Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0572/08
Data do Acordão:02/04/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
REDUÇÃO DA COIMA
Sumário: I – Da combinação dos artºs 29º, nº 1, als. a) e b) e 30º, nºs 1 e 4 do RGIT resulta que a redução da coima só é possível desde que tenha sido requerida pelo arguido, ficando, porém, dependente do pagamento da coima e da regularização da situação tributária previstos nos referidos preceitos legais.
II – A ficção de pedido de redução derivada da entrega de prestação tributária só existe nos casos em que não há lugar a liquidação de tributo pelos serviços e toda a prestação devida é paga, integrando-se nesta os juros.
Nº Convencional:JSTA00065516
Nº do Documento:SA2200902040572
Data de Entrada:06/23/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART16 N1 N2.
CPTA02 ART13.
RGIT01 ART29 N1 A B ART30 N1 N4.
LGT98 ART35 N8 ART55.
CONST 76 ART266.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC667/08 DE 2008/11/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificada nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga na parte em que julgou improcedente o recurso da decisão da Administração Tributária que lhe aplicou uma coima pelo não pagamento por conta de IRC, relativo ao ano de 2003, dela vem interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
1- Relativamente ao resultado fiscal de 2003, a recorrente apurou de IRC final a pagar ao Estado o montante de 74.259,00.
2. Ao longo do ano de 2003 efectuou três pagamentos por conta do IRC no total de 46.951,00.
3. Com a entrega da declaração Mod. 22 no final do exercício, a recorrente apurou a diferença de IRC e autoliquidou o montante de 27.308,00.
4. Posteriormente recebeu uma “nota de demonstração de liquidação”, onde a AF apurou o montante de 1.007,62 de juros compensatórios e moratórios, importância que foi paga dentro do prazo constante da referida nota.
5. Em virtude de os pagamentos por conta do IRC efectuados, terem sido inferiores ao IRC devido a final, a AF fixou-lhe a coima em função da estimativa baseada no ano de 2002 de 97.504,00.
6. Por não concordar com a coima fixada, a recorrente impugnou-a para o tribunal “a quo”, pedindo que esta fosse fixada não em função da estimativa, mas em função do imposto devido a final.
7. Do mesmo modo impugnou a coima por não lhe ter sido concedida a redução de acordo com o estipulado no artigo 29° b) da LGT e 31° n° 1, uma vez que reunia os requisitos previstos no artigo 30° n° 4 do mesmo diploma legal.
8. Quanto à primeira questão o Tribunal a quo deu-lhe razão e mandou baixar a coima fixada.
9. A segunda questão, da redução da coima, entendeu que pelo facto da nota demonstrativa constarem juros compensatórios e moratórios a pagar no valor de 1.007,62, a impugnante não podia beneficiar da redução da coima, sendo para tal necessário que “a situação tributária do agente não depender de tributo a liquidar pelos serviços”.
10. Estipula o art° 29° b) da LGT que os contribuintes podem beneficiar da redução da coima, que é fixada em 10% (art° 31° n° 1) desde que reúna determinados requisitos, a que acrescem os constantes do artigo 30° nº 1, 3 e 4 da LGT,
11. Acontece que com a entrega da declaração mod. 22 o impugnante/recorrente autoliquidou e entregou o imposto(IRC) ao Estado, factos estes dados como provados.
12. Sendo verdade que ficaram os juros compensatórios e moratórios em falta, essa liquidação dependia dos serviços fiscais.
13. Como é evidente quando o n° 4 do artigo 30° da LGT diz que depende de estar a situação tributaria regularizada, entenda-se a situação regularizada na parte que depende espontaneamente do contribuinte, e esta dá-se, de acordo com este preceito, nos casos de autoliquidação com “a entrega da prestação tributária”.
14. E o que depende do contribuinte é a autoliquidação e entrega da “prestação tributária” que se dá através do apuramento contabilístico, e a entrega desses montantes apurados.
15. E quando se diz que “não dependa de tributo a liquidar pelos serviços” não significa senão que a AF quer evitar que seja ela própria a apurar o imposto em falta, com os encargos que isso envolve, inclusivamente o recurso à inspecção fiscal, dando a possibilidade ao contribuinte de ser ele a autodenunciar e a autoliquidar o imposto.
16. Situação bem diferente é a exigência dos juros compensatórios e moratórios que são devidos pela não entrega atempada do imposto, que não se confunde com a prestação.
17. Ao contribuinte/recorrente competia autodenunciar e entregar ao Estado os montantes apurados, o que fez, enquanto os serviços fiscais compete o cálculo e exigência desses juros em face da autodenúncia.
