Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0547/14
Data do Acordão:10/29/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
REFORMA DA CONTA
SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
Sumário:I - A decisão jurisdicional a conhecer da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o artigo 6º, n.º 7 do RCP, deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do disposto no artigo 527º, n.º 1 do CPC;
II - Apenas pode ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene nas custas, cfr. artigo 616º do CPC, mas sempre antes da elaboração da conta;
III - Porque o acto de elaboração da conta se configura como um acto eminentemente material, sem conteúdo decisório, cujos limites são impostos pela lei e pela decisão do juiz, carece de uma decisão jurisdicional prévia que o conforma.
Nº Convencional:JSTA000P18110
Nº do Documento:SA2201410290547
Data de Entrada:05/15/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública e o Ministério Público recorrem do despacho datado de 19/07/2013, proferido no TAF de Sintra, que indeferiu a reforma da conta anteriormente requerida pelos aqui recorrentes.

A primeira, concluiu as suas alegações nos seguintes termos:

I) Conforme previsto no art. 31° n.º 6 do RCP, a decisão do incidente de reclamação cabe recurso em um grau se, como acontece no caso dos autos, o montante exceder o valor de 50 UC.

II) No caso dos autos, entende a Fazenda Pública que, efectivamente poderia e deveria constar da sentença, e demais decisões proferidas nos autos, expressamente a dispensa de pagamento do remanescente respeitante à taxa de justiça que corresponde ao valor superior ao limite estabelecido no art. 6° n.º 7 do RCP

III) As partes não tiveram no âmbito do processo um comportamento que se tivesse afastado da normalidade, ou fosse determinante de um grau de censura que implicasse o pagamento daquele remanescente.

IV) E no que se refere à complexidade da causa, como consta do Acórdão do STA de 16/01/2013, verifica-se que o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo considera que a questão a ser apreciada nos autos "não é, seguramente, particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico ( ... )."

V) Referindo-se ainda no mesmo Acórdão, mais adiante, sobre a questão em causa nos presentes autos: “E não se vê também que a matéria subjacente se tenha revelado e seja "de elevada relevância e complexidade" jurídicas susceptíveis de "suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina.", nem que a questão apreciada e decidida pelas instâncias, embora com sentidos decisórios diferentes, "seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo ( ... )"

VI) A este facto acresce referir que, este Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, não chegou a apreciar a questão jurídica trazida aos autos, tendo decidido não admitir a revista requerida pela Fazenda Pública.

VII) Assim sendo, afigura-se-nos que, também o valor das custas correspondentes a esta decisão se encontra, na conta, e ainda de forma mais evidente, desproporcionado e desrazoável atendendo às tarefas despendidas e ao serviço prestado.

VIII) Além da causa a decidir não se revestir de excepcional complexidade, eventualmente, em causas semelhantes o valor a ser considerado para efeitos de custas poderá ser substancialmente inferior, isto porque, muito embora não tenha o valor indicado pela Impugnante sido impugnado no momento próprio pela Fazenda Pública, cf. art. 305° do CPC, e não o podendo ser agora, permanece o facto de eventualmente o valor da causa, que não foi fixado na sentença de 1ª a instância, dever ter sido fixado nos termos do disposto no artigo 97°-A n.º 2 do CPPT, ainda que já não o possa ser agora.

IX) A conta nos moldes em que foi feita, ainda que conforme com o teor literal do art. 6° n.º 7 do RCP, vem a resultar numa aplicação da lei em desconformidade com a Constituição.

X) Isto mesmo foi decidido no Acórdão de 03/07/2012 do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 741/09.7TBCSC.L2-7, disponível para consulta no site www.dgsi.pt. relativamente a uma situação, a nosso ver, semelhante àquela dos presentes autos, inexistindo razões para se decidir de forma diferente.

