Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0381/15
Data do Acordão:04/22/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:RECLAMAÇÃO
REGIME DE SUBIDA
FALTA DE CITAÇÃO
Sumário:I - A falta de citação é um dos mais graves vícios que pode ocorrer num processo executivo
II - Invocada a falta de citação, assegurar ao executado uma tutela judicial efectiva não pode deixar de assentar no conhecimento imediato da reclamação por o seu conhecimento depois da venda não evitar os prejuízos que aquela pode causar, sendo certo que a reparação deles, após a venda será, sempre insuficiente, tanto mais que se não evidência que a paragem do processo de execução para apreciação de tal reclamação cause à Administração Tributária prejuízos significativos.
Nº Convencional:JSTA00069159
Nº do Documento:SA2201504220381
Data de Entrada:03/30/2015
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART268 N4 ART276 ART278.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG305.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. 27 de Janeiro de 2015

Determinou a baixa dos autos ao competente Serviço de Finanças, só se conhecendo do mérito da reclamação quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo vier a ser remetido, a final.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………….., reclamante veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no âmbito do Processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 381/15.1BESNT, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto contra a Sentença de 27 de Janeiro de 2015, proferida no âmbito do processo de Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 381/15.1BESNT;

2. Na referida Sentença, o Exmo. Senhor Juiz entendeu não estarem reunidos os pressupostos legais para o Tribunal conhecer de imediato sobre o mérito do pedido;

3. Contrariamente ao decidido na Sentença recorrida, o conhecimento sobre o mérito da Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal, em apreço, a final - após a penhora e venda -, é manifestamente inútil, e nessa medida, viola o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, nos termos previstos no artigo 20.° da CRP;

4. Com efeito, sendo a citação o ato destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução e que, só após aquele acto, o executado pode, e fica, verdadeiramente, apto para exercer todos os direitos que legalmente lhe assistem, nomeadamente, contestar a exigibilidade da dívida exequenda, requerer o pagamento em prestações da dívida exequenda ou, ainda, a dação em cumprimento, é, assim, por demais evidente, que o conhecimento a final (diferido) do mérito da Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal, objecto do presente recurso, após a “ (...) penhora e a venda (…)” é totalmente inútil, na medida em que o RECORRENTE fica - como ficou -, total e irremediavelmente, impedido de exercer qualquer um dos legítimos direitos que lhe assiste, nos termos da lei, na sequência da citação, designadamente os supra referidos:

5. Ora, não tendo sido o RECORRENTE citado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3611201001009052, é manifesto, que ao mesmo nunca foi dada oportunidade para se defender contra a exigibilidade do montante em dívida, ou mesmo, para proceder ao pagamento da dívida exequenda, caso, assim, o pretendesse;

6. Aliás, é contra essa impossibilidade de defesa que se insurgiu o RECORRENTE, no âmbito da Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal em apreço;

7. Todavia, a proceder o entendimento constante da Sentença recorrida, no sentido de que só se deverá conhecer do mérito da Reclamação, depois de realizadas a penhora e a venda, o que não se admite e apenas por dever de patrocínio se projecta, o exercício dos legítimos direitos de defesa do executado, ora RECORRENTE, estarão irremediavelmente comprometidos;

8. Efectivamente, caso a falta de citação venha a ser reconhecida - como se antevê -, apenas, após a penhora e a venda, como entendeu o Tribunal a quo, o RECORRENTE nunca poderá contestar a exigibilidade da dívida exequenda, mediante a apresentação de oposição uma vez que esta só poderá ser apresentada até à venda de bens;

9. Igualmente, não poderá requerer o pagamento da dívida exequenda em prestações, se fosse essa a sua intenção, para obstar à realização de quaisquer diligências de execução, uma vez que após a venda a, alegada, dívida exequenda desaparece da ordem jurídica e o processo de execução fiscal é extinto por pagamento;

10. Deste modo, é manifesta a inutilidade da decisão sobre o mérito da Reclamação de Actos do Órgão de Execução, em apreço, após a penhora e a venda;

11. Hoje é pacífico que o n.º 3 do artigo 278.°, do CPPT, não é taxativo no que concerne à possibilidade de subida imediata de reclamação, sendo ainda de admitir a subida de “(...) quaisquer outras de relevância semelhante em termos de garantia do direito à tutela judicial efectiva previsto na Constituição — art. 268°. n.° 4” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo — 2ª Secção, de 22 de Setembro de 2004, Processo n.º 897/04);

12. A referida norma aplica-se a todas as situações cuja retenção e apreciação a final, tornaria irreparável e irreversível a efectivação dos direitos e interesses do executado, ora RECORRENTE;

13. O que sucede no caso sub judice, nos termos supra descritos;

14. É manifesto que, a retenção da Reclamação de Actos do Órgão de Execução no caso sub judice, em que é evidente que com a subida diferida, a reclamação perderia todo o efeito útil, reconduz-se a uma impossibilidade prática de impugnação de actos lesivos praticados pela Administração, o que é materialmente inconstitucional, por violação do preceituado no artigo 20.°, n.º 1, da CRP;

15. Acresce que, no caso sub judice, a impossibilidade do exercício dos direitos de defesa, não constitui um inconveniente/prejuízo inerente ao processo de execução, pelo que o mesmo não pode ser imposto ao Recorrente;

16. Nem sequer tal, é admissível nos termos da lei:

17. Deste modo, é evidente o prejuízo na esfera jurídica do RECORRENTE e a manifesta inutilidade da apreciação da Reclamação de Actos do Órgão de Execução, objecto do presente recurso a final, após a penhora e a venda;

18. Assim, deverá, pois, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ser revogada, conhecendo-se de imediato sobre o mérito da Reclamação de Actos do Órgão de Execução, objecto do presente recurso.