18. A seguir-se o entendimento do tribunal a quo, os preceitos fiscais relativamente à redução das coimas como garantia dos contribuintes, seriam letra morta, porquanto com a entrega da mod. 22 e a autoliquidação os serviços locais não procedem ao cálculo dos acréscimos devidos, só o fazendo mais tarde.
19. Por outro lado, a recorrente/impugnante pagou os acréscimos exigidos, dentro do prazo constante da notificação, pelo que também estaria em condições de beneficiar da redução.
20. Mas se isso não bastasse, e fazendo uma leitura atenta do artigo 30° n° 4 e o conjugarmos com o artigo 22° b) verificamos que enquanto neste último se fala em “prestação tributária e acréscimos legais”, naquele fala-se apenas em “regularizada a situação tributária”, sendo que o a autoliquidação apenas se refere à prestação tributária em si que é a parte que o contribuinte dispõe na sua contabilidade.
21. Apenas por mera cautela e se por absurdo se vier a entender que os juros compensatórios e moratórios deveriam ser objecto de cálculo pela recorrente, o despacho/sentença não deveria ter descurado o facto de a acoimada ter pago a diferença de IRC, podendo quanto a esta parte beneficiar da redução, aplicando-se ao presente caso uma proporção de acordo com o princípio da justiça, da proporcionalidade e da defesa das garantias dos contribuintes (art° 55° da LGT e 266° da CRP).
A Fazenda Pública não contra-alegou.
No entanto, o Exmº Magistrado do Ministério Público junto da instância contra-alegou nos termos que constam de fls. 75 e seguintes, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, “tal como sustenta o Mº Pº a fls. 75 e segs.”.
O Relator, por despacho de fls. 85, suscitou a questão da incompetência hierárquica deste STA para conhecer do recurso, uma vez que, na conclusão 19ª da motivação do recurso, a recorrente “parece alegar matéria de facto que não foi dada como provada pela sentença recorrida”.
Desta questão prévia foram notificadas as partes, tendo respondido, apenas, a recorrente, nos termos que constam de fls. 88, que aqui também se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, pugnando pelo prosseguimento do recurso neste Supremo Tribunal, “por versar exclusivamente matéria de direito”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 20.12.2006 foi levantado auto de notícia contra a Recorrente imputando-se-lhe, no essencial à prática de infracção pela falta de entrega do pagamento por conta, no valor de 50.552,84 € (fls. 5 dos autos).
2. A Recorrente foi notificada dos factos que lhe eram imputados e para apresentar a sua defesa o que não fez (fls. 7 dos autos).
3. Por despacho de 02.04.2007 pelo Director de Finanças foi fixada a coima no valor de 11.677,71 € (fls. 11 a 13 dos autos).
4. No ano de 2003, no exercício da actividade foi apurado o valor de 74.259 €, de IRC tendo a Recorrente procedido ao pagamento de 46.951€;
5. De acordo os valores do ano de 2002 o valor estimado de IRC era de 97.504 €;
6. A Recorrente não entregou ao Estado, IRC no valor de 27.308 €;
7. Em 31.05.2004, através do modelo P1 a Recorrente entregou ao Estado o valor de 27.308,70 € (fls. 30 dos autos);
8. Em 22.09.2004 foi efectuada a liquidação do IRC, através do documento 2004 000001023143 no qual foi considerado o pagamento por conta efectuado no valor de 46.951,22 € e o pagamento auto liquidado no valor de 27.308,70 €, tendo sido calculado a final o imposto no valor de 1.007,69 € (fls. 29 dos autos);
9. Da decisão foi a Recorrente notificada em 14.06.2007, tendo interposto o presente recurso.
3 – Sendo de conhecimento oficioso (cfr. artº 16º, nºs 1 e 2 do CPPT) e prioritária (cfr. artº 13º do CPTA), importa apreciar a questão prévia da incompetência deste STA, em razão da hierarquia e tal como vem suscitada pelo Relator.
Na conclusão 19ª da sua motivação do recurso, alega a recorrente que “pagou os acréscimos exigidos, dentro do prazo constante da notificação, pelo que também estaria em condições de beneficiar da redução”.
Dos documentos agora juntos pela recorrente, a fls. 89 e 90, resulta claro que, efectivamente, aquela procedeu ao pagamento dos “acréscimos exigidos”.
Sendo assim, não pode ser qualificada como alegação de facto uma realidade jurídica que se mostra certificada nos próprios autos e que, como tal, não pode deixar de processualmente relevar.
Pelo que, não versando matéria de facto, é este STA o tribunal hierarquicamente competente para conhecer do presente recurso.
Posto isto, passemos, então, ao conhecimento do seu objecto.