XI) Considerando os valores a pagar naquele processo diz o referido acórdão: "São valores elevados, desrazoáveis e fora do alcance do cidadão (ou empresa) médio(a) para um concreto serviço (de justiça) do tipo do prestado; e que, a subsistir, razoavelmente se mostravam potenciadores de uma desmotivação de acesso aos meios jurisdicionais disponíveis, em moldes, do nosso ponto de vista, insustentáveis à luz do (imperativo) enquadramento constitucional.

XII) Concluindo: "Em suma: o que concluímos é que as normas dos artigos 14°, nº 1, alínea n), e 18°, nº 2, do Código das Custas, por referência à tabela do anexo I ao código, na interpretação segundo a qual, num procedimento cautelar, em incidente nele tido lugar e em recurso nele interposto, o volume da taxa de justiça se determina exclusivamente em função do valor da causa, sem qualquer limite máximo, fazendo assim ascender a conta de custas, do procedimento em 86.388,00 €, do incidente em 86.304,00 € e do recurso em 91.698,00 €, padecem de inconstitucionalidade material por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da proporcionalidade (artigo 20°, nº 1, da Constituição)."

XIII) Acrescentando: "De outro lado; que a conformidade constitucional dessas normas apenas se atinge na medida em que, em hipóteses desse tipo, seja permitido ao tribunal fixar um limite do volume daquela taxa (e portanto das custas), fazendo-o ajustar à tipologia do caso e às características adjectivas concretas; e de forma a assim o comprimir a aceitáveis proporções.

Como é bom de ver, não estamos longe da filosofia de moderação que com toda a certeza presidiu ao espírito da feitura do artigo 27°, nº 3, do Código das Custas. Fora, contudo, como dissemos, da sua exacta fatispecie temporal. "

XIV) Porém dizendo a este respeito que: "Ainda assim: não choca - bem ao invés que detectado esse espírito da norma, seja o mesmo aproveitado para suprir uma lacuna decorrente da desaplicação das normas consideradas inconstitucionais. Como, em contexto algo semelhante, se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 22 de Outubro de 2009, "é um regime equilibrado, que permite atender à complexidade dos autos e à conduta processual das partes, evitando que se atinjam montantes exorbitantes"; de todo o modo, no quadro da nossa hipótese, corresponde a uma valoração que subjaz ao quadro jurídico-normativo concretamente aplicável."

Eis, então, que por esta via se nos afigura que procede a apelação no seu essencial; que o mesmo é dizer, que a conta (final) de custas deve ser elaborada tendo em conta o valor máximo (da causa) de 250.000,00 €, sem consideração do remanescente; semelhantemente ao normativo que, em contexto paralelo, decorre da disposição do artigo 27°, nº 3, do Código das Custas Judiciais."

XV) A nosso ver na situação dos autos estamos perante uma norma similar à que estava em causa naquele acórdão, que estabelece um mecanismo de custas, sem limite máximo para a taxa de justiça a pagar, permitindo-se o seu crescimento ilimitado em função do valor da causa, e que no caso concreto levou a uma conta de custas de valores desproporcionados relativamente aos custos efectivos que o processo originou e aos serviços prestados.

XVI) É que além da taxa de justiça da responsabilidade da Fazenda Pública, foi ainda exigida à Impugnante um valor igualmente substancial.

XVII) Em face da jurisprudência acima referida e dos princípios constitucionais de proporcionalidade e de acesso aos tribunais, artigos 20°, 2° e 18° n.º 2 segunda parte da Constituição, justifica-se a reforma da conta de custas de molde a considerar os limites de 275.000€ para efeitos de cálculo da taxa de justiça devida nos autos.

XVIII) A decisão recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada o douto despacho recorrido, de forma a ser elaborada nova conta, com a limitação acima exposta, como é de Direito e Justiça.

Por sua vez, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:

I - Recorre, o Ministério Público, e exclusivamente em matéria de direito, do aliás douto despacho proferido a fls. 276 dos autos, e nos termos do qual foi indeferido o pedido de reforma da conta de custas que apresentara ao ser notificado da mesma, e ao verificar que da liquidação resultava um valor de € 143.973,00 a pagar pela Impugnante A........, SA., e de € 98.022,00, a pagar pela Fazenda Pública.

