Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02154/16.5BEPRT
Data do Acordão:01/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
PRAZO
Sumário:I - O prazo de 6 meses a que se refere o artigo 36º, n.º 2 do RCPIT para a conclusão do procedimento inspectivo, tem uma natureza meramente ordenadora ou disciplinadora;
II - Não sendo impugnada a matéria de facto que as instâncias consideraram relevante para a aplicação do disposto no artigo 45º, n.º 5 da LGT, o que sempre determinaria a aplicação de tal norma, não se pode concluir pelo erro de julgamento apontado à decisão recorrida.
Nº Convencional:JSTA000P28770
Nº do Documento:SA22022011202154/16
Data de Entrada:05/26/2021
Recorrente:A..........., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

B………….., na qualidade representante na cessação da extinta sociedade A……….., Lda., Impugnante no processo em referência, tendo sido notificada da douta sentença que julga improcedente a impugnação e não podendo com ela conformar-se, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído:
A) A douta sentença sob recurso incorre em erro de julgamento, interpretando e aplicando mal o disposto no art.º 36.º, n.º 2, do RCPITA, ao considerar que a ultrapassagem do prazo legal para a conclusão do procedimento de inspecção tributária não produz efeitos invalidantes dos actos tributários que se baseiem nesse procedimento
B) A norma que se extrai do n.º 2 do art.º 36.º do RCPITA, quando interpretada nos termos em que o é na douta sentença sob recurso, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da protecção da confiança e do justo equilíbrio entre a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos particulares.
C) Tendo a notificação das liquidações impugnadas ocorrido depois de decorridos 4 anos a contar do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art.º 45.º da LGT, caducou direito à liquidação, o que deveria ter determinado a procedência da impugnação.
D) A douta sentença, ao julgar improcedente a impugnação com fundamento na aplicação ao caso do disposto no n.º 5 do art.º 45.º da LGT, incorreu em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação deste preceito legal.
E) A douta sentença recorrida incorre ainda em erro de julgamento ao considerar que recai sobre a Recorrente o ónus da prova da caducidade do direito à liquidação, nomeadamente que estão afastadas as condições para a aplicação do invocado n.º 5 do art.º 45.º da LGT.
F) O alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação a que se refere o n.º 5 do art.º 45.º da LGT só é aplicável quando:
- haja identidade entre os factos que estão na base da instauração do inquérito criminal e os que estão na base dos actos de liquidação;
- da fundamentação dos actos de liquidação conste a identificação de tais factos, recaindo o respectivo ónus sobre a AT;
- haja uma relação de prejudicialidade entre a investigação criminal e os actos tributários, de tal modo que estes não se tornem possíveis sem aquela investigação;
G) A douta sentença sob recurso, ao considerar aplicável ao caso dos autos o n.º 5 do art.º 45.º da LGT, incorreu em erro de julgamento, violando tal preceito legal.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida.

Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre decidir.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório da sentença recorrida.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Quanto ao erro de julgamento suscitado nas conclusões A) e B), pode-se afirmar que o mesmo é claramente improcedente uma vez que o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 514/08, datado de 22/10/2008, já esclareceu que a interpretação normativa do disposto no artigo 36º, n.º 2 do RCPIT que qualifica o prazo de 6 meses para a conclusão do procedimento inspectivo, como tendo uma natureza meramente ordenadora ou disciplinadora não ofende o princípio da proporcionalidade, em qualquer uma das suas vertentes de necessidade, adequação e de justa medida, nem o princípio da igualdade (artigo 13º, da CRP) e o princípio da justa repartição de custos entre o interesse público e os particulares (artigo 266º, n.º 1, da CRP), nem, ainda, o princípio da confiança e da segurança jurídica, decorrente da noção de Estado de Direito Democrático (artigo 2º da CRP).
Ou seja, o erro de julgamento assim imputado à sentença recorrida improcede.

