Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01305/17
Data do Acordão:02/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FUMUS BONI JURIS
DISCIPLINAR
PENA EXPULSIVA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Os limites entre o conhecimento perfunctório e o conhecimento de fundo da ação em sede cautelar não podem ser aferidos em abstracto, mas apenas casuisticamente face às concretas ilegalidades invocados e seu tratamento jurídico assente ou não a nível de doutrina e/ou jurisprudência.
II - O prazo prescricional previsto no artigo 178º n.º 2 da LGTFP conta-se da data em que as faltas são injustificadas.
III - Quando está em casa uma prova que teria de ser feita em sede de processo administrativo disciplinar e não em sede de processo judicial apenas há que atender se essa prova foi minimamente feita para aferir da provável procedência da acção.
Nº Convencional:JSTA00070572
Nº do Documento:SA12018022801305
Data de Entrada:01/02/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:DG DE REINSERÇÃO E SERVIÇOS PRISIONAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL.
DIR ADM GER - DISCIPLINAR.
Área Temática 2:DIR ADM CONT - SUSPEFIC
Legislação Nacional:CPTA ART120.
LTFP ART190 ART178.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0979/16 DE 2016/09/15.; AC STA PROC0651/16 DE 2017/03/08.; AC STA PROC0163/17 DE 2017/05/04.; AC STA PROC050/17 DE 2017/06/08.; AC STAPLENO PROC021/03 DE 2007/01/23.; AC STA PROC01467/16 DE 2017/04/05.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO ALMEIDA E CARLOS CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA 2017 4ED PÁG974 - 975.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
l-RELATÓRIO

A………….. interpõe recurso jurisdicional para este STA, ao abrigo do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido no TCAS, em 21 de Setembro de 2017 que concedeu provimento ao recurso da decisão do TAF de Sintra – que determinou a suspensão de eficácia do despacho de 21/02/2017 do Director Geral da Reinserção Social e dos Serviços Prisionais que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão – revogando a decisão recorrida, e julgando improcedente a providência cautelar por si requerida.

2. O Recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:

“A. O TCA Sul, assenta a fundamentação do douto acórdão recorrido, decidindo uma questão que ainda não foi sequer analisada e decidida em sede de ação principal, situação que será prejudicial ao recorrente, uma vez que, além de durante a pendência da ação principal, não ter quaisquer rendimentos para fazer face às despesas que tem mensalmente que suportar e, que se encontram devidamente documentadas nos presentes autos, causando assim uma situação de facto consumado, atendendo aos efeitos imediatos da pena disciplinar de demissão, decidiu sobre a questão do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar e, sobre a matéria probatória constante nos autos sobre as ausências do recorrente ao trabalho, como se o processo cautelar fosse a ação principal.

B. Assenta a fundamentação do acórdão do TCA Sul em manifesto erro sobre os pressupostos de direito.

C. Na verdade, a prescrição nos termos do artigo 178.° n.º 2 da LTFP foi suscitada na ação principal, e em sede cautelar, à luz de uma apreciação perfunctória (superficial), é suficiente para se ter como verificado o requisito fumus boni iuris, ao contrário do que entendeu o douto acórdão recorrido.

D. A Administração em sede disciplinar não é apenas o dirigente máximo do serviço, ou seja, o Sr. Diretor Geral, mas também o Diretor da Unidade Orgânica (Estabelecimento Prisional), onde o recorrente exerce as suas funções, superior hierárquico do recorrente, cabendo a este a partir do conhecimento da prática de um ilícito disciplinar dar conhecimento ao órgão competente em sede disciplinar, Serviço de Auditoria e Inspeção (SAI) da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que elaborará um relatório que será homologado pelo dirigente máximo do serviço.

E. Ora, o superior hierárquico do recorrente, diretor da unidade orgânica (Estabelecimento Prisional), tomou conhecimento em 31.08.2015, que entre 16.03.2015 e aquela data (altura em que o recorrente se apresentou ao serviço, cessando a ausência ao trabalho), o recorrente praticou um ilícito disciplinar, porém, apenas no dia 25.01.2016, deu conhecimento desse facto ao SAI, órgão com competência disciplinar, estando, há muito extinto o direito de instaurar o procedimento nos termos do artigo 178.º n.º 2 da LTFP.

F. O prazo prescricional conta-se da data em que as faltas são injustificadas.

G. Mesmo que não se aplique o previsto no artigo 134.º n.º 6 da LTFP e no artigo 253.º e seguintes do Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro ex vi artigo 4.º n.º 1 alínea g) da LTFP, tem-se o conhecimento dessas faltas como injustificadas por parte do superior hierárquico do recorrente quando este se apresentou ao serviço em 31.08.2015, cessando a ausência ao trabalho, tendo o mesmo conhecimento nessa data que nenhuma justificação havia sido apresentada sobre os 169 dias de ausência existentes.

H. Mais, o procedimento administrativo pendente é autónomo do procedimento disciplinar, nomeadamente quanto à contagem dos prazos.

I. Não obstante, refira-se que o procedimento administrativo teve início segundo o PA em 02.04.2015, quando a ausência não justificada foi objeto de informação e despacho do Exmo. Senhor Diretor do EP …...

J. O recorrente apresentou-se ao serviço em 31.08.2015.

K. Todavia apenas em 25.01.2016, ocorre a conclusão desse procedimento administrativo, ou seja, 9 meses depois do seu início.

L. Este prazo, em obediência ao princípio da eficiência da Administração, não é um prazo razoável para a conclusão de um procedimento administrativo relativo a ausências ao trabalho, considerando a reduzida complexidade da matéria, a legislação aplicável sobre as faltas injustificadas (direito), à falta de pronúncia do recorrente e, ao facto do recorrente se ter apresentado ao serviço em 31.08.2015.

M. Inexiste qualquer causa de suspensão de prazos prescricionais previstos no artigo 178.° n.º 3 da LTFP.

N. Destarte, sobre estarem verificados os pressupostos da prescrição nos termos do artigo 178.° n.º 2 da LTFP, ao contrário do que o douto acórdão, ora colocado em crise entendeu, está verificado o requisito da existência da aparência do direito (fumus boni iuris), sendo provável proceder a pretensão do recorrente, estando assim o TCA Sul em manifesto erro sobre os pressupostos de direito.

O. Quanto à justificação das ausências, a prova constante nos autos, nomeadamente em sede fiscal é suficiente para em sede cautelar se concluir existir uma probabilidade que também nesta matéria procede o fumus boni iuris, atendendo que o recorrente esteve numa situação de incapacidade psíquica que o diminuiu psicologicamente, nomeadamente quanto ao cumprimento das suas rotinas diárias e responsabilidades.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso de revista extraordinário ser admitido e, em consequência revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que admita e dê procedência à douta sentença do tribunal a quo, que deferiu a providência cautelar para suspensão da eficácia do ato de aplicação e execução imediata da pena de demissão, com o que V. Exas, Venerandos Conselheiros, farão a costumada e sã JUSTIÇA

- O recorrente encontra-se isento do pagamento das custas processuais, nos termos do artigo 4.º n.º 1 alínea h) do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei 34/2008 de 26 de fevereiro com as alterações introduzidas pela Lei 7-A/2016 de 30 de março.”

3. A Recorrida conclui as suas contra-alegações da seguinte forma:

“III.I Ao presente recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 143.° do CPTA;

III.II O regime de recursos consagrado no CPTA não contempla, em regra, recurso dos Acórdãos proferidos em segundo grau de jurisdição, salvo se estiverem verificados os requisitos da revista excecional;

III.III Do n.º 1 do artigo 150.° do CPTA resultam os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista:

a) Esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental;

b) A admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

III.IV A decisão em recurso não contende com qualquer questão social relevante, limitando os seus efeitos ao caso concreto do Recorrente.