II - O Ministério Público fundamentara, então, o seu pedido de reforma na desconformidade da liquidação com o disposto no artigo 6°, n° 7, do RCP (na redacção dada pela Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro), e sob pena de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais (artigo 20°, nº 1, da Constituição).

III - As questões jurídicas que motivam o presente recurso consistem, por um lado, em saber se em sede de reclamação da liquidação conta de custas é ainda possível reformar a decisão de tributação em custas, de modo a que, e ao abrigo disposto no artigo 6°, n° 7, do RCP, não seja considerado na liquidação da conta o remanescente superior ao valor de € 275.000,00, e do acerto do que sobre tal foi decidido no despacho recorrido.

IV - Em segundo lugar, subsidiariamente e a entender-se não ser já possível, na fase da liquidação, a reforma da decisão quanto a custas, então importará saber se a interpretação das normas do artigo 6°, nº 1, e da Tabela I-A, do RCP, aplicadas no acto da elaboração da conta bem como no despacho recorrido, que a confirma, ao definir o valor das custas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de um limite máximo ao montante das mesmas, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais (artigo 20°, n° 1, da Constituição).

V - A nosso ver está em causa a interpretação e aplicação da disposição do artigo 6°, n° 7, do RCP (aditada pela Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro), nos termos do qual:

( ... )

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

VI - Na vigência do Código das Custas Judiciais (a partir da redacção dada pelo DL 324/2003, de 27 de Dezembro) existia uma disposição em tudo similar. Com efeito, e de acordo com o artigo 27°, nº 1 e 3:

( ... )

1- Nas causas de valor superior a € 250.000,00 não é considerado o excesso para efeito do cálculo do montante da taxa de justiça inicial e subsequente.

3 - Se a especificidade da situação o justificar, pode o juiz, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.

VII - Em anotação à referida norma do CCJ era entendimento do Conselheiro Salvador da Costa (Código das Custas Judiciais, Anotado e Comentado, 7ª edição, da Editora Almedina, 2004, pág. 207), que a disposição não supõe sequer o requerimento das partes para que o juiz dispense que o remanescente do valor superior a € 250.000,00 seja considerado na conta a final, podendo fazê-lo na sentença ou no despacho final, admitindo a possibilidade de fixar essa limitação na fase da contagem.

VIII - No actual quadro normativo previsto pelo artigo 6°, nº 7, do RCP, parece-nos que, e a titulo excepcional, será ainda possível na fase da liquidação da conta de custas proceder à reforma do decidido no segmento decisório da sentença relativo a custas, e de modo a não atender ao remanescente do valor superior a € 275.000,00 para efeitos do pagamento da taxa de justiça.

IX - Trata-se de uma interpretação consentida pela norma em causa, que não especifica ou não impõe que a decisão seja feita na sentença. Trata-se de, como excepção ao sistema normal de pagamento das taxas de justiça pelas partes, e de uma forma salvífica, obviar ao pagamento de taxas de justiça absurdas face ao processado dos autos e à conduta processual das partes.

X - Ora, no caso dos autos, é bom de ver que impor o pagamento de uma taxa de justiça no valor de € 143.973,00, a uma das partes, e de € 98.022,00, a outra das partes, é manifestamente exagerada face à tramitação do processo, ao grau de complexidade do mesmo, aos meios de prova apresentados, ao número de articulados, às diligências requeridas e às questões jurídicas suscitadas pelas partes. Aquele valor é manifestamente desproporcionado face ao serviço prestado pelo tribunal aos sujeitos processuais, e igualmente impeditivo do acesso à justiça por parte dos cidadãos.

XI - Assim, e nesta parte, entendemos que o despacho recorrido fez errada interpretação e aplicação das referidas disposições dos artigos 6°, n° 1, e 7, e Tabela I-A, do RCP, e das disposições dos artigos 666°, n° 1, 667°, n° 1 e 2, e 669°, nº 1, alínea b), e 3, todos do CPC.

