Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:042/11
Data do Acordão:03/10/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
EXECUTADO POR REVERSÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
NULIDADE DE CITAÇÃO
Sumário:I - A nulidade da citação não constitui fundamento de impugnação judicial.
II - Constituindo o acto de citação para a execução fiscal um acto processual, praticado no âmbito de um processo judicial, a invalidade desse acto tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT.
III - A falta de entrega ao citado dos elementos essenciais da liquidação do imposto que constitui a dívida exequenda consubstancia uma nulidade secundária enquadrável no artigo 198.º do CPC, que tem de ser arguida pelo interessado no prazo para a dedução de oposição (n.º 2 do artigo 198.º), pelo que estando ultrapassado esse prazo na data em que é apresentada a impugnação não ocorre a possibilidade de convolação para a forma processual adequada.
Nº Convencional:JSTA00066853
Nº do Documento:SA220110310042
Data de Entrada:01/20/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART165 N4 ART276 ART277.
LGT98 ART103 N1 N2.
CPC96 ART137 ART198 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC803/04 DE 2007/02/28.; AC STA PROC137/10 DE 2010/05/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Almada que indeferiu liminarmente a impugnação judicial por si apresentada, pedindo a declaração de nulidade da citação por reversão proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3530200601012673 a correr termos no Serviço de Finanças de Setúbal 2, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. A requerente, no acto de impugnação judicial, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças que procedesse à revogação do acto impugnado, caso assim não entendesse que desse subida imediata dos autos para o competente Tribunal Tributário.
2. Ora, tendo o sr. Chefe do Serviço de Finanças optado pelo envio da impugnação para o TAF de Almada, forçoso será concluir que se verifica um indeferimento tácito do pedido de reconhecimento de nulidade da citação.
3. Por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mero excesso de patrocínio se admite, ainda assim, o Meritíssimo Juiz do TAF de Almada deveria ter convolado a petição de impugnação para requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão da execução fiscal.
4. A ora requerente não pretendeu pôr em causa os fundamentos da reversão mas não se conformou com a falta de notificação dos elementos essenciais da sua liquidação, conforme imposto pelo artigo 22.º, n.º 4 da LGT.
5. Nessa medida, apresentou impugnação judicial em que alegou a nulidade da citação, com base no artigo 22.º, n.º 4 da LGT.
6. Trata-se de uma nulidade distinta das nulidades do processo de execução fiscal e que, como tal, deve ser feita fora do processo de execução fiscal, através da impugnação judicial, pelo que não há qualquer erro na forma do processo.
7. Uma vez que o problema suscitado pela recorrente no processo não se prende com o processo de execução fiscal propriamente dito, mas sim com a falta de elementos essenciais da citação para a reversão fiscal, com vista à alegação da eventual falta de fundamentação das liquidações das dívidas subjacentes.
8. Pelo que, salvo melhor entendimento, não tem qualquer fundamento a utilização, no prazo de 10 dias, da reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, prevista no artigo 276.º do CPPT.
9. A imposição desse meio processual constitui violação dos direitos de defesa da recorrente, na medida em que esse meio de defesa não é sequer indicado na citação do despacho de reversão.
10. Pelo que o Meritíssimo Juiz do TAF de Almada deveria ter convolado a petição de impugnação para requerimento formulado nos termos e para os efeitos do art.º 37.º, n.º 1 do CPPT, a ser apreciado pelo órgão da execução fiscal territorialmente competente – cfr. dispõem os artigos 97.º, n.º 3, da LGT e o artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.
11. Por outro lado, o Meritíssimo Juiz do TAF de Almada, ao não ordenar a convolação da petição de impugnação para requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão da execução fiscal, não fundamentou devidamente a sua decisão.
12. Pelo que o Meritíssimo Juiz do TAF de Almada violou os artigos 97.º, n.º 3 da LGT e o artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.
13. Sendo, por isso, a decisão do tribunal recorrido ilegal.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – É do seguinte teor a decisão recorrida:
«A…, com os sinais nos autos, vem apresentar impugnação judicial, pedindo a declaração de nulidade da citação por reversão proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3530200601012673 a correr termos no Serviço de Finanças de Setúbal-2.
Invoca para tanto, em suma, que na citação foram preteridas formalidades legais, designadamente por a mesma não conter os elementos essenciais da liquidação, incluindo a respectiva fundamentação, bem como a fundamentação do próprio despacho de reversão.
*
Importa, antes de mais, proferir despacho liminar [cfr. art.ºs 137.º, 234.º e 234.º-A, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi da alínea e), do art.º 2.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], designadamente, com vista a apreciar a adequação da forma de processo de impugnação judicial aos fundamento e pretensões apresentados pela Impugnante, e verificar, igualmente, em caso de inadequação, da possibilidade de convolação no meio processual adequado, em obediência aos artigos 97.º, n.º 2 e 3, da Lei Geral Tributária e 98.º, n.º 4, do Código de Procedimento e Processo Tributário.
