Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0268/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IRS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO GERAL
ALCANCE
Sumário:I – O privilégio imobiliário geral previsto no artigo 111.º do CIRS não abrange o imposto relativo ao próprio ano a que respeita a penhora efectuada na execução fiscal, dele beneficiando somente o IRS relativo aos três anos anteriores a essa penhora.
II – Pelo que, para esse normativo, relevam os anos a que respeitam os rendimentos que justificaram a liquidação do imposto e não o momento em que ele foi posto a cobrança.
Nº Convencional:JSTA00067582
Nº do Documento:SA2201205090268
Data de Entrada:03/13/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CIRS01 ART111
CCIV66 ART9 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC641/06 DE 2006/07/12; AC STA PROC628/09 DE 2009/10/07
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, na parte em que não admitiu o crédito reclamado de IRS relativo ao ano de 2005.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Os créditos relativos ao IRS relativo aos três últimos anos gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, nos termos do estatuído no artigo 111.º do CIRS;

2. Para aquele normativo relevam os anos a que respeitam os rendimentos que justificaram a liquidação do imposto e não o momento em que foram postos a cobrança;

3. Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.º 733.º do Código Civil);

4. A circunstância do privilégio creditório geral ser uma mera preferência de pagamento não implica o afastamento do crédito da reclamação e graduação no lugar que lhe competir;

5. Pois que, ainda que os privilégios creditórios gerais não constituam garantias reais, mas meras preferências de pagamento, "(...) o seu regime é o das garantias reais, para o efeito de justificar a intervenção no concurso de credores" (Cfr. Salvador da Costa, in "O Concurso de Credores", 3.ª Edição, Almedina, 2005, pág. 388);

6. Motivo porque de harmonia com entendimento jurisprudencial largamente maioritário do STA “O artigo 240.º n.º 1 do CPPT deve ser interpretado amplamente no sentido de abranger não apenas os credores que gozam de garantia real stricto sensu mas também aqueles a que a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, nomeadamente, privilégios creditórios” (Cfr. a título de exemplo o Acórdão do STA de 18/05/2005, recurso n.º 0612/04, in www.dgsi.pt);

7. Ao não admitir o crédito de IRS relativo ao exercício de 2005, reclamado pela Fazenda pública, a douta sentença ora recorrida incorreu em erro de direito na interpretação e aplicação das normas constantes nos arts. 240.º, n.º 1 e 246.º ambos do CPPT e no art.º 111.º do CIRS.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que admita e gradue os créditos reclamados, de IRS do ano de 2005 e respectivos juros, no lugar que lhes competir, tudo com as devidas e legais consequências.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, por entender que assiste inteira razão à Recorrente.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:
A O processo de execução fiscal (PEF) no 32178-02/100009.8, foi autuado em 2002.01.09 no Serviço de Finanças de Grândola, contra B……, por dívidas de IRS do exercício de 2000;

B Em 2008.05.29, a estes autos foram apensados os PEF no 2178200201010824, 2178200401000381, 2178200601011146, 2178200701004255, 2178200701005383, 2178200701016792, 2178200801000594 e 2178200801002236;

C Nestes autos, através do SIPA (Sistema Informático de Penhoras Automáticas) em 2008.05.09 foi penhorado o prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de Grândola sob o artigo 48880, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o no 2099/19950523 (inscrita a penhora através da ap. 10 de 2008.06.11);

D Sobre este prédio incidem também os seguintes ónus ou encargos:
a. Ap. 6 de 1997.11.17 - Hipoteca Voluntária - Capital: PTE 15.000 000$00 - Montante Máximo Assegurado: PTE 20.352 000$00 - Sujeito Activo: Banco Internacional de Crédito, SA, SA (...) - Garantia de empréstimo; - juro anual: 8,56% acrescido de 2% em caso de mora - despesas: 600.000$00;
i. Ap. 4 de 2007.10.03 - Transmissão por transferência de Património da ap. 6 de 1997.11.17 - Hipoteca Voluntária - Causa: Fusão - Sujeito Activo: Banco Espírito Santo, SA (...);

ii. Ap. 5 de 2007.10.03 - Transmissão de Crédito - da ap. 6 de 1997.11.17 - Hipoteca Voluntária - Causa: Cessão - Sujeito Activo: A……., SA (...);

b. Ap. 10 de 2008.06.11 - Penhora - Data da Penhora: 2008.06.11 - Quantia Exequenda: € 11.528,89 - Sujeito Activo: Fazenda Pública (...);

c. Ap. 4 de 2008.10.20 - Penhora - Data da Penhora: 2008.10.20 - Quantia Exequenda: € 71.492,98 - Sujeito Activo: Banco Espírito Santo, SA (...) - Processo n.º 624/05.0TBGDL Secção Única do Tribunal Judicial de Grândola;

E O prédio penhorado já foi tomado em definitivo por Banco Espírito Santo, SA, mediante a contrapartida de € 79.200,00.


3. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à única questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao não ter admitido e graduado o crédito reclamado de IRS referente ao ano de 2005 com o argumento de ele não se encontrava abrangido no período temporal de 3 anos que o artigo 111.º do CIRS exige para lhe reconhecer o privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora.
Com efeito, segundo a motivação aduzida na sentença, «O IRS é um imposto directo e, nos termos do artigo 111° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), relativamente aos últimos 3 anos, goza também de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente; a penhora foi efectuada em 2008.05.09, pelo que apenas os créditos de IRS de 2006 e 2007 gozam de privilégio e podem ser reclamados.». O que levou, na parte decisória, a julgar reconhecidos os créditos reclamados, com excepção dos créditos de IRS do exercício de 2005, e a proceder à sua graduação da seguinte forma:
· Em primeiro lugar, créditos de IMI, reclamados pela Fazenda Pública;
· Em segundo lugar, o crédito hipotecário reclamado por A……., SA, com os limites que constam do registo e juros dos últimos 3 anos;
· Em terceiro lugar, os créditos exequendos;
· Em quarto lugar, os créditos reclamados por Banco Espírito Santo, SA, Sociedade Aberta, garantidos por penhor posterior;
· Em quinto lugar, os créditos de IRS reclamados pela Fazenda Pública.
As custas, a cargo da Executada, saem precípuas do produto dos bens penhorados (artigo 455.º CPC).

Todavia, segundo a Recorrente, esse crédito reunia todas as condições para gozar de privilégio imobiliário sobre o prédio vendido na execução, pois os créditos de IRS relativos aos três últimos anos gozam de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora, nos termos do estatuído no artigo 111.º do CIRS, e para este normativo relevam os anos a que respeitam os rendimentos que justificaram a liquidação do imposto e não o momento em que foram postos a cobrança; razão por que, tendo a penhora sido efectuada no ano de 2008, esse crédito não podia deixar de ter sido admitido ao lado dos outros créditos de IRS que foram reclamados, admitidos e graduados para serem pagos no concurso de credores.
No que lhe assiste inteira razão.
Conforme tem sido afirmado por esta Secção de Contencioso Tributário, a literalidade do artigo 111.º do CIRS, onde se estabelece que “Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente”, não consente outra interpretação que não seja a de que o aludido privilégio creditório não abrange o imposto relativo ao próprio ano a que respeita a penhora efectuada na execução, dele beneficiando apenas o relativo aos três anos anteriores à penhora – Cfr. acórdãos do STA proferidos em 12/07/2006 e em 7/10/2009, nos Processos n.º 0641/06 e n.º 0628/09.
Na verdade, havendo que presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados, conforme decorre do disposto no artº 9°, nº 3, do Código Civil, tem de se entender que o privilégio creditório imobiliário previsto no artigo 111.º do CIRS não contempla o imposto relativo ao ano a que respeita a penhora efectuada na execução fiscal, mas tão só os créditos referentes aos três anos anteriores a essa penhora.
Como se deixou explicado naquele primeiro acórdão, «No referido art. 111.º não se faz referência ao ano da inscrição para cobrança, mas sim ao ano a que o IRS é relativo («IRS relativo aos três últimos anos»). O ano a que o IRS é relativo é o ano a que respeita o imposto, aquele cujos rendimentos servem de base à tributação, não havendo o mínimo de suporte textual necessário para entender que o IRS é relativo ao ano em que é posto a cobrança. Assim, tendo de presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9.º, n.º 3, do Código Civil), é de concluir que só gozam do privilégio previsto no artº 111.º créditos que de IRS referente aos três anos anteriores à penhora, independentemente do momento em que foram postos a cobrança.».
No caso em apreço, o reclamado crédito de IRS reporta-se a rendimentos auferidos no ano de 2005, pelo que tendo a penhora ocorrido em 2008, é inequívoco que goza do privilégio imobiliário previsto no artigo 111.º do CIRS, por se encontrar abrangido no citado período temporal de três anos.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se impõe conceder provimento ao recurso.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e, admitindo o reclamado crédito de IRS referente ao ano de 2005, proceder à sua graduação a par dos restantes créditos de IRS reclamados (5.º lugar).
Sem custas.

Lisboa, 9 de Maio de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Ascensão LopesPedro Delgado.