Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0193/11
Data do Acordão:11/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
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REENVIO PREJUDICIAL
DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União Europeia, cumpre ao tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de decisão prejudicial do Tribunal de Justiça da União, a provocar nos termos do processo de reenvio prejudicial.
Nº Convencional:JSTA00067218
Nº do Documento:SA2201111020193
Data de Entrada:02/03/2011
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA DE 2010/10/21 PER SALTUM
Decisão:SUSPENSÃO INST
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
Área Temática 2:DIR COMUN
Legislação Nacional:CIVA08 ART16 N1 N5 A N6 C
L 42/2004 DE 2004/08/18 ART24 N2
DL 227/2006 DE 2006/11/15 ART53
Legislação Comunitária:T CEE ART267
DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART11-A N1 A N3 C
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– Relatório –
1 – A……….., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 21 de Outubro de 2010, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de indeferimento tácito do pedido de “reclamação graciosa” do acto de auto-liquidação de IVA relativo ao mês de Fevereiro de 2004, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1. O montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16.º, n.º 1 e n.º 6, al. c) do CIVA, o artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE.
2. A taxa de exibição devida pelos anunciantes é liquidada, por substituição tributária, pelos operadores ou distribuidores de televisão que a tem que entregar ao Estado no prazo referido no artigo 52.º do Decreto-lei n.º 227/2006, e informar o mesmo sobre: teor das exibições, identificação dos anunciantes, importância sobre a qual recaiu a taxa e montantes de contribuição liquidados a cada anunciante.
3. No caso em apreço não ocorre retenção na fonte, contrariamente ao pressuposto de que parte o Tribunal “a quo” e que normalmente está associado ao mecanismo da substituição.
4. A melhor doutrina considera haver substituição tributária quando a lei determina que um dado sujeito passivo se substitua àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário, ocupando o seu lugar na obrigação de imposto e, via de regra, beneficiando do direito de haver aquilo que pagou.
5. Alexandre do Amaral distingue claramente entre “sujeito passivo por débito próprio” e o “sujeito passivo por débito alheio”, sendo o sujeito passivo por débito próprio aquele em que confluem as qualidades de sujeito passivo e contribuinte, enquanto o sujeito passivo por débito alheio é aquele que, sendo embora sujeito passivo, não é contribuinte. O ilustre autor dá como exemplo deste último caso o substituto tributário, qualidade que a ora Recorrente assume por força da lei no presente caso.
6. Todos os autores são unânimes em considerar que a substituição fiscal não se confunde com a retenção e em afirmar que a substituição não é ditada por nenhum princípio de equilíbrio ou justiça, mas tão só por um princípio de eficácia, ou seja, por razões de natureza técnica (vg. Um pagamento mais rápido ao estado, a redução do número de sujeitos, etc.).
7. De acordo com o probatório, a Recorrente prestou serviços de publicidade, emitiu facturas aos seus clientes anunciantes, exigiu-lhes a taxa de 4% a que alude o decreto-Lei n.º 227/2006 e liquidou IVA sobre o valor dos serviços prestados e ainda sobre o montante arrecadado dos 4%, entregando-o ao Estado.
8. Mais se provou que a Recorrente contabilizou os montantes referentes à taxa de exibição acima referida em contas de terceiros, i.e., em contas transitórias referentes a cada um dos seus próprios clientes..
9. Não obstante a prova dos referidos factos, entendeu o M.º juiz “a quo” não se dever aplicar ao caso em apreço o disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, porquanto, na sua óptica, o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedor do mesmo e, não suportando o encargo tributário, não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito sejam efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço.
10. Ora, salvo o devido respeito, não tem o M.º Juiz “a quo” razão e desde logo porque, receba ou não (e em tempo) dos anunciantes, a recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao Estado, o que resulta expressamente do artigo 52.º do decreto-lei n.º 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes – e é o mais comum – recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes.