*
O processo de impugnação judicial visa a apreciação da correspondência do acto tributário com a lei no momento em que o mesmo foi praticado, ou seja, tem por função a apreciação da ilegalidade do acto tributário (art.º 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT), com vista à obtenção da declaração de inexistência, a anulação ou a declaração de nulidade do acto impugnado, sendo este praticado numa fase administrativa que é prévia à fase de execução.
A materialidade descrita na petição, porém, reconduz-nos a um fundamento que não se prende com a apreciação da ilegalidade da dívida exequenda, até porque não são imputados aos actos de liquidação que estão na origem da mesma quaisquer vícios geradores da respectiva anulabilidade, nem é pedida a sua anulação. Na verdade, o fundamento invocado prende-se com a nulidade da citação, por preterição de formalidades legais, ou seja, prende-se com a validade de um acto praticado já na fase de execução fiscal.
Ora, o reconhecimento da nulidade da citação deve ser requerido no próprio processo de execução a que respeita, e dirigido ao órgão de execução fiscal. No caso de tal pedido ser indeferido o executado sempre terá a possibilidade de deduzir Reclamação desse acto de indeferimento, nos termos do art.º 276.º do CPPT.
Assim, o meio próprio para suscitar a questão da nulidade da citação não é o processo de impugnação, verificando-se erro na forma de processo.
Não obstante o erro na forma do processo, cumpre determinar se, em face do alegado e da pretensão formulada na petição inicial, é possível a convolação do presente processo na forma processual adequada, nos termos do disposto no art.º 97.º, n.º 3, da LGT – que estabelece que será ordenada “(…) a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei” – e no art.º 98.º, n.º 4 do CPPT – que determina que “Em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.
Sucede que, in casu, o processo de Reclamação de actos do órgão de execução fiscal teria como pressuposto processual, como já se referiu, o anterior indeferimento, expresso ou tácito, do pedido de reconhecimento da nulidade da citação por parte do órgão de execução fiscal, sendo que este não foi alegado, nem resulta dos autos que tal pedido tenha já sido apresentado ao Chefe do Serviço de Finanças pela executada, ora impugnante.
Resta, pois, à executada requerer, antes de mais, junto do Chefe do Serviço de Finanças o reconhecimento da nulidade da citação, ao abrigo do art.º 165.º, n.º 1, do CPPT, e, em caso de indeferimento desse seu pedido, apresentar a Reclamação prevista nos artigos 276.º a 278.º do CPPT.
Em conclusão, verifica-se erro na forma de processo, sendo impossível a sua convolação na forma de processo adequada.
*
Em face do exposto, rejeito liminarmente a petição inicial.
Para efeito de custas, fixo o valor da causa em 5.000,00 € (cfr. art.º 97.º-A, n.º 2, do CPPT).
Custas pela impugnante.
Almada, 15.09.2010
A Juiz de Direito».
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF de Almada que indeferiu liminarmente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente, invocando que na citação por reversão proferida no âmbito de processo de execução fiscal foram preteridas formalidades legais, designadamente, por não conter a mesma os elementos essenciais da liquidação, incluindo a respectiva liquidação, bem como a fundamentação do próprio despacho de reversão, e pedindo a declaração de nulidade da citação efectuada.
Considerou, para tanto, a Mma. Juíza a quo que a nulidade da citação não constituía fundamento de impugnação judicial, devendo o seu reconhecimento ser requerido no próprio processo de execução e dirigido ao órgão de execução fiscal, e de cujo indeferimento sempre haveria a possibilidade de deduzir-se reclamação, nos termos do artigo 276.º do CPPT, mas que, não obstante o erro na forma de processo, seria impossível a sua convolação na forma de processo adequada já que tal pedido não fora apresentado no serviço de finanças competente.
Vejamos. Não há dúvida que o meio próprio para suscitar a questão da nulidade da citação não é o processo de impugnação.
Com efeito, como se refere no acórdão deste STA de 26/5/2010, proferido no recurso n.º 137/10, “o processo tributário de impugnação judicial, regulada nos artigos 99.º e seguintes do CPPT, constitui o meio processualmente adequado para atacar, com fundamento em qualquer ilegalidade, os actos tributários praticados pela Administração Tributária, designadamente os actos de liquidação, com vista a obter a sua anulação, a declaração da sua nulidade ou inexistência (arts. 70.º n.º 1, 99.º e 124.º do CPPT e 101.º da LGT), constituindo no processo tributário o meio equivalente ao recurso contencioso dos actos administrativos regulados na LPTA ou à acção administrativa especial regulada no CPTA.
