Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0351/11
Data do Acordão:10/19/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO
USO PRIVATIVO DO DOMÍNIO PÚBLICO
CONCESSÃO
DIREITO DE SUPERFÍCIE
CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL
INCIDENCIA DO IMPOSTO
Sumário:I - Não está sujeito a IMI o titular de subconcessão de terreno do domínio público hídrico, uma vez que este não pode considerar-se terreno para construção no sentido conferido pelo Código, não sendo possível aqui interpretação analógica.
II - Já nenhum obstáculo existe a que, relativamente às construções efectuadas no terreno e autorizadas no contrato de concessão (subconcessão), estas fiquem sujeitas a IMI, uma vez que o Decreto-Lei nº 468/71 estabelece expressamente que as construções se mantêm na propriedade do concessionário (subconcessionário) enquanto durar a concessão (subconcessão).
Nº Convencional:JSTA00067195
Nº do Documento:SA2201110190351
Data de Entrada:04/07/2011
Recorrente:A.., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2009/06/05 PER SALTUM
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR FISC - IMI
Área Temática 2:DIR CIV - DIR REAIS
Legislação Nacional:CIMI03 ART8
CCIV66 ART1524 ART9
DL 468/71 DE 1971/11/05 ART21 N2 ART17 ART20 ART21 ART26 ART28 N2
LGT98 ART11
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC27/2010 DE 2010/06/02
Referência a Doutrina:LEITE DE CAMPOS E OUTROS LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA 3 ED PAG75
FREITAS DO AMARAL A UTILIZAÇÃO DO DOMÍNIO PÚBLICO PELOS PARTICULARES 1965 PAG266
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1.“A…,” devidamente idª. nos autos, inconformada com a decisão do TAF de Braga, datada de 05JUN.09, que julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO JUDICIAL por si instaurada contra a FAZENDA PÚBLICA, respeitante a liquidações de IMI dos anos de 2003 a 2006, dela veio recorrer, apresentando alegações nas quais conclui:
A. Quanto à "parcela de terreno" do domínio público hídrico, inscrita sob o artigo matricial n. ° 2559, a que correspondem as liquidações de IMI relativas aos anos de 2003 e 2004:
1ª). Entende a douta sentença, subscrevendo a tese do Fisco, de que a R. é SUPERFICIÁRIO daquela parcela de terreno do domínio público hídrico 3 e, consequentemente, deve ser sujeita a IMI!
Mas assim não pode ser, pois,
2ª). A R. celebrou tão só uma "Escritura de subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico que o Município de Viana do Castelo faz à firma A…,".
3ª). Tal "subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico" efectuou-se "com subordinação ao regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.° 468/71, de 5 de Novembro",
4ª). E ainda "às disposições constantes do Regulamento das Condições de Concessão do Uso Privativo, aprovado pela Assembleia Municipal...", conforme consta da referida escritura pública.
5ª). Ora, é sobre esta parcela de TERRENO (lote) que o Fisco pretende cobrar IMI (um imposto), relativo aos anos de 2003 e 2004, conforme decorre das liquidações impugnadas, porque considera que a R. tem, quanto à parcela de TERRENO do domínio público Hídrico, a qualidade de "Tipo de proprietário - 04 -Superficiário".
6ª). Tal enquadramento (como superficiário) resultou apenas do facto de a R. assim o ter declarado, ainda que de forma indevida, mas também porque as hipóteses que decorrem dos próprios modelos de inscrição (Modelo 1) não consentem a inscrição de qualquer prédio para uma ocupação a título de subconcessionário de um lote de terreno do domínio público (!?).
7ª). Porém, a R. não é (não pode ser) SUPERFICIÁRIO porque não tem (não pode ter) um qualquer "direito de superfície" sobre a parcela de TERRENO do domínio público hídrico, sendo que apenas tem, de facto e até por imposição da lei que regulamenta aquele domínio público, o "uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico", conforme resulta não só do referido contrato e seus anexos, mas também por imposição da lei que regulamenta o domínio público hídrico,
8ª). ainda que haja sido erradamente inscrita matricialmente como tal, em termos que a identificaram como "Tipo de proprietário - 04 - Superficiário".
9ª). Aliás, diga-se em abono da verdade, a R. nunca poderia ter qualquer outra forma de uso ou utilização daquele domínio público hídrico que não fosse, como foi, por contrato de subconcessão (porque o próprio município de Viana do Castelo é, ele próprio e por sua vez, concessionário da mesma parcela por contrato de concessão com o Instituto Portuário do Norte, este sim, único e legítimo proprietário de tal domínio), dado que, em geral, assim o impõe a legislação quanto à afectação de bens que pertençam aquele domínio público.
10ª). Isto é, não pode o domínio público em geral, e em particular o domínio público hídrico aqui em causa, ser objecto de uma qualquer forma de apropriação privada que não seja apenas por um tipo contratual específico e único: um contrato de concessão ou um contrato de subconcessão, como é o caso concreto.
