Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01037/15
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:JUIZ
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
AJUDAS DE CUSTO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
Sumário:I - Por ter apreciado a questão, suscitada pelos AA., que a aplicação do regime geral da função pública constante do DL n.º 106/98, de 24/4, consubstanciava uma violação de lei de valor reforçado, não padece de omissão de pronúncia o acórdão que entendeu que o art.º 32.º, da LOFPTC, não continha um regime especial integral de ajudas de custo dos juízes do tribunal constitucional e que a lacuna existente nesta lei teria de ser integrada pelo recurso à aplicação do DL n.º 106/98.
II - A finalidade das ajudas de custo é a de compensar os encargos, ainda que presumidos, resultantes de uma deslocação, com a alimentação e o alojamento.
III - Esta teleologia está também presente nas ajudas de custo atribuídas aos juízes do tribunal constitucional, devidas pela sua participação em sessão do tribunal e que não estão condicionadas pelo período horário abrangido pela deslocação nem pela existência de um gasto efectivo em refeições e alojamento, as quais têm natureza idêntica às que são abonadas aos juízes do STJ, apesar de, além do dia da sessão, abrangerem mais dois dias por semana e não deixarem de ser abonadas, embora em montante inferior, àqueles que residem nos concelhos da Grande Lisboa.
IV - Sendo o montante diário da ajuda de custo processada pela totalidade, nele está incluído o custo das refeições, pelo que, atento à proibição da duplicação de pagamentos com a mesma causa, haverá que deduzir a esse montante o quantitativo pago a título de subsídio de refeição.
Nº Convencional:JSTA00070623
Nº do Documento:SAP2018032201037
Data de Entrada:10/12/2016
Recorrente:A.... E OUTRO
Recorrido 1:PRESIDENTE DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC SECÇÃO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL.
Legislação Nacional:DL 106/98 DE 1998/04/24 ART1 N1 ART8 N5 ART37.
LOFPTC ART17 ART32 N1 N2.
L 04/85 DE 1985/04/09 ART1 N3 ART3 N3 ART15 N1.
L 85/89 DE 1989/09/07 ART32 N3 N4.
DL 519-M/79 DE 1979/12/28 ART18.
L 21/85 DE 1985/07/30 ART22 ART27 ART32.
CC ART9 N3.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:



