Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0245/14
Data do Acordão:03/12/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
ERRO GROSSEIRO
MEDIDA DA PENA
Sumário:I - Muito embora seja certo caber dentro dos poderes judiciais analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem a infracção disciplinar que a determinou já lhe escapa, salvo em casos de erro manifesto e grosseiro, a competência para apreciar se a medida concreta da pena foi bem doseada por esta ser uma tarefa da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários.
II - Por ser assim a sindicância judicial incidente sobre o exercício dos poderes disciplinares da Administração não abarca a possibilidade do Tribunal se lhe substituir e ser ele próprio a fixar a pena.
III - O uso do poder de suspensão de execução da pena insere-se no exercício de poderes discricionário, contenciosamente insindicável para além do erro grosseiro, desvio de poderes ou violação dos princípios constitucionais ligados ao exercício de actividade administrativa, designadamente, da proporcionalidade e justiça.
Nº Convencional:JSTA00069112
Nº do Documento:SA1201503120245
Data de Entrada:06/17/2014
Recorrente:A.......
Recorrido 1:UNIVERSIDADE ........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Indicações Eventuais:DIR ADM GER - DISCIPLINAR
Legislação Nacional:EDF08 ART3 N2 E G N7 N9 ART9 N1 D ART10 N4 ART11 ART23 ART25.
L 58/08 DE 2008/09/09.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC043299 DE 2000/11/23.; AC STAPLENO PROC0412/05 DE 2007/03/29.; AC STA PROC046791 DE 2001/01/18.; AC STA PROC046964 DE 2001/07/12.; AC STA PROC048149 DE 2002/02/07.; AC STA PROC0692/04 DE 2004/10/12.; AC STA PROC0797/04 DE 2004/12/15.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A……., professor auxiliar do Departamento de Química da Universidade de ……. (doravante…….) propôs, no TAF de Mirandela, acção administrativa especial pedindo a anulação da decisão do Reitor dessa Universidade que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão por 240 dias.

Sem sucesso já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente.

Inconformado, recorreu para o TCA Norte e este, concedendo parcial provimento ao recurso, anulou o acto impugnado e reduziu para 90 dias a pena aplicada.

