Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0216/11
Data do Acordão:06/22/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
EXECUÇÃO DE JULGADO
Sumário:I - O artigo 53.º da LGT consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo essa indemnização ser formulada tanto nesse procedimento ou processo tributário, como autonomamente.
II - O artigo 171.º do CPPT visou, tão só, regulamentar o modo de requer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, e não regulamentar o modo de a requerer através do meio processual autónomo (principal ou acessório) adequado para o efeito.
III - Não tendo o lesado exercido esse direito através do referido enxerto no procedimento ou processo tributário, não dispondo de decisão que condene a Administração ao pagamento da aludida indemnização, não estando, assim, esta obrigada ao seu pagamento em execução espontânea do julgado, pode, ainda assim, o lesado formular esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida.
Nº Convencional:JSTA000P13042
Nº do Documento:SA2201106220216
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – “A…, S.A”, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo de Sintra, que julgou inadequado o meio processual para conhecimento do direito à indemnização por prestação indevida de garantia bancária, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:
Iª). Na decisão sob recurso, o Tribunal a quo conclui pela impropriedade do meio judicial de execução de julgados para conhecer do direito à indemnização por prestação de garantia indevida.
IIª). Como resulta da decisão recorrida, o Tribunal o quo decide sem especificar a matéria de facto dada como assente - o que constitui nulidade da sentença, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 94º CPTA, 659º CPC, 125º. CPPT e 668º, n.º 1 b) do CPC.
IIIª). Como resulta da decisão recorrida, a Recorrente peticionou, na execução de julgados, o pagamento dos encargos incorridos com a indevida prestação de garantia e as custas de parte, mas o Tribunal a quo indeferiu a pretensão da Recorrente, quanto à indemnização pela garantia indevida, omitindo a pronúncia quanto ao pagamento das custas de parte.
IVª). Nos termos do artigo 95º CPTA o Tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, pelos que, nos termos do artigo 125º. CPPT e 668º, n.º 1 d) CPC a decisão é nula quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devia decidir,
Vª). A lei reconhece a superioridade da LGT sobre o CPPT, tendo em conta que, do disposto no artº. 1º do CPPT, resulta que “O presente Código aplica-se, sem prejuízo do disposto (...) na lei geral tributária (...) a) ao procedimento tributário; b) ao processo judicial tributário (...)”.
VIª). Quer a atribuição de juros indemnizatórios, quer a atribuição de indemnização pela prestação de garantia indevida, corporiza um direito indemnizatório de matriz constitucional - fundado no artº. 22º. da Constituição da República Portuguesa (CRP).
VIIª). O contribuinte que, pretendendo discutir a legalidade da liquidação, pretenda suspender a cobrança coerciva, deverá prestar garantia idónea - nos termos do artigo 169º, n.º1 e 199º. CPPT, mas, se preferir, o contribuinte poderá pagar o imposto em causa - sem que tal facto faça precludir o direito de reacção (artº. 9º, n.º 3 LGT)
VIIIª). Estabelece o artigo 100º LGT que com, a procedência do meio de reacção, deve o contribuinte ser colocado na situação em que estaria se não fosse aquela liquidação - através daquilo que a lei chama de “imediata e plena reconstituição”.
IXª). Existindo erro imputável aos serviços, e atendendo a referida dupla opção do contribuinte, uma de duas coisas deverá suceder:
a - o contribuinte será indemnizado pelo período de tempo em que se viu indevidamente desembolsado da quantia de imposto paga;
b - o contribuinte será indemnizado pelos encargos incorridos com a prestação de uma garantia indevida.
Xª). Nos termos do acórdão deste STA, de 21-11-07, dado no recurso nº. 633/07, «O fundamento do direito à indemnização reside no facto complexo integrado pelo prejuízo resultante da prestação de garantia e pela ilegal actuação da administração devida a erro seu, ao liquidar indevidamente, forçando o contribuinte a incorrer em despesas com a constituição da garantia que, não foro aquela sua actuação, não teria sido necessário prestar. Não é, pois, o reconhecimento do erro imputável aos serviços, seja judicial, seja administrativo, a fundar o direito à indemnização. É o erro em si.» (sic, destaque nosso).