1. A………………. e B………………….., Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, intentaram acção administrativa especial, para impugnação do despacho, de 4/5/2015, do Presidente do Tribunal Constitucional, que determinou que deixasse de ser processado o pagamento de subsídio de refeição nos dias em que eram abonadas ajudas de custo aos juízes desse tribunal, pedindo a anulação do despacho impugnado e, subsidiariamente, a declaração de ilegalidade da interpretação perfilhada quando considera aplicáveis as normas dos artºs. 8.º e 37.º, do DL n.º 106/98, de 24/4, por violação da norma do art.º 32.º, da LOFPTC (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15/11), que é uma lei de valor reforçado.
Por acórdão da Secção, de 1/6/2016, foi essa acção julgada improcedente.
Deste acórdão, os AA. interpuseram recurso, para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“A) Os ora recorrentes impugnaram contenciosamente o despacho do Presidente do Tribunal Constitucional de 4 de maio de 2015, que determinou que se deixasse de processar o pagamento do subsídio de refeição aos juízes do Tribunal Constitucional nos dias em que sejam abonadas as ajudas de custo a que se refere o art.º 32.º da Lei do Tribunal Constitucional.
B) Esse despacho assenta no pressuposto de que as ajudas de custo que devam ser abonadas aos juízes do Tribunal Constitucional por cada dia de sessão nos termos daquele dispositivo incluem a compensação do custo da refeição, por aplicação subsidiária do regime jurídico do abono de ajudas de custo ao pessoal da Administração Pública.
C) De facto, o regime geral de abono de ajudas de custo, que consta do DL n.º 106/98, de 24/4, estabelece as regras de cálculo da ajuda de custo em determinadas percentagens (25%, 50% e 100%), consoante as variáveis horárias da deslocação sejam ou não determinantes de despesas de refeição e ou de alojamento (art.º 8.º), e, consequentemente, o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido nas ajudas de custo quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço (art.º 37.º).
D) No entanto esse art.º 32.º da LTC institui um regime especial em matéria de ajudas de custo pelo qual aos juízes residentes fora de Lisboa e dos municípios confinantes é atribuído o «o direito à ajuda de custo fixada para os membros do Governo, abonada por cada dia de sessão do tribunal em que participem e mais dois dias por semana» (n.º 1), e aos juízes residentes em Lisboa e nos municípios confinantes o direito a um terço dessa ajuda de custo (n.º 2).
E) Sendo que o direito à ajuda de custo atribuído nesses termos não é compatível com as condições e as regras de cálculo definidas no DL n.º 106/98, de 24/4, nem é possível estabelecer uma qualquer correspondência entre o abono da ajuda de custo e o pagamento de despesas relativas ao almoço, jantar e alojamento a que se refere esse outro diploma legal.
F) Nesse sentido aponta o elemento histórico de interpretação, que permite concluir que o legislador pretendeu instituir uma equiparação entre o regime de ajudas de custo dos juízes do Tribunal Constitucional e dos deputados à Assembleia da República e que é evidenciada pela evolução legislativa da LTC e do Estatuto dos Deputados e ressalta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 85/89, de 7/9, que fixou a redação atualmente vigente do referido art.º 32.º.
G) O que é reforçado por um argumento teleológico, que se prende com a natureza e finalidade próprias das ajudas de custo contempladas no DL n.º 106/98.
H) Com efeito, nos termos do art.º 32.º da LTC é abonada uma ajuda de custo diária nos dias de sessão, independentemente do período de tempo que é abrangido pela deslocação, e ainda mais dois dias por semana, abrangendo, por isso, dias em que não há despesas necessárias por força da presença nas sessões, além de que a ajuda de custo dos juízes residentes em Lisboa e nos municípios vizinhos é fixada na proporção de um terço do montante global a que têm direito os restantes juízes, independentemente da efetiva realização de despesas com refeições e alojamento.
I) O que revela que as ajudas de custo previstas nesse preceito não têm um propósito meramente compensatório de encargos resultantes da circunstância de se prestar serviço fora do local normal de trabalho nem se relaciona com as variáveis horárias de deslocação que são determinantes para definir o cálculo da ajuda de custo a atribuir nos termos da lei geral.
J) No sentido de que estamos perante um regime especial, não subordinado às regras de cálculo do DL n.º 106/98, concorre ainda um argumento fundado na letra da lei.
K) De facto, enquanto que os nºs. 1 e 2 do art.º 32.º atribuem ajudas de custo sem qualquer referência a custos específicos determinados, nem efetuam qualquer remissão para a lei geral, os nºs. 3 e 4 desse artigo, que se referem a despesas com transporte em automóvel próprio entre Lisboa e a residência, determinam que o direito ao reembolso se processe “segundo regime análogo ao dos funcionários públicos, mas tendo em conta os quilómetros efetivamente percorridos”.
L) O que permite concluir que o legislador apenas pretendeu remeter para o regime aplicável aos funcionários públicos o reembolso de despesas de transporte, e não já o regime de abono de ajudas de custo, sendo de admitir – dado que se trata de dispositivos insertos na mesma norma legal – que teria sido efetuada idêntica remissão para a lei geral caso se tivesse pretendido aplicar às ajudas de custo previstas nos nºs. 1 e 2 as condições de atribuição e regras de cálculo do regime jurídico referente ao pessoal da Administração Pública.
M) O acórdão recorrido não atendeu a qualquer destes critérios de interpretação da lei e não efetuou qualquer análise crítica que pudesse pôr em causa o resultado interpretativo a que poderia chegar-se de acordo com esses fatores hermenêuticos.
N) E limitou-se a fundamentar a decisão de improcedência da acção com base na existência de uma lacuna de regulação em virtude de o art.º 32.º da LTC, dispondo sobre ajudas de custo a abonar aos juízes do Tribunal Constitucional, ser «totalmente omisso no tocante à indicação das despesas que as mesmas visam compensar e a forma como se procede ao seu cálculo».
O) E ainda com base na ideia de que o abono de ajudas de custo por cada dia de sessão sem qualquer condicionamento ao período horário abrangido apenas significa que os juízes têm direito à totalidade da ajuda de custo diária, isto é, têm direito a uma ajuda de custo calculada com base numa percentagem de 100% correspondente o montante que seria devido se se destinasse a compensar as despesas com refeições e alojamento.