Quanto à questão da aplicação do artigo 45º, n.º 5 da LGT [sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 (4 anos) é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano] ao caso dos autos escreveu-se na sentença recorrida:
No que concerne a suspensão do prazo do direito de liquidação, por via do art. 45.º n.º 5 da LGT, por se encontrar a decorrer processo criminal, concretamente o Proc. de Inquérito n.º 25/2012.3IDPRT, há, então, que verificar se é possível estabelecer identidade entre os factos averiguados no mencionado Inquérito e os factos tributários que, no seguimento do processo inspetivo deram origem à liquidação de IVA impugnada.
Vai neste sentido, da exigência de uma identidade objetiva – entre os factos tributários e os factos objeto de inquérito criminal –, a jurisprudência do STA no que respeita à interpretação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT. (cfr. Acórdão do STA, de 11 de maio de 2016, Rec. n.º 1071/14)
Apreciando o Oficio n.º 007507819, de 24.09.2020, do MP – DIAP 6ª secção do Porto e a informação prestada pela Divisão de Processo e Crimes Fiscais em 12.06.2016, facto C), o processo de inquérito sob escrutínio, foi instaurado em 14.03.2012 com o nº 25/2012.3IDPRT, conforme facto provado em B), tendo sido constituídos arguidos “C…………..” e as sociedades de que era sócio/gerente, entre as quais a “A…………, Ld.”, aqui Impugnante, estando os autos em causa suspensos nos termos do art. 47.º do RGIT à data de 14.10.2020.
Apesar do exposto, a Impugnante vem alegar que, “(…) a instauração do inquérito criminal visou exclusivamente factos relativos à sociedade D……… – Investimentos Imobiliários, Lda., e ao ano de 2007 e não a quaisquer factos relativos à extinta sociedade A…………, Lda., ou, em todo o caso, aos factos a que respeite o suposto direito à liquidação.”, citando o oficio dado como reproduzido no facto N).
Todavia, a jurisprudência do STA esclarece que, “Não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, uma identidade subjetiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.” – Acórdão STA Proc. n.º 073/16, de 06.12.2017.
Por conseguinte, do oficio dado como reproduzido em B), retira-se que a Impugnante é efetivamente arguida no processo de inquérito 25/12.3IDPRT, estando em causa o crime de fraude fiscal por factos praticados nos anos 2008 e 2009, em consonância com os restantes documentos constantes do PA apenso aos presentes autos, que sustentam que a Impugnante, fazendo parte do “Grupo A………”, foi inspecionada pela AT e posteriormente alvo das investigações realizadas no âmbito do referido processo de inquérito.
Assim, o oficio junto pela Impugnante, dirigido a outro processo, não permite atestar, que não estão em causa no Proc. de Inquérito n.º 25/12.3IDPRT, os mesmos factos que sustentaram a liquidação adicional de IVA impugnada, mesmo estando em causa IRC, dado que, fiscalmente, o valor do volume de negócios do ano de 2008 da empresa, tem implicações em sede de IVA.
Posto isto, cabendo à Impugnante o ónus da prova, de forma a contrariar o constante das informações e pareceres consignados no PA, nos termos do art. 74.º n.º 1 da LGT, art. 342.º n.º 1 do CC, e 100.º do CPPT, para efeitos de prova da caducidade do direito à liquidação, não constam dos autos elementos que permitam estabelecer a inveracidade dos mesmos.
Desta forma, da prova produzida não se infere a caducidade do direito à liquidação, à data da sua notificação em 09.09.2014, facto M), beneficiando por isso a AT do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação, por não ter sido, à data, arquivado ou existir sentença transitada em julgado no Proc. de Inquérito n.º 25/12.3IDPRT, resultando do probatório estar o mesmo suspenso à data de 14.10.2020.

Não vinda impugnada a matéria de facto, nem as ilações de facto que na sentença recorrida se retiraram da matéria dada como provada, e tal como consta da sentença recorrida que a impugnante não carreou para os autos outros elementos de prova que contradissessem os factos constantes, e relevantes, da documentação determinante para a seleção da matéria de facto, no que respeita a esta questão, também não pode agora este Supremo Tribunal concluir de forma diferente face aos elementos probatórios juntos aos autos, cfr. facto B).
Ou seja, na sentença recorrida concluiu-se que estando factualmente demonstrada nos autos a aplicação do disposto naquele artigo 45º, n.º 5, incumbia à recorrente a prova de factos que contrariassem tal realidade, o que não conseguiu, não se podendo agora concluir que ocorra um erro de julgamento quanto a esta questão.
Improcede também o recurso nesta parte.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2022. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.