III.V Também não existe nenhuma questão jurídica relevante a necessitar de decisão pelo STA, antes pelo contrário, a decisão do Douto Acórdão recorrido está devidamente sustentada e é juridicamente plausível;

III.VI Não estão preenchidos os pressupostos que justificam a admissão do presente recurso de revista;

III.VII O Douto Acórdão de que se recorre foi proferido em sede de uma providência cautelar, importando, por esse motivo, um maior rigor do STA na admissão do recurso, atenta a precariedade da instância;

III.VIII Ainda que o presente recurso viesse a ser admitido, o que apenas por cautela de patrocínio se admite, sempre ao mesmo teria que ser negado provimento, pois que o ato em causa – pena disciplinar de demissão é reversível mediante a decisão favorável a proferir na ação principal, não se relevando difícil a reintegração total da situação jurídica e de facto a ela inerente;

ILIX Aderindo-se à fundamentação do Douto Acórdão do TCA-Sul, por estar em conformidade com o direito e em harmonia com a posição acolhida na jurisprudência, não merecendo qualquer juízo de censurabilidade.

Termos em que:

a) Deve ser rejeitada a admissão do presente recurso;

b) Assim não se decidindo, considerando todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o Douto Acórdão proferido pelo TCA SUL.”

4. A revista foi admitida por acórdão de 30.11.2017, da formação deste STA, fls. 267/272, a que alude o n.º 6 do artº 150° do CPTA, donde se extrai:

“... 4. 1. No caso, as instâncias divergiram no tocante à aparência do bom direito e isto porque o TAF considerou ser provável a procedência da acção principal e o TCA assumiu um entendimento inteiramente diferente, tendo sido essa divergência a determinar a oposição de decisões.

Acresce que, no caso, haverá que considerar que não só está em causa a aplicação de uma pena de demissão como o TAF, julgando provada a existência de bom direito, considerou verificados os restantes requisitos – a existência de periculum in mora e uma ponderação de interesses favorável ao Requerente.

Ora não só a importância – social e jurídica – da questão merece reapreciação como a sua relevância para o Requerente impõe o seu tratamento por este Supremo Tribunal.

5. Notificado o EMMP, ao abrigo dos art.s 146°, nº 1 e 147°, nº 2 CPTA, foi emitido Parecer no sentido da improcedência do recurso e de onde se extrai o seguinte:

“(...) O conhecimento exigido pela norma é, como se ponderou no douto Acórdão do STA de 03.05.1988, in proc. n.º 024158 “um conhecimento que comporte já uma carga valorativa de ilicitude disciplinar. O conhecimento pelo superior da ausência do trabalhador ao serviço não é ainda conhecimento de uma "falta" que implique a instauração de procedimento disciplinar. Só a ausência julgada injustificada pela autoridade com poder para tanto pode ter a coloração de ilicitude disciplinar que implique o cumprimento do dever do superior hierárquico de promover o procedimento disciplinar adequado”.

É um conhecimento que assenta na ciência da verificação dos factos típicos da infração e não o que decorre do mero conhecimento naturalístico dos factos.

Ora, esse conhecimento apenas ocorreu em 25.01.2016, data em que o Diretor do Estabelecimento Prisional de …….., constatando que o ora Recorrente não havia justificado as faltas, na sequência da notificação efectuada em 15.11.2015, considerou as mesmas injustificadas (alínea E) do probatório). Só nesse momento se materializavam os elementos caracterizadores da infração e se substanciava a ciência da relevância disciplinar da conduta, indispensável à instauração do procedimento disciplinar.

Assim, constituindo a apontada data de 25.01.2016 o termo inicial da contagem do prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do art. 178.º da LTFP, forçosamente se haverá de concluir que na data em que foi determinada a instauração do processo disciplinar (15.02.2016) ainda não havia operado a prescrição do procedimento disciplinar (cfr. alínea F) do probatório).

Por outro lado, se é certo que o ora Recorrente invoca que "o período em que esteve ausente do trabalho (...) estava diminuído psiquicamente" (art. 10.º da p. i.) e que a privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração é circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar, nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 190.º da LTFP, a verdade é que, como bem se assinala no douto acórdão recorrido, o mesmo não apresentou qualquer prova que suporte aquela afirmação.

Não é perspectivável, pois, a nosso ver, a procedência da ação principal não se mostrando verificado, em consequência, o requisito cumulativo da "aparência do bom direito", indispensável à concessão da providência requerida.

Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso deverá ser mantido o douto Acórdão recorrido. (…)”.

6. Notificado veio o recorrente afirmar a existência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito do parecer, pugnando pela procedência do recurso de revista nos termos peticionados.

7. Sem vistos, por se tratar de processo de natureza urgente [artigo 36°, nº 1, alínea f), do CPTA], cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

A) O Requerente é Guarda Prisional do Corpo da Guarda Prisional da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e exerce funções no Estabelecimento Prisional de ……. (cfr. nota biográfica de fls. 30-36 do processo administrativo);

B) O Requerente não compareceu ao serviço no período compreendido entre 16.03.2015 e 30.08.2015 (facto não controvertido e Relatório Final de fls. 10-19 dos autos);

C) A Entidade Demandada remeteu ao Requerente o ofício de fls. 18 do processo administrativo, datado de 25.08.2015, cujo teor se dá por reproduzido e no qual referiu, designadamente que:

“(...) 1. Considerando:

1.1 A deliberação da Junta Médica da ADSE de 13.03.2015 que deliberou o trabalhador apto a regressar ao serviço com efeitos a 16.03.2015;

1.2 Que o trabalhador não se apresentou ao serviço a 16.03.2015, nem procedeu à entrega/remessa de qualquer documentação tendente à justificação do absentismo em questão;

2. Conclui-se, assim, que V. Exa. se encontra numa situação de faltas injustificadas desde 16.03.2015 até ao presente, nos termos do n.º 6 do art.134° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (…)”;

D) O Requerente apresentou-se ao serviço a 31.08.2015 (facto não controvertido e informação de fls. 16 do processo administrativo);

E) Dá-se por reproduzido o teor do Despacho do Director do Estabelecimento Prisional de ……., datado de 25.01.2016, de fls. 3-4 do processo administrativo, do qual consta, designadamente que:

Relativamente ao período faltas não justificadas pelo elemento do CGP A…………. (SRH …..), registadas entre 16/03/2015 até 30/08/2015, inclusive, as quais totalizam 168 dias, refere o seguinte:

1. A junta médica da ADSE de 13/03/2015, deliberou o trabalhador apto a regressar ao serviço com efeitos a 16/03/2015;

2. O trabalhador não se apresentou ao serviço a 16/03/2015, nem procedeu à entrega/remessa de qualquer documentação tendente à justificação do absentismo em questão;

3. A situação de ausência não justificada foi objecto da n/informação datada de 02/04/2015 (em anexo), a qual foi remetida ao DSGRH via e-mail nessa mesma data, após despacho do Director do EP ….. e reencaminhada por novo e-mail em 25/08/2015;

4. Por indicação do DSGRH, em 25/08/2015 foi o trabalhador notificado por carta registada c/A,R. para justificar as faltas, nos termos do n.º 6 do artigo 134.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20/06, tendo sido informado que o deveria efectuar no prazo de 10 dias úteis a contar da receção do dito ofício, sobre a intenção da Administração de injustificação das faltas desde 16/03/2015.

a. O ofício foi devolvido ao EP de …. em 21/09/2015, com o carimbo de "Devolvido ao Remetente-Objecto não Reclamado";

b. Tal situação foi reportada pela n/Informação datada de 21/09/2015 (em anexo);

5. Em 31/08/2015 o trabalhador apresentou-se no EP de …… para levantar guia de marcha, tendo-se apresentado no EP de …… em 01/09/2015 para onde fora entretanto transferido;

6. Em 02/11/2015, por instruções emanadas do DSGRH foi solicitado colaboração ao EP de …… para proceder a nova tentativa de notificação do trabalhador, por ofício registado com A.R. ou notificação pessoal

a. Em 04/12/2015 o EP de …… remeteu cópia do ofício datado de 12/11/2015 e do respectivo A.R. (em anexo), atestando que o trabalhador recepcionara a notificação em 15/11/2015.