Novamente insatisfeito o Autor interpôs esta revista onde formulou as seguintes conclusões:
I. O recorrente foi confrontado com uma nota de culpa, sustentada em erros de direito que acabaram por ser determinantes na escolha incorrecta da pena aplicada ao arguido e na dosimetria da mesma.
II. Também o relatório final do processo disciplinar, onde se estriba a motivação da decisão condenatória e a pena determinada, repete os mesmos erros de direito da nota de culpa, com directa implicação na escolha, graduação e execução da pena.
III. O Recorrente veio acusado de ter violado o dever geral de isenção! Enfim... acusado da violação do dever de isenção e (saliente-se) acabou por ser condenado pela violação do dever geral de lealdade....
IV. Só por isto, deveria a decisão ser anulada; e o Tribunal poderia e deveria tê-lo feito. Só que não o fez!
V. O Recorrente é acusado de um dever que se não verifica (isenção) e condenado pela violação de outro de que não foi acusado (lealdade) Perante essa constatação, deveria o Tribunal considerar irregular a acusação e anular, a partir daí, todo o processado - trata-se de matéria de direito, de conhecimento oficioso a que o Tribunal, com o devido respeito, não deveria ter ficado alheado.
VI. Ao valorar e decidir assim, a decisão permite que alguém seja acusado da prática de um ilícito e acabe condenado pela violação de outro - só o reconhecimento da nulidade (ex tunc) permitirá resgatar a falta de audiência clamorosa, de que enferma todo o processo.
VII. O Tribunal encontrou a nova moldura penal adequada ao cometimento de uma infracção (e não de várias, como vinha condenado em 1ª instância).
VIII. Na nova moldura agora determinada, o Tribunal Central acaba por condenar no limite máximo da mesma, não atendendo ao consignado nos art.ºs 22.° e 23.° do ED (não foram tomadas em conta as atenuantes especiais e as circunstâncias extraordinárias que envolvem o caso).
IX. A determinação da pena não se esgota na aplicação da pena de escalão inferior. Na graduação da pena terão de ser tomadas em conta, pelo menos as duas circunstâncias atenuantes especiais que a Administração reconhece, mas que acaba por não tomar em conta, na hora da definição da pena.
X. A graduação da pena de suspensão a aplicar, não poderia ultrapassar o seu meio (35 a 40 dias), até porque é o próprio texto da proposta do relatório final que bem conclui: “...as exigências de prevenção se revelam diminuídas de forma acentuada”.
XI. Para além de que, a pena de suspensão, independentemente da graduação a ter, deveria ser suspensa na sua execução (art.º 25.°, n.º 1, do ED) se tomada em conta fosse a personalidade do arguido, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à infracção e as circunstâncias desta, concluindo-se que a simples censura do comportamento e a ameaça da pena realizam as finalidades da punição.
XII. Circunstâncias que a Administração teve em conta, pois só isso justificaria nunca ter suspendido preventivamente o ora Recorrente das suas funções, nem depois do processo ter terminado, e lhe ter sido aplicada a pena, pretendeu que a execução da mesma acontecesse de imediato, mas sim, apenas uns meses depois - tais factos, são indiscutíveis revelações da confiança que a Administração nunca retirou ao arguido, ora Recorrente.
FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados no acórdão recorrido:
I. O Autor, professor auxiliar do Departamento de Química da ………, foi alvo de um processo disciplinar do qual resultou em 2/11/2009 uma pena aplicada de 240 dias de suspensão – Docs. da PI, não numerados;
II. Em 5/6/2009, os colegas do Autor, B…….. e C…….., informaram o Presidente da “ECAV” da ….., professor D……., que constataram “a existência de uma acta falsa da reunião para avaliação do relatório de estágio final do Curso de Licenciaturas em Enologia da aluna E……. (…) contida na folha n.º 87 do Livro de Actas das Reuniões de Estágio do Curso de Licenciatura em Enologia, datada de 27 de Fevereiro de 2009.// A referida acta foi redigida pelo Sr. Professor A…….. sem o nosso conhecimento, sendo falsas as assinaturas constantes em nosso nome”- cfr. fls. 2 e 3 do PA que aqui se dão por reproduzidas;
III. Dá-se aqui por reproduzida o documento de fls. 6 do PA (“acta”), com o seguinte destaque:
Acta
Aos vinte e sete dias do mês de Fevereiro de dois mil e nove reuniu o júri de apreciação do relatório final de estágio da aluna E…….. da licenciatura em Enologia, intitulado (…). O júri constituído pelos Professores A……, B…… e C…….. decidiu aceitar o relatório por considerar reunidas as condições mínimas. (…) Face ao exposto decidiu atribuir a classificação de catorze (14) valores” (seguem-se as “assinaturas” dos elementos do júri).
IV. Em 17/6/2009, e face aos factos relatados e ao parecer que consta de fls. 3 do PA, foi determinado pelo Senhor Vice-Reitor da ………., a instauração de processo disciplinar ao Autor, conforme fls. 3 do PA, que aqui dou por reproduzida;
V. Após declarações do Autor e demais diligências efectuadas, foi o A. acusado em 31/8/2009, conforme fls. 245 a 248 do PA, que aqui se dão por reproduzidas com o seguinte destaque:
“3.º Em data que não se conseguiu apurar, mas que terá sido no inicio do ano de 2009, possivelmente no mês de Fevereiro, o arguido exarou uma acta como se tivesse sido realizada uma reunião de júri para avaliação do estágio da aluna E……(…), tendo falsificado duas assinaturas de dois colegas seus (…)
7.º O arguido, confrontado com os factos, assumiu: (…)
b) que o júri não reuniu no dia 27 de Fevereiro de 2009
c) que redigiu a acta da reunião que não existiu;
d) que falsificou as assinaturas dos seus dois colegas”;
VI. Dá-se aqui por reproduzida a “Defesa Escrita” do Autor, de fls. 251 a 254, com o seguinte destaque:
“(…) Numa atitude irreflectida tentei resolver de forma absolutamente incorrecta um último assunto pendente antes da mudança da equipa de coordenação do Curso.
Assim, é com particular tristeza e arrependimento que constato uma violação incoerente e grosseira do meu padrão de comportamento e assumo a total responsabilidade dos actos descritos no n.º 7 do auto de acusação. (…) sinto-me obrigado a expressar o meu sincero pedido de desculpas a esta Instituição da qual tenho orgulho em pertencer (…)
Não posso deixar também de reiterar o meu mais sincero arrependimento e sentimento de profunda tristeza para com os meus colegas que envolvi neste lamentável episódio (…)”
VII. Dá-se aqui por reproduzido o Relatório no qual a decisão impugnada assentou, com o seguinte destaque:
“ 8.º Quanto à razão que o levou a praticar tais actos, disse que o cansaço de que padecia por acumulação de várias responsabilidades, levou-o a um momento de desequilíbrio (…)
9.º Arrepende-se do acto, que diz não ter justificação e que se pudesse voltar atrás não o faria (…)
11.º Não ficou provado que a aluna tivesse qualquer intervenção no acto em causa (…)
17.º Em suma, com a sua conduta o arguido violou os deveres gerais previstos: al. e) do n.º 2 e n.º 7 do art.º 3.º; al. g) do n.º 2 e n.º 9 do art.º 3.º e al. h) do n.º 2 e n.º 10 do art.º 3.º todos da Lei n.º 58/2008, de 9/12, respectivamente a violação dos deveres de zelo, de lealdade e de correcção (…)
Proposta:
Perante todo o exposto, atendendo à descrição dos factos, às provas alcançadas e tendo ainda em consideração o disposto no art.º 12.º da Lei n.º 58/2008, de 9/09, bem como às circunstâncias atenuantes acima citadas, e, ainda, com fundamento no art.º 23.º que nos permite o exercício do poder de uma apreciação valorativa, sendo nossa convicção que a aplicação de uma pena maior se mostra desajustada e que as exigências de prevenção se revelam diminuídas de forma acentuada, propomos que ao arguido (…), seja aplicada a pena disciplinar única de suspensão pelo período de 240 dias seguidos, prevista no art.º 17.º, caracterizada n.º 3 e no n.º 4 do art.º 10.º, e cujos efeitos estão previstos no n.º 2 do artigo 11.º, todos da Lei n.º 58/2008, de 9/09”;
VIII. Sobre o Relatório recaiu o despacho do Reitor da .........., de 2/11/2009, de “Concordo”.