11ª). Por isso, labora a douta sentença em nulidade por oposição entre os factos e a decisão bem como em erro de julgamento, por vício de violação de lei, v.g. artigos 660.°/2, 668.°/l/c do CPC, ex-vi art.° 2.°/e e 125.°/l do CPPT e ainda dos art.°s 17.° e 18.°/1/2 do DL 468/71, de 5 de Novembro.
Sem prescindir,
B. Quanto às "instalações implantadas" na parcela de terreno do domínio público hídrico, inscritas sob o artigo matricial n.° 2553, a que correspondem as liquidações de IMI relativas aos anos de 2005 e 2006:
12ª). Entende a douta sentença, ultrapassando até a tese do Fisco e os factos inscritos matricialmente (atribuindo-se-lhe apenas a qualidade de Superficiário) que a R. é, ou deve ser entendida antes como PROPRIETÁRIO das instalações implantadas na parcela de terreno do domínio público hídrico, aliás, por força do "art° 8°, nº.s l e 2 do respectivo Código" como expressamente refere, ainda que apenas o n ° 1 se refira a tal qualificativo!
Mas, assim, também não pode ser, pois,
13ª). A R. foi autorizada, pela referida escritura pública e Regulamento de Concessão de Uso Privativo, a proceder à implantação de instalações para desenvolver nelas uma actividade económica com cariz de utilidade pública (estabelecimento aberto ao público), ainda que também limitada no tempo, isto é, 30 anos, tantos quantos o prazo da subconcessão daquela parcela de terreno - lote.
14ª. Porém, é sobre estas mesmas INSTALAÇÕES que o Fisco também pretende cobrar IMI, agora relativo aos anos de 2005 e 2006, conforme decorre das liquidações impugnadas, porque considera que a R. será agora também "Tipo de proprietário - 04 - Superficiário"(!).
15ª). De facto, ao proceder à inscrição matricial das referidas instalações (ainda que de forma indevida, como já se referiu, dada a natureza do contrato celebrado não o devia ter feito, tão pouco os serviços fiscais o deviam ter aceite nesses termos) fê-lo também na qualidade de SUPERFICIÁRIO, conforme está expresso na respectiva declaração Modelo 1: "Tipo de proprietário: 04-Superficídrio" e consta certamente do processo administrativo.
16ª).Isto é, nunca foi assumida a qualidade de PROPRIETÁRIO quanto às referidas instalações, seja pela R., seja pelo próprio Fisco!
17ª). Assim sendo, a R. não pode ser vista como SUPERFICIÁRIO quanto às referidas instalações implantadas na mesma parcela de terreno, porquanto, mais uma vez, o domínio público em geral, mas o domínio público hídrico em particular, não é susceptível de ter uma afectação com essa natureza, isto é, como beneficiário de um direito de superfície onde pudesse implantar instalações que, consequentemente, lhe atribuíssem depois a qualidade em questão: superficiário.
18ª). Ora, como já se disse e demonstrou, se não tem, ou sequer pode ter, um direito de superfície, como pode ser havido como superficiário quanto a instalações implantadas em parcela do domínio público?!
19ª). Todavia, a douta sentença vai mais longe e até entende que deve consignar à R. a qualidade de PROPRIETÁRIO e não de superficiário!?
20ª). Assim, pior ainda, a douta sentença pretendeu ver na R. não um SUPERFICIÁRIO, quanto às referidas instalações, mas antes como um verdadeiro PROPRIETÁRIO, posicionando-se, por isso, para além do objecto da discussão! ..
21ª). De facto, o R. também não é (não pode muito menos ser vista como) PROPRIETÁRIO das INSTALAÇÕES implantadas naquela parcela de terreno do domínio público hídrico a que corresponde o artigo matricial 2553, tal como pretendeu a douta sentença,
22ª). Pois, não tem (nunca poderá ter) a propriedade do que quer que seja sobre bens inseridos no domínio público hídrico, tanto mais que quaisquer "instalações implantadas" em tal domínio público acabam sempre revertendo (sem contrapartida, que não seja o seu uso pelo período do contrato de subconcessão) para o proprietário do domínio, aliás, nos termos da lei que regulamenta o tipo de (sub)contrato em causa, como já se deixou explícito,
23ª). ainda que haja sido inscrita matricialmente em termos que a identificaram também como "Tipo de proprietário - 04 - Superficiário", conforme resulta da mesma inscrição matricial, e não propriamente como proprietário pleno.
24ª). Aliás, diga-se em abono da verdade e insistindo, a R. nunca poderia ter qualquer outra forma de uso ou utilização daquele domínio público hídrico que não fosse, como foi, por contrato de subconcessão (porque o próprio Município de Viana do Castelo é, ele próprio e por sua vez, concessionário da mesma parcela por contrato de concessão com o Instituto Portuário do Norte, este sim, único e legítimo proprietário de tal domínio), dado que, em geral, assim o impõe a legislação quanto à afectação de bens que pertençam aquele domínio público.
25ª). Isto é, não pode o domínio público em geral, e em particular o domínio público hídrico aqui em causa, ser objecto de uma qualquer forma de apropriação privada que não seja apenas por um tipo contratual específico e único: um contrato de concessão ou um contrato de subconcessão, como é o caso concreto.