XIª. A Jurisprudência deste STA tem sido uniforme no sentido de que o pagamento de juros indemnizatórios, ainda que não peticionado em sede de impugnação judicial, pode ser solicitado em execução de julgado (Cfr. in exemplis Acs. STA de 19/02/2001, proc. 026608; de 20.02.2002, proc. 026669; de 09.10.2002, proc. 09/02, e de 09.04.2003, proc 0463/03).
XIIª). Aliás, a entender-se que ao contribuinte que garanta a dívida está vedada a possibilidade de executar o julgado para ser indemnizado pela prestação de garantia indevida - ao contrário do que sucede com o contribuinte que opta por pagar - viola-se frontalmente o princípio da igualdade e disposto no artigo 22º CRP - o que acarreta a inconstitucionalidade do artigo 171º CPPT quando interpretado nesse sentido.
XIIIª). O direito a indemnização tem raiz constitucional e, portanto, qualquer restrição feita pelo legislador ordinário será materialmente inconstitucional - pelo que o artigo 171.º CPPT, quando interpretado no sentido de que o contribuinte que não peça a indemnização no processo impugnatório não tem possibilidade de o fazer autonomamente, em sede de execução de julgados, é inconstitucional.
XIVª). A interpretação e aplicação do artigo 171º. CPPT, no sentido de que o contribuinte não poderia solicitar, em sede de execução de julgados, a indemnização pelos encargos incorridos com a sua prestação e manutenção, decorrente de acto de liquidação anulado, com base em erro da Administração Fiscal, por decisão judicial transitada em julgado, padece da referida inconstitucionalidade orgânica.
XVª). Como se afirma no douto Acórdão deste Venerando STA, 2ª Secção, de 21.11.2007, Proc. nº 633/07, in www.dgsi: “Nas conclusões o) e p) das suas alegações a recorrente invoca o disposto no artigo 100º da LGT, defendendo que a Administração está obrigada, por força do resultado do processo de impugnação, a pagar «os custos suportados com a garantia indevidamente prestada». Trata-se de questão que a recorrente pode colocar à própria Administração, ou aos Tribunais, em eventual execução da sentença (...) A questão a resolver prende-se desde logo com a correcta interpretação dos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT. Pois bem. (...) será que a impugnante está impedida de ser ressarcido do prejuízo sofrido com a prestação de garantia bancária indevidamente prestada, como é manifestamente o caso? Ou será que a lei consagra um meio alternativo que permita à impugnante ressarcir aquele prejuízo? Pensamos que a lei consagra realmente esse meio alternativo. Isto em função do disposto no art. 100º da LGT. Que dispõe: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”. Ora, entre o mais, a reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação da restituição do imposto que houver sido pago, do pagamento dos juros indemnizatórios previstos no art. 43º e da indemnização resultante da prestação de garantia bancária ou equivalente a que alude o artº. 53º da LGT Lei Geral Tributária, de Diogo Leite de Campos e Outros, 3ª Edição, 2003, pág. 520. Ou seja, afigura-se-nos inequívoco concluir que o legislador pretende “reconstituir a situação que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado”. Da anulação do acto de liquidação resulta o dever para a administração de reconstituir a situação anterior à prática do acto ilegal, mais o pagamento de juros indemnizatórios e juros de mora. E ainda indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia bancária. E tal restituição decorre assim directamente da lei sem necessidade de uma decisão declarativa. E já vimos (art. 53º, 3, da LGT), que a indemnização pode ser requerida autonomamente. Atenta a prevalência da LGT sobre o CPPT, é manifesto que o pedido pode ser formulado autonomamente através do respectivo processo de execução do julgado (artº. 146º, 1, do CPPT) (...) que tem hoje expressão legal nos arts. 173º e ss. do CPTA.” (sublinhado e maiúsculas nossas).
