Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:079/10
Data do Acordão:09/29/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRS
RETENÇÃO NA FONTE
NÃO RESIDENTE
SOCIEDADE COMERCIAL
RESPONSABILIDADE DO SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - No pagamento, por sociedade comercial nacional, de rendimentos auferidos por não residente, a retenção na fonte, para efeitos de IRS, a que haja lugar, assume a natureza definitiva e liberatória, por força do disposto nos artº 2º, nº 3, al. a) e 71º, nº 2 do CIRS.
II - A responsabilidade da referida sociedade, na sua qualidade de substituto, pelo pagamento do tributo em causa, só pode ser uma responsabilidade originária, pelo que o substituído só será chamado a pagar esse tributo, a título subsidiário, no caso de àquela não o ter feito, conforme resulta dos artºs 28º, nº 3 da LGT e 103º, nº 3 do CIRS.
Nº Convencional:JSTA00066607
Nº do Documento:SA220100929079
Data de Entrada:02/02/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART2 N3 ART71 N2 ART103 N2 N3.
LGT98 ART28 N1 N2 N3 ART20.
CPPTRIB99 ART15 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC362/09 DE 2009/09/09.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG953.
MANUEL FAUSTINO O DEVER DE RETENÇÃO NA FONTE 2003 PAG87.
RUI DUARTE MORAIS SOBRE O IRS 2ED PAG93.
DIOGO FEIO A SUBSTITUIÇÃO FISCAL E A RETENÇÃO NA FONTE O CASO ESPECÍFICO DOS IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO PAG228.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 - A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal da Braga que concedeu provimento à impugnação judicial que a firma A… Lda, melhor identificada nos autos, deduziu contra o acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 2004, no valor de € 54.099,28, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
I. Os rendimentos auferidos a título de remuneração pelo exercício de funções em órgãos estatutários de pessoas colectivas e entidades equiparadas estão sujeitos a tributação em sede de IRS como rendimentos da categoria A (trabalho dependente), nos termos do disposto no art. 2º, nº 3, alínea a) do CIRS.
II. Sendo tais rendimentos auferidos por não residente em território nacional e sendo a entidade pagadora dos mesmos uma sociedade comercial com sede neste mesmo território a retenção na fonte a que haja lugar assume uma natureza definitiva ou liberatória, nos termos do disposto nos arts. 2º, nº 3, alínea a) e 71º, nº 2 ambos do CIRS.
III. Nos casos em que a substituição tributária opere por retenção na fonte a título definitivo a responsabilidade do substituto tributário pelas importâncias não retidas é originária, nos termos do previsto nos arts. 103, nº 3 do CIRS e 28º, nº 3 da LGT,
IV. Sendo que ao substituído a lei apenas atribui responsabilidade tributária subsidiária e, ainda assim, apenas relativamente à diferença entre o que deveria e o que foi efectivamente retido.
V. Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foram violados os arts. 2º, nº 3, alínea a), 71º, nº 2 e 103º, nº 3 todos do CIRS e o art. 28º, nº 3 da LGT.
VI. Destarte é entendimento da Fazenda Pública que se revela como legalmente efectuada a tributação nos exactos moldes que o foram e que constam do acto tributário ora em crise.
Não houve contra alegações.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1- A impugnante foi notificada da nota de liquidação n° 200800001507613 emitida pelo 2° Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão, para pagar o valor de € 54.099,28.
2- A quantia referida reporta-se a IRS relativo a rendimentos pagos a B…, no ano de 2004.
3- Os referidos rendimentos foram pagos a título de remuneração pela gerência.
4- Aquele B… tem nacionalidade alemã, e residiu no seu país no ano a que respeitam os rendimentos.
5- Designadamente, não permaneceu naquele ano em Portugal mais de 182 dias,
6- A impugnante é uma sociedade constituída de acordo com o direito português, com domicílio fiscal em Portugal, país onde exerce a sua actividade.
7- O Fisco alemão tem pretensões a tributar os rendimentos em causa nos autos.
8- A partir de Julho de 2003, na sequência da entrada em vigor do DL 80/2003 de 23-04, a impugnante deixou de fazer retenção na fonte sobre as remunerações pagas ao referido B…, o que vinha fazendo pelo menos desde 1990.
Matéria de facto não provada:
1- O referido B… pagou imposto sobre os rendimentos em causa nos autos, na Alemanha.
2- Está pendente de decisão o recurso hierárquico apresentado por aquele sujeito passivo em 08/02/2006.
3 – A questão que constitui objecto do presente recurso consiste, apenas, em saber se, a falta de retenção na fonte e entrega de IRS das remunerações pagas ao sócio-gerente, não residente, da impugnante, assume a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final e, nessa medida, a responsabilidade do substituto (a aqui impugnante) é meramente subsidiária.
