Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0108/18.6BELRA
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão dos recursos de revista dado estar em discussão questão em matéria de contratação pública respeitante a critério de adjudicação e que se mostra dotada de complexidade jurídica, envolvendo o cotejo e articulação de variado quadro normativo.
Nº Convencional:JSTA000P26269
Nº do Documento:SA1202009100108/18
Data de Entrada:07/01/2020
Recorrente:A............, SA E OUTROS
Recorrido 1:B............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. MUNICÍPIO DE LEIRIA [doravante R.], «C…………, SA», «A…………, SA» e «D…………, SA» [doravante contrainteressadas], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticionam a admissão dos recursos de revista pelas mesmas interpostos do acórdão de 16.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 1017/1030 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença proferida pelo TAF de Leiria [doravante TAF/L] [que havia julgado a presente ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual totalmente improcedente], decidindo anular o ato de adjudicação proferido pelo R., em 20.12.2017, a favor do agrupamento constituído pelas contrainteressadas e condenar o R. «a, no âmbito do procedimento adjudicatório de concurso público na modalidade de concurso limitado por prévia qualificação para aquisição dos serviços de recolha e transporte a destino final adequado de resíduos urbanos (RU) e de resíduos de construção e demolição (RCD), da responsabilidade do Município, e dos serviços de limpeza urbana no Concelho de Leiria, emitir o ato de adjudicação do contrato a favor do candidato selecionado … B.........., SA».

2. Motivam a admissão dos recursos de revista [cfr., respetivamente, fls. 1043/1066 e fls. 1073/1125] na relevância jurídica do objeto de litígio e, bem assim, na necessidade de «uma melhor aplicação do direito», enunciando como questão a apreciar, por alegadamente incorretamente julgada, que é a de definir qual o preço a atender para efeitos de classificação das propostas quando o critério é o do mais baixo preço, ou seja, se o do preço total apresentado na proposta expresso com um máximo de duas casas decimais ou se antes deve ter obrigatoriamente três casas decimais quando o mesmo resulte da multiplicação de preços unitários que pudessem ser oferecido com três casas decimais, por em infração do que se mostra disposto, nomeada e conjugadamente, nos arts. 27.º, n.º 1, do Programa de Procedimento, pontos II n.ºs 2 e 4 do Convite e cláusula 8.ª do Caderno de Encargos, e nos arts. 17.º, 47.º, n.º 1, al. a), 70.º, n.º 2, al. d), 71.º, n.º 1, 74º, n.ºs 1, al. b), e 2, 97.º, n.º 1 e 189.º, n.º 3, todos do Código dos Contratos Públicos [CCP].

3. A aqui recorrida «B.........» produziu contra-alegações [cfr. fls. 1133/1164] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão das revistas.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como vimos o TAF/L havia julgado a ação totalmente improcedente dado haver entendido que no caso a pretensão deduzida pela A. não procedia [cfr. fls. 850/870], sendo que o «TCA/S», em apreciação do objeto recursivo que lhe foi dirigido, entendeu conceder provimento ao recurso interposto, revogando a mesma sentença e julgando em decorrência a ação procedente, para tal anulando o ato de adjudicação e condenou o R. a emitir o ato de adjudicação do contrato a favor da A..

7. Mostra-se inequívoco que a questão decidenda e que foi supra elencada goza de relevância jurídica fundamental, porquanto a mesma assume carácter paradigmático e exemplar, já que nela se verifica capacidade de expansão da controvérsia, visto suscetível de se projetar ou de ser transponível para fora do âmbito dos autos, para outras situações futuras indeterminadas, apresentando, assim, interesse para a comunidade jurídica, o que legitima os recursos de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.

8. Temos, por outro lado, que a referida questão revela-se ser dotada de complexidade jurídica, revelada, desde logo, nos juízos diametralmente divergentes realizados nas instâncias, mas, também, pelo facto da sua análise envolver o cotejo e articulação de variado quadro normativo que importa que seja devidamente dilucidado por este Supremo Tribunal.

9. Por último, importa atentar no valor elevado que se mostra envolvido no presente procedimento e contrato e que ronda os 25.000.000,00 € [24.806.310,00 €], pelo que tudo conflui para a conclusão da necessidade de se receberem os recursos para se rever a decisão de direito.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir as revistas.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho