Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01477/17
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:LISTA DE ANTIGUIDADE
RECLAMAÇÃO
PRAZO
Sumário:Uma determinada lista anual de antiguidade, ainda que seja lesiva dos direitos e interesses de uma pessoa que consta dessa específica lista por conter dados errados a seu respeito, não poderá ser atacada se já se tiver esgotado o prazo de impugnação normalmente aplicável à impugnação judicial dos actos administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P23303
Nº do Documento:SA12018051701477
Data de Entrada:02/09/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A………, devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAN, de 23.06.17, que decidiu “julgar procedente o recurso, revogando a sentença e julgando improcedente a acção”.
Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF do Porto, de 22.02.17, que decidiu julgar “procedente a presente acção e, consequentemente”: i) anular “o acto que procedeu ao desconto de 444 dias para efeitos de concurso referentes a falta por motivo de doença dadas nos anos lectivos de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010”; e ii) condenar “o Réu a praticar novo acto, procedendo a nova contagem, tendo em consideração que os períodos em que a Autora esteve de baixa médica equivalem a prestação efectiva de serviço”.
Nessa acção administrativa que interpôs no TAF do Porto a A., ora recorrente, peticionou, a final:
“a) a condenação do Exmo. Senhor Director do Agrupamento de Escolas de …………, à prática do acto administrativo requerido (decisão sobre o requerimento de 12/2014) onde se solicita a anulação do acto de desconto dos 444 dias para efeitos de concurso referentes aos anos lectivos de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010;
b) a condenação do Réu ao deferimento da pretensão da Autora manifestada nesse requerimento conforme acima se peticionou;
c) a condenação do Réu no pagamento de custas e demais encargos com o processo.
(…)”.
Na sua contestação, o R. Ministério da Educação deduziu a excepção da inimpugnabilidade do acto do seguinte modo: “Na presente ação, o ‘ato’ impugnado pela A. não consubstancia a prática de nenhum acto administrativo de indeferimento expresso, limitando-se a reproduzir e esclarecer entendimento de atuação anterior, que já era do conhecimento da A., pelo que o mesmo não é suscetível de ser impugnado nos termos previstos no n.º 1 do artigo 53º do CPTA, o que constitui exceção dilatória (insuprível) prevista na alínea i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e, nessa medida, obsta ao prosseguimento da presente ação, o que desde já se invoca para os devidos efeitos”.
A dita excepção foi considerada improcedente em sede de despacho saneador de fls. 49 e ss. dos autos. Aí se disse o seguinte:
“Aventou-se nos autos a possível existência de excepção de inimpugnabilidade do acto em crise.
No entanto, efectivamente, tal questão afigura-se como mero preciosismo, uma vez que com a reforma operada com a entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o cerne da acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos passou a ser a condenação à prática do acto devido, verdadeiro objecto da presente acção.
Neste caso, a Autora pretende ver-lhe contados 444 dias que lhe foram descontados ao tempo de serviço para efeitos de concurso, conforme informação datada de 18.12.2015, junta aos autos como doc. 2, a fls. 14/15 dos autos físicos.
Pode-se argumentar, como pretende o Réu, que a lista de antiguidade é, em si mesmo, impugnável, no entanto a intelegibilidade da mesma e os fundamentos fáctico-jurídicos que lhe subjazem apenas se prefiguram claros após o esclarecimento ora prestado.
Ainda que, em abstracto, se prefigurasse alguma utilidade em determinar a correcção da p.i. apresentada, no sentido de ser cabalmente identificado o acto que é posto em crise, não poderemos olvidar que o verdadeiro objecto da presente acção [a condenação à prática de acto que lhe defina a pretensão (material)] sempre se manterá como sendo uma constante, transversal e ao mesmo tempo transcendente à escolha entre o(s) acto(s) que se prefigura(m).
Assim sendo, considero improcedente a aventada excepção de inimpugnabilidade do acto em crise”.
Esta decisão não foi objecto de recurso por parte do ME.
2. A recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 124 a 125):
“1 – A Autora é professora do ensino público, exercendo funções no Agrupamento de Escolas de ……...
2 – Em Dezembro de 2015 requereu ao Senhor Director do Agrupamento a rectificação da sua contagem de tempo de serviço, concretamente que lhe fossem contabilizados 444 dias de serviço referentes aos períodos de doença que sofreu nos anos escolares de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010.