II. O DIREITO.
Resulta do antecedente relato que o Autor (ora Recorrente), professor auxiliar na Universidade de ……… (……..), elaborou uma acta de reunião referente à avaliação do estágio final de uma aluna tendo nela ficado a constar não só que o júri de avaliação se tinha reunido e lhe tinha atribuído a classificação de 14 valores como as assinaturas dos professores que teriam participado desse júri.
Tendo sido comunicado que tal reunião não se fizera e que, portanto, a acta era falsa o Sr. Vice Reitor da …….. ordenou a instauração de um processo disciplinar ao Autor onde se veio a confirmar que não tinha havido qualquer reunião para avaliação do estágio da referida aluna e que as assinaturas apostas na referida acta, com excepção da do Autor, tinham sido falsificadas, o que determinou que aquele tivesse sido acusado de ter elaborado aquela acta, da mesma ser falsa e de com tal conduta ter praticadoas infracções disciplinares previstas: al. e) do n.º 2 e n.º 7 do art.º 3.º; al. g) do n.º2 e n.º 9 do art.º 3.º; al. h) do n.º 2 e n.º 10 do artigo 3.º, todos da Lei 58/2008, de 9/09, respectivamente a violação dos deveres zelo, de lealdade e de correcção", pelo que lhe deveria ser aplicada “a pena única de demissão prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 9.º, caracterizada no n.º 5 do artigo 10.º e cujos efeitos estão previstos no n.º 4 do art.º 11.º, todos da Lei n.º 58/2008, de 9/09."