XII - A entender-se que na fase da contagem do processo não é mais possível reformar a decisão (condenatória) de custas, então as disposições dos artigos 6°, n° 1, e Tabela I-A, aplicadas na liquidação das custas e bem assim como no despacho recorrido, confirmativo da referida liquidação, na interpretação de que a taxa de justiça a liquidar a final no valor do remanescente superior a € 275.000,00 é a fixar apenas em razão do valor da acção e sem um valor máximo de custas, serão as mesmas materialmente inconstitucionais por violação dos princípios da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais (artigo 20°, nº 1, da Constituição).

XIII - Nestas circunstâncias, traduz erro de julgamento de direito, por traduzir inconstitucionalidade (material) tal interpretação.

XIV - Assim sendo, num caso ou noutro, entendemos que será de revogar o despacho recorrido, e, em consequência, de determinar que a conta de custas, seja a liquidar ao abrigo disposto no artigo 6°, nº 7, do RCP, de modo a que não seja de considerar o remanescente superior ao valor de € 275.000,00.

Porém, V. Exas., Senhores Juízes Conselheiros, apreciarão e decidirão como for de Direito.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

A reforma da conta constitui um incidente processual provocado pelo Juiz, ex officio, pelas partes ou pelo Ministério Público, cujo escopo visa a alteração do acto de contagem do processo caso este não tenha sido elaborado com a lei e/ou com a decisão judicial que o determina, cfr. Ac STJ de 9 de Dezembro de 1993 (Relator Figueiredo de Sousa) e de 29 de Setembro de 1998 (Relator Pais de Sousa), in www.dgsi.pt.

No caso sub specie verificamos que a conta foi elaborada no estrito cumprimento da sentença a qual determinou «( ... ) Custas a cargo da Impugnante. » (fls.97/115), não sendo apontada à mesma qualquer erro de contagem.

O requerimento do Digno Magistrado do Ministério Público a suscitar a reforma da conta, baseou a sua pretensão na desconformidade com o disposto no artigo 6°, n.º 7 do RCP (Lei 7/2012 de 13/02).

Ora, a desconformidade que é imputada pretende-se com a decisão das custas e não da conta e, assim nunca poderá o Tribunal ordenar a efectivação de qualquer reforma do acto de contagem por se ter esgotado o seu poder jurisdicional nos termos do normativo inserto no artigo 666°, nº1 do CPCivil, posto que o predito requerimento de reforma não assenta numa mera omissão da condenação em custas ou eventual condenação indevida, que sempre poderiam ser rectificadas ou reformadas oficiosamente pelo Tribunal ou a requerimento das partes, nos termos dos artigos 667°, nº 1 e 2 e 669°, nº 1, alínea b) e 3 daquele diploma legal.

Acresce, como bem se extrai dos autos a Impugnante já procedeu ao pagamento da conta de custas.

Nestes termos, indefere-se a pretendida reforma ele custas.".

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.

Como primeira nota, cumpre referir que, enquanto a Fazenda Pública dirigiu o seu requerimento de recurso ao Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, por sua vez, dirigiu-o a este Supremo Tribunal, por alegar tratar-se a matéria em discussão de matéria exclusivamente de direito, cfr. art. 280º, n.º 1 do CPPT.

E na verdade, assim, é, ambos os recursos tratam de matéria exclusivamente de direito.

Lido atentamente o despacho recorrido podemos surpreender que aí não se decidiu qualquer questão de facto, o despacho recorrido limitou-se a decidir que, uma vez que se encontrava esgotado o poder jurisdicional, já não poderia ser alterada a condenação em custas.

Assim, é este Supremo Tribunal o competente para conhecer de ambos os recursos, nos termos do disposto naquele artigo 280º, n.º 1 do CPPT.

Quanto aos recursos propriamente ditos.