Em conclusão estando ultrapassado o prazo previsto após a notificação, contado a partir da sua recepção, sem que o trabalhador tenha apresentado qualquer justificação para a ausência, injustifico as faltas do guarda em referência, em conformidade com o”

F) Por despacho de 15.02.2016 foi determinada a instauração ao Requerente do processo disciplinar (fls. 2 do processo administrativo);

G) Dá-se por reproduzido o teor da acusação de fls. 53-62 do processo administrativo;

H) O Requerente apresentou a defesa escrita de fls. 68-74 do processo administrativo;

I) Dá-se por reproduzido o teor do Relatório Final de fls. 113-131, do qual consta, designadamente que:

“(...) Na fase de instrução do processo, foi ouvido o trabalhador arguido e foram reunidas outras provas pertinentes para a descoberta da verdade.

Em face das provas que se reuniram, foi o arguido A……….. acusado de ter violado os deveres gerais de prossecução do Interesse público, de zelo, de lealdade e de assiduidade, tal como os mesmos se encontram previstos nas alíneas a), e), g) e i), e descritos nos n.ºs 3, 7, 9 e 11, todos do artigo 73.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, por referência ao conteúdo funcional e missão do Corpo da Guarda Prisional (CGP), tal como se encontram indicados no n.º 1 do artigo 3º do Estatuto do Pessoal do Corpo da Guarda Prisional (EPCGP), aprovado em anexo à Lei n.º 3/2014, de 9 de janeiro, tendo cometido infração disciplinar prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e atentos o artigo 187.º e o n.º 1 e a alínea g) do n.º 3 do artigo 297.º, a que corresponde, em abstrato, a pena de demissão.


***

O arguido apresentou defesa (a fls. 81 a 89 verso), em prazo e por quem de direito, pelo que a mesma foi aceite.

O arguido arrolou na resposta testemunha para inquirição e juntou documentos de prova e ainda requereu diligências a realizar pelo instrutor, consistindo as mesmas na solicitação "ao médico psiquiatra do arguido, Dr. ………., relatório médico sobre a(s) patologia(s), sintomatologia associada e terapêutica administrada ao arguido e, ainda relatório semelhante médico da especialidade de neurologia que o acompanha no Hospital de Viseu, por se revelar essencial para a descoberta da verdade”,

Na fase de defesa do trabalhador foi ouvida a testemunha arrolada (a fls. 105 a 107) e foram admitidos os documentos que juntou na resposta (a fls. 88 e 89 verso).

No entanto, quanto à diligência requerida, para ser realizada pelo instrutor, efetuada a devida ponderação acerca da sua pertinência e necessidade e da viabilidade em ser concretizada pelo instrutor do processo, entendeu-se, em despacho devidamente fundamentado (a fls. 94 a 96), e que se reitera, que a realização da diligência deveria ser garantida pelo trabalhador arguido, dado que, como doente daqueles médicos, ninguém melhor que o próprio poderia solicitar-lhes aqueles relatórios, por respeitarem à sua vida privada e por serem defendidos por segredo profissional, pelo que, consequentemente, em 06.12.2016 (a fls. 94 a 97 e 109 a 111) notificou-se o arguido do despacho e do prazo que se lhe concedia para obter aqueles documentos e os apresentar aos autos. (...)

Acresce que, no que se refere ao médico da especialidade de neurologia que o acompanha no Hospital de Viseu, conclui-se dos autos que o arguido nunca chegou a ter consulta dessa especialidade naquele estabelecimento hospitalar, e nem sequer, aliás, disponibilizou ao instrutor o nome desse médico, tornando inviável junto daquela entidade questionar a sua identidade, designadamente por impossibilidade de se conseguir uma circulação confidencial dessa informação.

Até à presente data o arguido não apresentou estes documentos, que na resposta à acusação, referia, segundo o mesmo, "se revelar essencial para a descoberta da verdade".

Afigura-se, salvo melhor entendimento, analisando-se o n.º 1 do artigo 178.º da LTFP, não ter a infração disciplinar prescrito, porquanto não decorreu o prazo de um ano sobre a sua prática sem que tivesse sido instaurado o competente procedimento disciplinar.

De facto, a situação de não comparência do trabalhador do CGP A……….. ao serviço no Estabelecimento Prisional de ….. teve início em 16.03.2015, decorrendo ininterruptamente até 31.08.2015, data em que cessou, e data em que, por tratar-se de uma infração continuada, o prazo prescricional começou a correr, tendo-se por presente a sua instauração em 15.02.2016.

Também analisando-se o n.º 2 do artigo 178.º da LTFP, conclui-se não ter prescrito o direito de instaurar o procedimento disciplinar, porquanto foi exercido no decurso daquele prazo de um ano, dada a sua instauração ter sido decidida antes de terem decorrido 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico competente.

De facto o dirigente máximo do serviço, a quem, em 01.02.2016, foi proposta a instauração de procedimento disciplinar ao trabalhador, somente em 15.02.2016 veio a tomar decisão nesse sentido por só então, nessa data, ter tomado conhecimento do processo, e dos factos relevantes, na sua materialidade e circunstancialismo que os rodearam, em termos tais que lhe foi possível efetuar o seu enquadramento como ilícito disciplinar e tivesse então podido aferir se se justificaria ou não a instauração do procedimento, o que sucedeu; ou seja, só quando seja suscetível de se conferir uma relevância jurídico-disciplinar aos factos e às respetivas circunstâncias dadas a conhecer, é que os mesmos relevam para a contagem deste prazo (a fls. 2 a 24 verso).

Considere-se que a proposta de instauração do procedimento disciplinar ao trabalhador foi presente ao Senhor Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais pelo Senhor Inspetor-Coordenador do Serviço de Auditoria e Inspeção, na sequência de decisão do Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional de …… de 25.01.2016, através da qual, em 29.01.2016, informa toda a factualidade relativa à injustificação das faltas dadas pelo trabalhador e propõe a instauração do procedimento disciplinar, e da qual também notificou o trabalhador.

A injustificação das aludidas faltas ao serviço pelo trabalhador decorreu do Senhor Diretor do Estabelecimento Prisional de ….. vir a considerar não ser mais de aguardar por uma justificação do trabalhador para o seu comportamento.

Considere-se que o Estabelecimento Prisional de …... notificou o trabalhador, por ofício de 25.08.2016, para em 10 dias justificar a sua "situação de faltas injustificadas" em que se encontrava, correspondência devolvida em 21.09.2015, com o seguinte registo: "Devolvido ao Remetente-Objeto não Reclamado".

Mais tarde, o Estabelecimento Prisional de ……., a pedido do Estabelecimento Prisional de ……, notificou o trabalhador por ofício, que rececionou em 15.11.2015, para em 10 dias justificar aquelas faltas, tendo o Estabelecimento Prisional de …… tomado conhecimento da aludida receção pelo trabalhador em 04.12.2015.

Por último, refira-se que também o procedimento disciplinar não prescreveu, porquanto o n.º 5 do artigo 178.º estabelece que tal somente ocorre se após 18 meses da data da sua instauração, em 15.02.2016, o trabalhador não tiver sido notificado da decisão final, o que não sucedeu. (...)