26ª). Por isso, labora a douta sentença em nulidade por oposição entre os factos e a decisão, bem como em erro de julgamento, por vício de violação de lei, v.g. artigos 660.°/2, 668.°/l/c do CPC, ex-vi art.° 2.°/e e 125.°/l do CPPT e ainda dos art.°s 17.° e 18.°/l/2 do DL 468/71, de 5 de Novembro.
Sem prescindir,
27ª). A douta sentença procede, nos termos em que o faz - para qualquer das situações em análise: A (parcela de terreno) ou B (instalações implantadas) - a uma integração analógica das normas de incidência, ou seja, do conteúdo do art° 8°/2 do CIMI, pois, só nesses termos é que é possível admitir que a atribuição de um uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico (parcela de TERRENO possa "transformar" ou fazer "equivaler" aquela qualidade ("uso privativo") a um qualquer direito de superfície (logo, havido como SUPERFICIÁRIO), sendo certo que apenas este último tipo legal se mostra abrangido pela norma subjectiva de incidência em causa.
28ª). Por isso, labora a douta sentença em manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade v.g. art.° 9.° e art.° 1524.°,ss. do Código Civil, art.° 8.°/2 do CIMI, art.°8.°da LGT, art.° 103.°/2/3 e art.° 165.°/l/i, art.° 204.° e art.° 266.° da CRP, e ainda art.° 11.°/1/2/4 da LGT.
Sem prescindir,
29ª). A douta sentença procede, nos termos em que o faz, a uma nova integração analógica das normas de incidência, ou seja, agora do conteúdo do art° 8°/l do CIMI, pois, só nesses termos é que é possível admitir que a atribuição de um uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico (parcela de TERRENO), ainda que autorizado a implantar INSTALAÇÕES, por período limitado de tempo (30 anos), e para o exercício de uma actividade com cariz de utilidade pública (estabelecimento aberto ao público), possa "transformar" ou fazer "equivaler" aquela qualidade (direito de "uso privativo") a um direito de propriedade (logo, havido como PROPRIETÁRIO), como o faz apenas a douta sentença sobre recurso (que não o próprio Fisco!), sendo que apenas aquela qualidade (PROPRIETÁRIO) se mostra abrangido pela norma subjectiva de incidência em causa.
30ª). Aliás, como já se referiu, tão pouco o Fisco consignou à R. um enquadramento desse tipo (como proprietário?), antes considerou que a sua natureza matricial sempre seria a de um " Tipo de proprietário - 04 -Superficiário", tal como constará do processo administrativo, pelo que daqui haverá que retirar, naturalmente, as devidas ilações quanto à decisão ínsita na sentença.
31ª). Por isso, labora a douta sentença em manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade v.g. art.° 9.°/2 e art.° 1302.°, ss., art.° 1304.° e art.° 1305.° do Código Civil, art.° 8.°/l do CIMI, art.° 8.° da LGT, art.° 103.°/2/3 e art.° 165.°/l/i, art.° 204.° e art.° 266.° da CRP, e ainda art.° 11.°/1/2/4 da LGT.
Sem prescindir,
32ª). A douta sentença erra ainda na fundamentação da matéria de facto provada, na alínea k), quando afirma que ao prédio omisso classificado como terreno para construção foi atribuído o artigo 2259.
33ª). De facto, como também já se salientou, tal artigo matricial é o 2559, como consta certamente do processo administrativo e consta das próprias notas de liquidação que foram oportunamente impugnadas.
34ª). Por isso, labora a douta sentença em erro material, v.g. art.° 667º. /l do CPC, ex-vi art. ° 2. °/e do CPPT. Sem prescindir,
35ª). A douta sentença interpreta erradamente o conteúdo dos artigos 11.°/3 da LGT e 8.°/l/2 do CIMI, porquanto:
36ª). A "substância económico dos factos tributários" não pode ser primeiro argumento para a interpretação, bem pelo contrário, a "dúvida" terá que ser deslindada, em primeira linha, pelas regras gerais, e só depois, se ainda assim "persistir dúvida" sobre o sentido das normas, é que se justificaria o recurso à disposição contida no art.° 11.°/3 da LGT.
Porém, no caso concreto, não se vislumbram:
37ª). Por um lado, nem "dúvida" sobre o sentido das normas de incidência, dado que a norma em causa (art° 8 °/l/2 do CIMI) não a oferece, isto é, a norma é bem clara sobre o que pretende tributar: o PROPRIETÁRIO (art.° 8.°/l) e, eventualmente, o SUPERFICIÁRIO (art.° 8.°/2), qualquer uma das qualidades que a R. não tem, tão pouco pode ter, dado que se está a falar sobre uma eventual afectação privada do domínio público.
38ª). Por outro lado, se aquela "dúvida" não existe, como parece claro, como pode ela "persistindo" para que então de pudesse recorrer ao art.° 11.°/3 da LGT?
39ª). A doutrina supra citada demonstra à exaustão o sentido com que a norma deve ser aplicada,
40ª). E muito menos tem razão para o ser no caso concreto, quando é certo que:
41ª). por um lado, as partes celebraram o contrato pretendido, e,
42ª). por outro lado, não podiam sequer celebrar qualquer outro de natureza diferente do contrato de subconcessão, porque a legislação em vigor tal não consente.