XVIª). Como resulta do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 09-10-2002, dado no processo 09/02 «Proferida decisão anulatória de uma liquidação, em processo de impugnação judicial o impugnante pode em execução do julgado, pedir juros indemnizatórios e moratórias que lhe sejam devidos, bem como as despesas com a garantia bancária prestada, mesmo que a decisão proferida no processo de impugnação não contemple tal pagamento.» (sic, destaque nosso).
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento e V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, revogada a douta Sentença recorrida, com o que V. Exas. farão inteira
JUSTIÇA!
II. A Direcção Geral dos Impostos contra-alegou para defender a improcedência do recurso.
III. O MP emitiu parecer no sentido que “…não deveria a Fazenda Pública ter sido absolvida da instância, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.”.
IV. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V. Tal como resulta dos autos, a recorrente veio requerer a execução do julgado relativo à anulação da liquidação adicional de IRC de 2001, proferida em impugnação judicial.
Na pendência deste processo de impugnação judicial, a impugnante havia prestado garantia bancária para suspensão da execução fiscal. Veio esta requerer agora indemnização por prestação de garantia indevida com fundamento em erro imputável aos serviços na liquidação daquele tributo.
O Mmº Juiz recorrido entendeu que a recorrente não podia agora formular esse pedido de indemnização, pois que o mesmo deveria ter sido apresentado no processo em que se discutiu a legalidade da liquidação, pelo que julgou inadequado o meio processual usado.
A recorrente discorda deste entendimento, invocando ainda, a nulidade da decisão por falta de especificação da matéria de facto dada como assente e a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pagamento das custas de parte.
Vejamos então.
V.1. Começando pela 1ª questão diremos que, efectivamente, não houve fixação formal da matéria de facto.
No entanto, para de decidir como se decidiu, não era necessário probatório formal, sendo suficiente a referência ao pedido de indemnização e à impugnação onde ocorreu a anulação da liquidação.
Quer dizer, embora não se tenham especificado factos em probatório formal, a verdade é que os factos relevantes para a decisão foram indicados na sentença.
Por isso, e tal como concluiu o MºPº no seu citado parecer: “… embora o Tribunal recorrido não tenha feito uma análise de todos os factos alegados pela recorrente, o certo é que na sentença recorrida estão bem explícitos os fundamentos de facto e de direito que levaram à absolvição da instância da FP, sendo que, na verdade, com esta decisão dada à causa ficaram prejudicadas as demais questões colocadas pela ora recorrente (artº 660º do CPC)”.
Deste modo, improcede esta nulidade.
V.2. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pagamento das custas de parte, é certo que a decisão recorrida não se pronunciou expressamente sobre esta questão. No entanto, deve entender-se esta questão também abrangida na decisão de inadequação do meio processual, já que, na parte final da decisão se refere: “… vai indeferida a pretensão deduzida e absolvida a FP da instância”.
Considera-se, por isso, também inverificada esta nulidade.
V.3. Passemos a conhecer da 3ª questão.
Consiste esta questão em saber se, no âmbito do pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, da conjugação do disposto nos artºs. 171º do CPPT e 53º, 100º e 102º da LGT resulta que, não tendo sido exercido tal direito através de pedido apresentado no procedimento ou processo tributário, pode ainda formular-se esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório da respectiva liquidação. Sem mais delongas diremos, acompanhando o MºPº, que nesta parte o recurso merece provimento.
Com efeito, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal e Secção, vem entendendo que, por força do artº 53º da LGT, o contribuinte tem direito a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que este tenha oferecido para obter a suspensão do processo de execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento em processo judicial ou em procedimento tributário onde era discutida a legalidade da dívida. E mais tem entendido que essa indemnização tanto pode ser requerida nesse procedimento, nesse processo judicial ou autonomamente.