P) A constatação da lacuna jurídica tem como necessária consequência – na própria lógica do acórdão recorrido – a aplicação do regime subsidiário que resulta do DL n.º 106/98 e como a lacuna é relativa à indicação das despesas que as ajudas de custo visam compensar e a forma como se procede ao seu cálculo, a norma subsidiariamente aplicável é a do art.º 8.º do dito DL n.º 106/98, que define as percentagens da ajuda diária a atribuir ao funcionário deslocado em função do período de tempo abrangido pela deslocação.
Q) Tal significa que os juízes do Tribunal Constitucional, por efeito da aplicação subsidiária dessa disposição do regime geral – a única que regula a matéria que se entende ser omissa na LTC – deveriam auferir 25% da ajuda diária quando, nos dias de sessão, a deslocação abrangesse o período de almoço, 50% da ajuda diária quando abrangesse o período do almoço e do jantar, e 100% da ajuda diária quando abrangesse o período das refeições e o alojamento.
R) E dentro do mesmo critério de integração da lei, as ajudas de custo acrescidas não teriam sequer de ser abonadas, uma vez que o regime subsidiário aplicável (o art.º 8.º do DL n.º 106/98) apenas contempla o abono de ajudas de custo por deslocações diárias e numa percentagem correspondente ao período abrangido pela deslocação.
S) Sucede que uma tal interpretação viola frontalmente o disposto do art.º 32.º da LTC, que prevê o abono de ajudas de custo por cada dia de sessão do Tribunal e mais dois dias por semana.
T) E é, por isso, uma interpretação incongruente e contrária ao sistema jurídico na medida em que não é possível aplicar subsidiariamente um regime legal, a pretexto da existência de um caso omisso, quando essa aplicação subsidiária contraria diretamente a lei que se julga ser incompleta por ausência de regulação.
U) Num segundo momento, o acórdão recorrido resolve a contradição insanável que naturalmente existe entre a disposição do art.º 32.º da LTC e o art.º 8.º do DL n.º 106/98, dizendo que o abono de ajudas de custo, nos termos daquela disposição, sem necessidade de «prévia entrega dos boletins de itinerário ou da indicação dos períodos de tempo de deslocação» apenas pode querer significar que os juízes do Tribunal Constitucional «têm direito à ajuda diária integral independentemente do tempo de duração da sessão de julgamento e das despesas que tiveram de suportar para o efeito».
V) Ou seja, primeiramente, o acórdão recorrido declara que existe uma lacuna na LTC quanto à «indicação das despesas que as[ajudas de custo] visam compensar e a forma como se procede ao seu cálculo», e, por isso mesmo, entende ser de aplicar subsidiariamente o regime da lei geral, e, depois, o mesmo acórdão, reconhece que o art.º 32.º da LTC contém um regime especial que permite o pagamento de ajudas de custo independentemente do período de tempo que se encontra abrangido pela deslocação, concluindo que a ajuda de custo corresponde, afinal, a 100% da ajuda de custo diária!
W) E como as ajudas de custo previstas na mesma disposição da LTC respeitam, não apenas ao dia da sessão, mas a mais dois dias por semana, o acórdão recorrido também admite implicitamente que a ajuda de custo é paga a 100% mesmo quando os juízes do Tribunal Constitucional não têm de se deslocar da sua residência habitual.
Z) O acórdão recorrido, através do raciocínio lógico jurídico que lhe está subjacente, acaba por reconhecer, afinal, que não existe nenhuma lacuna e que as ajudas de custo dos juízes do Tribunal Constitucional são calculadas, não em função dos critérios previstos no art.º 8.º do DL n.º 106/98, mas de acordo com o regime especial consagrado no art.º 32.º da LTC.
AA) A fundamentação adotada pelo acórdão recorrido é, por isso, contraditória nos seus próprios termos, na medida em que o acórdão considera existir uma lacuna na disposição do art.º 32.º da LTC que justificaria a aplicação de um regime subsidiário, mas depois afasta esse mesmo regime subsidiário (que era suposto preencher essa lacuna) pela própria estatuição normativa que decorre da norma supostamente incompleta.
BB) O reconhecimento pelo acórdão recorrido de que as ajudas de custo previstas no art.º 32.º da LTC não dependem das condições de atribuição nem das regras de cálculo a que se refere o art.º 8.º do DL n.º 106/98 demonstra à saciedade que essas ajudas de custo não têm a função meramente compensatória que é atribuída às ajudas de custo do regime geral da Administração Pública.
CC) É, no entanto, essa natureza compensatória que poderia justificar que o quantitativo correspondente ao abono diário de subsídio de refeição seja deduzido nas ajudas de custo, quando as despesas sujeitas a compensação incluírem o custo do almoço (art.º 37.º).
DD) Mas uma vez que as ajudas de custo a que se refere o art.º 32.º da LTC são abonadas independentemente do período de tempo abrangido pela deslocação e independentemente até de ter existido uma deslocação – como sucede em relação às ajudas de custo acrescidas – isso significa que não há uma correlação direta entre o abono da ajuda de custo e a despesa efetuada pelo beneficiário.
EE) Não é possível, por isso, afirmar que a ajuda de custo inclui o custo das refeições feitas fora de casa, visto que a ajuda de custo não está relacionada com quaisquer despesas que a participação na sessão possa ter ocasionado nem visa reembolsar essas despesas.
FF) Não há, pois, base legal para a dedução do subsídio de refeição nas ajudas de custo que, nos termos do art.º 32.º, nºs. 1 e 2, da LTC, devam ser abonadas aos juízes do Tribunal Constitucional por cada dia de sessão em que participem, pelo que o despacho impugnado incorre em violação do disposto nos artºs. 32.º, nºs. 1 e 2, da LTC e 8.º e 37.º do DL n.º 106/98, de 24/4.
GG) Na petição inicial, os recorrentes alegaram que a interpretação normativa segundo a qual são subsidiariamente aplicáveis às ajudas de custo dos juízes do Tribunal Constitucional sa referidas normas dos artºs. 8.º e 37.º do DL n.º 106/98, de 24/4, viola o art.º 32.º, nºs. 1 e 2, da LTC, que tem natureza de lei de valor reforçado, e formularam um pedido subsidiário de declaração de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, da interpretação normativa adotada no despacho impugnado.
HH) O acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa questão, pelo que incorreu em omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4, do CPC)”.
Não houve contra-alegações.
Pela Secção, foi proferido acórdão a pronunciar-se sobre a arguida nulidade, tendo nele se sustentado que se estava perante um mero argumento utilizado pelos AA. e que o acórdão recorrido não deixara de o apreciar, pelo que não padecia de omissão de pronúncia.
O digno Magistrado do MP junto deste STA, notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.