43ª). Por isso, labora a douta sentença em erro de julgamento, v.g. art.° 9.°, 1302.°, ss., art.° 1524.°, ss. do Código Civil, art.° 11.0/1/2/3 da LGT e art.° 8./1/2 do CIMI e art. ° 17. °, 18. ° e 19. ° do DL 468/71.
Sem prescindir,
44ª). Atendendo à natureza do IMI como imposto sobre o PATRIMÓNIO, dir-se-á ainda que a R. não detém sequer qualquer PATRIMÓNIO, conforme se deixou bem expresso nos pontos 366, ss., em termos de poder computar-se o "valor patrimonial, correspondente a PRÉDIOS, nos termos em que estes conceitos jurídico-fiscais se mostram consignados no art.° 1º e 2.° do CIMI,
45ª). Pelo que haverá que concluir que não preenchendo, desde logo, os pressupostos objectivos de incidência, não pode também ser sujeito passivo (incidência subjectiva) do imposto, por força do que dispõe o art.° 8.°/1/2 do CIMI.
46ª). Assim sendo, a douta sentença interpreta erradamente as normas constantes destes artigos, pelo que labora em consequente erro de julgamento, v.g. art.° 1º e art.° 2.° do CIMI, art.°s 9.°/l/2 e 202.°/2 do Código Civil, 84.° da CRP e art. ° 11. °/l/2/ da LGT.
Sem prescindir,
47ª). A R. entende, também no sentido explanado pela douta doutrina, que a tributação consignada no CIMI para os direitos reais menores é INCONSTITUCIONAL, mormente quanto ao "direito de superfície" que apesar de tudo e em face do exposto, entende que não tem, nem pode ter, como ficou supra explanado, mas ao contrário do entendimento do Fisco, que o consigna como "Tipo de proprietário-04- Superficiário"-, quer quanto à parcela de terreno, quer quanto às instalações implantadas naquela,
48ª). Dizia-se, inconstitucional, tendo em vista que "Sendo assim, nestes casos, os usufrutuários, os superficiários, os titulares do direito de uso na propriedade resolúvel, os titulares de direitos reais de uso e de habitação, são obrigados a pagar imposto sobre capacidade contributiva que não têm, pelo que, estes tributos, enquanto Impostos sobre o património, são inconstitucionais."
49ª). Por isso, a admitir-se a tributarão pretendida pela Fisco, incidente sobre a R. na qualidade de Superficiário e para todos os períodos em questão (2003, 2004, 2005 e 2006), ela seria ainda assim inconstitucional, por violação de princípios expressamente consagrados, ou seja,
50ª). É, assim, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e da propriedade privada, v.g. art.°s 13.°/2, 104.°/3 e 62.°/2 da CRP.
51ª). Também por isso, a douta sentença labora em ilegalidade e erro de julgamento ao não consignar o reconhecimento dessa inconstitucionalidade, como o determina o melhor entendimento doutrinário e do próprio Tribunal Constitucional, em violação do que dispõe o artº 204º da CRP.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais.
Assim, Vªs. Exas. farão, como sempre, inteira justiça.
2. Não foram apresentadas contra-alegações.
3. O M° P° suscitou a questão prévia da incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia, por entender estar em causa matéria de facto, já que nas conclusões das alegações se refere ter havido erro quanto ao artº 2259 (v. fls. 344).
4. Ouvidas as partes sobre esta questão prévia suscitada pelo MºPº, nada vieram dizer.
5. Colhidos os vistos legais, cabe agora decidir.
6. Com interesse para a decisão, foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
a) No dia 11 de Janeiro de 2002, através de escritura pública foi celebrado um acordo de "subconcessão de uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico" entre o Município de Viana do Castelo e a impugnante.
b) De acordo com essa escritura, cujo teor consta de fls. 49 a 53 e aqui se dá por reproduzido, o Município de Viana do Castelo declarou subconcessionar à Impugnante, pelo prazo de 30 anos, contado do início de vigência do Contrato de Concessão de Uso Privativo do Domínio Público Hídrico outorgado entre a Câmara Municipal de Viana do Castelo e o Instituto Portuário do Norte, o lote do Parque Empresarial da Praia Norte, com a área de sete mil e oitocentos metros quadrados e área coberta de mil e seiscentos metros quadrados
c) A Impugnante, através da referida escritura declarou obrigar-se a efectuar os pagamentos das taxas iniciais de ocupação do lote, no mês seguinte ao da emissão da licença de utilização, pela Câmara Municipal, e nos anos subsequentes até ao fim de idêntico mês, da forma a seguir discriminada (...).
d) Mais declarou a Impugnante aceitar a subconcessão nos precisos termos que consta da referida escritura.
e) Em 15 de Março de 2006, através da internet, a Impugnante enviou ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a Declaração Modelo l para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz.
f) Essa declaração reporta-se a um prédio urbano omisso na matriz e a que foi atribuído o artigo 2553, situado na freguesia de Viana do Castelo (Monserrate), Avenida …, …, Lote …, com afectação a "Serviços", 4 pisos e 60 divisões.
