso concreto, porque está em causa a impugnação contenciosa de acto de avaliação em que foi fixado o valor patrimonial de prédios, o prazo de impugnação aplicável é o previsto no artº 134º, nº 1 do CPPT, ou seja 90 dias.
Assim, resultando do probatório que a impugnante foi notificada em 07/11/2014, o prazo de 90 dias previsto no artº 134º, nº 1 do CPPT terminou em 05/02/2015.
E considerando que o prazo de impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial, pelo que não lhe é aplicável o art. 139º, nº 5, do CPC, que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa (Neste sentido vide, entre outros, os Acórdãos de 13.03.2013, recurso 836/12, de 30/01/2013, procº 951/12, de 28/11/12, procº 571/12, de 16/05/12, procº. 291/12, de 14/3/2007, proc nº 831/06; 30/5/2007, proc nº 238/07; 16/4/2008, proc nº 77/08; 29/10/2008, proc nº 458/08; e 7/9/2011, proc nº 677/10. todos in www.dgsi.pt.), forçoso é concluir que a impugnação, apresentada em 06/02/2015, é intempestiva.
Haverá pois que confirmar a sentença recorrida, ainda que com outra fundamentação.

7. Do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça
De harmonia com o disposto no nº 7 do art. 6° do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se de uma dispensa excepcional que, podendo ser oficiosamente concedida (à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no n.º 7 do art.º 7.º), depende sempre de avaliação pelo juiz, pelo que haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão (Conforme admite Salvador da Costa, RCP anotado, 5.ª ed., 2013, em anotação ao preceito).

No âmbito do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigida (Neste sentido, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 15.10.2014, recurso 1435/12, in www.dgsi.pt.).
Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do actual CPC (art. 447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso subjudice verificam-se esses requisitos.


Por um lado a conduta processual das partes no recurso não merece censura que obste a essa dispensa.
Por outro lado, pese embora a tramitação processual tenha sido, no essencial, uma tramitação regular própria dos recursos jurisdicionais, no caso concreto dos autos, o recurso teve como objecto a questão da caducidade do direito à impugnação judicial em que se questionava o valor patrimonial fixado em segunda avaliação de prédios inscritos na matiz predial urbana, questão essa que não era nova e fora já objecto de jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal, a qual condicionou a decisão proferida nos presentes autos.

Em face do exposto, a questão tratada no presente recurso pode ser considerada de complexidade inferior à comum, justificando-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça na medida em que o montante da taxa devida se mostra desproporcionado em face do concreto serviço prestado.
Neste contexto, entendemos que estão preenchidos os requisitos exigidos pelo mencionado nº 7 do art. 6º do RCP, para que possa dispensar-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

8. Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso interposto da sentença de fls. 303 e segs., e deferir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – António Pimpão – Ascensão Lopes.