2. Nos termos do art.º 663.º, n.º 6, do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.

3. O acórdão recorrido, depois de delimitar a questão a decidir, como sendo a de saber se os juízes do Tribunal Constitucional têm direito ao abono de subsídio de refeição nos dias em que auferem as ajudas de custo previstas no art.º 32.º, da LOFPTC, e de analisar o regime geral das ajudas de custo do pessoal da Administração Pública constante do DL n.º 106/98, de 24/4, concluindo que tais ajudas tinham “uma natureza compensatória, indemnizatória ou de reembolso” e que, em consequência, como resultava dos artºs. 8.º, n.º 5 e 37.º deste diploma, os seus beneficiários não podiam ser pagos duas vezes pelo gasto com a mesma refeição, referiu o seguinte:
“(…)
Já sabemos que os Juízes do Tribunal Constitucional têm direito a ajudas de custo, que estas têm fundamento na LOFPTC e que as mesmas se destinam a compensar as despesas por eles realizadas com a sua deslocação ao Tribunal nos dias de julgamento, isto é, que as mesmas, apesar de terem fundamento em diploma legal próprio têm natureza e finalidades que não as diferenciam substancialmente das ajudas de custo previstas no DL 106/98 para a generalidade dos trabalhadores que exercem funções públicas e também, em boa medida, das ajudas de custo devidas aos Magistrados Judiciais em função do estatuído no art.º 27.º do seu Estatuto.
Como também já sabemos que o subsídio de refeição se destina a compensar os gastos tidos com refeições tomadas fora do domicílio habitual nos dias de trabalho e que havendo pagamento de ajudas de custo e estando englobado nesse pagamento a despesa tida com a refeição, o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição é deduzido a essas ajudas.
Nesta conformidade, resta saber se o citado art.º 37.º é, também, aplicável às ajudas de custo devidas aos Juízes do Tribunal Constitucional, questão não resolvida, nem directa, nem indirectamente, pelo art.º 32.º da LOFPTC nem por qualquer outra norma desta Lei.
Os Autores sustentam a inaplicabilidade daquela disposição aos Juízes do TC e fundamentam a sua tese no facto das ajudas que os mesmos recebem decorrem de “participação em sessão sem qualquer condicionamento ao período horário abrangido e à sua influência determinante em despesas de refeição e alojamento”. O que, sendo verdade, não é determinante na solução do nosso problema uma vez que tal significa apenas que as ajudas que lhes são pagas consideram que eles têm direito à totalidade da ajuda diária e, por isso, já incluem uma parcela referente à despesa feita com a refeição.
Ora, a questão que nos ocupa é outra, é a de saber se ao quantitativo dessa ajuda, que já inclui o pagamento da quantia correspondente à refeição, deve ser deduzido o subsídio de refeição pago por força do que se estatui no DL 57-B/87.
E a resposta a essa interrogação só pode ser positiva.
Com efeito, sendo certo que as ajudas pagas aos Srs. Juízes do TC compreendem os 100% do seu valor, isto é, que o seu abono é feito na totalidade e que, por isso, o seu pagamento não depende da prévia entrega dos boletins de itinerário ou da indicação dos períodos de tempo da deslocação, isso só pode querer significar que eles têm direito à ajuda diária integral independentemente do tempo de duração da sessão de julgamento e das despesas que tiveram de suportar para o efeito.
Ora, como decorre do anteriormente exposto, máxime do que se estatui no art.º 8.º do DL 106/98, nos 100% da ajuda diária que é abonada está também incluído o custo das refeições feitas fora de casa uma vez que aquele quantitativo compreende também o valor destinado a compensar esses gastos.
Se assim é, e se resulta do art.º 37.º do citado DL que, tendo a ajuda de custo sido paga na sua integralidade, ao montante que foi abonado é obrigatoriamente deduzido o quantitativo do subsídio de refeição, visto que, se assim não for, os abonados seriam pagos duas vezes pela mesma despesa, é forçoso concluir que os Autores não litigam com razão. De contrário seria violado o princípio de que a ajuda de custo devida pelo dia de sessão se destina a reembolsar as despesas tidas nesse dia por causa da deslocação ao Tribunal.
Não foi, pois, cometido nenhum agravo pelo acto impugnado”.
Os AA., no presente recurso, imputam ao acórdão recorrido a nulidade de omissão de pronúncia, por não ter conhecido o pedido subsidiário formulado na petição e erro de julgamento, com o fundamento que o art.º 32.º, da LTC, contém um regime especial em matéria de ajudas de custo, permitindo o seu pagamento independentemente do período de tempo que se encontre abrangido pela deslocação e independentemente, até, de ter existido qualquer deslocação, não sendo, por isso, compatível com as condições e regras de cálculo definidas no DL n.º 106/98 que se reporta a ajudas de custo com uma natureza e finalidades distintas.
Vejamos se lhes assiste razão, começando por conhecer a invocada nulidade.
Além do pedido principal de anulação do despacho impugnado, os AA., subsidiariamente, solicitaram “a declaração de ilegalidade, com base em violação de lei de valor reforçado, da interpretação normativa adoptada no referido despacho, segundo a qual são subsidiariamente aplicáveis às ajudas de custo dos juízes do Tribunal Constitucional as referidas normas dos artigos 8.º e 37.º do DL n.º 106/98, de 24 de Abril”.
Porém, em rigor, não é aí solicitada uma providência distinta da que foi peticionada a título principal, dado o pedido continuar a ser o de anulação do despacho impugnado. E sendo o pedido uno, não existiu um pedido autónomo que tenha deixado de ser apreciado.
O que os AA. invocaram como fundamento desse pretenso pedido, foi que, contendo a LOFPTC uma disposição específica relativa às ajudas de custo dos juízes (art.º 32.º, nºs. 1 e 2), não era permitida qualquer remissão para o regime geral da função pública (cf. art.º 45.º, da petição inicial).
Ora, o acórdão recorrido, ao entender que o citado art.º 32.º não continha qualquer regime especial e que a lacuna existente na LOFPTC tinha de ser integrada pelo recurso à aplicação do DL n.º 106/98, não deixou de apreciar a questão.
Improcede, pois, a suscitada omissão de pronúncia.
Quanto ao mérito do recurso, importa referir que os juízes do TC são equiparados a titulares de cargos políticos, têm direito às ajudas de custo previstas na lei e aos vencimentos e regalias de que gozam os juízes do STJ (cf. artºs. 1.º, n.º 3, 3.º, n.º 3 e 15.º, n.º 1, todos do Estatuto Remuneratório dos Titulares dos Cargos Políticos, constante da Lei n.º 4/85, de 9/4).
Tais ajudas de custo estavam, à data da publicação do aludido Estatuto, previstas na LOFPTC que, na sua versão inicial, dispunha no art.º 32.º:
“1 – Os juízes residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Amadora têm direito à ajuda de custo fixada para a categoria A do funcionalismo público, abonada por cada dia de sessão do tribunal em que participem.
2 – Os juízes residentes nos concelhos indicados no número anterior têm direito, nos mesmos termos, a um terço da ajuda de custo aí referida”.
No mesmo Estatuto, o art.º 17.º previa o abono de ajudas de custo aos deputados, preceituando o seguinte, nos seus nºs. 1 e 2:
“1 – Os deputados que residam fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Amadora têm direito à ajuda de custo fixada para a categoria A do funcionalismo público, abonada por cada dia de presença em reunião plenária, de comissões ou em outras reuniões convocadas pelo Presidente da Assembleia da República e mais um dia por semana.
2 – Os deputados que residam nos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Amadora têm direito a um terço da ajuda de custo fixada para a categoria A da função pública”.
Aquele art.º 32.º foi alterado pela Lei n.º 85/89, de 7/9, que, além de lhe acrescentar os nºs. 3 e 4, deu a seguinte redacção aos nºs. 1 e 2:
“1 – Os juízes residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Amadora têm direito à ajuda de custo fixada para os membros do Governo, abonada por cada dia de sessão do Tribunal em que participem, e mais dois dias por semana.
2 – Os juízes residentes nos concelhos indicados no número anterior têm direito, nos mesmos termos, a um terço da ajuda de custo aí referida”.
Na vigência da legislação referida, o regime geral do abono de ajudas de custo pelas deslocações em serviço público no território nacional para o pessoal da Administração Pública e membros do Governo quando deslocados da sua residência oficial constava do DL n.º 519-M/79, de 28/12, de onde resultava que elas se destinavam a compensar as despesas com refeições e alojamento, deduzindo-se no seu quantitativo o montante correspondente ao abono diário do subsídio de refeição quando as despesas sujeitas a compensação incluíssem o custo do almoço (cf. art.º 18.º).