Analisando-se a resposta oferecida à acusação pelo trabalhador ora arguido, quanto ao que alega para esclarecer os factos e quanto aos documentos que apresenta, assinados pelo seu médico, e com que o ora arguido visa justificar o comportamento tido e comprovar uma doença que o teria impedido de comparecer ao serviço de 16.03.2015 a 31.03.2015 (a fls. 81 a 89 e verso), constata-se:

Que a factualidade descrita na defesa mantém-se alinhada e coerente com as declarações que prestou na fase de instrução, em 05.04.2016 (a fls. 40 a 42), e no essencial a mesma é corroborada pelo depoimento oferecido pela única testemunha que arrolou (a fls. 105 a 107), também guarda prisional afeto ao Estabelecimento Prisional de ……., que o conhece no contexto da profissão e por ser seu amigo desde a infância; não corrobora no entanto que o ora arguido não tenha saído de casa naquele período de tempo e alega desconhecer qualquer tentativa de suicídio (a fls. 106);

Que os documentos assinados pelo seu médico psiquiatra, Senhor Dr. ………, da "……….." (unidade de saúde privada), são constituídos por "declaração", datada de 11.08.2015, por "adenda", datada de 25.02.2016, atualizando a antecedente declaração (documentos que já antes o ora arguido tinha junto às suas declarações de 05.04.2016 (a fls. 42) e por "informação psiquiátrica", datada de 22.09.2016 (a fls. 89 frente e verso).

Face ao que, analisando-se,

A factualidade alegada em defesa pelo trabalhador arguido, aqui no fundamental reproduzida, com a qual o mesmo pretendeu esclarecer os factos de que é acusado, de modo fundamentado, deveria ter sido suportada, para o efeito, por documentação de teor satisfatório e adequado, e por meio de prova devido, neste caso, por documento comprovativo, consubstanciado numa declaração passada por estabelecimento hospitalar ou centro de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da saúde e da Administração Pública (certificado de incapacidade temporária para o trabalho), nos termos dos artigos 17.º e 18.º da LTFP, como aquele que apresentou, por exemplo, para justificar a sua não comparência ao serviço de 06.12.2014 a 17.12.2014, por doença, e que mereceu o registo: "implica a permanência no domicílio" (a fls. 12).

Somente através desse documento, poderia o ora arguido justificar, no tempo que lhe foi concedido, de modo atendível o seu comportamento e comprovar a sua doença, com indicação expressa de existir impossibilidade de comparecer ao serviço de 16.03.2015 a 31.03.2015.

Ora, tal não sucedeu; para o que, aliás, lhe foram concedidas oportunidades bastantes, num período de tempo seriamente razoável, na sua globalidade, pelo menos, de 15.11.2015 (data em que rececionou notificação para justificar aquelas faltas) a 24.01.2016 (dia que antecedeu a decisão de injustificação dessas faltas), abarcando inclusive um período de tempo em que já se encontrava a exercer funções no Estabelecimento Prisional de …… (desde 01.09.2015).

Considere-se aliás o declarado pelo médico psiquiatra do ora arguido, na "adenda" datada de 25.02.2016, reportando-se à consulta de 11.08.2015: "O doente atualmente está colocado, desde 1 setembro 2015, no Estabelecimento Prisional de ……., referindo boa adaptação e razoável satisfação no exercício profissional";

Até prestar declarações aos presentes autos, em 05.04.2015, o trabalhador ora arguido, por sua iniciativa nunca se dispôs a qualquer contacto com a entidade empregadora pública (para “prestar contas”) quanto à sua não comparência ao serviço naquele período de tempo.

Assim,

O trabalhador, apesar de instado, por duas notificações, que lhe foram endereçadas por ofício, a justificar a sua não comparência ao serviço desde 16.03.2016 (a primeira, em 25.08.2016, devolvida sem ser rececionada, e a segunda, rececionada em 15.11.2016, quando já se encontrava a exercer funções no Estabelecimento Prisional de …… desde 01.09.2015) não apresentou qualquer prova da situação de facto que considerou justificar a sua não comparência ao serviço a que se encontrava afeto de 16.03.2015 a 31.08.2015; nem sequer deu a conhecer qualquer facto justificativo, mantendo-se sempre incontactável para o efeito;

Somente em 05.04.2016, em declarações prestadas para os presentes autos (a fls. 40 a 42) do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado em 15.02.2016 (cuja intenção de lho instaurar (a fls. 3 a 4), datada de 25.01.2016, lhe foi notificada) deu a conhecer factos que no seu entender determinaram a sua não comparência ao serviço nesse período de tempo, apresentando apenas então documentos assinados pelo seu médico psiquiatra, que alega serem justificativos do seu comportamento e comprovativos da sua doença, os datados de 11.08.2015 e de 25.02.2016;

Um desses supra referidos documentos consiste numa "declaração" do seu médico psiquiatra datada de 11.08.2015 (a fls. 42), passada a seu pedido, sendo que essa "declaração", face à data em causa, poderia, aliás deveria, ter sido apresentada pelo trabalhador na sequência da notificação que rececionou em 15.11.2015, para tentar justificar a sua não comparência ao serviço;

O teor dessa "declaração" de 11.08.2015, sustenta a factualidade descrita na defesa – de certo modo é reproduzida na resposta da defesa, mas o médico nessa declaração não indica, implícita ou explicitamente, que o trabalhador se encontre impedido de comparecer ao serviço para desenvolver a sua atividade profissional;

Refira-se que nessa "declaração", desde logo, menciona-se que antes daquela data ter o trabalhador sido observado em 12.03.2015 (cujos resultados o ora arguido não juntou aos autos), ou seja, um dia antes de ter sido submetido à junta médica da ADSE (a fls. 15), em 13.03.2015, a qual deliberou unanimemente que o trabalhador encontrava-se "apto a regressar ao serviço", para o que definiu a data de 16.03.2015 para efeito do seu regresso ao serviço;

Aliás, nessa "declaração", refere-se que o trabalhador "(…) tendo sido levado pela família por iniciativa paterna, para junto desta na região de Viseu, onde permaneceu até há poucos dias, referindo estar melhorado atualmente (informação com base na descrição do próprio).)";

Ainda na aludida "declaração", refere-se que "o doente está também em tratamento/estudo em consulta de Neurologia no Hospital de Faro (Dr. ……), não sendo entretanto do nosso conhecimento diagnóstico neurológico",

Mas, em resposta aos autos, o médico neurologista Senhor Dr. ………, do Hospital de Faro, do Centro Hospitalar do Algarve, EPE (estabelecimento hospitalar público), em 29.06.2016, informou por carta que o trabalhador "veio à nossa consulta o 11/03/14 enviado pela consulta de Psiquiatria. A nossa impressão diagnóstica foi duvidoso e na segunda consulta a 10/12/14, apesar de continuarmos com dúvida, iniciamos tratamento. Posteriormente o doente faltou à consulta" (a fls. 46 a 50).

Por outro lado, na "adenda" de 25.02.2016, adianta-se que o trabalhador "Continua sob tratamento com Neurologia, mantendo medicação sob orientação da especialidade de que aguarda consulta no Hospital de Viseu para onde pediu transferência" (a fls. 42);

Mas na "informação clínica" de 22.09.2016, atualiza-se: "O doente referiu hoje que a consulta de Neurologia no Hospital de Viseu não chegou a efetivar-se e a continuidade do seguimento/estudo/tratamento em Neurologia no Hospital de Faro, também não, ao que o próprio alega, em ambos os casos por dificuldades de acesso" (a fls. 89 frente e verso).

Por fim, nessa "informação psiquiátrica" de 22.09.2016, o médico aclara que o trabalhador foi por si consultado duas vezes no ano de 2015 (em 12.03 e 11.08) e outras duas vezes no ano de 2016 (em 25.02 e 22.09), indicando ainda: que a informação e a sua opinião clínica constava da aludida declaração de 11.08.2015, atualizada em 25.02.2016, e qual a terapêutica de que estava medicado a 11.08.2015 e 25.02.2016.

Mais importante: informa nessa "informação psiquiátrica" que "entre Março e Agosto de 2015, não contactei o doente", confirmando que "a impressão clínica, baseada na descrição do doente, encontra-se na "declaração" (...) de 11.08.2015".