11. O substituto realiza uma prestação que constitui objecto de uma obrigação alheia, i.e., do substituído, que é quem realiza o facto tributário. O substituto, embora seja devedor, “não preencheu o facto tributário, mas outro pressuposto de facto conexo ao facto gerador (Diogo Leite de Campos, ob. cit.).
12. Ao indicar ao Estado o nome dos anunciantes, ao calcular o valor das contribuições devidas pelos mesmos, ao recolher junto deles tais valores e entrega-los ao Estado, é evidente que a Recorrente entrega uma contribuição em nome e por conta de outrem.
13. O momento exacto em que essa recolha é feita – antes ou depois do prazo definido no artigo 52.º do referido Decreto-lei n.º 227/2006 para entrega ao Estado, ou seja, saber se estamos perante um adiantamento ou perante um reembolso do anunciante devidamente registado em conta de terceiros transitórias – não pode alterar o facto de, perante o Estado, tratar-se sempre de um pagamento que, embora obrigatório, é feito em nome e por conta de outrem.
14. Assim entendeu a Advogada-Geral no Processo n.º C-98/05, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), a respeito da interpretação do artigo 11.º, A, n.º 3, al. c) da Sexta Directiva: “O momento em que o imposto deve ser pago não representa, pelo contrário, um critério distintivo em si mesmo … Se, designadamente, o imposto for de qualificar como valor a registar na conta transitória, na acepção do artigo 11.º, A, n.º 3, alínea c) da sexta Directiva, não é incluído na matéria colectável, ainda que o fornecedor o tenha pago antes da entrega”.
15. Por conseguinte, fica claro que o momento em que o tributo é recolhido junto do cliente (substituído) não contende com o enquadramento desse montante na alínea c) do n.º 3 do artigo 11.º, A da Sexta Directiva.
16. É certo que a Recorrente, quando liquida e entrega ao Estado as quantias devidas pelos anunciantes, fá-lo no interesse de terceiros e por isso mesmo é tão feliz a expressão “sujeito passivo por débito alheio” de Alexandre do Amaral,
17. Só em face do exposto se atenderá ao princípio da qualificação dos factos de acordo com a sua substância económica, aliás consagrado no n.º 3 do artigo 11.º da LGT.
18. Em face do exposto, o entendimento consagrado pelo M.º juiz “a quo” contraria o disposto na al. c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA e a al. c) do n.º 3 do artigo 11.º, A da sexta Directiva, sendo certo de que de acordo com a orientações que tem sido seguida pelo TJCE (Chaussures Bally S.A. contra o Estado Belga), “a alínea c) destina-se a precisar que existem montantes que o fornecedor na prática recebe do comprador, mas que não deve, porém, incluir na matéria tributável, uma vez que só correspondem a um reembolso de despesas efectuadas pelo fornecedor no interesse do comprador e que não podem ser consideradas parte da contrapartida do bem entregue”.
19. No conhecido Acórdão do TJCE proferido no Processo n.º C-98/05 (Danske Bilimportorer contra Skatteministeriet) a respeito do Imposto Automóvel Dinamarquês, o TJCE configurou bem a questão e concluiu que a matrícula, embora requerida pelo distribuidor, era efectuada em nome e por conta do cliente, acrescentando que, sendo um pressuposto para a circulação do veículo na via pública, constituía um interesse exclusivo do cliente, pelo que havia lugar à aplicação do n.º 3, alínea c), do artigo 11, A da Sexta Directiva.
20. De acordo com as conclusões da Advogada-Geral neste processo, “se a matrícula for efectuada em nome do cliente deve assumir-se que o imposto também será pago em seu nome e registado na contabilidade do distribuidor como conta transitória. Esta configuração da legislação fiscal está em perfeita conformidade com a Sexta Directiva, cujo artigo 11.º, A, n.º 3, alínea c) também contém uma norma expressa aplicável aos impostos sobre os montantes registados nas contas transitórias”.