Este diploma veio a ser revogado pelo DL n.º 106/98, de 24/4, que atribuiu o direito ao abono de ajudas de custo aos trabalhadores que exerciam funções públicas quando deslocados do seu domicílio necessário por motivo de serviço público (art.º 1.º, n.º 1), mantendo aquelas a sua natureza de compensação de despesas de almoço, jantar e alojamento, pelo que não havia lugar ao seu abono quando a correspondente prestação fosse fornecida em espécie (art.º 8.º, n.º 5) e sendo o quantitativo correspondente ao abono diário do subsídio de refeição deduzido na ajuda de custo se as despesas sujeitas a compensação incluíssem o custo do almoço (art.º 37.º).
Quanto aos magistrados judiciais, em consonância com os princípios gerais que regiam o regime remuneratório da função pública, o seu sistema retributivo era composto por remuneração base e por suplementos, não sendo permitida a atribuição de qualquer tipo de abono que não se enquadrasse nestas componentes remuneratórias (cf. art.º 22.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais – EMJ – aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30/7).
Os suplementos, não se integrando no conceito de retribuição por carência de qualquer correspectividade com o trabalho, são devidos por circunstâncias e finalidades específicas, como sejam os que visam a compensação por despesas efectuadas por motivo de serviço (ajudas de custo e de transporte) ou as que se destinam a fazer face a despesas acrescidas para salvaguarda da dignidade e prestígio do cargo (despesas de representação).
Assim, os suplementos remuneratórios – que não decorrem directa e imediatamente da prestação funcional – são pagos em virtude da verificação de circunstâncias especiais tipificadas na lei e só nelas.
Um desses suplementos, é a ajuda de custo que visa compensar despesas de alimentação e alojamento efectuadas pelo facto de a prestação de trabalho ocorrer fora da localidade onde normalmente tinha lugar. Trata-se de uma prestação não retributiva, pois tem uma finalidade compensatória, indemnizatória ou de reembolso.
Atento ao disposto no citado art.º 22.º, os magistrados judiciais só têm direito ao abono de ajudas de custo nos casos especificados no art.º 27.º, do EMJ, onde se estabelece:
“1 – São devidas ajudas de custo sempre que um magistrado se desloque em serviço para fora da comarca onde se encontre sediado o respectivo tribunal ou serviço.
2 – Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas têm direito à ajuda de custo fixada para os membros do Governo, abonada por cada dia de sessão do tribunal em que participem”.
Este n.º 2 foi acrescentado ao então art.º 27.º - cujo teor correspondia ao actual n.º 1 – pela Lei n.º 143/99, de 31/11, que introduziu a sexta alteração ao EMJ, passando, assim, os juízes do STJ a usufruir de ajudas de custo por sessão.
Pelo Despacho Conjunto n.º 1108/2000, de 28/11, dos Ministros da Justiça e das Finanças, foi determinado, com efeitos retroactivos à data da entrada em vigor da Lei n.º 143/99, que os juízes do STJ residentes fora dos concelhos referido no n.º 2 do art.º 27.º do EMJ ficavam isentos dos limites de distância e horas e do preenchimento dos boletins de itinerário previstos no regime geral de abono de ajudas de custo, devendo ser-lhes processado o montante da totalidade das ajudas de custo.
Dado que aquele art.º 27.º, n.º 2, se limita a definir os pressupostos de atribuição das ajudas de custo e uma vez que, por força do art.º 32.º do EMJ, o regime da função pública é aplicável subsidiariamente aos magistrados judiciais, toda a outra matéria a elas respeitante, designadamente a forma de cálculo e o seu quantitativo, rege-se pelo DL n.º 106/98.
Resulta do exposto que a ajuda de custo sempre teve a natureza de uma compensação por despesas de deslocação, alimentação e alojamento, ainda que estas fossem presumidas, o que implicava a proibição de duplicação de pagamentos com a mesma causa.
Esta teleologia está também presente na atribuição de ajudas de custo por sessão, que depende da participação na sessão, tendo por finalidade compensar as despesas resultantes da deslocação da residência habitual para essa participação. E não põe em causa esta sua natureza a circunstância de tais despesas serem presumidas, por não estarem condicionadas pelo período horário abrangido pela deslocação, sendo, por isso, independentes de esta implicar almoço, jantar ou dormida.
Assim, no que concerne às ajudas de custo abonadas aos juízes do STJ por participação em sessão do tribunal, não há dúvidas que a sua finalidade é a de compensar os encargos resultantes da sua deslocação, com a alimentação e alojamento, sendo-lhes aplicável, por força do art.º 32.º, do EMJ, o regime geral do DL n.º 106/98 em tudo o que não contraria a lei especial.
Quanto aos juízes do TC, embora equiparados a titulares de cargos políticos, foram-lhe atribuídos, por força das já mencionadas normas remissivas, direitos e regalias iguais aos dos juízes do STJ, designadamente no que respeita aos vencimentos. As ajudas de custo por eles auferidas, de que o art.º 32.º, da LOFPTC, se limitou a definir os pressupostos, também são devidas pela sua participação em sessão do tribunal e não estão condicionadas pelo período horário abrangido pela deslocação, nem da existência de um gasto efectivo em refeições e alojamento, o que aproxima o seu regime das que são abonadas aos juízes do STJ.
Porém, além do dia da sessão do tribunal, elas abrangem mais dois dias por semana e não deixam de ser abonadas, embora em montante inferior, aos juízes que residem nos concelhos da Grande Lisboa, o que, na perspectiva dos recorrentes, demonstraria que a sua natureza e função era distinta das atribuídas aos juízes do STJ, por não corresponderem ao pagamento de refeições e alojamento e justificaria a sua sujeição a um regime especial.
Mas este entendimento parece que teria como consequência que se considerasse que no caso se estava perante a atribuição de um suplemento de natureza retributiva, e não de uma compensação de despesas de deslocação, alimentação e alojamento, o que poria em causa a sua natureza de ajudas de custo – que, como vimos, tem sempre um conteúdo indemnizatório, ou de reembolso – e a legalidade dessa atribuição, por se consubstanciar numa remuneração adicional, de natureza variável, sob a denominação de “ajuda de custo”. É que afirmar que o seu abono não correspondia ao pagamento de refeições e alojamento seria descaracterizá-las como ajudas de custo, apesar da designação utilizada pelo legislador.
Cremos, porém, que a denominação utilizada pelo legislador – que não desconhecia o conceito de ajuda de custo e que se presume que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. art.º 9.º, n.º 3, do C. Civil) –, a circunstância de o seu abono depender da participação em sessão do tribunal, carecendo de qualquer correspectividade com o trabalho e o facto de o quantitativo dela ser diferenciado consoante o local de residência dos juízes (cf. nºs. 1 e 2 do art.º 32.º da LOFPTC), afasta a natureza retributiva desse abono e demonstra que efectivamente se está perante ajudas de custo.
E essas ajudas têm natureza idêntica às que são atribuídas aos juízes do STJ, visando compensar encargos resultantes de deslocações, pois só assim encontra justificação a discrepância quanto aos montantes atribuídas nas situações previstas no n.º 1 e no n.º 2 do citado art.º 32.º.
Assim, constituindo pressuposto da sua atribuição a participação em sessão do tribunal e sendo o respectivo montante diferenciado consoante o local de residência dos juízes se situe ou não nos concelhos da Grande Lisboa, consideramos demonstrado que, tal como sucede em relação às que são abonadas aos juízes do STJ, as ajudas de custo atribuídas aos juízes do TC têm por finalidade o reembolso das despesas resultantes da sua deslocação para participação em sessão do tribunal, ainda que o respectivo quantitativo não esteja condicionado pelo período horário abrangido por tal deslocação.
Nestes termos, e uma vez que o seu montante diário é processado pela totalidade, não pode deixar de se entender que nele está incluído o custo das refeições e que, em consequência, por aplicação do princípio da não cumulação de remunerações que obedeçam à mesma finalidade – que, quanto às ajudas de custo, se extrai dos artºs. 8.º, n.º 5 e 37.º, ambos do DL n.º 106/98, aplicáveis não só aos juízes do STJ (cf. art.º 32.º, do EMJ), mas também do TC (cf. art.º 30.º, da LOFPTC) – terá nele que ser deduzido o quantitativo pago a título de subsídio de refeição.
Portanto, entendendo-se, como o acórdão recorrido, que o art.º 32.º, da LOFPTC, não estabelece um regime especial integral de ajudas de custo que afaste a aplicação de quaisquer outras disposições legais, terá de improceder o presente recurso.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas, em partes iguais, pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de Março de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (com voto de vencido que anexo) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (aderindo ao voto de vencido do Senhor Conselheiro Carlos Carvalho).



Vencido, não acompanhando o entendimento que logrou obter vencimento, quer quanto à arguida nulidade de decisão, quer quanto ao juízo de mérito de improcedência da pretensão deduzida, pelas razões que são, no essencial e sumariamente, as seguintes:

I. Divirjo do juízo de improcedência quanto à acometida nulidade de decisão por omissão de pronúncia, porquanto, analisados o teor da petição inicial e pretensão nela formulada [cfr., nomeadamente, os arts. 44.º e 45.º daquela peça] no confronto com os termos da pronúncia inserta no acórdão recorrido, consideraria que a mesma nulidade ocorre já que, o concreto fundamento de ilegalidade assacado ao despacho objeto de impugnação nesta ação administrativa [ilegalidade fundada numa interpretação normativa dos arts. 08.º e 37.º do DL n.º 106/98 violadora duma lei de valor reforçado - Lei n.º 28/82 (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - «LOFPTC») (seu art. 32.º, n.ºs 1 e 2) em articulação com os arts. 164.º, al. d) e 167.º, n.º 2, da CRP] não foi apreciado, o que, contrariando o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC ex vi do art. 01.º do CPTA, gera a nulidade daquela decisão [cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

II. Dissenti, igualmente, do juízo de improcedência quanto ao erro de julgamento assacado ao mesmo acórdão, visto lavrado em infração do disposto nos arts. 32.º, n.ºs 1 e 2, da «LOFPTC», 08.º e 37.º do DL n.º 106/98, dado considerar que o regime especial inscrito no referido art. 32.º quanto ao denominado abono de «ajudas de custo» dos juízes do Tribunal Constitucional [«TC»] não autoriza o apelo a uma aplicação subsidiária do regime jurídico geral inserto naquele DL relativo ao abono de ajudas de custo e transporte ao pessoal da Administração Pública, mormente, dos seus arts. 08.º, n.º 5, e 37.º.