Analisando-se, ainda face ao antecedente,

A factualidade descrita na defesa apresentada pelo trabalhador ora arguido e a documentação assinada pelo seu médico psiquiatra, com a finalidade de a sustentar, não permitem que se depreenda que no período de tempo que decorreu de 16.03.2015 a 31.08.2015, o trabalhador ora arguido estivesse numa situação de permanente incapacidade que o impedisse de se aperceber da gravidade da sua conduta, não existindo assim responsabilidade, e, consequentemente, de contactar-se com a sua entidade empregadora, justificando as faltas, e/ou informando-a da sua situação presente e quanto a um futuro de curto/médio prazo, de modo a que aquela pudesse evitar perturbação do funcionamento do serviço ao nível da gestão dos recursos e do desenvolvimento das atividades;

Afigura-se, do que resulta da aludida documentação, esta não provar, nem sustentar, que o trabalhador ora arguido durante todo aquele período de tempo, permanentemente, estivesse privado, acidental e involuntariamente, das faculdades intelectuais, obstando a que, avaliasse corretamente a sua conduta e suas repercussões e resultados, e atuasse com ponderação e entendimento.

No particular, estranha-se que o trabalhador ora arguido não tenha recorrido, para efeito de concretização de contacto com a sua entidade empregadora, à ajuda do guarda prisional que arrolou na defesa como testemunha, seu amigo, que em depoimento, referiu tê-lo visitado "por seis ou sete vezes" e que "levou-o a sair", quando aquele se encontrava em Viseu, na casa paterna (a fls. 106).


***

Face ao que resulta de tudo o exposto, em síntese;

No dia 13.03.2015, a junta médica da ADSE a que o ora arguido se submeteu, deliberou por unanimidade que este encontrava-se apto para regressar ao serviço no dia 16.03.2015;

O trabalhador o ora arguido optou por não dar a conhecer a conhecer aos autos os resultados da consulta tida com o seu médico psiquiatra em 12.03.2015;

No período que decorreu do dia da realização daquela junta médica até o dia 11.08.2015 (data da segunda consulta que teve em 2015 com o seu médico psiquiatra), o trabalhador arguido não foi a nenhuma consulta médica;

A "declaração" assinada pelo seu médico psiquiatra de 11.08.2015, poderia ter sido dada a conhecer à sua entidade empregadora, no contexto da notificação que rececionou em 15.11.2015, para justificar a sua não comparência ao serviço, considerando que reiniciou funções em 01.09.2015;

A documentação assinada pelo seu médico psiquiatra não permite depreender que no período de tempo de 16.03.2015 a 31.08.2015, o trabalhador ora arguido estivesse numa situação de permanente incapacidade que o impedisse de se aperceber da gravidade da sua conduta e de contactar a entidade empregadora, justificando as faltas e/ou informando-a da sua situação, de modo a que aquela pudesse evitar a produção de resultados prejudiciais ao serviço;

A aludida documentação não prova que o trabalhador ora arguido durante aquele período de tempo, permanentemente, estivesse privado, acidental e involuntariamente, das faculdades intelectuais, obstando a que, avaliasse a sua conduta e atuasse com ponderação e entendimento;

Nenhuma da documentação assinada pelo médico psiquiatra do trabalhador ora arguido é aquela que a lei determina ser devida e necessária para justificar e comprovar doença que o impedisse de comparecer ao serviço (documento comprovativo consubstanciado numa declaração passada por estabelecimento hospitalar ou centro de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da saúde e da Administração Pública: certificado de incapacidade temporária para o trabalho), independentemente da questão de se saber se a mesma seria atendível, considerando a data da sua eventual apresentação;

O trabalhador ora arguido dispôs de confortável período de tempo para justificar a sua não comparência ao serviço e/ou o seu comportamento, pelo menos, de 15.11.2015 a 24.04.2016;

Nos anos de 2015 e 2016 o trabalhador arguido não teve consulta alguma da especialidade de Neurologia nos Hospitais de Faro e de Viseu; aliás, nunca teve consulta neste último estabelecimento hospitalar;

O médico da especialidade de neurologia do Hospital de Faro, para o qual o trabalhador ora arguido foi encaminhado por psiquiatria, manifestou na sua "impressão diagnóstica", dúvidas nas duas consultas realizadas em 2014, ainda que tenha iniciado tratamento indicado na segunda consulta, sendo que informou aos autos, que o trabalhador nunca mais compareceu a nova consulta.


***

Acusação e defesa concordam que não existe qualquer causa de exclusão da responsabilidade disciplinar do trabalhador ora arguido, nos termos de artigo 177.º da LTFP.

No entanto, contraria-se a defesa, dado considerar-se inexistirem quaisquer circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 190.º (a fls. 74).

Conforme antecedentemente se afirmou, atenta defesa apresentada pelo trabalhador na resposta, na documentação apresentada e no depoimento da testemunha arrolada –, mas também atenta a acusação e a prova carreada por esta, não ficou nem demonstrado, nem provado, que o trabalhador ora arguido nos 169 dias em que não compareceu ao serviço, tenha estado numa situação de permanente incapacidade que o impedisse de se aperceber da gravidade da sua conduta – sem que da sua parte existisse responsabilidade disciplinar –, e consequentemente, de contactar-se com a sua entidade empregadora, justificando as faltas, e/ou informando-a da sua situação, de modo a evitar a perturbação do funcionamento do serviço ao nível da gestão dos recursos e do desenvolvimento das atividades.

Também não ficou demonstrado, nem provado, que o trabalhador ora arguido durante esse período de tempo, permanentemente, estivesse privado, acidental e involuntariamente, das faculdades intelectuais, de modo a que não pudesse avaliar corretamente a sua conduta e atuar com ponderação e entendimento.

Concludentemente, inexistem agora dúvidas quanto ao trabalhador ora arguido ser imputável disciplinarmente, do que resulta ser responsável por prática de infração disciplinar.

Concluindo-se,

O trabalhador ora arguido não logrou demonstrar nem provar o que alegou em defesa, não colocando em causa, nem a prova carreada para os autos, nem a acusação que se proferiu, pelo que consideram-se como provados todos os factos constantes da acusação, que se reitera. (...)

A sanção disciplinar de demissão, quanto à sua escolha e medida, no caso em apreço, afigura-se ser a sanção necessária para acautelar as exigências do serviço, ser adequada a esse fim, ser a proporcional em face dos interesses em presença e ser moderada porque justa.

A escolha da sanção disciplinar a aplicar ao trabalhador arguido foi determinada observando o disposto nos artigos 189.° 190.° e 191.° relativamente a diferenciadas circunstâncias, pelo que é necessária, e porque foi determinada nos termos da lei, é adequada, proporcional e justa.


***

Em face do exposto, propõe-se que seja aplicada ao trabalhador ora arguido, guarda prisional A……….., a sanção disciplinar de demissão, prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 180.° e atentos o artigo 187.° e o n.° 1 e a alínea g) do n.° 3 do artigo 297.° todos da LTFP.

O Senhor Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, dirigente máximo do serviço, detém a competência para a aplicação da sanção disciplinar de demissão, nos termos do n.° 2 do artigo 197.°, da LTFP. (...)”;

J) A proposta vertida no Relatório Final mencionado na alínea anterior foi objecto de despacho de concordância do Director-Geral de reinserção e serviços prisionais datado de 21.02.2017 (fls. 132 do processo administrativo);

K) O Requerente apresentou, junto dos serviços da Requerida, a 14.03.2017, recurso hierárquico, para a Ministra da Justiça, da decisão disciplinar da alínea anterior (fls. 140-150 do processo administrativo);

L) Dá-se por reproduzido o teor das declarações de rendimentos de fls. 20-23 dos autos;

M) O Requerente é pai de dois menores e encontra-se obrigado a pagar mensalmente, a título de pensão de alimentos, a quantia de € 100,00, bem como metade das despesas médicas e medicamentosas (cfr. cópia da sentença homologatória do acordo sobre o exercício de responsabilidades parentais de fls. 26-27 verso);

N) O Requerente é devedor, no âmbito de um crédito hipotecário, da quantia de € 73.615,87 (fls. 31).