3 – Tendo obtido a decisão impugnada nestes autos, a docente não se conformou, porquanto considera que a mesma é violadora da Lei.
4 – O artigo 103.º do Estatuto da Carreira Docente (ECD) equipara as ausências ao serviço da docente por doença/doença prolongada, a prestação efectiva de serviço, pelo que não existe nenhuma dúvida quanto à Justiça da pretensão da recorrente.
5 – O mesmo quanto à oportunidade do seu pedido, porquanto o acto é impugnável e a contagem do tempo de serviço é susceptível de ser alterada, conforme tem vindo a ser decidido pela jurisprudência acima invocada e citada.
6 – Querer atribuir às listas agora juntas a natureza de um acto administrativo entretanto consolidado na ordem jurídica contraria a natureza legal destas listas, o seu próprio conteúdo que não contem qualquer elemento que pudesse, sequer, permitir à Autora reagir contra a não contabilização das faltas por doença acima dos 30 dias e a jurisprudência maioritária e toda a mais recente.
7 – Em conformidade, concluiu bem a decisão do Tribunal de primeira instância ao decidir que «assiste razão à Autora, assistindo-lhe o direito a ver-lhe contados como prestação efectiva de serviço, os dias em que faltou por motivo de doença nos anos lectivos de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010»”.
3. O recorrido Ministério da Educação (ME), devidamente notificado, não produziu contra-alegações.
4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 18.01.18 (fls. 142 a 146), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)
3. Como se acaba de ver a divergência das instâncias no julgamento da presente acção residiu na forma como elegeram e aplicaram a legislação que regula a pretensão da Recorrente.
O TAF recorreu ao ECD e, invocando o disposto nas al.ªs b) e c) do seu art.º 103.º, considerou que as faltas por doença se consideravam ausências equiparadas a prestação efectiva de serviço e, portanto, que os dias em que a Recorrente faltara ao serviço por motivo de doença devidamente justificada deveriam ser contabilizados para os efeitos que ela reclamava. Ignorando por completo a possibilidade das listas de antiguidade poderem estabilizar-se e, após essa estabilização, não poderem ser alteradas.
Mas o TCA tomou outro caminho. Com efeito, não pôs em causa que as faltas por doença se equiparavam a prestação efectiva de serviço só que, invocando o que se estatuía no art.º 7.º do DL n.º 132/2012 e o que se decidira no Acórdão deste STA de 22/06/2006, entendeu que transcorrido o prazo de reclamação da lista anual de antiguidade sem que ela tenha sido reclamada esta, em obediência ao princípio da estabilidade e segurança das relações jurídicas, tornava-se imodificável sem prejuízo, porém, de rectificação no concernente a erros materiais. Ora, não tendo a Recorrente reclamado das listas em causa no período que o podia fazer não podia pretender a sua posterior alteração.
Deste modo, o Acórdão recorrido não pôs em causa o decidido no Tribunal de 1.ª instância no tocante à relevância das faltas ao serviço devidamente justificadas só que considerou que não era esse o aspecto da questão que resolveria a divergência suscitada nos autos e que esta tinha de ser solucionada com apelo à estabilidade das listas de antiguidade. Com efeito, o que importava realçar era a circunstância daquelas listas se estabilizarem na ordem jurídica se não fossem objecto de reclamação no tempo próprio e que não tendo as listas em causa sido objecto de reclamação as mesmas não podiam ser agora alteradas. O que tinha por consequência a impossibilidade de se relevar como tempo de serviço os 444 dias reclamados pela Recorrente.
Deste modo, e muito embora as decisões das instâncias fossem contraditórias, o certo é que essa divergência não resultou de uma diferente interpretação das mesmas normas mas, apenas e tão só, do entendimento de que a questão dos autos deveria ser resolvida com recurso a diferente legislação.
Todavia, e apesar disso, suscita-se no recurso uma questão que aconselha a admissão da revista e esta é a de saber se, efectivamente, a não reclamação da lista de antiguidade no período em que a mesma é possível determina a sua consolidação na ordem jurídica e a insusceptibilidade da sua posterior alteração. Questão que a norma invocada pelo Acórdão recorrido para decidir como decidiu não resolve directamente e que, por isso, merece ser reapreciada já que o Aresto deste STA que suportou essa decisão é insuficiente para se considerar que existe neste Tribunal jurisprudência firmada sobre esta matéria.
Acresce que a solução desta questão, como se pode ver das decisões das instâncias, envolve operações jurídicas de algum melindre e dificuldade e, por outro lado, tem ampla repercussão social por poder interessar a um grande número de pessoas e, nessa medida, poder ser facilmente replicada”.