21. Adaptando tais conclusões ao caso em apreço, conclui-se que a taxa de exibição se enquadra no “conceito comunitário de acção em nome e por conta de outrem”.
22. Em face de todo o exposto, é lícito concluir que, ao contrário do que foi sufragado pelo M.º Juiz “a quo”, o montante correspondente à taxa de exibição deve estar excluído da base tributável para efeitos de IVA.
23. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que mesmo em face do artigo 16.º, n.º 1 do CIVA e do artigo 11.º, A, al. a) da Sexta Directiva, as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, contrariamente ao que foi entendido pelo M.º Juiz “a quo”, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço.
24. Com efeito, a contrapartida pela difusão da publicidade por pate da Recorrente – uma prestação de serviços – é o pagamento do preço pelo anunciante. É esse preço que apresenta uma ligação directa com a prestação da Recorrente.
25. Isso sem contar com a circunstância de o facto gerador da taxa ou contribuição em apreço não ser idêntico ao do IVA: o primeiro (facto gerador da taxa) é a exibição de publicidade comercial nos moldes definidos pelo artigo 50.º, n.º 1 do Decreto-lei 227/2006 e o segundo (facto gerador do IVA) é toda a actividade de prestação de serviços.
26. Acresce que a actividade da Recorrente não consiste na mera exibição da publicidade comercial em causa e o valor pela contrapartida da prestação do serviço (preço global) não coincide com o valor base da taxa de exibição (preço de exibição/difusão), sendo o primeiro superior ao segundo.
27. Relativamente ao caso concreto das prestações de serviços, atente-se no Acórdão do TJCE de 05.02.1981 (Processo n.º 154/80) onde se refere que “a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado; deve, portanto, existir um vínculo directo entre o serviço prestado e o valor recebido para que uma prestação de serviços seja tributável (…)”.
28. Ora, a taxa de exibição não tem a natureza de uma contrapartida pelo serviço prestado, visando exclusivamente “o financiamento do fomento e desenvolvimento das artes cinematográficas e do audiovisual” sendo evidente a falta de nexo sinalagmático entre o serviço prestado aos anunciantes e o pagamento da taxa de exibição”.
29. Em consequência do exposto, a taxa de exibição não pode integrar o conceito de valor tributável para efeitos do artigo 16.º, n.º 1, al. a) do CIVA.
30. Importa ainda realçar que, embora não se confunda com a taxa de exibição, a contribuição prevista no artigo 23.º, n.º 1 da lei n.º 42/2004 tem em comum com esta a finalidade intrínseca – o financiamento do desenvolvimento do cinema e do audiovisual – e o mecanismo de liquidação – por substituição tributária.
31. Em ambos os casos, as contribuições não apresentam qualquer ligação directa com a prestação do operador e, quer num caso, quer noutro, não é o substituto um “sujeito passivo por débito próprio”, pois quem pratica o facto tributário é o anunciante ou o operador/distribuidor.
32. Todavia, o legislador, no artigo 23.º da Lei n.º 42/2004, preocupou-se em consagrar expressamente a não incidência de outros tributos sobre essa contribuição mas, pelo menos em matéria de IVA, esta incidência sempre ficaria afastada pelo artigo 16.º, n.º 6, al. c) do CIVA. Á mesma conclusão chegaríamos por aplicação do artigo 16.º, n.º 1 do CIVA, porquanto a contribuição não constitui contrapartida do que quer que seja.
33. Quer isto dizer que, no que concerne especificamente ao IVA, mesmo que o artigo 24.º, n.º 2 não existisse a solução adoptada teria de ser a mesma, pelo que, não obstante a consagração expressa da não incidência de imposições fiscais sobre a contribuição do artigo 23.º, n.º 1 da Lei n.º 42/2004, ao contrário do que sucede para a taxa de exibição, o mesmo entendimento terá de valer para esta última taxa. Tratam-se, conforme exposto, de situações materialmente idênticas.