Na sentença recorrida, em suma, decidiu-se que, tendo a retenção na fonte em causa sido efectuada a título de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária e ao substituto (a impugnante) a responsabilidade subsidiária pelo imposto não retido, tudo atento o disposto nos artºs 4º, nº 1, 23º e 28º, nº 2 da LGT e 103º do CIRS.
Alega, porém e em suma, a recorrente FP que, sendo a entidade pagadora dos rendimentos auferidos a título de remuneração pelo exercício de funções em órgãos estatutários de pessoas colectivas auferidos por não residentes em território nacional uma sociedade comercial com sede neste mesmo território, a retenção na fonte a que haja lugar assume uma natureza definitiva ou liberatória, nos termos do disposto nos artºs 22º, nº 3, al. a) e 71º, nº 2 do CIRS.
Para concluir que, nos casos em que a substituição tributária opere por retenção na fonte a título definitivo, a responsabilidade do substituto tributário pelas importâncias não retidas é originária, nos termos do previsto nos artºs 103º, nº 3 do CIRS e 28º, nº 3 da LGT, sendo que ao substituído a lei apenas atribui responsabilidade tributária subsidiária, e, ainda assim, apenas relativamente à diferença entre o que deveria e o que foi efectivamente retido, como bem anota o Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer.
Vejamos se lhe assiste razão.
4 - No caso, resulta provado que o substituído não tem residência permanente em Portugal, mas sim na Alemanha.
A substituta, ora impugnante, é uma sociedade que tem a sua sede em Portugal, e pagou, durante o ano de 2004, ao substituído rendimentos a título de remuneração da sua gerência.
Ora, nos termos do artº 2º, nº 3 do CIRS, na redacção de então, consideram-se rendimentos do trabalho dependente “as remunerações dos membros dos órgãos estatuários das pessoa colectivas e entidades equiparadas”.
Por sua vez, estabelece o artº 71º, nº 2 do mesmo diploma legal que “os rendimentos de trabalho dependente…auferidos por não residentes em território português” estavam sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%.
Por outro lado, dispõem os artºs 103º, nº 2 do CIRS e 28º, nº 2 da LGT que, “quando a retenção for efectuada meramente a título de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituo a responsabilidade subsidiária, fincando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior”.
E estes mesmos preceitos legais acrescentam no seu nº 3 que “nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram”.
Da conjugação dos citados preceitos legais, nomeadamente do seu teor literal, é inequívoco que a questão da responsabilidade (originária ou subsidiária) em caso de substituição se prende com o facto de saber se a retenção foi efectuada meramente a título de pagamento por conta do imposto devido a final ou se assume, antes, carácter liberatório ou título definitivo.
É questão não pacífica na doutrina, embora se reconheça ser hoje maioritária a posição no sentido propugnado pela recorrente.
Escreve Jorge Sousa, in CPPT anotado, 5ª ed., vol. I, pág. 953, citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, que, “No caso do IRS, a natureza do pagamento por conta da retenção na fonte está genericamente prevista no n.º 1 do art. 98.º do CIRS, apenas não tendo tal natureza os rendimentos sujeitos a taxas liberatórias especiais, previstos no art. 71.º do mesmo Código”.
Por outro lado, também Manuel Faustino, in O Dever de Retenção na Fonte, ed. 2003, pág. 87, refere que “nos rendimentos de trabalho…a retenção é efectuada por uma taxa de natureza liberatória, geralmente aplicada por terceiros no âmbito da substituição tributária”.
Ainda recentemente, esta Secção do STA, no Acórdão de 9/9/09, in rec. nº 362/09, citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, decidiu que “Na substituição tributária em sentido próprio (a título definitivo ou liberatória)…, constitui a regra para os rendimentos auferidos por não residentes em Portugal (mesmo em IRC, nas situações de rendimentos devidos a entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português), a lei põe a cargo do “substituto” o cumprimento da generalidade dos deveres tributários - de liquidação, declarativos, de entrega do imposto retido -, interessando-se pelo “substituído”, o verdadeiro titular da capacidade contributiva onerada pelo imposto, somente no caso de não ter sido efectuada a retenção legalmente devida e apenas a título subsidiário (cfr. o artigo 28.º, n.º 1 e 3 da LGT), pois que lhe é mais simples e cómodo demandar o “substituto” que o “substituído”, sendo isso especialmente verdade quando este seja um “não residente” (sendo igualmente razoável admitir que…aos não residentes seria mais difícil empreender a defesa dos seus direitos perante a Administração tributária e os tribunais portugueses, ao menos por dificuldades linguísticas e de desconhecimento do sistema jurídico nacional), e a retenção na fonte a título definitivo tem vantagens em termos de comodidade para o Fisco e o substituído (não as tendo, apenas, para o substituto).