g) Dessa declaração consta no campo referente ao "Tipo de proprietário" que a Impugnante é "superficiária".
h) Ainda de acordo com essa declaração, a data da licença de utilização do referido prédio é a de 27 de Maio de 2005.
i) O prédio referido na alínea f) foi edificado no lote de terreno que se menciona supra na alínea b).
j) Em 22 de Maio de 2006, a Impugnante, através da internet, a Impugnante enviou ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a Declaração Modelo l para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz.
k) Essa declaração reporta-se a um prédio omisso a que veio a ser
atribuído o artigo 2259, entretanto eliminado, e é constituído por um terreno para
construção e corresponde ao lote referido supra na alínea b).
l) Em 8 de Dezembro de 2007, a administração tributária procedeu às liquidações de IMI e juros compensatórios, relativas aos anos de 2003 e 2004 e respeitante ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 2559 supra referido, conforme consta das demonstrações de fls. 29 e 31 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
m) Em 8 de Dezembro de 2007 a administração tributária procedeu às liquidações de IMI e juros compensatórios, relativas aos anos de 2005 e 2006 e respeitante ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 2553 supra referido, conforme consta das demonstrações de fls. 33 e 35 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
n) O prazo para pagamento voluntário das quantias liquidadas terminou em 31 de Janeiro de 2008.
o) A presente impugnação judicial foi apresentada em 4 de Abril de 2008.
7. O MºPº suscitou a questão da incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia, dado que nas conclusões das alegações a recorrente refere ter existido erro de facto na referência ao artigo 2259.
As partes nada vieram dizer sobre a questão, pelo que cumpre decidi-la.
Ora, desde já se dirá que a referência ao artigo 2259 constitui mero lapso material, conforme resulta dos documentos juntos aos autos (v. fls. 29 e 31), sem qualquer relevância na decisão. O que está em causa, efectivamente é o artº 2559.
Pelo exposto improcede esta questão prévia.
8. De acordo com as conclusões das alegações da recorrente, são as seguintes as questões a conhecer no presente recurso:
a) Saber se, relativamente ao terreno (IMI de 2002 e 2004), a sentença recorrida é nula por oposição entre os factos e a decisão, cometendo a mesma erro de julgamento por vício de violação dos artºs 17º e 18º do DL nº 468/71, de 5 de Novembro (conclusões 1ª a 11ª);
b) Saber se, relativamente às construções realizadas no terreno concessionado, tendo a sentença considerada a recorrente superficiária ofendeu as normas legais mencionadas na alínea anterior (conclusões 12ª a 26ª);
c) Violação do disposto nºs nºs 1 e 2 do artº 8º do CIMI, por aplicação analógica (conclusões 27ª a 31ª e 44ª a 46ª);
d) Erro na fundamentação de facto (conclusões 32ª a 34ª).
e) Erro de interpretação dos artºs 11º, nº 3 da LGT e 8º, nºs 1 e 2 do CIMI (conclusões 35º a 43º);
f) Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva e da propriedade, da interpretação dada na sentença quanto à aplicação do IMI à recorrente na qualidade de superficiária.
Vejamos então.
8.1. Se exceptuarmos a matéria referente ao erro de facto – artº 2259 – e à nulidade da sentença por contradição entre os factos e a decisão, todas as restantes questões se resumem a uma: a de erro de direito na apreciação da natureza do terreno e das construções nela implantadas, daí podendo derivar ofensa das normas legais acima indicadas.
Sendo assim, iremos apreciar estas questões.
8.2. Quanto ao erro de facto, como já acima se disse, trata-se de mero erro material, já que em parte alguma dos autos alguma vez se fez referência a tal artigo.
Os doc.s de fls.29 e 31 indicam-nos claramente que estamos perante o artigo U-02559, sendo também esse o referido na petição inicial.
Este erro é, portanto, corrigido em face dos citados documentos.
8.3. Quanto à nulidade da sentença por contradição entre os factos e a decisão, verifica-se apenas que a sentença recorrida partiu do entendimento de que no caso ocorria a situação da existência de um direito de superfície da impugnante, para decidir pela bondade da liquidação impugnada. Daqui não decorre, todavia, qualquer «oposição entre os factos e a decisão», apenas por a decisão ser contrária ao entendimento da recorrente.
Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença.
8.4. Como se referiu acima, nas restantes conclusões das suas alegações, a recorrente limita-se a divergir da sentença em termos que se reconduzem, no essencial, à alegação de erro de julgamento por parte daquela, porquanto assenta numa interpretação analógica da norma constante do nº 2 do art. 8º do CIMI, já que apenas com recurso a tal interpretação é possível admitir que a atribuição do uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico possa ser equiparada a um direito de superfície.
A questão a decidir resume-se, portanto, à de saber se ocorre este invocado erro de julgamento.
8.4.1. O artº. 8° do CIMI dispõe o seguinte:
«1 – O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.
2 – Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
3 – No caso de propriedade resolúvel, o imposto é devido por quem tenha o uso e fruição do prédio.
4 – Presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n° 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio.