Sobre esta questão, escreveu-se no Acórdão de 24.11.2010, proferido no Processo nº 01103/09:
“A Lei Geral Tributária não estabelece, porém, o prazo limite para a dedução desse pedido no procedimento e/ou processo tributário, nem clarifica qual o meio processual que deve ser usado para a sua formulação autónoma, embora se deduza que, neste último caso, ele deva ser feito em processo do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal adequado para a formulação desse tipo de pedidos. (…)
É certo que, posteriormente, em 1 de Janeiro de 2000, entrou em vigor o Código de Procedimento de Processo Tributário, que, no artigo 171.º, veio regulamentar o exercício desse direito, dispondo do seguinte modo:
1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
Tal preceito traduz a reafirmação da faculdade, já enunciada na LGT, de o pedido ser formulado no procedimento ou processo tributário onde esteja a ser discutida a legalidade da liquidação da dívida garantida, isto é, logo no seu articulado inicial, ou, no caso de se fundar em facto superveniente relativamente a esse articulado, em requerimento posterior a apresentar nesse meio procedimental ou processual no prazo de 30 dias após a ocorrência do facto superveniente.
Donde decorre que o artigo 171.º do CPPT visou, tão só, regulamentar o modo de requer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, nos termos previstos na 1ª parte do n.º 3 do artigo 53.º da LGT, e não regulamentar o modo de a requer no meio processual autónomo ou independente previsto na 2ª parte do preceito.
E, por isso, o facto de nada se dizer no CPPT sobre a formulação autónoma do pedido, expressamente autorizada pela LGT, não impede que ele seja feito em processo próprio, acessório ou principal, adequado para o efeito.
Aliás, a supremacia ou prevalência da LGT sobre o CPPT, não permite, sequer, sufragar uma interpretação do artigo 171.º do CPPT no sentido de que ele quis afastar ou eliminar a possibilidade de a indemnização poder ser requerida através do meio processual autónomo referido naquela Lei, pois essa exclusão implicaria a inconstitucionalidade orgânica do preceito, tendo em conta que o sentido da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar o CPPT (concedida pela alínea c) do n.º 1 do artº. 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31.12) foi o de compatibilizar as normas do Código de Processo Tributário com as da Lei Geral Tributária e regulamentar as normas desta Lei que se mostrassem carecidas de regulamentação, e não proceder à sua revogação parcial ou total.
Torna-se, assim, evidente que a intenção do legislador foi a de que esta indemnização pudesse ser requerida e definida logo no procedimento ou processo tributário onde se discute a legalidade da dívida garantida, sem prejuízo de a parte poder formular essa pretensão em processo autónomo, pois só esta leitura permite compatibilizar o direito expressamente consagrado no artigo 53.º da LGT com a norma ínsita no artigo 171.º do CPPT. (…)
Resta a questão de saber se, não tendo o lesado exercido esse direito através de acção administrativa ou do referido enxerto no processo tributário, não dispondo, assim, de decisão que condene a Administração ao pagamento da aludida indemnização, não estando esta obrigada ao seu pagamento em execução espontânea do julgado, pode, ainda assim, o lesado formular esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida.
Se estivéssemos no domínio do contencioso de plena jurisdição, em que a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos é concedida directamente pelo tribunal, sendo este quem dita e delimita a protecção jurídica que deve ser concedida reconhecida ao titular do direito subjectivo ou dos interesses legalmente protegidos, não teríamos dúvidas em responder negativamente à questão. Sem uma decisão a condenar a Administração ao pagamento de uma indemnização, o contribuinte não poderia ir ao processo de execução do julgado pedir essa indemnização.