O Autor apresentou a sua defesa - confessando os factos e manifestando arrependimento pela sua prática – após o que foi elaborado Relatório Final donde constava que a referida conduta atentava “gravemente contra a dignidade e prestígio da função pública, traduzindo-se na violação do dever de isenção, de zelo e de correcção, pondo em causa a confiança que deve existir em qualquer relação de trabalho ou emprego público” e que tal importava a violação dos “deveres gerais previstos: al. e) do n.º 2 e n.º 7 do art.º 3.º; al. g) do n.º 2 e n.º 9 do art.º 3.º e al. h) do n.º 2 e n.º 10 do art.º 3.º todos da lei n.º 58/2008, de 9/09, respectivamente a violação dos deveres de zelo, de lealdade e de correcção.” Tendo nele se concluído que, atentas as atenuantes que militavam a seu favor, deveria ser aplicada ao Autor uma pena inferior à que constava da acusação (demissão), concretamente “a pena disciplinar única de suspensão pelo período de 240 dias seguidos".
Proposta que, tendo sido aceite, determinou a aplicação daquela medida punitiva.

O Autor impugnou a aplicação dessa sanção alegando ter praticado uma única infracção – a elaboração de uma acta falsa – e não, como tinha sido considerado, diversas infracções e a prova disso era que (1) a acusação, para além da acta falsificada, não lhe imputou qualquer outro ilícito, (2) no Relatório Final apenas tinha sido referida prática dessa infracção e (3) a pena aplicada não teve em atenção a agravante especial da acumulação de infracções. Deste modo, tendo praticado um único ilícito, a pena que lhe correspondia nunca poderia exceder os 90 dias (art.º 10.º/4 do ED) a qual deveria ter em conta a existência de uma atenuante extraordinária e de duas atenuantes especiais. Finalmente, sustentou que se verificavam as condições que justificavam a suspensão da execução da pena.

O TAF de Mirandela julgou a acção improcedente.
Desde logo, porque, apesar de ter sido aplicada ao Autor uma única pena, certo era que, ao invés do que ele sustentava, a falsificação da acta em causa importava a violação de três deveres gerais: o de zelo - “não cumpriu as ordens dos superiores hierárquicos e não exerceu funções de acordo com os objectivos fixados nem utilizou as competências adequadas” - o de lealdade – “não desempenhou as funções com subordinação aos objectivos do órgão ou serviço” - e o de correcção – “não tratou com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos” -. Se assim era e se a cada uma dessas infracções correspondia uma pena de suspensão variável entre 20 e 90 dias, num máximo de 240 dias, (art.º 10.º/4 do ED) nenhum erro tinha sido cometido quando se aplicou ao Autor a pena única de suspensão por 240 dias.
Depois, não cabia ao Tribunal apreciar - e, muito menos, alterar - a pena aplicada por a sindicância judicial ao acto impugnado se restringir à análise da legalidade da aplicação dessa medida, concretamente à questão de saber se a mesma decorreu de erro grosseiro e manifesto. Ora, no caso, tal não tinha ocorrido.
Finalmente, não se podia suspender a execução da pena uma vez que a simples censura da conduta do Autor e a ameaça da sua execução não satisfazia, adequada e suficientemente, as finalidades da punição.

Todavia, o Acórdão recorrido revogou essa decisão, anulou o acto impugnado e reduziu para a pena para 90 dias pelas razões que, de seguida, se indicam.
Com efeito - ponderou o Acórdão - muito embora “existam infracções que não se esgotam num só acto … temos para nós que a situação concreta dos autos se pode apenas e só subsumir a uma infracção e não várias infracções ... ” E isto porque “existindo uma única intenção dolosa de «inventar» uma acta referente a uma suposta reunião de um júri de 3 elementos, com vista à apreciação de um relatório final de estágio de uma licenciatura … de uma aluna, só se pode falar em «acta» se for, mesmo assim, composta com os habituais requisitos, tais como, a data da realização, os elementos do júri, a finalidade da reunião, a avaliação do seu objecto, a sua classificação e depois a assinatura pelos 3 elementos do júri.