5 – Na situação prevista no artigo 81º o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal.»
As liquidações dos anos de 2003 e 2004 respeitam, tal como resulta dos documentos de fls. 29 e 31 e da petição (artºs 2º e 3º) a “um prédio urbano - terreno para construção”, a que foi atribuído o artigo 02559 da respectiva matriz, e as liquidações dos anos de 2005 e 2006 respeitam, tal como resulta dos doc.s de fls. 33 e 35 e da petição (artºs 4º e 5º) a um “prédio urbano - serviços”, a que foi atribuído o artº U-02553 da respectiva matriz. A decisão recorrida considerou que, em relação à parcela de terreno, não se pode falar de qualquer direito de propriedade por parte da impugnante, dado que tal parcela integra o domínio público hídrico.
Mas considerou que a impugnante foi tributada não como proprietária mas na qualidade de superficiária dessa parcela de terreno, logo explicita que se trata, não do conceito de direito de superfície em sentido estrito, mas, antes, de um conceito de “direito de superfície” que abrange todas as situações em que a alguém é proporcionado um direito de gozo (real ou pessoal) sobre um prédio alheio cujo conteúdo faculta a possibilidade de construir ou manter nesse prédio uma obra ou uma plantação e, neste pressuposto, é de considerar que se enquadra na referida norma de incidência o concessionário de uso privativo de domínio público que envolva poderes de edificação.
Ou seja, não se caracteriza a impugnante como superficiária estrita: a sentença caracteriza-a, enquanto subconcessionária de um terreno do domínio público hídrico, como titular de um direito enquadrável no conceito amplo de direito de superfície. E daí conclui que a liquidação é legal, uma vez que a norma de incidência contida no nº 2 do art. 8º do CIMI abrange não só o titular do direito de superfície em sentido estrito (enquanto direito real com a configuração que lhe é conferida pelo normativo do art. 1524° do Código Civil), mas, também, todas as situações em que alguém é titular de um direito de conteúdo idêntico ao direito de superfície (do ponto de vista do aproveitamento económico do prédio), mesmo que esse direito não assuma a natureza de direito real e consista num mero direito pessoal de gozo ou na faculdade de construir ou manter uma obra em terreno alheio.
E é precisamente deste entendimento que a recorrente discorda (cfr. conclusões 467º e seguintes).
Já quanto às liquidações relativas à construção do edifício implantado pela recorrente no terreno concessionado, a sentença recorrida considerou a sua legalidade, louvando-se no artº 21º, nº 2 do DL nº 468/71 que estabelece que envolvendo o uso privativo do domínio público a realização de obras as construções efectuadas se mantém na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo.
8.4.2. Como é sabido, a noção legal do direito de superfície vem estabelecida no art. 1524° do Código Civil e consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações. (Seguimos aqui o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 02.06.2010. - Processo nº 027/2010, sobre a mesma questão e recorrente, embora limitada ao IMI de 2007, referente ao imóvel construído no terreno concessionado.)
Trata-se de um direito que, como diz a sentença recorrida, citando Pires de Lima – Antunes Varela, se desdobra em duas vertentes: «Por um lado, o superficiário é, ou virá a ser, proprietário da obra ou plantação. É de um verdadeiro direito de propriedade, sujeito à respectiva disciplina, que se trata. (...) A outra face do estatuto real do superficiário é a que se refere ao direito deste em relação ao terreno ou solo, no qual ficam implantadas a obra ou as árvores que lhe pertencem (...). O art. 1524° do Código Civil aponta inequivocamente como elemento fundamental (típico, específico) da superfície a relação do superficiário com o solo. É esse, de facto, não só o aspecto essencial, mas o elemento irredutível da superfície, visto a propriedade superficiária não existir enquanto a obra se não constrói ou a plantação se não faz».
No caso, a sentença interpreta o nº 2 do art. 8º do CIMI com o sentido de que, apesar de a norma referir apenas como sujeitos passivos deste imposto o proprietário, usufrutuário e o superficiário, ali se englobam também o concessionário e subconcessionários do uso privativo do domínio hídrico, dado que o conceito de “direito de superfície” tem o sentido de abranger todas as situações em que a alguém é proporcionado um direito de gozo (real ou pessoal) sobre um prédio alheio cujo conteúdo faculta a possibilidade de construir ou manter nesse prédio uma obra ou uma plantação e, neste pressuposto, é de considerar que se enquadra na referida norma de incidência o concessionário de uso privativo de domínio público que envolva poderes de edificação.
Ora, atentando no disposto no art. 11º da LGT e considerando que o artº. 8º do CIMI se insere no âmbito das normas de incidência de tal imposto, não sofre dúvida que tal preceito legal não é passível de integração analógica. A exigência de que a disciplina dos elementos essenciais do imposto conste da lei (parlamentar) decorre do próprio princípio constitucional da legalidade fiscal e obsta a que o legislador deixe para o aplicador das leis - a administração tributária ou o juiz – qualquer possibilidade de colmatação de lacunas, seja através do recurso à analogia, seja por qualquer outro modo de preenchimento de lacunas. Daí a regra inserida no nº 4 deste art. 11º da LGT.