4 – Consiste este em saber se a recorrente pode beneficiar da redução da coima nos termos do disposto nos artºs 29º, nº 1. als. a) e b) e 30º, nº 4 do RGIT.
Na sentença recorrida decidiu-se que, da conjugação dos referidos preceitos legais, “só existe redução se a regularização da situação tributária do agente não depender de tributo a liquidar pelos serviços”. Assim, “como resulta da matéria assente a demonstração da liquidação, à Recorrente foi liquidado IRC na valor de 1 007.69 €, pelo que não beneficia de redução da coima”.
Não concorda a recorrente com esta decisão pelas razões supra referidas nas conclusões da sua motivação do recurso.
Mas não tem razão.
Com efeito, estabelece o artº 29, nº 1 do RGIT que “as coimas pagas a pedido do agente, apresentado antes da instauração do processo contra-ordenacional, são reduzidas nos termos seguintes: se o pedido de pagamento for apresentado nos 30 dias posteriores aos da prática da infracção e não tiver sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, para 25% do montante mínimo legal (al. a); se o pedido for apresentado depois do prazo referido na alínea anterior, sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, para 50% do montante mínimo legal (al. b)”.
Por sua vez, dispõe o artº 30º, nº 1 do mesmo diploma legal que, “o direito à redução das coimas previsto no artigo anterior depende: a) nos casos das alíneas a) e b), do pagamento nos 15 dias posteriores ao da entrada nos serviços da administração tributária do pedido de redução…”.
E no seu nº 4 acrescenta ainda que, “sempre que nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta”.
Da combinação dos referidos preceitos legais, ressalta, assim, que a redução da coima é possível desde que tenha sido requerida pelo arguida, ficando, porém, dependente do pagamento da coima e da regularização da situação tributária dentro dos condicionalismos previstos nos mesmos preceitos legais.
Posto isto, no caso dos autos, resulta do probatório que, no ano de 2003, no exercício da actividade da recorrente foi apurado o valor de € 74.259,00 de IRC, tendo esta procedido ao pagamento de € 46.951,00 (nº 4).
A recorrente não entregou ao Estado IRC no valor de € 27.308, o que só veio a acontecer no dia 31/5/04, através do modelo P1 (nºs 6 e 7).
Em 22.09.2004 foi efectuada a liquidação do IRC, através do documento 2004 000001023143 no qual foi considerado o pagamento por conta efectuado no valor de 46.951,22 € e o pagamento auto liquidado no valor de 27.308,70 €, tendo sido calculado a final o imposto no valor de 1.007,69 € (fls. 29 dos autos) (nº 8).
E que o auto de notícia foi levantado em 20/12/06 (nº 1).
Sendo assim, não ficou provado, nem sequer vem alegado, que a recorrente tivesse formulado, durante os prazos supra referidos, nem posteriormente, qualquer pedido de pagamento da coima reduzida, tal como lhe era legalmente exigível.
É certo que no predito artº 30º, nº 4 e como vimos, se estabelece que “Sempre que nos casos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º a regularização da situação tributária do agente não dependa de tributo a liquidar pelos serviços, vale como pedido de redução a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta”.
Mas, como resulta dos próprios termos desta disposição, a ficção de pedido de redução derivada da entrega de prestação tributária só existe nos caso em que não há lugar a liquidação de tributo pelos serviços e toda a prestação tributária devida é paga.
Ora, no caso em apreço isso não sucedeu, pois, por um lado, havia lugar a liquidação de juros compensatórios, que se integram na própria dívida de imposto, isto é, são também imposto a pagar (artº 35º, nº 8 da LGT). Estes juros compensatórios tinham de ser liquidados pelos serviços, pelo que, logo, por essa razão está afastada a possibilidade de se aplicar a ficção de pedido de redução prevista naquele nº 4 artº 30º.
Assim, nesta situação, a possibilidade de redução da coima nos termos do artº 29º, nº 1, alínea b) do RGIT dependia de pedido de redução a formular pela recorrente de forma inequívoca e expressa e da respectiva regularização da situação tributária subsequente à notificação prevista no nº 2 do artº 31º do mesmo diploma, o que, como vimos, não aconteceu.
Assim sendo e por que não se encontram preenchidos os seus pressupostos legais, não pode a recorrente beneficiar da redução pretendida.
5 – E do que fica exposto, não descortinámos, nem a recorrente o explicita, em que possam ter sido violados os princípios da justiça, da proporcionalidade e da defesa das garantias dos contribuintes consagrados nos artºs 55º da LGT e 266º da CRP.
No mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão desta Secção do STA de 6/11/08, in rec. nº 667/08, tirado em caso idêntico.
6 – Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2009. - Pimenta do Vale (relator) – Miranda de Pacheco - Jorge de Sousa.