Temos assim que apenas se tratou de uma infracção disciplinar, o que não impede que, com a mesma actuação fraudulenta e dolosa, não sejam violados mais que um dos deveres gerais ou especiais elencados no n.º 2 do art.º 3.º do ED/2008, com o no caso efectivamente aconteceu.
Uma coisa é a infracção disciplinar e outra diversa são os deveres gerais ou especiais violados.”
Estando-se, assim, perante uma única infracção onde, simultaneamente, se violaram os deveres de zelo, lealdade e correcção “a pena de suspensão, atentas as balizas expressas no n.º 4 do art.º 10.º do ED, … não pode ser superior a 90 dias.

Nesta óptica, a pena aplicável - não fosse o erro grosseiro na sua fixação concreta (240 dias) - seria a pena de 90 dias …. sendo irrazoável a sua fixação em menos dias, como pretende o recorrente (35 dias), sendo certo que as duas circunstâncias atenuantes foram valorizadas em sede de escolha da pena - demissão versus suspensão - com a incidência de serem consideradas atenuação extraordinária - art.º 23.º do ED - por se entender que diminuíam substancialmente a culpa do arguido e assim foi aplicada a pena inferior.
Entendemos, deste modo, por adequada a pena de 90 dias de suspensão, sem que se possa dizer que com esta decisão se invade a esfera de competência da administração, em sede de poder disciplinar, pois que do Relatório Final resulta evidente a atenuação extraordinária - em vez da pena de demissão, a aplicação da pena de suspensão - mas esta fixada no seu limite máximo que, no caso concreto dos autos - como vimos e justificámos - é de 90 dias e não de 240 dias.”
E não se justificava a suspensão da execução da pena uma vez que, tendo esta conteúdo pedagógico e reeducativo, a sua execução só podia ser suspensa quando se concluísse, “face ao grau de culpabilidade e comportamento do arguido, e às circunstâncias da infracção, que essa medida bastará para afastá-lo de novas infracções”. O que não era o caso uma vez que, atentas as circunstâncias concretas da infracção e a sua tamanha gravidade, a simples censura do comportamento e a ameaça da pena não iriam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição exigidas no art.º 25.º/1 do ED.

O Autor recusa esta decisão e daí a interposição desta revista onde reafirmou o anteriormente sustentado, isto é, que, muito embora a sua conduta pudesse importar a violação de mais do que um dos seus deveres gerais, certo era que só tinha cometido uma única infracção e que, tendo em conta as atenuantes que militavam a seu favor, não podia ser condenado – como foi - pelo máximo legal. Ademais, tinha sido acusado pela violação do dever de isenção e acabou por ser condenado pela violação do dever geral de lealdade o que importava a invalidade da acusação e anulação de todo o processado posterior.
Finalmente, verificavam-se os condicionalismos que justificavam a suspensão da execução da pena pelo que o Tribunal recorrido tinha errado quando rejeitou essa possibilidade.

A revista foi admitida por ter sido entendido que revestia importância jurídica fundamental saber (1) se a sanção disciplinar deve ser anulada quando a acusação imputa ao arguido a infracção de um dever funcional e este vem a ser condenado com base na violação de outro dever funcional e (2) se, impugnada a sanção disciplinar, o Tribunal, verificando a existência de erro grosseiro na determinação da pena, deve anular o acto e alterar essa sanção.

Vejamos, pois.

1. No tocante à primeira das questões acima identificadas deve dizer-se que a mesma não foi abordada no Acórdão recorrido. E não o foi porque o recurso da sentença do Tribunal de 1.ª instância sinalizou as questões que pretendia ver reapreciadas como sendo “a) não foram praticadas várias infracções mas apenas uma: a elaboração de uma acta falsa; b) a determinação da pena foi feita de forma indevida e ilegal; c) em todo o caso, sempre deveria a pena aplicada ser suspensa na sua execução” (conclusão 3.ª).
Sendo assim, sendo que as questões que podem ser objecto de cognição por este Tribunal se restringem às que foram conhecidas pelo Tribunal a quo - regra que só pode ser quebrada quando a questão é de conhecimento oficioso - ( Vd. entre muitos outros, Acórdãos do Pleno, de 23.11.00 (rec. 43.299) e da Secção de 18.1.01 (rec. 46791) e de 12/7/01, rec. 46.964, e)
não nos cabe apreciar a questão de saber se a pena disciplinar deve ser anulada quando a acusação imputa ao arguido a infracção de um dever funcional e este vem a ser condenado com base na violação de outro dever funcional por ela não ter sido apreciada no Acórdão sob censura e essa questão não ser de conhecimento oficioso.