Todavia, no contencioso tributário a tutela é indirecta, no sentido de que cabe à Administração tomar as providências adequadas em ordem a que a decisão anulatória produza os seus efeitos práticos normais. E daí que, salvo nos casos de impossibilidade ou de grave prejuízo para o interesse público, impenda sobre a Administração, na execução da decisão anulatória, o dever de reconstituir a situação (hipotética) que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
É o que resulta das normas contidas nos artigos 100.º e 102.º da Lei Geral Tributária…
Destes preceitos, conjugados com as normas do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, aplicáveis por força daquele n.º 1 do artigo 102.º da LGT, resulta, pois, que em caso de procedência da impugnação (meio judicial onde foi proferida decisão anulatória da liquidação em causa nestes autos), a Administração fica obrigada a reconstituir a situação jurídica hipotética, repondo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o beneficiário da anulação veja reparado os danos sofridos em resultado da prática desse acto (cfr. artigo 173.º do CPTA).
Ou seja, para além de a decisão judicial anulatória possuir um efeito constitutivo, que consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento, e deter um efeito inibitório, que afasta a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com as ilegalidades já declaradas, goza, ainda, de um outro efeito, que é o da reconstituição da situação hipotética actual, também chamado de efeito repristinatório, reconstitutivo ou reconstrutivo, e que passa pela prática dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à referida reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.
É, pois, indispensável que a Administração pratique, na execução da decisão anulatória, os actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada e à reconstituição da situação actual hipotética, isto é, restabeleça a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e reconstitua, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.
Ora, na nossa perspectiva, as despesas que o contribuinte teve de suportar com a prestação de garantia para obter a suspensão da execução onde estava a ser cobrada a dívida proveniente do acto de liquidação ilegal devem ser vistas como um dano emergente da ilicitude desse acto, tendo em conta que este gozava do privilégio da executoriedade ou privilégio da execução prévia, determinante da sua imediata cobrança coerciva (artigos 18.º do CPT e 60.º do CPPT), e que a suspensão da execução dependia da prestação de garantia que o contribuinte se viu, assim, forçado a prestar, pelo que esta constitui, ainda, consequência lesiva da actuação administrativa ilegal.
Deste modo, e no âmbito da presente execução de julgado, a indemnização de tais despesas, necessariamente assumidas pelo contribuinte para obter a suspensão de eficácia do acto que veio a ser eliminado da ordem jurídica por força da sua ilegalidade, traduz-se em operação necessária à reconstituição da situação económica em que aquele estaria se não tivesse sido praticado o acto ilegal. Por outras palavras, a Administração Tributária incorreu na prática de um acto ilegal, forçando o contribuinte a recorrer à via judicial para remover essa ilegalidade e a ter de suportar despesas para obter a suspensão da cobrança coerciva da dívida que emergia desse acto, pelo que não há razão para que a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado não passe pela indemnização desses danos que por ele foram directamente provocados.
Em suma, do acto de anulação da liquidação (…) efectuado ao Exequente resulta o dever, para a Administração, de reconstituir a situação que actualmente existiria se tal acto ilegal não tivesse sido praticado, dever que decorre directamente da lei, sem necessidade de uma decisão declarativa, não fazendo hoje sentido a doutrina, antes seguida, de obrigar o contribuinte a munir-se previamente de uma prévia decisão condenatória do pagamento dessa indemnização, obtida no processo de impugnação judicial. E é este dever de reconstituição que justifica que a pretensão indemnizatória prevista no artigo 53.º da LGT seja requerida e obtida em processo de execução de julgado”.
Não existe, por ora, motivo para se adoptar entendimento diverso que, aliás, foi também seguido no Acórdão de 13.04.2011, proferido no Processo nº 01032/10 (v. também neste sentido o Acórdão de 09.10.2002, proferido no Processo nº 09/02). Pelo que ficou dito, o recurso procede.
VI. Nestes termos e pelo exposto concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, julgando-se adequado o meio processual utilizado e devendo os autos prosseguir seus legais termos, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Junho de 2011. – Valente Torrão(relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.