34. Dessa forma, não tem razão o Tribunal “a quo” quando refere que, se o legislador tivesse pretendido afastar a taxa de exibição da incidência de qualquer imposição tributária, teria obrigatoriamente de consagrar uma regra igual à do artigo 24.º, n.º 2 da lei 42/2004.
35. Concluindo, também por força do disposto no artigo 16.º, n.º 1 do CIVA o montante correspondente à taxa de exibição liquidada aos anunciantes deve ser excluído da base tributável para efeitos de IVA.
36. Finalmente, o caso vertente suscita um conjunto de questões relativas à interpretação de normas de direito comunitário, o que justifica um pedido de clarificação perante o TJCE, com vista a uma correcta interpretação e, subsequentemente, boa aplicação das referidas normas jurídicas, o caso em apreço suscita, pelo menos, as seguintes questões, cuja submissão a apreciação prejudicial do TJCE a Recorrente requer a V. Exas.
37. Sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) da Directiva 77/388/CE, nomeadamente: qual a ratio legis subjacente a esse preceito? Qual o conteúdo do conceito de “contrapartida que o fornecedor ou prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações”? A taxa de exibição liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária, nos termos do artigo 50.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 227/2006, enquadra-se nesse conceito? Em consequência, as quantias liquidadas pela Recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?
38. Sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, nomeadamente: qual a ratio legis subjacente a esse preceito? Qual o conteúdo do conceito de 2quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso de despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias? A taxa de publicidade liquidada pela Recorrente aos anunciantes na qualidade de substituta tributária e contabilisticamente registada numa conta de terceiros, enquadra-se nesse conceito? Em consequência, essas quantias liquidadas pela Recorrente a título de taxa de exibição devem ser incluídas na base tributável para efeitos de IVA?
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser a douta decisão recorrida substituída por outra que considere que a taxa de exibição liquidada pela recorrente nos termos legais está excluída da base tributável em IVA.
Requer-se ainda seja ordenado, nos termos da legislação comunitária em vigor, o reenvio prejudicial para o TJCE tendo em vista o esclarecimento das questões supra identificadas.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
Nos presentes autos suscita-se, desde logo, a questão prévia da incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia.
Com efeito e como se constata das conclusões das alegações de recurso de fls. 254 e segs. a recorrente A.........., SA, vem invocar factos novos, que o tribunal recorrido não estabeleceu, nem levou em conta na sentença, mas em cuja afirmação fundamenta o seu direito.
É o que se apura nomeadamente das conclusões 10ª, em que a recorrente expõe matéria de facto em ordem a concluir que no caso em apreço não ocorre retenção na fonte, contrariamente ao pressuposto de que parte o Mº Juiz “a quo”, pois que a Recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao estado, o que resulta expressamente do artigo 52.º do Decreto-lei n.º 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes – e é o mais comum – recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes» e 26ª em que se refere que «a actividade da Recorrente não consiste na mera exibição da publicidade comercial em causa e o valor pela contrapartida da prestação do serviço (preço global) não coincide com o valor base da taxa de exibição (preço da exibição/difusão), sendo o primeiro superior ao segundo».
Constata-se, assim, divergência com o decidido em matéria de facto invocando-se no recurso factos novos que o tribunal recorrido não estabeleceu, e que têm interesse para a decisão da causa, pois que a questão em análise nos presentes autos consiste em saber se a actuação da recorrente no processo de cobrança da taxa de exibição integrava, para além da mera substituição tributária, uma prestação de serviço (Questão esta já suscitada pela Fazenda Pública na contestação e sobre a qual se alegava não ter sido feita prova bastante – arts. 43 a 45, fls. 71 e segs).
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações são vertidos factos que não foram levados ao probatório ou é invocada matéria de facto que contraria, ou não foi levada em considerado na decisão recorrida – vide neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.10.2007, recurso 373/07, de 31.01.2007, recurso 1027/06 e de 17.01.2007, recurso 962/06, todos em WWW.DGSI.PT.