Não pode, pois, afirmar-se sem mais que, ao menos nos casos de verdadeira e própria substituição tributária, que o “substituto” apenas é prejudicado quando haja entregue imposto superior ao retido, pois que é igualmente responsável, perante o Estado, mas também perante o “substituído” (…necessariamente resultante das regras da responsabilidade civil), quando haja cometido ilegalidades na liquidação, quer estas ilegalidades se traduzam na retenção de quantias superiores ou inferiores às devidas, quer se traduzam na retenção de quantias indevidas, quer ainda quando consistam em atrasos na retenção a que está obrigado, pois por todas elas responde exclusivamente ou em primeira linha (cfr. o artigo 28.º da LGT), inclusivamente no plano contra-ordenacional (cfr. o artigo 114.º, n.º 4 e n.º 5 alínea a) do RGIT”.
Mas se assim é, estando em causa, no caso em apreço, rendimentos auferidos por não residente pagos por uma sociedade comercial com sede neste território, a retenção na fonte a que haja lugar assume, necessariamente, natureza definitiva e liberatória, por força do disposto nos artºs 2º, nº 3, al. a) e 71º, nº 2 do CIRS e não de pagamento por conta, como se decidiu na sentença recorrida.
E, em consequência, a responsabilidade da impugnante, na sua qualidade de substituto, pelo pagamento do tributo em causa só pode ser uma responsabilidade originária, pelo que o substituído só será chamado a pagar esse tributo no caso de aquele não o ter feito, conforme resulta do disposto nos artºs 103º, nº 3 do CIRS e 28º, nº 3 da LGT.
Aliás e a este propósito, escreve Rui Duarte Morais, in Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, pág. 93, que “nestes casos, o cumprimento da obrigação de imposto (incluindo o das inerentes obrigações acessórias) cabe, em exclusivo, ao substituto, que é o sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, a título originário. O cumprimento esgota-se com a entrega do montante retido na fonte.
Na falta de pagamento voluntário, a cobrança coerciva será dirigida contra o substituto. O substituído só será chamado à execução a título subsidiário (na falta de bens do devedor originário, o substituto) e, apenas, se - e na medida em que - tiver recebido mais do que aquilo que seria o valor dessa prestação líquida da retenção na fonte que deveria ter tido lugar (cfr. art. 28.º da LGT).
Esta situação ocorre, no IRS, em dois tipos de casos (art. 71.º):
- o da generalidade dos rendimentos auferidos em Portugal por não residentes, o que se mostra perfeitamente correcto, uma vez que, para eles, o IRS não pretende ser um imposto pessoal, antes se limitando a efectuar uma tributação de tipo real (portanto, taxas proporcionais, liberatórias) dos rendimentos cuja fonte se considere situada no nosso país…”
Também Diogo Feio refere, in A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: O Caso Específico dos Impostos Sobre o Rendimento, Temas e Monografias 1, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, pág. 228 e segs., que, “Em relação à substituição fiscal no sentido clássico, a responsabilidade exclusiva do substituto, para os casos em que se efectua a retenção sem a posterior entrega da quantia ao Estado, é uma solução adequada e que está de acordo com o enquadramento em que se deve inserir esta figura. De facto, o substituto é o devedor originário na relação jurídica tributária e o substituído desaparece da primeira linha da mesma. Este sujeito passa a ocupar apenas uma posição meramente secundária que se deve materializar numa simples responsabilidade subsidiária. A mesma apenas pode aparecer no caso do substituído ainda não ter sofrido o sacrifício económico, derivado da operação material de retenção, e o substituto não ter no seu património bens suficientes para cumprir o dever de pagamento da dívida…
Para o instituto que temos vindo a denominar de retenção na fonte devemos igualmente tomar em atenção duas hipóteses, a de efectuação da retenção sem entrega do montante devido ao Estado e a da falta de retenção. Começamos por salientar que na situação de falta de retenção na fonte nos parece mais correcta a consideração da responsabilidade isolada do retentor. Como apoio a esta posição, e acima de tudo à visão crítica do texto do n.º 2 do artigo 15.º do CPPT (leia-se artº 20º da LGT), deve-se observar a configuração da figura jurídica da retenção na fonte, bem como das suas vantagens.
O primeiro elemento leva a que o retentor deva ser considerado como o único responsável pelo cumprimento desta obrigação, pois a mesma é anterior ao aparecimento da relação jurídica tributária em sentido estrito, apesar dos efeitos reflexos que a retenção na fonte tem sobre a já referida relação jurídica. A diferença da solução em relação à responsabilidade pelo pagamento na substituição fiscal em sentido clássico também se deve ao facto de ainda não existir contribuinte. Realmente parece excessivo onerar um sujeito que ainda não participa na relação jurídica tributária…”.
Pelo que e face ao exposto, não podem deixar de proceder as conclusões da motivação do recurso da FP.
5 - Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida, julgar improcedente a impugnação judicial e, em consequência, manter a liquidação impugnada.
Custas pela recorrida, apenas na instância.
Lisboa, 29 de Setembro de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – Jorge LinoCasimiro Gonçalves.