Por outro lado, também parece, hoje, assente que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica, prevalecendo, mesmo no âmbito tributário, a aplicação dos critérios reconhecidos pelo art. 9º do CCivil. Como referem Diogo Leite de Campos e Outros (LGT, Anotada, 3ª Edição, Anotação 2 ao art. 11º, pags. 75 e sgts.), «… É bem conhecido que o Direito fiscal utiliza conceitos recebidos do ordenamento jurídico privado, do Direito administrativo e de outros ramos de Direito. Haverá, assim, a tendência de sujeitar a interpretação das normas tributárias aos critérios admitidos, nos outros ramos de Direito. E, também, a qualificar os conceitos recebidos do modo porque o são no ramo de Direito de origem.
São particularmente importantes os conceitos provenientes do direito privado, quanto ao direito dos impostos em especial. E os conceitos provenientes do direito administrativo, nas normas de procedimento administrativo. (…)
Assim, os ramos do Direito tributário de mais ampla tradição civilística, como os impostos sobre a transmissão dos bens e os impostos sobre as sucessões, estão assentes em conceitos do Direito privado. (…)
Não está em causa que o Direito tributário possa qualificar qualquer conceito com o sentido que considere conveniente. Mas não é menos certo que, normalmente, tais conceitos apresentarão, no âmbito tributário, um sentido semelhante ou muito próximo do que lhes é atribuído nos seus ramos de origem.
A pesquisa prévia sobre o sentido dos conceitos nos seus ramos de origem terá, além disso, duas grandes vantagens: primeiro permitir salvaguardar a unidade do Direito; depois, favorecer o avanço técnico do Direito tributário, através da recolha de conceitos já longamente estudados noutros ramos de direito, o que permitirá uma maior certeza e segurança das relações jurídicas tributárias.» (…)
«Há que distinguir interpretação extensiva e aplicação analógica. Parece que entre interpretação extensiva e aplicação analógica não existe uma diferença qualitativa mas sim quantitativa. Limitando-se a primeira a estender o significado dos conceitos utilizados para além do sentido literal dos mesmos; enquanto que, através da aplicação analógica se estendem os conceitos utilizados a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.» (Ibidem, Anotação 5)
Retornando, então, à alegação da recorrente, julgamos que, independentemente da questão de saber se estamos aqui perante uma interpretação que entra no domínio da integração analógica (proibida pela lei) ou se contém, ainda, no âmbito da interpretação extensiva (que não é proibida pela LGT), a situação dos autos não se resolve mediante o recurso a essa elaboração jurídica.
É, certo que é inquestionável que o terreno onde a impugnante procedeu à edificação do prédio constitui um terreno do domínio público hídrico.
Ora, o direito de superfície (isto é, a concessão para plantar ou edificar em terreno alheio) é um direito real inerente a um imóvel, na maioria dos casos um prédio rústico, e que, no caso vertente, teria necessariamente de incidir sobre a parcela de terreno do domínio público.
E, como é sabido, os terrenos do domínio público não podem ser objecto de contratos de natureza privatística, designadamente de contratos de constituição de direito de superfície. Eles apenas podem ser objecto de contratos administrativos de concessão, como resulta expressamente do DL nº 468/71, de 5/11, que prevê o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico.
Mas, embora sendo discutível se o direito do concessionário tem natureza jurídica de um verdadeiro direito real sobre coisa alheia, ou se tem natureza jurídica de direito pessoal de gozo sobre coisa pública (questão a que, aliás, a sentença recorrida dá resposta – afirmando, com suporte na jurisprudência e doutrina ali citadas, que pode qualificar-se como um direito pessoal de gozo de natureza pública), ou, ainda, se tem natureza jurídica de um mero direito obrigacional (cfr. Freitas do Amaral, A Utilização do Domínio Público pelos Particulares, Lisboa, 1965, 266 e sgts. – devendo ter-se em conta, apesar de tudo, que esta obra é anterior à reformulação do regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, operada pelo DL nº 468/71), o que nos parece manifesto é que os contratos de concessão de uso privativo do domínio hídrico por particulares não conferem a estes o estatuto de superficiários (direito real típico previsto no art. 1524º e sgts. do CCivil), estando os respectivos concessionários sujeitos a um regime jurídico autónomo e diferenciado daquele a que está sujeito o superficiário (embora os respectivos regimes possam ter algumas semelhanças em determinados aspectos).
Sendo assim, não sendo a impugnante, nem podendo ser, titular de qualquer direito de superfície sobre a dita parcela de terreno, que integra o domínio público hídrico, e não podendo, igualmente, de acordo com as regras de interpretação das normas jurídicas tributárias, reconduzir-se o conceito de superficiário inserto no nº 2 do art. 8º do CIMI ao conceito de concessionário, as liquidações de IMI de 2003 e 2004 relativas ao terreno concessionado não podem manter-se, pelo que serão anuladas.
8.4.3. Relativamente à construção efectuada no terreno, a situação é diversa, pois, como se referiu na sentença, as construções efectuadas no terreno concessionado ficam na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo.