5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

São os seguintes os factos pertinentes e provados e fixados pelas instâncias:

Os factos, fixados como relevantes na decisão recorrida:
1. A Autora é professora do ensino público, exercendo funções no Agrupamento de Escolas de …………., como docente do Quadro de Zona Pedagógica.
2. Em Dezembro de 2015, a aqui A. apresentou junto do Senhor Director do Agrupamento um requerimento a solicitar as razões da rectificação da contagem do tempo de serviço efectivamente prestado nos termos do artigo 103º do ECD, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 15/2007, de 19 de Janeiro – cfr. doc. nº 1 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Nos anos lectivos 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010, esteve, em diferentes momentos, ausente ao serviço por motivo de doença, devidamente justificada.
4. A A. após ter requerido que lhe fosse feita nova contagem, veio a receber a decisão do Director do Agrupamento de lhe descontarem os dias de ausência por motivo de doença dados nesses anos lectivos – cfr. doc. nº 2 junto aos autos com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Com vista à melhor compreensão e decisão da causa, melhor se aclara o que, vindo referenciado neste último ponto 4. do elenco fáctico supra, a autora/recorrente requereu (doc. nº 1 da p. i.), e a resposta dada (doc. nº 2 da p. i.).
Sequencialmente:
«(…)
1 - A requerente foi declarada que para o concurso de 2015/2016, tinha 8.894 dias contados a 31.Agosto.2014.

2 - Foi informada posteriormente que tal tempo terá sido alterado.
3 - Tem toda a necessidade de ter uma posição definida sobre esta questão.
Termos em que requer a V. Exa. se digne ordenar certificar qual o tempo de serviço que lhe é computado e, se foi alterado, quais os fundamentos para tanto, para efeitos de possível impugnação, em prazo não superior a 10 dias.
(…)»
«(…)
Em resposta ao solicitado, e de acordo com a informação constante nos Serviços Administrativos deste Agrupamento de Escolas, somos a informar do seguinte:


1. Em 2007/08 registam-se 173 dias de falta por doença, tendo sido descontados 143 dias para efeitos de antiguidade, concurso e progressão.

2. Em 2008/09 registam-se 231 dias por doença, tendo sido descontados 201 dias para efeitos de antiguidade, concurso e progressão.

3. Em 2009/2010 registam-se 130 dias, tendo sido descontados 100 dias para efeitos de antiguidade, concurso e progressão.

4. Com a informação B14015519V do DGAE de 04/07/2014 o tempo de serviço contabilizava, até 31/08/2014, 8894 dias.
Foi anotado que com a informação de 04/07/2014 supra-referida, o tempo era contabilizado.

5. Com a circular B15009956X de 27/03/2015 do DGAE, recebeu-se esclarecimento que estabeleceu que os atos administrativos relativos à contagem de tempo de serviço praticados a partir de 20 de janeiro de 2007 se consolidavam após um ano da sua prática, não sendo passíveis de alteração uma vez decorrido um ano após a sua prática, não devendo assim ser contabilizado nos termos e para os efeitos do artigo 103º do ECD.
No caso vertente, já tinha sido ultrapassado o ano.
Portanto, de acordo com esta orientação, os 444 dias em causa não podiam ser contabilizados.