No entanto, e independentemente do que acaba de ser dito, causa perplexidade que o Recorrente sustente que foi “acusado de ter violado o dever geral de isenção! Enfim... acusado da violação do dever de isenção e (saliente-se) acabou por ser condenado pela violação do dever geral de lealdade” e que tal deveria obrigar o Tribunal a “considerar irregular a acusação e anular, a partir daí, todo o processado” pois que, se assim não fosse, permitir-se-ia que “alguém seja acusado da prática de um ilícito e acabe condenado pela violação de outro” (conclusões 3.ª a 6.ª) por tal alegação afrontar incompreensivelmente a verdade dos factos.
Com efeito, consta da acusação que “com a sua conduta, o arguido praticou as infracções disciplinares previstas: al. e) do n.º 2 e n.º7 do art.º 3.º; al. g) do n.º2 e n.º 9 do art.º 3.º; al. h) do n.º 2 n.º 10 do artigo 3.º, todos da Lei 58/2008, de 9/09, respectivamente a violação dos deveres zelo, de lealdade e de correcção" (art.º 18.º) mas que "deverá ser aplicada uma única pena” a qual, atendendo à descrição dos factos e ao disposto no art.º 20.º da Lei n.º 58/2008, de 9/09 “deverá consistir na pena única de demissão prevista na al. d) do n.º1 do artigo 9.º…. " (art.º 19.º).

E tais factos ficaram também a constar, com uma redacção muito semelhante, dos art.ºs 16.º e 17.º do relatório final

O que significa que quer a acusação quer o relatório final referiram que o arguido violou os deveres de zelo, correcção e lealdade, e que tal determinou a condenação do Recorrente na sanção aqui impugnada, pelo que não faz qualquer sentido alegar-se que se foi acusado pela violação de um dever (o de isenção) mas que se foi condenado pela violação de um outro (o de lealdade) que não constava da acusação.

Deste modo, e nesta parte, a alegação do Recorrente improcede totalmente.

2. O Recorrente sustenta, ainda, que o TCA errou ao fixar a medida concreta da pena em 90 dias de suspensão e que esse erro decorreu do facto dele não ter tido em conta as atenuantes especiais e as circunstâncias extraordinárias que envolviam o caso as quais, por si só, impunham que a sua punição não ultrapassasse os 40 dias de suspensão.
Pede, assim, que essa decisão seja revogada e que este Supremo reduza a sua pena para esse limite.
Mas, como se verá, não tem razão.

O Sr. Reitor da …….., apesar de ter entendido que a conduta do Recorrente se traduziu na violação dos deveres de isenção, de zelo e de correcção, entendeu também que, tendo em atenção as circunstâncias concretas do caso, se lhe devia aplicar uma única pena e que esta não devia ser superior a 240 dias de suspensão, pelo que foi esta a sanção que lhe aplicou.
E o Tribunal a quo, muito embora tivesse considerado que a conduta do Recorrente importava a violação dos apontados deveres gerais, comungou do entendimento de que o referido comportamento integrava a violação de uma única infracção disciplinar – a elaboração de uma acta falsa - e que, por isso, só lhe podia ser aplicada uma única pena. Pena essa que, por força do disposto no art.º 10.º/4 do ED, não podia exceder os 90 dias de suspensão. Daí que tivesse concluído que a fixação da pena em 240 dias de suspensão constituía um erro manifesto e grosseiro susceptível de ser judicialmente corrigido e daí, também, que tivesse reduzido essa pena para 90 dias de suspensão.
O que significa que o TCA considerou assente que o Recorrente só praticou uma única infracção, que à mesma cabia uma pena de suspensão variável entre 20 e 90 dias e que tinha competência para reduzir a pena aplicada por entender constituir erro grosseiro a aplicação de uma pena de 240 dias de suspensão.