*

Ao abrigo do disposto no artigo 662°, n.º 1 do CPC, por se encontrarem documentalmente comprovados e assumirem relevância para a apreciação da causa do mérito do recurso, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos:

O) Aquando das declarações que prestou no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, o requerente juntou uma declaração médica com o seguinte teor (cfr. doc. de fls. 42 do processo administrativo apenso):

"DECLARAÇÃO

A pedido do próprio declaro que A………… foi por mim observado pela última vez aos 12/03/2015.

O doente descreve, após consulta durante o mês de Março último, período prolongado com desorganização da personalidade e sintomas de características psicóticas de tipo sensitivo e de referência, tendo sido levado pela família por iniciativa paterna, para junto desta na região de Viseu, onde permaneceu até há poucos dias, referindo estar melhorado actualmente (informação com base na descrição do próprio).

Cabe referir que o doente está também em tratamento/estudo em consulta de Neurologia no Hospital de Faro (Dr. ……..), não sendo entretanto do nosso conhecimento diagnóstico neurológico.

Na vertente psiquiátrica ressaltam características de personalidade e sintomas mistos de linha depressiva, impulsiva, reivindicativa, deliróide, num quadro geral compatível com personalidade limite. É de notar a prolongada dificuldade e adaptação ao viver, nomeadamente no âmbito familiar e profissional.

Faro, 11 Agosto 2015

O médico psiquiatra (...)

Adenda: O doente está actualmente colocado, desde 1 de Setembro de 2015, no Estabelecimento Prisional de ……., referindo boa adaptação e razoável satisfação no exercício profissional.

Continua sob tratamento com Neurologia, mantendo medicação sob orientação da especialidade de que aguarda consulta no Hospital de Viseu para onde pediu transferência.

Faro, 25 Fevereiro 2016"

P) Por ofícios de 11/04/2016 e 15/06/2016, o instrutor do processo disciplinar solicitou ao Dr. ……… do Hospital de Faro o envio de "relatório médico relativo ao acompanhamento clínico dispensado ao trabalhador A…………" (cfr. docs. de fls. 43 e 46 do processo administrativo apenso).

Q) Em resposta aos ofícios referidos em P), o Dr. ………., médico neurologista, informou o seguinte (cfr. doc. de fls. 49 do processo administrativo apenso):

“O Ex.mo Sr. A……….. veio à nossa consulta a 11/03/14 enviado pela consulta de psiquiatria.

A nossa impressão diagnóstica foi duvidosa e na segunda consulta a 10/12/14, apesar de continuarmos com dúvida, iniciamos tratamento. Posteriormente o doente faltou à consulta.”

R) Na defesa escrita que apresentou, o requerente requereu a inquirição da testemunha ………. e ainda "que seja solicitado ao médico psiquiatra do arguido, Dr. ………., relatório médico sobre a(s) patologia(s), sintomatologia associada e terapêutica administrada ao arguido e ainda relatório semelhante ao médico da especialidade de neurologia que o acompanha no Hospital de Viseu" (cfr. doc. de fls. 68/74 do processo administrativo apenso).

S) A testemunha indicada pelo requerente – ……….. – foi inquirida, tendo prestado as declarações que constam de fls. 105/107 do processo administrativo apenso, cujo teor se dão aqui por integralmente reproduzidas.

T) Com referência ao pedido formulado pelo requerente no sentido de serem solicitados relatórios médicos aos médicos que o acompanham, o instrutor entendeu "que a produção da prova que se traduz na obtenção dos supra referidos relatórios médicos deve ser oferecida pelo próprio trabalhador/arguido, para o que, na qualidade de doente, os deve solicitar àqueles seus médicos" (cfr. doc. de fls. 94/96 do processo administrativo apenso).

U) Em cumprimento do despacho do instrutor referido em T), foi o requerente notificado "de que dispõe de 15 dias úteis para, querendo, apresentar relatórios médicos do Dr. …….. e do médico que o acompanha no Hospital de Viseu, nos termos em que, na sua defesa, se refere a estes documentos de prova" (cfr. doc. de fls. 111 do processo administrativo apenso).

V) No prazo que lhe foi concedido o requerente nada disse e não juntou os relatórios médicos (cfr. processo administrativo apenso).

W) Com a defesa escrita o requerente juntou os seguintes documentos:

- Declaração que já havia junto anteriormente, referida em O) supra (cfr. doc. de fls. 75 do processo administrativo apenso);

- Documento subscrito pelo Dr. ……….., datada de 22/09/2016, com o seguinte teor (cfr. doc. de fls. 76/77 do processo administrativo apenso):

“Informação psiquiátrica

A pedido do próprio informo que A…………. foi durante o ano de 2015 consultado por mim a 12.03 e 11.08 e durante o ano de 2016 a 25.02 e hoje.

Acerca do doente, a informação e opinião clínica encontra-se descrita em "declaração" minha de 11.08.2015, actualizada a 25.02.2016.

Acerca da terapêutica estava medicado a 11.08.2015 com: (...) (Neurologia - Dr. ………. - Hospital de Faro) e (...).

Acerca do período entre Março e Agosto de 2015, não contactei o doente e a impressão clínica baseada na descrição do doente encontra-se na "declaração" antes referida de 11.08.2015.

O doente refere hoje que a consulta de Neurologia no Hospital de Viseu não chegou a efectivar-se e a continuidade do seguimento/estado/tratamento em Neurologia no H. Faro também não, ao que o próprio alega, em ambos os casos por dificuldades de acesso.”


*

O DIREITO

Vem o aqui recorrente invocar erro sobre os pressupostos de direito da decisão recorrida já que, à luz de uma apreciação perfunctória (superficial), ocorre a verificação do requisito fumus boni juris, face à prescrição do procedimento disciplinar, por o respectivo prazo se dever contar a partir da data em que as faltas são injustificadas.

A questão que começa por se colocar é a de saber da amplitude de conhecimento dos vícios invocados em sede aferição do requisito fumus boni juris.

Isto é, quais são os limites entre o conhecimento perfunctório e o conhecimento de fundo da ação em sede cautelar.

Ora, esta questão não pode ser aferida em abstracto, mas apenas casuisticamente face às concretas ilegalidades invocados e seu tratamento jurídico assente ou não a nível de doutrina e/ou jurisprudência.

A decisão recorrida entendeu não ocorrer o requisito do fumus boni juris já que não ocorria a provável procedência da ação principal no quadro de conhecimento perfunctório.

A este propósito extrai-se da mesma:

“A resolução da questão supra identificada passa por saber a partir de que data se conta este prazo de prescrição.

O TAF de Sintra entendeu que o dies a quo de tal prazo é 31/08/2015, dia em que o ora recorrente regressou ao serviço, pois foi nessa data que o seu superior hierárquico tomou conhecimento da infracção.

Por seu lado, o recorrente defende que o prazo de 60 dias previsto no aludido preceito só começou a correr a partir do dia 1/02/2016, já que foi nessa data que o Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais teve conhecimento dos factos, o que sucedeu na sequência da proposta de instauração de processo disciplinar feita pelo Inspector Coordenador do Serviço de Auditoria e Inspecção.

Desde já se adianta que a tese sufragada pelo Tribunal a quo não se pode manter.