Requereu que seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada, por erro de julgamento, a sentença recorrida, com as necessárias consequências legais, designadamente o conhecimento imediato do mérito da reclamação de actos do órgão de execução.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido de que a sentença recorrida não fez a mais adequada interpretação e aplicação do artigo 278º do CPPT, motivo pelo qual deve ser revogada, determinando-se o recebimento da reclamação e o prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.

A decisão recorrida não enunciou concretamente quaisquer factos que tivesse considerado provados tendo, porém, proferido despacho liminar em presença da petição da reclamação e tendo em conta, como dessa decisão resulta que:
«A……….., vem, nos termos do disposto no artigo 276.° do CPPT, no âmbito do processo de execução fiscal n.°3611201001009052, reclamar do despacho de 28.11.2014, proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Amadora 3, pelo qual, foi indeferido o pedido de reconhecimento da inexistência e nulidade da citação.
Para o efeito, alega, em síntese, a inexistência/nulidade da citação.
Termina pedindo, com a subida imediata da reclamação, a anulação do acto reclamado


Questão objecto de recurso:

1- Momento de subida ao Tribunal Administrativo e Fiscal da reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artº 276 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

1- Momento de subida da reclamação

A decisão recorrida limitou-se a efectuar uma interpretação do disposto no artº 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário definindo, no caso concreto, que a situação não impunha, nos termos da lei, a apreciação imediata da reclamação que deveria aguardar a subida após a penhora e venda.
Socorrendo-se de vários apontamentos jurisprudenciais, que enunciou, refere que:
a) A subida da reclamação após a penhora não a torna totalmente inútil, pelo contrário, pois, se deferida a reclamação, o acto processual em causa - a instauração da execução -, será anulado, ficando esta sem efeito.
b) Com os prejuízos inerentes mas, que se não afiguram irreparáveis.
c) A eventual ilegalidade da instauração da execução fiscal não leva, à necessária e automática subida imediata da reclamação respectiva.
d) A citação só por si não provoca à executada prejuízos necessariamente irreparáveis ou como a subida diferida duma reclamação daquela fará com que esta perca toda a sua utilidade.
e) Estando em causa o conceito de “prejuízo irreparável”, o Reclamante não íntegra o pedido de subida imediata da reclamação com factos que o consubstanciem, vindo meramente alegada, de forma genérica, tal lesão.

O recorrente invocou, não prejuízos que lhe possam ser causados pela citação no processo de execução fiscal, nas a verificação de prejuízos irreparáveis que a falta de citação para a execução, que entende ter ocorrido, lhe causará se a reclamação apenas vier a ser conhecida.
O artº 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário não poderá deixar de ser objecto de uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, norma primária de legislação, o que impede que o intérprete possa adoptar uma solução a que seja conduzido e que contida, em abstracto, no texto da lei, resulte, no caso concreto num postergar, irremediável dos princípios constitucionalmente plasmados.
Invocamos, na presente situação o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva que deverá conformar a interpretação do artº 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário, e, por adequado, os ensinamentos referidos pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer do Sr. Conselheiro, Jorge Lopes de Sousa (em anotação ao artigo 278° do CPPTT, in Código de Procedimento e Processo Tributário, vol. IV, pag. 305) «Apesar do carácter taxativo que a redacção deste n.°3 do art.278° dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, não poderá, sob pena de inconstitucionalidade material, restringir-se aos casos indicados esse regime de subida aos casos indicados. Com efeito, a CRP garante o direito à tutela judicial efectiva de direitos e interesses legítimos em matéria de contencioso administrativo (art. 268°, n°4) em que se engloba o tributário. O alcance da tutela judicial efectiva não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os prejuízos, sempre que possível, como decorre da previsão naquele n.°4 do art. 268.° do direito à adopção de medidas cautelares adequadas. (...) Deve apreciar-se não se há prejuízo imediato por a reclamação não subir imediatamente, mas sim se tal prejuízo virá a existir se a subida só ocorrer depois da penhora ou depois da venda (...).
A falta de citação é um dos mais graves vícios que pode ocorrer num processo executivo, concebido por lei como um processo leal e transparente que antecede todos os trâmites processuais que afectarão o património do executado de uma revelação integral quer do respectivo conteúdo quer dos meios de defesa de que pode contra eles lançar mão o executado.
Sendo certo que a venda de um bem pode obter alguma reparação pela devolução ao executado do valor obtido por essa venda, caso venha a constatar-se que não deveria ter lugar, não só não é uma reparação suficiente como não converte o prejuízo que causa, ou pode causar, num mero incómodo que o executado há-de suportar por inerente ao próprio processo de execução fiscal, mesmo que só seja tido em conta o valor económico desse bem.
Na situação presente, assegurar ao executado uma tutela judicial efectiva não pode deixar de assentar no conhecimento imediato da reclamação por o seu conhecimento depois da venda não evitar os prejuízos que aquela pode causar, sendo certo que a reparação deles, após a venda será, sempre insuficiente, tanto mais que se não evidência que a paragem do processo de execução para apreciação de tal reclamação cause à Administração Tributária prejuízos significativos.
Fez, deste modo, a decisão recorrida uma incorrecta interpretação do artº 278º do Código de Procedimento e Processo Tributário pelo que se mostra ferida de erro de julgamento a determinar a sua revogação com a consequente necessidade de apreciação imediata do objecto da reclamação que lhe foi apresentada.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que seja de admissão e prosseguimento dos autos, se a tal nada mais obstar.

Sem custas, dada a ausência de contra-alegações.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 22 de Abril de 2015. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce NetoAscensão Lopes.