Como ensina o Ilustre Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA No “CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, ANOTADO”, 4.ª edição, página 441, «o processo de impugnação será de utilizar quando o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto administrativo que comporta a apreciação de um acto desse tipo e, relativamente a actos de outro tipo, quando a lei utilizar o termo «impugnação» para referenciar o meio processual a utilizar.
Assim, podem ser objecto de impugnação judicial, nalguns casos com inclusão de algumas normas especiais, os seguintes actos:
actos de liquidação dos tributos, incluindo os actos de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamento por conta [art. 97.°, n.° l, alínea a), deste Código e 95.°, n.° 1, alínea a), da L.G.T.;
- ­actos de fixação da matéria tributável, quando não haja lugar a liquidação (casos em que houve prejuízos) [art. 97.°, n.° 1, alínea b), deste Código e 95.°, n.° l, alínea c), da L.G.T.];
- actos de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas de actos tributários [art. 97.°, n.° 1, alínea c), deste Código e 95.°, n.° 1, alínea d), da L.G.T.] ;
- actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação (como os actos que apreciem recursos hierárquicos interpostos de decisões de indeferimento de reclamações graciosas e os que recusem a revisão de actos tributários) [art. 97.°, n.° 1, alínea d), deste Código e 95.°, n.° 1, alínea d), da L.G.T.];
- actos que decidam agravamentos à colecta, por falta de fundamento razoável de reclamação ou recurso hierárquico (como os previstos nos arts. 91.°, n.°s 9 e 10, da L.G.T. e 77.°, n.° 3, deste Código) [art. 97.°, n.° 1, alínea e), deste Código e 95.°, n.° 1, alínea e), da L.G.T.];
- impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais (com as especialidades constantes do art. 134.° deste Código) [art. 97.°, n.° 1, alínea, deste Código e 95.°, n.° 1, alínea b), da L.G.T.];
­ impugnação de providências cautelares adoptadas pela administração tributária (com as especialidades que constam do art. 144.°) [art. 97.°, n.° 1, alínea g), deste Código];
- a impugnação dos actos de apreensão (art. 143.° deste Código)».
Ora, não constituindo o acto de citação para a execução fiscal um acto em matéria tributária, mas um acto processual, praticado no âmbito de um processo judicial de execução (art.º 103.º, n.º 1 da LGT), a validade desse acto terá, obviamente, de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT.
Por outro lado, como se deixou sublinhado no acórdão proferido em 28/02/2007 pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA, no recurso n.º 803/04, a nulidade da citação, não sendo fundamento de impugnação, também não se integra em nenhum dos fundamentos de oposição indicados no artigo 204.º do CPPT, tendo de ser arguida no próprio processo de execução.
Todavia, há que ter em conta que a irregularidade processual que o Recorrente invoca não é a falta de citação (que pode ser arguida a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final - artigo 165.º, n.º 4, do CPPT), mas sim a nulidade da citação por não lhe terem sido entregues os elementos essenciais da liquidação, incluindo a respectiva fundamentação, bem como a fundamentação do próprio despacho de reversão, o que consubstancia uma nulidade enquadrável no artigo 198.º do CPC, que tem de ser arguida pelo interessado no prazo que este dispõe para deduzir oposição (n.º 2 do art.º 198.º CPC).
E daí que, por isso, não ocorra a possibilidade de convolação para a forma processual adequada face à intempestividade da petição apresentada para o referido efeito.
É que, na verdade, havendo erro na forma de processo, a convolação só é admissível, para além da idoneidade da respectiva petição para o efeito, desde que não seja manifesta a improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada, em função do meio processual adequado.
Ora, no caso vertente, quando a petição de impugnação foi apresentada, em 30/11/2009 (v. fls. 3 dos autos), já havia expirado o prazo legal de 30 dias para a dedução de oposição à execução previsto no artigo 277.º do CPPT, contado da data da realização da citação pessoal, ocorrida em Agosto de 2009 (v. fls. 8 e 9 dos autos), pelo que não deve operar-se, sob pena da prática de um acto inútil e, como tal, proibido por lei (artigo 137.º do CPC), a convolação da petição de impugnação em requerimento de arguição de nulidade da citação, pois que este logo seria liminarmente rejeitado, por extemporaneidade.
Daí que se imponha a confirmação da decisão recorrida, ainda que com distinta fundamentação quanto à impossibilidade de convolação dos autos na forma de processo adequada.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida, com a presente fundamentação.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria devida em 1/6.
Lisboa, 10 de Março de 2011. - António Calhau (relator) – Isabel Marques da Silva - Valente Torrão.