III. Com efeito, temos que, desde logo, o regime geral que disciplina as condições de atribuição e regras de cálculo das ajudas de custo por ele abrangidas [cfr., nomeadamente, seus arts. 06.º, 08.º, n.ºs 2 e 5, e 37.º do referido DL] não se mostra compatível com aquilo que constitui o regime especial de ajudas de custo dos juízes do TC inserto nos n.ºs 1 e 2 do art. 32.º da «LOFPTC», não podendo aquele regime servir como regime subsidiário, por mero apelo ao previsto nos arts. 30.º da «LOFPTC» e 32.º do Estatuto do Magistrados Judiciais [«EMJ»], já que tal contraria as regras da interpretação e a natureza e teleologia das ajudas de custo daqueles juízes e do seu estatuto.

IV. O regime de abono de ajudas de custo dos juízes do TC fixado pelo art. 32.º da «LOFPTC» na sua versão original [Lei n.º 28/82, de 15/11] mostrava-se diverso do que constava do «EMJ» também na sua versão original [cfr. art. 27.º da Lei n.º 21/85, de 30/07], já que, no primeiro, previa-se que aqueles juízes residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Amadora tinham direito à ajuda de custo abonada por cada dia de sessão do Tribunal em que participem, sendo que os juízes do mesmo Tribunal residentes nos concelhos indicados tinham direito, nos mesmos termos, a um terço da ajuda de custo que era conferida àqueles, ao passo que, no segundo, inexistia qualquer abono de ajudas de custo para os juízes dos Supremos [STJ e STA] por cada dia de sessão [abono apenas introduzido pela Lei n.º 143/99, de 31/08, através de aditamento dum n.º 2 ao art. 27.º do «EMJ» e aplicável ao juízes do STA ex vi do art. 78.º, n.º 1, do ETAF/84 e 58.º, n.º 1, do ETAF (versões de 2004 e de 2015), e que apenas era e é concedido ao juízes conselheiros dos Supremos residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Amadora e Odivelas ao invés do que se passa com os juízes do TC residentes naqueles concelhos, para além da diferença quanto aos residentes no concelho de Odivelas], porquanto apenas se previa que eram «devidas ajudas de custo sempre que um magistrado se desloque em serviço para fora da comarca onde se encontre sediado o respetivo tribunal ou serviço» [correspondente ao atual n.º 1 do mesmo preceito], ajudas estas similares ou com natureza semelhante às que são abonadas ao funcionalismo público.

V. Temos, assim, que tal regime especial em matéria de abono de ajudas de custo não teve como referencial normativo o «EMJ», porquanto foi este, ao invés, que, em parte, encontrou o regime inspirador naquele, na certeza de que tal regime especial mostrava-se e mostra-se decalcado daquilo que era e é nessa matéria o Estatuto dos Deputados [quer na Lei n.º 5/76, de 10/09 (cfr. seu art. 10.º, n.ºs 1 e 2 - onde se previa o abono de ajudas de custo «por cada dia de presença em reunião plenária … e mais um dia por semana» para deputados residentes fora do aludidos concelhos e uma «ajuda de custo igual a um terço da prevista … por cada dia de presença em reuniões plenárias…» para os deputados residentes naqueles concelhos) quer depois na Lei n.º 4/85, de 09.04 (Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos) - cfr. o seu art. 17.º, n.ºs 1 e 2 - onde se passou a prever, respetivamente, o abono de ajudas de custo «por cada dia de presença em reunião plenária … e mais dois dias por semana» (n.º 1) e o abono de «um terço da ajuda de custo fixada no numero anterior» (n.º 2)], inclusive tendo acompanhado aquilo que havia sido a evolução registada quanto às alterações operadas em matéria de abono de ajudas de custo dos deputados pela referida Lei n.º 4/85, através da modificação operada na «LOFPTC» pela Lei n.º 85/89, de 07/09, e atualmente ainda vigente [cfr. redação do art. 32.º, n.ºs 1 e 2, onde se passou a prever que «[o]s juízes residentes fora dos concelhos de Lisboa, Oeiras, Cascais, Loures, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Amadora têm direito à ajuda de custo fixada para os membros do Governo, abonada por cada dia de sessão do Tribunal em que participem, e mais dois dias por semana» (n.º 1) e que «[o]s juízes residentes nos concelhos indicados no número anterior têm direito, nos mesmos termos, a um terço da ajuda de custo aí referida» (n.º 2)].

VI. Aliás, a existência de um tal decalque ou equiparação do regime de abonos de ajudas de custo dos juízes do TC face ao regime dos deputados mostra-se claramente afirmado no debate parlamentar que veio a aprovar a alteração à «LOFPTC» pela Lei n.º 85/89, podendo ler-se, nomeadamente e reportando-se ao estatuto dos juízes, que «[n]o essencial trata-se de manter o critério de equiparação dos juízes do Tribunal Constitucional aos juízes dos demais tribunais superiores sem contudo esquecer que a matriz da Lei n.º 28/82 … construía o estatuto próprio dos juízes do Tribunal Constitucional entre o estatuto dos juízes dos restantes tribunais supremos e o próprio estatuto dos deputados da Assembleia da República. Por isso as alterações que se fazem ao estatuto dos juízes do Tribunal Constitucional resultam da adaptação das normas correspondentes a alterações entretanto verificadas no que diz respeito ao próprio estatuto dos deputados» ou, ainda, que «cria-se um paralelo em termos de equiparação, pôr, um lado, aos juízes do Supremo Tribunal de Justiça e, por outro, há uma adaptação referente a uma outra equiparação, que já existia na lei agora em alteração, ao Estatuto dos Deputados acompanhando-se assim a revisão do mesmo estatuto», e, num tom crítico face à alteração proposta, afirmou-se também que a mesma «inclui normas sobre o estatuto dos magistrados do Tribunal Constitucional que o distanciam do estatuto dos magistrados dos restantes tribunais designadamente dos tribunais superiores. Devo dizer que não podemos encarar como positivo em termos de filosofia geral esse distanciamento. Isso o dissemos em relação à Revisão Constitucional e isso o reafirmamos aqui face as propostas que em concreto nos são apresentadas» [cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 105, V Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa (1988/1989), de 13.07.1989, págs. 5162, 5164 e 5165 e acessível também in: «www.debates.parlamento.pt»].