Ora, esse juízo relativo à qualificação jurídica da conduta do Recorrente como constituindo a prática de uma única infracção como a decisão que considerou que o Tribunal podia reduzir a pena aplicada não foram impugnados – uma vez que o Recorrente concorda não só com aquela qualificação como com a possibilidade da referida redução e o Sr. Reitor da ……. não recorreu – pelo que esse juízo e essa decisão precludiram e, por isso, são agora irrevisíveis.

Sendo assim, a questão que, agora, se nos coloca é a de saber se a pena deveria ter sido fixada em 35/40 dias como pretende o recorrente.

2. A jurisprudência deste Supremo tem afirmado, de forma uniforme, que ao Tribunal cabe apenas “analisar da existência material dos factos … e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, já lhe não cabe(ndo) apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro grosseiro e manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa” ( Ac do Pleno de 29/03/2007 (rec. 412/05). Neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos da Secção de7/02/2002 (rec. 48.149), de 12/10/2004 (rec. 692/0 e de 15/12/2004 (rec. 797/04).)
O que quer dizer que, muito embora seja certo caber dentro dos poderes judiciais analisar se os factos que justificaram a punição tiveram lugar e se eles constituem a infracção disciplinar que a determinou já lhe escapa, salvo em casos de erro manifesto e grosseiro, a competência para apreciar se a medida concreta da pena foi bem doseada por esta ser uma tarefa da Administração inserida dentro dos seus poderes discricionários. Ou seja, e dito de forma diferente, a sindicância judicial incidente sobre o exercício dos poderes disciplinares da Administração só poderá ter lugar quando os critérios de graduação utilizados ou o resultado a que se chegou tiverem sido grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis ou tiverem sido violados os princípios constitucionais ligados ao exercício de actividade administrativa, designadamente o da proporcionalidade e da justiça.
.
Nesta conformidade, e encontrando-se este Supremo, pelas razões expostas, impedido de anular a decisão recorrida por maioria de razão também o está para novamente reduzir a pena aplicada ao Recorrente como é seu desejo.
É, assim, manifestamente improcedente o pedido do Recorrente de que este Tribunal reaprecie a pena fixada no Tribunal a quo e que novamente a reduza.

3 O Recorrente pretende, ainda, a revogação da decisão do TCA que lhe indeferiu o pedido de suspensão da execução da pena pugnando para que este Tribunal defira a sua pretensão e lhe suspenda a execução da pena.
Mas também aqui litiga sem razão.

É verdade que “as penas previstas das al.ªs a) a c) do n.º 1 do art.º 9.º de repreensão podem ser suspensas quando, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior à infracção e às circunstâncias desta, se conclua que a simples censura do comportamento e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (art.º 25.º/1 do ED). Mas também o é que a competência para determinar essa suspensão está sediada na Autoridade que aplicou a pena por ela depender do juízo que a mesma faça sobre o grau de culpabilidade do arguido, o seu comportamento anterior e posterior à infracção, as circunstâncias desta e a convicção que ela forme sobre a influência e repercussões dessa suspensão não só no futuro do arguido como no do serviço onde ele se encontra. O que significa que o uso dos poderes de suspensão da pena cabe dentro dos poderes discricionários da Administração e que, por isso, a sua decisão nessa matéria só pode ser sindicada existindo erro grosseiro ou o uso de critérios ostensivamente inadmissíveis ou a violação dos princípios constitucionais ligados ao exercício de actividade administrativa. – vd. Acórdão do Pleno de 18/01/2000 (rec. 38.605).
Ora, não se vendo que esse erro ou essas ilegalidades possam ter existido não poderá este Tribunal revogar nesta matéria a decisão recorrida por não lhe caber sindicar nesta matéria o juízo formulado pela Administração.
São, assim, improcedentes todas as conclusões do recurso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento do recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de Março de 2015. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Vítor Manuel Gonçalves Gomes.