Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0648/18
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
MEMÓRIA DESCRITIVA E JUSTIFICATIVA
Sumário: I – Soçobra a pretensão da autora de que a proposta triunfante num concurso público fosse excluída em virtude dos seus preços parcelares procederem de uma divisão incompleta se, atenta a memória descritiva e justificativa que acompanhou tal proposta, for de concluir que aí se efectuara uma divisão esgotante daqueles preços, embora um dos membros dividentes aparecesse designado por um nome sugestivo de que se dividira imperfeitamente.
II – Assente que a invocada causa de exclusão consistia numa mera «quaestio nominis», não é de admitir a revista em que a autora ataca o acórdão que – mediante interpretação conjunta dos preços indicados e daquela memória – reconheceu que o modo como a concorrente vencedora apresentara os preços parcelares não justificava a exclusão da sua proposta.
Nº Convencional:JSTA000P23539
Nº do Documento:SA1201807120648
Data de Entrada:06/27/2018
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LAGOS E B....., S.A.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:

A……., Ld.ª, interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul confirmativo da sentença do TAF de Loulé que julgara improcedente a acção de contencioso pré-contratual por ela intentada contra o Município de Lagos e a adjudicatária B…….., SA – pleito onde a autora preconizava que se excluísse a proposta vencedora e que se lhe adjudicasse o serviço posto a concurso, relacionado com o tratamento de 434 palmeiras.

A recorrente pugna pela admissão da revista por ela recair sobre uma «quaestio juris» relevante – a possibilidade ou não de, por via dedutiva, discernir numa proposta o que nela objectivamente não está e cuja falta é, «in abstracto», motivo de exclusão – e, alegadamente, mal decidida pelo tribunal «a quo».
Não houve contra-alegação.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
A autora e aqui recorrente apresentou-se ao concurso público aberto pelo Município de Lagos para a aquisição de serviços visando o tratamento de 434 palmeiras. Atendendo aos preços propostos, tais serviços foram adjudicados à recorrida particular B………, ficando a proposta da autora graduada a seguir. Ora, esta vem defendendo «ab initio litis» que a proposta vencedora devia ter sido excluída por não autonomizar os preços parcelares propostos, como seria exigível. Assim, e na óptica da autora, tal proposta classificada em 1.º lugar seria ofensiva das regras do concurso – fosse pelo seu conteúdo, que delas se afastava, fosse até pela sua provável natureza de proposta variante, absolutamente proibida – daí advindo a necessidade de se anular o acto de adjudicação, atacado «in judicio», e de se condenar o município a adjudicar o serviço à concorrente posicionada em 2.º lugar.
As instâncias recusaram unanimemente que a proposta vencedora devesse ser excluída, pois a memória descritiva que a acompanhara e integrara possibilitava um esclarecimento cabal sobre o modo como aí se formou o preço unitário proposto. E essa solução das instâncias – embora muito criticada na revista – afigura-se-nos plausível, como melhor veremos «infra».
O concurso visava o tratamento de 434 palmeiras, 256 das quais seriam objecto de um cuidado apenas fitofármaco, enquanto as 178 restantes receberiam um tratamento misto – fitofármaco durante sete meses do ano e biológico nos cinco meses restantes.
Ao apresentar os seus preços, a B…….. dividiu as 434 palmeiras em dois grupos: as 178 que receberiam um tratamento biológico e as 256 que receberiam um tratamento químico. E, perante este modo de apresentar o assunto e os preços parcelares, a autora vem insistindo que a proposta vencedora olvidou os sete meses em que aquelas 178 palmeiras receberiam – «ex vi» das regras do concurso – um tratamento fitofármaco.
Contudo, essa indicação das 178 palmeiras que seriam alvo de um tratamento biológico podia simplesmente traduzir uma autonomização delas das demais – as outras 256, que só seriam objecto de um tratamento fitofármaco; sem que tal autonomização significasse que aquelas 178 palmeiras a tratar biologicamente não devessem também receber um tratamento fitofármaco (durante sete meses do ano). E, olhada a divisão nesta perspectiva, dever-se-á então concluir que a designação dessas 178 palmeiras mediante a expressão «com tratamento biológico» seria meramente nominal – pelo que o problema não excederá o «de dicto», resumindo-se a uma «quaestio nominis»..
Com efeito, e em termos lógicos, nada impedia a B…….. de dividir as 434 palmeiras em dois grupos, pondo num as que nunca receberiam tratamento biológico e agrupando no outro as que o receberiam (mesmo que só em parte do ano). Ora, essa possibilidade, logicamente admissível, era realizável pela B……… devido ao modo como ela calculou os seus preços parcelares. E não só era realizável como foi, aparentemente, realizada – pois a memória descritiva e justificativa que constou da proposta vencedora mostrava que os preços parcelares dela não haviam esquecido que as 178 palmeiras alvo de tratamento biológico seriam ainda objecto de um tratamento químico durante sete meses em cada ano.
Tudo isto reforça a credibilidade do que as instâncias decidiram. Até porque a recorrente falha manifestamente ao recusar «in limine» que o conteúdo de quaisquer propostas possa atingir-se através de interpretação. É, decerto, preferível dizer as coisas com imediação e clareza; mas, quando assim não suceda, é legítimo e exigível recorrer à «interpretatio» ou considerar mesmo significados implícitos – desde que assim seguramente se capte o sentido genuíno do que se declarou. E este ponto não suscita dúvidas, o que logo exclui que o Supremo devesse desvanecê-las.
Consequentemente, não se justifica submeter o aresto «sub specie» a reapreciação; e antes deve prevalecer, «in casu», a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.