Neste sentido se decidiu também no Acórdão deste Supremo Tribunal, acima citado, com a seguinte fundamentação:
A dominialidade pública não obsta a que parcelas determinadas dos terrenos públicos sejam «destinados a usos privativos» (artº 17º do citado DL 468/71). Utilização privada essa que, atribuída mediante contrato administrativo, fica, como se disse, sujeita a um regime jurídico próprio, previsto no citado diploma legal e que é bem distinto do regime previsto no Código Civil para o direito de superfície.
Ora, de acordo com tal regime, as concessões, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares «o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, das parcelas dominiais a que respeitam», abrangendo poderes tais como os de «construção, transformação ou extracção» (art. 20º) e caso a utilização permitida envolver a realização de obras ou alterações, o direito do uso privativo abrange poderes de construção, transformação ou extracção, conforme os casos, «entendendo-se que tanto as construções efectuadas como as instalações desmontáveis se mantêm na propriedade do titular da licença ou da concessão até expirar o respectivo prazo» (nº 2 do art. 21º, com sublinhado nosso), podendo mesmo, embora com autorização da entidade que conferiu a concessão, transmitir para outrem essas construções ou hipotecá-las (art. 25º), tendo direito, em caso de rescisão da concessão, a uma indemnização equivalente ao custo das obras realizadas e das instalações fixas que ainda não possa estar amortizado (nº 2 do art. 28º) e sendo que uma vez expirado esse o prazo «as obras executadas e as instalações fixas revertem gratuitamente para o Estado» (art. 21º e 26º, todos do citado DL).
Ou seja, em termos de conteúdo do direito de uso privativo, o direito do concessionário sobre os edifícios ou prédios que tenha construído na área afectada ao seu uso privativo é, nos termos da lei, um verdadeiro direito de propriedade.
E, assim sendo, adquirindo o concessionário ou subconcessionário o estatuto de proprietário das construções que edificou no exercício do direito de uso privativo do terreno do domínio público, as quais são objecto de descrição autónoma tanto no registo predial como na matriz predial, como prédios urbanos, torna-se inquestionável que ele é o sujeito passivo de IMI, nos termos do nº 1 do art. 8º do Código do IMI, segundo o qual «O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar», não havendo qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica do preceito (só ocorre interpretação extensiva quando a solução para uma determinada hipótese não está contida no texto da lei mas é abrangida pelo seu espírito e só ocorre integração analógica quando a solução de determinada hipótese não se encontra nem na letra nem no espírito da norma) nem, consequentemente se verificando as invocadas inconstitucionalidades.
Portanto, e independentemente de existência de algumas limitações ao direito de propriedade, a verdade é que a recorrente, enquanto se mantiver titular da concessão, é a verdadeira proprietária das construções, constituindo-se, por isso sujeito passivo de IMI.
8.4.4. A recorrente invocou ainda que a tributação consignada no CIMI para os direitos reais menores é INCONSTITUCIONAL, mormente quanto ao "direito de superfície" que apesar de tudo e em face do exposto, entende que não tem, nem pode ter, como ficou supra explanado, mas ao contrário do entendimento do Fisco, que o consigna como "Tipo de proprietário-04- Superficiário"-, quer quanto à parcela de terreno, quer quanto às instalações implantadas naquela,
Isto porque "Sendo assim, nestes casos, os usufrutuários, os superficiários, os titulares do direito de uso na propriedade resolúvel, os titulares de direitos reais de uso e de habitação, são obrigados a pagar imposto sobre capacidade contributiva que não têm, pelo que, estes tributos, enquanto Impostos sobre o património, são inconstitucionais."
Por isso, a admitir-se a tributarão pretendida pela Fisco, incidente sobre a R. na qualidade de Superficiário e para todos os períodos em questão (2003, 2004, 2005 e 2006), ela seria ainda assim inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e do capacidade contributiva e da propriedade privada.
Quanto à tributação do terreno, atenta a posição acima assumida, esta questão deixa de ter relevância.
Quanto à tributação das construções, não se vê violação de nenhum dos princípios constitucionais invocados.
Com efeito, quanto ao princípio da igualdade, considerando-se a mesma proprietária das instalações, paga imposto nos mesmos termos dos outros proprietários de prédios urbanos.
Quanto ao princípio da capacidade contributiva, também não se vê a sua ofensa, já que não se exige imposto que não seja exigido a outros contribuintes com igual capacidade contributiva – proprietários de imóveis.
Finalmente, também não se vê onde esteja a violação do princípio da propriedade privada, se essa propriedade lhe é reconhecida, quer pela sentença, quer pela lei (DL 468/71).
9. Nestes termos e pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso:
a) Revogando-se a decisão recorrida na parte em que considerou a legalidade do IMI dos anos de 2003 e 2004, julgando-se procedente, nesta parte, a impugnação e anulando-se as respectivas liquidações;
b) Manter, no mais, a decisão recorrida com a consequente improcedência da impugnação na parte referente ao IMI dos anos de 2005 e 2006, e a manutenção das respectivas liquidações.
Custas pela recorrente na proporção do vencimento.
Lisboa, 19 de Outubro de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto Casimiro Gonçalves.