VII. Nessa media, afigura-se-me que o elemento histórico da interpretação e aquilo que foi a evolução dos regimes de abono de ajudas de custo postos em referência opõem-se a que o art. 32.º da «LOFPTC» fique sujeito às regras de cálculo e regime insertos no DL n.º 106/98 dado que, desde logo, a sua génese e conteúdo diferenciam-se daquilo que são as ajudas de custo previstas no referido DL e, por outro lado, também as mesmas se mostram diversas do regime que consta do n.º 2 do art. 27.º do «EMJ», quer quanto ao seu conteúdo, como quanto aos juízes abrangidos em função da sua residência [na comparação entre o teor dos n.ºs 1 e 2 do referido art. 32.º com o teor do n.º 2 do art. 27.º], cientes de que as ajudas de custo previstas no n.º 1 deste art. 27.º nada têm que ver com as ajudas de custo referidas no n.º 2 do mesmo artigo e com as dos nos n.ºs 1 e 2 do art. 32.º da «LOFPTC».

VIII. Mas, além disso, considero também que a natureza e finalidade das ajudas de custo previstas neste art. 32.º são diversas das insertas e disciplinadas no DL n.º 106/98 e no n.º 1 do art. 27.º do «EMJ».

IX. É que estas respeitam, reportam-se, ou têm como seu propósito/finalidade, a compensação dos encargos resultantes da circunstância de se prestar serviço fora do local normal ou habitual de trabalho, e, por isso, existe uma correspondência nas mesmas do abono das ajudas de custo com o pagamento das despesas relativas a refeições [almoço/jantar] e alojamento [cfr. arts. 06.º, 08.º, 09.º, 10.º e 37.º do DL n.º 106/98].

X. Já as ajudas de custo abonadas aos juízes do TC por participação em cada dia de sessão e por mais 02 dias por semana, abrangendo também os juízes residentes nos concelhos de Lisboa e limítrofes ainda que com redução para um terço [numa situação diversa daquela que é conferida aos juízes dos Supremos residentes nos concelhos de Lisboa e limítrofes], não apresentam uma tal natureza e finalidade, tanto mais que, por um lado, a atribuição das mesmas é por sessão, sem qualquer condicionamento ou por referência a período horário e suas implicações em termos de despesas com refeições e alojamento, e, por outro lado, existe um abono de mais 02 dias relativamente aos quais não existem despesas necessárias para assegurar a presença em sessão.

XI. Na verdade, se a natureza e função do abono das ajudas de custo do concreto regime especial em questão fosse ou tivesse por causa a necessidade de pagar as despesas necessárias com refeições e alojamento decorrentes da deslocação em serviço, então, deixa de fazer sentido que o seu pagamento ocorra por mais 02 dias, que o mesmo tivesse lugar também para os juízes do TC residentes em Lisboa e nos concelhos limítrofes supra elencados e que o valor fixado para estes seja através duma fração do montante global conferido aos demais juízes não residentes e não por referência à percentagem correspondente a cada uma das despesas tal como decorreria do art. 08.º do DL n.º 106/98.

XII. De frisar ainda que a causa da atribuição destas ajudas de custo prende-se não com gastos decorrentes de deslocação para prestação de serviço em local diverso do seu domicílio, mas com a participação em sessão do Tribunal e não fora deste, com participação no local normal de exercício de funções, e sem que o seu abono contenda com os concretos horários diários das sessões e suas implicações em termos da deslocação implicar almoço, jantar ou dormida, já que o tal abono tem por única referência o número de sessões.

XIII. Daí que não se lhes aplicando o regime inserto no art. 08.º do DL n.º 106/98, dado não se poder considerar que o abono feito se destina ou visa compensar os custos com refeições e alojamento, então, falha também a aplicação do art. 37.º do mesmo diploma e a dedução do subsídio de refeição.

XIV. Refira-se, por último, que apenas nos n.ºs 3 e 4 do art. 32.º da «LOFPTC» o legislador fez apelo remissivo ou transposição para o regime do funcionalismo inserto no referido DL e na Portaria n.º 1553-D/2008 em matéria de despesas com transporte o que denota ou revela que não o pretendeu fazer nos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito e para o abono aí previsto, pois, se essa fosse a intenção tê-lo-ia deixado expresso logo nos referidos números e não o fez, não fazendo sentido, assim, um apelo interpretativo a um regime subsidiário quanto a uma pretensa lacuna quando a aplicação desse mesmo regime não foi querida pelo legislador no desenho que fez da atribuição do abono das ajudas de custo e suas condições.

XV. De harmonia com o exposto, existindo, por parte acórdão recorrido, uma incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo em crise e decorrente erro de julgamento que lhe foi acometido concederia provimento ao recurso e julgaria procedente a ação administrativa, anulando o despacho impugnado de 04/05/2015 do Presidente do TC, com todas as legais consequências.
Carlos Luís Medeiros de Carvalho