Como se refere no recente Acórdão do STA de 5/04/2017, proc. n.º 01467/16, "a infracção disciplinar prevista no art. 297°, n.° 3, al. g), tem por pressuposto, não um puro facto naturalístico, como normalmente se verifica com as demais infracções disciplinares, mas um facto jurídico, ou seja, uma falta injustificada, a qual constitui violação do dever de assiduidade, determinando a perda de retribuição correspondente ao respectivo período de ausência (cfr. arts. 133°, n.º 1, 134° e art. 256°, n.º 1 do Código do Trabalho (CT), ex vi do art. 4º, n.° 1 da LGTFP).

Como bem refere o Recorrido, o acto de injustificação de uma falta, é, assim, um acto da administração, de conteúdo decisório e lesivo, praticado ao abrigo de poderes jurídico-administrativos, visando produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, ou seja, um acto administrativo, pressupondo a sua prolação a instauração do competente procedimento administrativo (art. 148° do CPA).

Daqui decorre que, perante a notícia de uma falta ao serviço de um trabalhador em funções públicas que não tenha sido justificada nos termos regulamentares, tem a administração o dever de instaurar um procedimento administrativo tendo por objecto determinar as circunstâncias em que a mesma tenha ocorrido, procedimento esse que, não se conhecendo ainda a natureza da falta, será comum e não disciplinar, não se podendo, com tal instaurar falar, ainda, numa suspeita de infracção, como pretende o Recorrente.

Só no termo desse procedimento, e após ouvir o trabalhador faltoso (arts. 121° e seguintes do CPA), pode a Administração concluir pela natureza justificada ou injustificada da falta ou faltas em questão (art. 94° do CPA).

Havendo indícios de infracção disciplinar constitui-se a Administração no dever de praticar outros actos, mormente, o de participação do facto ao dirigente máximo do órgão ou serviço (cfr. art. 206°, n.° 3), quando o trabalhador tenha incorrido numa sequência de cinco faltas seguidas ou dez interpoladas num ano civil, acto que se seguirá ao que conhece das faltas dadas, injustificando-as.

Ora, assim sendo, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento não se conta da notícia das faltas dadas pelo representado do Recorrente aos serviços centrais do Recorrido. Tal apenas constitui a participação ao superior hierárquico de uma falta não justificada nos termos regulamentares, para o efeito de ser instaurado um procedimento administrativo comum para conhecimento da sua natureza (podendo haver ou não uma violação de um dever funcional) e não a participação de uma decisão que tenha declarado injustificadas cinco faltas seguidas ou dez interpoladas dadas em certo ano civil, prevista no art. 206° n.ºs 3 e 4.

Aliás nos termos do n.° 4 do art. 206º, o legislador concede à Administração a prerrogativa de considerar justificada, para efeitos disciplinares, uma ausência ao serviço que para outros efeitos tenha sido considerada injustificada, o que pressupõe, logicamente, uma prévia injustificação dessas faltas”.

Conclui-se, assim, no Acórdão vindo de citar que "não é do simples conhecimento naturalístico dos factos, que possam ser abstractamente subsumíveis a uma norma sancionadora disciplinar, que se conta o início do prazo prescricional previsto no art. 178°, n.° 2, mas da data em que as faltas são injustificadas”.

Como se refere no Acórdão do STA de 3/05/1991 citado no Acórdão vindo de referir, "O conhecimento pelo superior da ausência do trabalhador do serviço não é ainda conhecimento de uma «falta» que implique instauração de procedimento disciplinar. Só a ausência julgada injustificada pela autoridade com poder para tanto pode ter a coloração de ilicitude disciplinar que implique o cumprimento do dever do superior hierárquico de promover o procedimento disciplinar adequado”.

Isto posto e regressando ao caso dos autos constatamos que, tendo sido verificado que o ora recorrido foi considerado apto por deliberação da Junta Médica da ADSE de 13/03/2015 e não regressou ao serviço, foi o mesmo notificado, num primeiro momento, para se pronunciar sobre a intenção da Administração de injustificação das faltas desde 16.03.2015, conforme resulta do despacho referido na alínea E) do probatório. Contudo, o ora recorrido nada disse no prazo que lhe foi concedido, na sequência do que, por despacho de 25/01/2016 do Director do Estabelecimento Prisional de ……, foram injustificadas as faltas.

Só então se inicia o prazo prescricional de 60 dias enunciado no n.° 2 do artigo 178° da LTFP, prazo esse que não foi ultrapassado, dado que o processo disciplinar foi instaurado por despacho de 15/02/2016 do Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (cfr. alínea F) do probatório).

E porque assim é, forçoso é concluir não ser provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente com fundamento na prescrição do direito de instaurar processo disciplinar, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo.

2.2.3. Não significa isso, contudo e desde já, que o recurso interposto mereça provimento. É que, esse não foi o único vício que o ora recorrido imputou ao acto suspendendo (e impugnado na acção principal) com vista a fundamentar a aparência do bom direito. Com efeito, o mesmo alegou, a esse propósito, ainda que "no período em que esteve ausente do trabalho (...) estava diminuído psiquicamente, o que consubstancia uma causa dirimente nos termos do artigo 190°, n.° 1, alínea b) da LGTFP". E a sentença recorrida identificou correctamente este vício que o recorrente imputou ao acto suspendendo. Porém, não o conheceu na medida em que se bastou com probabilidade da procedência da prescrição do direito de instaurar procedimento disciplinar para concluir pela existência de fumus boni iuris.

Cumpre, assim, a este tribunal de recurso conhecer, perfunctoriamente, o outro vício invocado pelo ora recorrente, tendo em vista aferir do preenchimento desse requisito, o que se passa a fazer (cfr. artigo 149°, n.° 2 do CPTA).

Como referimos, sustentou o ora recorrido que se verifica a causa dirimente da responsabilidade disciplinar prevista no artigo 190°, n.° 1, alínea b) da LGTFP, "A privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais no momento da prática da infração", circunstância que não foi atendida no despacho que o puniu disciplinarmente, o qual padece, por isso, de vício de violação de lei.

Concretamente sustentou o mesmo que "a conduta (...) que deu origem ao procedimento administrativo não ocorreu pela existência de uma vontade real, livre e esclarecida, mas por uma pessoa atormentada, depressiva, em estado de delírio/paranoia, totalmente incapaz de entender e cumprir as suas responsabilidades, não se verificando qualquer culpa no seu comportamento" (cfr. artigo 11° do requerimento inicial).

E acrescenta: "as faltas do requerente ao trabalho e o total alheamento relativamente às suas responsabilidades civis e fiscais, ocorreram devido a um surto de perturbação mental profundo, tendo o arguido estado isolado em casa, com delírios, paranoia e ataques de pânico durante todo esse período, não tendo sequer saído de casa" (cfr. artigo 14° do requerimento inicial).

Sucede que, não foi feita qualquer prova pelo requerente de que no período de tempo em que faltou injustificadamente ao serviço tenha estado privado do exercício das suas faculdades intelectuais.

Com efeito, as declarações médicas que o mesmo juntou não permitem concluir nesse sentido.

O médico psiquiatra que segue o requerente observou-o em consulta que teve lugar no dia 11/08/2015 - portanto no período em que o mesmo faltou injustificadamente ao serviço - sendo que na declaração que então emitiu apenas relata a situação por ele descrita; aliás, isso mesmo consta da declaração, na qual se diz que se trata de "informação com base na descrição do próprio".

Para além disso, o médico psiquiatra refere que o requerente é acompanhado na consulta de neurologia do Dr. …….. no Hospital de Faro e dá nota, em traços gerais, das características de personalidade do mesmo.

Porém, nada se diz em tal declaração médica sobre a alegada privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais por parte do requerente no período em causa.

O mesmo sucede com a informação prestada pelo medico neurologista, a qual se limita a referir que o requerente foi a duas consultas, tendo faltado a uma terceira consulta marcada, e que a "impressão diagnóstica foi duvidosa".