Verifica-se, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Sul – arts. 280.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Nestes termos somos de parecer que, ouvido a recorrente, este Tribunal deve ser julgado incompetente em razão da hierarquia.
4 - Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 289 a 291 dos autos), veio a recorrente, nos termos de fls. 292 a 294 dos autos, sustentar que nenhum óbice existe a que este Venerando Tribunal aprecie o mérito do recurso, pois que a matéria de facto relevante é tão-somente aquela que se considerou provada (…) todo o resto se traduz numa tentativa da Recorrente de demonstrar, a partir de uma análise do mecanismo da substituição tributária e com o apoio da doutrina e da jurisprudência, porque considera que a taxa de exibição deve estar excluída da base tributável em IVA, mais esclarecendo que na conclusão 10ª das suas alegações de recurso visou realçar que resulta da letra da lei (artigos 51.º e 52.º do DL 227/06) que há substituição tributária mas não existe retenção na fonte, sendo que, aliás, a existência de retenção na fonte não constitui, nem parece ter constituído, um pressuposto de que partiu o Tribunal “a quo” para proferir a sua decisão, antes o que entendeu foi que a Recorrente, como substituto tributário, fica colocada na posição de devedora do tributo, “…pelo que não suportando o encargo tributário não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito são efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço…”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
Importa previamente decidir da competência deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso, questão suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e que, a proceder, obsta ao conhecimento do mérito.
Improcedendo a excepção de incompetência deste Supremo Tribunal para conhecimento do mérito do recurso, importa saber se, como decidido, o montante da taxa de exibição de publicidade comercial, liquidada aos anunciantes pelos operadores ou distribuidores de televisão, deve ser incluída no valor tributável para efeitos de IVA ou se, como alegado, deve ser excluído do valor tributável para efeitos daquele imposto ex vi do disposto no artigo 16.º n.º 1 e n.º 6 alínea c) do Código do IVA (CIVA), interpretados em conformidade com o disposto no artigo 11.º. A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977).
6 - Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos:
A. A impte, no âmbito da sua actividade audiovisual operando no mercado televisivo, prestou serviços de publicidade comercial a diversos anunciantes no mês de Fevereiro de 2004, no âmbito do qual facturou aqueles clientes pelos serviços prestados, no qual se inclui o valor de 4% sobre o preço facturado pela exibição e difusão de publicidade e relativo à taxa de exibição enquanto contribuição para apoio ao cinema e audiovisual, nos termos do disposto no Dec.-Lei nº 227/2006, de 15.11, sobre a qual fez incidir o IVA sobre a totalidade das importâncias facturadas apurando o imposto a pagar, procedendo à entrega do imposto liquidado no período e devidamente incluída na respectiva declaração periódica. – cfr Declaração Periódica de fls. 34 a 37, e cópia de extractos de conta da classe 2, de fls. 182 a 230, dos autos.
B. Em resultado da liquidação da taxa de exibição referida supra, foram contabilizados os montantes de receita a favor da Cinemateca Portuguesa e do Instituto do Cinema e do Audiovisual e Multimédia através de contas de terceiros, processadas e pagas as importâncias assim apuradas. – cfr documentos de fls. 129 a 133, dos autos e cópias dos registos contabilísticos de fls. 24 a 43, do Proc. Reclamação apenso.
C. Da autoliquidação de imposto referida supra apresentou, em 04.04.08, reclamação graciosa constante de fls 5 a 43, a qual foi recebida em 07.04.08, não tendo merecido qualquer decisão. – cfr petição de de fls. 5 a 43, do Proc Reclamação apenso.
7 – Apreciando
7.1 Da invocada excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal
Importa a título prévio decidir da questão suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, pois que o seu conhecimento precede o de qualquer outra (artigos 16.º do CPPT, 101.º e 102.º do Código de Processo Civil), prejudicando, se procedente, a apreciação e julgamento das demais questões suscitadas no recurso.