O Ministério Público nas suas alegações identifica claramente as questões que aqui devem ser apreciadas:

- a primeira, consiste em saber em saber se, em sede de reclamação da liquidação conta de custas, é ainda possível reformar a decisão de tributação em custas, de modo a que, e ao abrigo disposto no artigo 6°, n° 7, do RCP, não seja considerado na liquidação da conta o remanescente superior ao valor de € 275.000,00, e do acerto do que sobre tal foi decidido no despacho recorrido;

- a segunda, e no caso de resposta negativa àquela primeira questão, consiste em saber se a interpretação das normas do artigo 6°, nº 1, e da Tabela I-A, do RCP, aplicadas no acto da elaboração da conta bem como no despacho recorrido, que a confirma, ao definir o valor das custas em função do valor da acção, sem o estabelecimento de um limite máximo ao montante das mesmas, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais (artigo 20°, n° 1, da Constituição).

Como bem se percebe do teor da decisão recorrida, e bem assim das alegações de recurso que nos vêm dirigidas, nem qualquer uma das partes nos presentes autos, nem o Ministério Público, requereram nos seus articulados, alegações ou ainda antes da prolação de qualquer uma das decisões, que o juiz tivesse em consideração na condenação em custas, o disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP (este preceito legal só entrou em vigor com a Lei n.º 7/2012, de 13/02).

E, igualmente, também nenhuma das partes, nem o Ministério Público, requereram a rectificação ou reforma das decisões condenatórias em custas nos termos do disposto nos arts. 614º e 616º do CPC (novo) (anteriormente já o CPC previa idêntico regime para a rectificação e reforma do segmento decisório das sentenças quanto a custas, cfr. arts. 667º e 669º), com fundamento na necessidade de aplicação do disposto naquele artigo 6º, n.º 7 do RCP, por razões de ordem constitucional.

Dispunha, à data em que foram proferidas as decisões que condenaram as partes em custas, o artigo 666º do CPC (hoje norma idêntica encontra-se no artigo 613º), sob a epígrafe “Extinção do poder jurisdicional e suas limitações”:

1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2 - É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.

3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, até onde seja possível, aos próprios despachos.

Referia Alberto dos Reis, a propósito do princípio da extinção do poder jurisdicional, que o mesmo encontra a sua razão de ser na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional, estando, por isso, vedado ao juiz alterar o decidido, cfr. CPC anotado, Vol. V, págs. 126 e 127.

As únicas alterações ou modificações que o juiz poderá vir a introduzir na sua decisão, e que são legalmente consentidas, são as que podem resultar da rectificação ou correcção de erros materiais (no caso de não haver recurso, a todo o tempo, cfr. art. 614º, n.º 3 do CPC) ou da reforma da sentença, nos precisos termos em que a mesma é admitida por lei, cfr. art. 616º do CPC.

Fora estes casos, em que o próprio juiz que proferiu a decisão a pode ainda alterar, e ocorrendo erro de julgamento no segmento decisório quanto a custas, pode ainda a parte recorrer nos termos gerais, cfr. art. 616º, n.º 3 do CPC; e não o fazendo, tal decisão quanto a custas fica imutável, não podendo mais ser alterada, quer por vontade das partes ou a pedido do Ministério Público, quer ex officio pelo próprio juiz, cfr. arts. 619º e ss. do CPC.

Já vimos, que a questão que se coloca nestes autos, passa por saber se, uma vez proferida a decisão sobre custas, sem ter sido feita a ponderação a que alude o artigo 6º, n.º 7 do RCP, e não tendo sido deduzido pedido de reforma ou recurso contra tal segmento decisório, pode ainda em sede de reclamação da conta de custas ser feita tal ponderação.

Desde já se poderá afirmar, com segurança, que nos termos do disposto no artigo 614º do CPC, existindo a condenação em custas, sem que seja feita aquela ponderação, não ocorre a omissão da sentença quanto a custas. Ou seja, apenas nos casos em que não exista qualquer pronúncia quanto a custas na sentença é que verdadeiramente se pode falar de omissão, todas as outras situações devem ser reconduzidas ao erro de julgamento.