Ademais, o requerente foi notificado para juntar ao processo disciplinar relatórios médicos do seu médico psiquiatra e do médico que o acompanha no Hospital de Viseu, não o tendo feito.

Concluímos, assim, numa análise perfunctória, pela improcedência do vício em apreço, e, consequentemente, pela não verificação do requisito do fumus boni iuris.”

Ora, entendemos que a decisão recorrida aferiu de forma correta o conhecimento do referido requisito do fumus boni juris.

Como resulta do art. 120°, n.º 1 do CPTA, na versão decorrente da revisão de 2015, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

Como dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 2017, 4.ª edição, a pp 974 e 975) exige-se «nos casos em que o litígio envolva a apreciação da legalidade de atos administrativos, a formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito que se oferecem ao requerente no processo principal».

E, devemos entender como provável “... o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça”.

Como se diz nos Acs de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17 no domínio jurídico “isso exige que algum dos vícios atribuídos (...) ao ato suspendendo se apresente já - na análise perfunctória típica deste género de processos - com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato”.

Assim, o fumus boni juris apenas estará preenchido quando a ação for de provável procedência, ainda que de forma provisória.

O referido conhecimento perfunctório é, pois, compatível com o conhecimento de questões jurídicas já tratadas pela jurisprudência e doutrina assim como com a análise de um processo disciplinar que está em dissintonia com o alegado pelo recorrente.

E é por demais evidente, face aos factos alegados, que não obstante o juiz da acção principal não esteja vinculado ao juízo perfunctório feito em sede cautelar, analisando a matéria de facto provada, a doutrina e a jurisprudência existente sobre a questão, implicam que na primeira abordagem das questões aqui suscitadas as mesmas não merecerão provimento.

E isto tanto vale para a invocada prescrição do procedimento disciplinar como para o vício de violação por falta de atendimento do disposto no artigo 190°, n.º 1, alínea b) da LTFP que prevê a ocorrência de causa dirimente da responsabilidade disciplinar.

Como vimos, a questão em causa relativa ao fumus boni juris tem a ver com a definição do termo inicial da contagem do prazo de prescrição previsto no art. 178°, n.° 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de Junho.

Ora, e no mesmo sentido do decidido pelo TCAS, o direito de instaurar o procedimento disciplinar a que alude o n.° 2 do art. 178.° da LTFP prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico, não sendo suficiente o mero conhecimento da materialidade dos factos, antes se exigindo o conhecimento da infracção, o que implica, como vem sendo afirmado pela jurisprudência deste STA, o conhecimento de todos os seus elementos caracterizadores (cfr., entre outros, os Acórdãos (Pleno-SCA) de 23.01.2007 e da Secção de 05.04.2017 (in procs. n.º 021/03 e 01467/16, respectivamente).

E, no caso de faltas injustificadas tal pressupõe que as mesmas tenham sido injustificadas já que só a ausência julgada injustificada pela autoridade com poder para tal pode revelar qualquer ilicitude disciplinar que justifique a promoção de procedimento disciplinar pelo superior hierárquico.

Assim, quanto à invocada prescrição do procedimento disciplinar subscrevemos o referido no Ac. deste STA Proc. 1467/16, de 05-04-2017, a propósito de questão idêntica, e donde se extrai:

"Como bem refere o Recorrido, o acto de injustificação de uma falta, é, assim, um acto da administração, de conteúdo decisório e lesivo, praticado ao abrigo de poderes jurídico-administrativos, visando produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, ou seja, um acto administrativo, pressupondo a sua prolação a instauração do competente procedimento administrativo (art. 148° do CPA).

Daqui decorre que, perante a notícia de uma falta ao serviço de um trabalhador em funções públicas que não tenha sido justificada nos termos regulamentares, tem a administração o dever de instaurar um procedimento administrativo tendo por objecto determinar as circunstâncias em que a mesma tenha ocorrido, procedimento esse que, não se conhecendo ainda a natureza da falta, será comum e não disciplinar, não se podendo, com tal instauração falar, ainda, numa suspeita de infracção, como pretende o Recorrente.

Só no termo desse procedimento, e após ouvir o trabalhador faltoso (arts. 121° e seguintes do CPA), pode a Administração concluir pela natureza justificada ou injustificada da falta ou faltas em questão (art. 94° do CPA).

Havendo indícios de infracção disciplinar constitui-se a Administração no dever de praticar outros actos, mormente, o de participação do facto ao dirigente máximo do órgão ou serviço (cfr. art. 206°, nº 3), quando o trabalhador tenha incorrido numa sequência de cinco faltas seguidas ou dez interpoladas num ano civil, acto que se seguirá ao que conhece das faltas dadas, injustificando-as.

Ora, assim sendo, o prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento não se conta da notícia das faltas dadas pelo representado do Recorrente aos serviços centrais do Recorrido. Tal apenas constitui a participação ao superior hierárquico de uma falta não justificada nos termos regulamentares, para o efeito de ser instaurado um procedimento administrativo comum para conhecimento da sua natureza (podendo haver ou não uma violação de um dever funcional) e não a participação de uma decisão que tenha declarado injustificadas cinco faltas seguidas ou dez interpoladas dadas em certo ano civil, prevista no art. 206°, nºs 3 e 4.

Aliás, nos termos do nº 4 do art. 206°, o legislador concede à Administração a prerrogativa de considerar justificada, para efeitos disciplinares, uma ausência ao serviço que para outros efeitos tenha sido considerada injustificada, o que pressupõe, logicamente, uma prévia injustificação dessas faltas.

Assim, não é do simples conhecimento naturalístico dos factos, que possam ser abstractamente subsumíveis a uma norma sancionadora disciplinar, que se conta o início do prazo prescricional previsto no art. 178°, n° 2, mas da data em que as faltas são injustificadas. (...) Como se escreveu no Ac. deste STA de 03.05.91, BMJ377-280 (vigorando então o ED84): "O conhecimento pelo superior da ausência do trabalhador do serviço não é ainda conhecimento de uma «falta» que implique instauração de procedimento disciplinar. Só a ausência julgada injustificada pela autoridade com poder para tanto pode ter a coloração de ilicitude disciplinar que implique o cumprimento do dever do superior hierárquico de promover o procedimento disciplinar adequado”.

Não ocorre, pois, qualquer probabilidade de que ocorra prescrição do procedimento disciplinar e que, por isso, exista fumus boni juris.

Quanto ao invocado vício de violação de lei por falta de consideração do disposto no artigo 190°, n.º 1, alínea b) da LTFP, estando em causa uma prova que teria de ser feita em sede de processo administrativo disciplinar e não em sede de processo judicial apenas há que atender se essa prova foi minimamente feita para aferir da provável procedência da acção.

Se a mesma é totalmente omissa em sede de procedimento disciplinar não podemos dizer que essa prova poderá ser relegada para o processo judicial e que, por isso, seja provável que, em sede de acção venha a ser procedente, com esse fundamento.

Pelo que, nesta parte, também é de manter o decidido no acórdão recorrido quando conclui que a factualidade descrita na defesa apresentada pelo aqui recorrente e a documentação assinada pelo seu médico psiquiatra, com a finalidade de a sustentar, não permitem julgar como provável que entre 16.03.2015 a 31.08.2015 o mesmo estivesse numa situação de permanente incapacidade que o impedisse de se aperceber da gravidade da sua conduta, e portanto não tivesse qualquer responsabilidade pela omissão de justificação das faltas, e/ou informação da sua situação à entidade empregadora de modo a que aquela pudesse evitar perturbação do funcionamento do serviço ao nível da gestão dos recursos e do desenvolvimento das actividades.

Assim, não se verificando, desde logo, uma das condições cumulativas a que aludem os n.ºs 1 e 2 do art. 120.° do CPTA/2015, o fumus boni juris, ou seja a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, fica prejudicado o conhecimento da ocorrência das restantes.


*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.

N.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2018. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.