Como resulta do seu parecer junto aos autos e supra transcrito, entende este Ilustre Magistrado que este Supremo Tribunal deve julgado incompetente em razão da hierarquia para o conhecimento do recurso, porquanto a recorrente A………., SA, vem invocar factos novos, que o tribunal recorrido não estabeleceu, nem levou em conta na sentença, mas em cuja afirmação fundamenta o seu direito, como decorre nomeadamente das conclusões 10ª, em que a recorrente expõe matéria de facto em ordem a concluir que no caso em apreço não ocorre retenção na fonte, contrariamente ao pressuposto de que parte o Mº Juiz “a quo”, pois que a Recorrente tem sempre que entregar o montante da contribuição ao estado, o que resulta expressamente do artigo 52.º do Decreto-lei n.º 227/2006, além de que sempre que a Recorrente recebe tais montantes – e é o mais comum – recebe-os a título de direito de regresso sobre os seus clientes» e 26ª em que se refere que «a actividade da Recorrente não consiste na mera exibição da publicidade comercial em causa e o valor pela contrapartida da prestação do serviço (preço global) não coincide com o valor base da taxa de exibição (preço da exibição/difusão), sendo o primeiro superior ao segundo».
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, veio a recorrente defender que a questão objecto do recurso é uma mera questão de Direito que não põe em causa, antes aceita, o probatório fixado.
Ora, como questão de direito – de mera interpretação de normas jurídicas e sua aplicabilidade aos factos constantes do probatório – a entendemos também, razão pela qual se julgará inverificada a invocada excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal.
A questão de mérito a decidir, como supra se enunciou, é “a saber se, como decidido, o montante da taxa de exibição de publicidade comercial, liquidada aos anunciantes pelos operadores ou distribuidores de televisão, deve ser incluída no valor tributável para efeitos de IVA ou se, como alegado, deve ser excluído do valor tributável para efeitos daquele imposto ex vi do disposto no artigo 16.º n.º 1 e n.º 6 alínea c) do Código do IVA (CIVA), interpretados em conformidade com o disposto no artigo 11.º. A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977)”.
Trata-se de mera questão de direito, a resolver, em concreto, de acordo com o probatório fixado, que a recorrente não põe em causa, antes aceita, razão pela qual não se vê que careça este Supremo Tribunal de competência para a decidir.
Improcede, deste modo, a excepção suscitada.
7.2 Da inclusão ou não no valor tributável para efeitos de IVA do montante da taxa de exibição de publicidade comercial liquidada aos anunciantes pelos operadores ou distribuidores de televisão
A sentença recorrida, a fls. 237 a 243 dos autos, julgou improcedente a impugnação deduzida contra autoliquidação de IVA referente ao mês de Fevereiro de 2004, considerando que o montante da taxa de exibição de publicidade comercial liquidada pela impugnante aos anunciantes se inclui na base tributável do imposto ex vi do artigo 16.º, n.º 1 e n.º 5, alínea a) do CIVA.
Para assim decidir, considerou a sentença recorrida que os montantes da taxa de exibição de publicidade não podiam ser considerados como “quantias pagas em nome e por conta do destinatário dos serviços”, ainda que registadas em contas provisórias de terceiros, para efeitos da exclusão prevista na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, porquanto o obrigado, ao efectuar a liquidação do tributo aos anunciantes e na medida em que recebe as quantias apuradas, fica constituído na posição de devedora do mesmo, pelo que não suportando o encargo tributário não pode pretender que tais quantias pagas aos titulares do crédito são efectuadas em nome e por conta do destinatário do serviço como alega, nem se constituindo como titulares do direito de reembolso das importâncias dispendidas a cargo dos destinatários dos serviços, que as taxas apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço, pois que tendo por objecto os serviços prestados de exibição ou difusão de publicidade comercial (cfr artº 28º da Lei nº 42/2004, de 18.08), é inerente ao serviço prestado, ainda que em benefício de entidades públicas e ainda que se o legislador pretendesse afastar a incidência do IVA sobre o montante das taxas tê-lo-ia dito expressamente, como fez relativamente à contribuição prevista no n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 42/2004, o que não sucede no caso da taxa de exibição.