Dispõe este artigo 6º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a (euro) 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Do teor literal desta norma podemos surpreender que a regra é o do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Apenas nos casos em que o juiz, ex officio, a requerimento das partes ou do Ministério Público, entenda ser de dispensar tal pagamento é que se lhe exige que pondere de forma fundamentada essa mesma dispensa de pagamento.

Tal ponderação ex officio, apenas se justifica no caso de o juiz estar convencido de que há fundamento bastante para dispensar o pagamento, caso o juiz entenda que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não se justifica, limitará a sua pronúncia quanto a custas aos termos habituais, sem fazer qualquer ponderação, uma vez que, neste caso, funcionará a regra estabelecida na 1ª parte daquele preceito legal, ou seja, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, não lhe sendo exigível que oficiosamente trate de uma questão se, a final a julgará improcedente – igualmente não ocorrerá a nulidade da decisão se o juiz oficiosamente não conhecer da questão, a nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixe de apreciar qualquer questão que tenha sido expressamente suscitada pelas partes.

E ao proferir esta decisão sobre custas, nos termos habituais, já o juiz está a fazer um julgamento expresso quanto a custas, uma vez que sabe que, faltando a ponderação a que alude a 2ª parte do preceito em análise, será aplicado aquele regime regra estabelecido na 1ª parte do mesmo preceito.

Sendo certo, como resulta do disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC (novo), o momento próprio para a condenação das partes, ou de alguma delas, em custas é precisamente a decisão que julga a acção.

O próprio texto do artigo 6º, n.º 7 do RCP, sugere que a ponderação da dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser feita antes da elaboração da conta final. E isto é assim, porque a condenação em custas tem necessariamente que preceder o acto de contagem, é antecedente lógico e pressuposto deste acto.

Este acto de contagem, enquanto acto eminentemente material, sem conteúdo decisório, cujos limites são impostos pela lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não afecta de forma negativa ou positiva a esfera jurídica das partes.

Portanto, existindo condenação expressa em custas, nas decisões proferidas nos autos, podemos concluir que não existiu qualquer omissão no tocante à condenação em custas, sendo que o “vício” imputado pelos recorrentes a essa mesma condenação se terá que reconduzir, necessariamente, a um eventual erro de julgamento.

Já anteriormente vimos que, o erro de julgamento quanto a custas apenas poderá ser conhecido pelo juiz que proferiu a decisão, no caso de lhe ser expressamente pedida a reforma quanto a custas, e pelo Tribunal Superior, por via do recurso; no caso dos autos as partes não lançaram mão de qualquer um destes expedientes processuais de modo a sindicarem a decisão com a qual não concordam. Apenas vieram agora, após o acto de contagem, que se conformou com os estritos limites resultantes das decisões judiciais e da lei aplicável, não ocorrendo, sequer, qualquer erro ou lapso de natureza aritmética, impugnar aquele erro de julgamento que teria existido nas decisões recorridas.

A este respeito, refere Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201, que, “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas” e mais à frente, págs. 354 e 355, refere ainda que, “Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados.”.

Aqui chegados, teremos necessariamente que concluir que o despacho recorrido não enferma de qualquer uma das ilegalidades que lhe vêm apontadas. Efectivamente estava o Sr. Juiz a quo impedido de alterar o decidido quanto a custas, uma vez que as decisões proferidas nos autos já se haviam consolidado na ordem jurídica e já se havia esgotado o poder jurisdicional para tanto.

Nem este Supremo Tribunal pode, agora, proceder à modificação do decidido quanto a custas, pelas mesmas razões que o não pode o Sr. Juiz a quo.

Na verdade, o julgamento que se fez quanto a custas nos presentes autos, que já transitou em julgado em devido tempo, impede tal modificação, mesmo que se entenda que foram desrespeitados os princípios e parâmetros constitucionais invocados pelos recorrentes, precisamente, por razões de segurança e estabilidade inerentes à própria decisão judicial.

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento a ambos os recursos e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.

D.N.

Lisboa, 29 de Outubro de 2014. - Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.