6. Consequentemente, nas listas de antiguidade o tempo dado por faltas não foi contabilizado (conforme anexo).
Refira-se que as listas foram pedidas, e enviadas para a DGAE em 05/11/2015.
Na expectativa de terem sido prestados os esclarecimentos solicitados enviamos os melhores cumprimentos
(…)»”

2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar a questão suscitada pela ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, qual seja, a de saber se é possível pedir a recontagem do tempo naqueles casos em que não foram indevidamente contabilizadas as faltas por motivo de doença, sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 103.º do DL n.º 15/2007, de 19.01 (Estatuto da Carreira Docente – ECD), as faltas por motivo de doença devem ser computadas como serviço efectivamente prestado.
Resumidamente, o acórdão recorrido socorre-se de entendimento constante do acórdão do STA de 22.02.06, Proc. n.º 699/05, segundo o qual, “Transcorrido o prazo de reclamação da lista anual de antiguidade sem que impugnação lhe tenha sido dirigida, ela torna-se imodificável em obediência ao princípio da estabilidade e segurança das relações jurídicas, firmando-se assim na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, sem prejuízo, porém, de rectificação no que concerne a erros materiais”. Assim sendo, e porque não se verificou a impugnação das listas de antiguidade relativas aos anos de 2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010, não é possível, conforme pretende a A., proceder à recontagem do tempo de serviço relativamente a esses anos lectivos, pois as listas de antiguidade consolidaram-se na ordem jurídica.
Já a A., ora recorrente, centra a sua pretensão na afirmação de que as listas de antiguidade não são actos administrativos e, nessa medida, não se lhe aplicam os prazos de impugnação judicial. Nas suas alegações de recurso, a recorrente sustenta que “As listas de antiguidade são essencialmente actos materiais com efeitos meramente declarativos, cujos efeitos se esgotam na constatação de determinados factos, concretamente daqueles que aí são declarados”. “Assim, querer atribuir às listas agora juntas a natureza de um acto administrativo entretanto consolidado na ordem jurídica contraria a natureza legal dessas listas, o seu próprio conteúdo que não contem qualquer elemento que pudesse, sequer, permitir à Autora reagir contra a não contabilização das faltas por doença acima dos 30 dias e a jurisprudência maioritária e toda a mais recente”.
Vejamos se assiste razão à recorrente, relembrando que a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado pela ora recorrente foi considerada improcedente por saneador-sentença entretanto transitado em julgado.
As listas (anuais) de antiguidade colocam aqueles que delas constam num determinado lugar em função da contagem do tempo de serviço por cada um prestado. As listas são homologadas por quem de direito (in casu, nos termos DL n.º 132.º/2012, de 27.06, entretanto sujeito a algumas alterações), devem ser publicadas e podem ser objecto de reclamação. A natureza de acto administrativo do acto/despacho de homologação das listas de antiguidade é, a nosso ver, uma evidência, sendo este acto que define a situação jurídica de cada uma das pessoas que consta dessas listas. Tal como é evidente que, na medida em que as listas homologadas contenham dados errados, pode considerar-se estarmos perante um acto administrativo lesivo dos direitos e interesses dos administrados. Sucede, porém, que a este acto administrativo devem aplicar-se as regras normais relativas à impugnação judicial dos actos administrativos, designadamente a do prazo de impugnação e a da suspensão desse prazo como consequência de interposição de reclamação. Mais ainda, deve entender-se que se consolidam na ordem jurídica, decorrido um ano, os actos constitutivos decorrentes das contagens efectuadas, ou seja, os efeitos jurídicos já produzidos, até como forma de cumprir a exigência de tutela das posições jurídicas entretanto adquiridas por todos aqueles que igualmente constam da lista de antiguidade. Deste modo, deve concluir-se que já não é possível atacar esta específica lista anual de antiguidade com fundamento nos alegados erros de contagem do tempo de serviço que aí constam.
Em face de todo o exposto, deve improceder a pretensão de recurso da recorrente.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.