Discorda do decidido a recorrente, alegando, em síntese, que o montante da taxa de exibição deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, porquanto assim o impõem o artigo 16.º, n.º 1 e n.º 6, al. c) do CIVA, o artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) e n.º 3, al. c) da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CE do Conselho, de 17.05.1977) e bem assim a jurisprudência emanada do TJCE (conclusões 1. a 22. das alegações de recurso), que ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que mesmo em face do artigo 16.º, n.º 1 do CIVA e do artigo 11.º, A, al. a) da Sexta Directiva, as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, contrariamente ao que foi entendido pelo M.º Juiz “a quo”, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço, não podendo, em consequência, integrar o conceito de valor tributável para efeitos do artigo 16.º, n.º 1, al. a) do CIVA (cfr. conclusões 23. a 29. das alegações), invocando ainda que relativamente à contribuição prevista no artigo 23.º, n.º 1 da Lei 42/2004, que teria em comum com a taxa sindicada a finalidade intrínseca – o financiamento do cinema e do audiovisual – e o mecanismo de liquidação – por substituição tributária -, o legislador consagrou expressamente a não incidência de outros tributos sobre essa contribuição (artigo 24.º, n.º 2), pelo que o mesmo entendimento terá de valer para a taxa de difusão por se tratarem de situações materialmente idênticas (cfr. conclusões 30. a 35. das alegações). E porque o caso vertente suscita um conjunto de questões relativas à interpretação de normas comunitárias, requer a este Supremo Tribunal que submeta, a título prejudicial, à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões que enuncia nas conclusões 37. e 38. das suas alegações de recurso, relativas ao sentido e alcance do disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) e 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, do Conselho (cfr. conclusões 36. a 38. das alegações de recurso).
Vejamos.
Consta do probatório fixado na sentença recorrida que:
A. A impte, no âmbito da sua actividade audiovisual operando no mercado televisivo, prestou serviços de publicidade comercial a diversos anunciantes no mês de Fevereiro de 2004, no âmbito do qual facturou aqueles clientes pelos serviços prestados, no qual se inclui o valor de 4% sobre o preço facturado pela exibição e difusão de publicidade e relativo à taxa de exibição enquanto contribuição para apoio ao cinema e audiovisual, nos termos do disposto no Dec.-Lei nº 227/2006, de 15.11, sobre a qual fez incidir o IVA sobre a totalidade das importâncias facturadas apurando o imposto a pagar, procedendo à entrega do imposto liquidado no período e devidamente incluída na respectiva declaração periódica. – cfr Declaração Periódica de fls. 34 a 37, e cópia de extractos de conta corrente de fls.182 a 230, dos autos.
B. Em resultado da liquidação da taxa de exibição referida supra, foram contabilizados os montantes de receita a favor da Cinemateca Portuguesa e do Instituto do Cinema e do Audiovisual e Multimédia através de contas de terceiros, processadas e pagas as importâncias assim apuradas. – cfr documentos de fls. 129 a 133, dos autos e cópia dos registos contabilísticos de fls. 24 a 43, do Proc. Reclamação apenso. (sublinhados nossos).
A taxa de exibição de publicidade comercial vem actualmente prevista no artigo 28.º na Lei n.º 42/2004, de 18 de Agosto (Lei de Arte Cinematográfica e do Audiovisual) e é regulamentada nos artigos 50.º a 58.º do Decreto-Lei n.º 227/2006, de 15 de Novembro.
Nos termos das referidas disposições legais, a taxa, de 4% sobre preço da exibição ou difusão da publicidade, incide sobre a publicidade comercial exibida nas salas de cinema, difundida pela televisão ou incluída nos guias electrónicos de programação, qualquer que seja a plataforma de emissão, é devida pelos anunciantes, embora liquidada, por substituição tributária, pelas empresas concessionárias da exploração de espaço publicitário em salas de cinema ou pelos operadores ou distribuidores de televisão e constitui receita do Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimédia - ICAM (3,2%) e da Cinemateca Portuguesa - CP-MC (0,8%), devendo os montantes apurados ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 10 do mês seguinte ao da liquidação simultaneamente com a declaração a que se refere o artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 227/2006.
A recorrente suscita a questão da conformidade da interpretação do artigo 16.º n.º 1 e n.º 6 alínea c) do Código do IVA (CIVA) adoptada pela Administração e sancionada pela sentença recorrida (no sentido de que o valor da taxa de emissão de publicidade comercial deve ser incluída no valor tributável para efeitos de IVA porque inerente à prestação de serviços e porque não constituiria uma quantia paga em nome e por conta do destinatário dos serviços de publicidade, ainda que os montantes arrecadados sejam registados em contas transitórias de terceiros e destinados a ser entregues a entidades públicas) com os artigos 11.º, n.º 1, al. a) e 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE, do Conselho, de 17.05.1977 (Sexta Directiva) e a jurisprudência do Tribunal de Justiça (TJUE), porquanto entende que as contribuições em causa não apresentam uma ligação directa com a prestação de serviço para que se integrem no valor da contraprestação, pois as taxas de exibição não constituem uma contrapartida do serviço prestado pela Recorrente, nem apresentam ligação directa com a prestação do serviço e ainda que a taxa de exibição se enquadra no “conceito comunitário de acção em nome e por conta de outrem”, pelo que o seu montante deve estar excluído da base tributável para efeitos de IVA.
Questionando-se nos autos a interpretação da conformidade das supracitadas normas do CIVA com preceitos comunitários imperativos e porque da decisão que vier a ser tomada por este Supremo Tribunal não cabe recurso, entende-se como necessária e obrigatória a pronúncia em reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ex-artigo 234.º do Tratado das Comunidades Europeias, para respostas às seguintes questões:
1.ª – O artigo 16.º n.º 1 do CIVA, tal como interpretado pela sentença recorrida (no sentido de que a taxa de exibição de publicidade comercial é inerente à prestação de serviços publicitários razão pela qual deve ser incluída no valor tributável da prestação de serviços para efeitos de IVA) é compatível com o disposto no artigo 11.º, A, n.º 1, al. a) da Directiva 77/388/CE (actual artigo 73.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006), em particular com o conceito de “contrapartida que o fornecedor ou prestador recebeu ou deve receber em relação a essas operações”?
2.ª – O artigo 16.º n.º 6 alínea c) do CIVA, tal como interpretado pela sentença recorrida (no sentido de que a taxa de exibição de publicidade comercial não constitui quantia paga em nome e por conta do destinatário dos serviços, ainda que contabilisticamente registadas em contas transitórias de terceiros e destinadas a ser entregues a entidades públicas, pelo que não estariam excluídas do valor tributável para efeitos de IVA) é compatível com o disposto no artigo 11.º, A, n.º 3, al. c) da Directiva 77/388/CE (actual artigo 79.º c) da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006), em particular com o conceito de “quantias que um sujeito passivo recebe do adquirente ou do destinatário, a título de reembolso de despesas efectuadas em nome e por conta destes últimos, e que estão registadas na sua contabilidade em contas transitórias?
- Decisão -
8 – Nestes termos, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em suspender a instância até à pronúncia do TJUE e ordenar a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria deste Supremo Tribunal à daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhada do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente e de todas as peças processuais posteriores, bem como de fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão.
Custas a final.
Lisboa, 2 de Novembro de 2011. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Dulce Neto.