Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01165/12.4BESNT
Data do Acordão:11/09/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
RESPONSABILIDADE DO ESTADO
ACTO LEGISLATIVO
ARRENDAMENTO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que confirmou a absolvição do Estado por prescrição do direito indemnizatório invocado pela autora - numa acção fundada na responsabilidade pelos actos legislativos que proibiram a alteração das rendas em contratos de arrendamento - se a citação do réu ocorreu mais de três anos após o início da vigência dos diplomas legais alegadamente causadores dos danos.
Nº Convencional:JSTA000P23835
Nº do Documento:SA12018110901165/12
Data de Entrada:10/12/2018
Recorrente:ASSOCIAÇÃO LISBONENSE DE PROPRIETÁRIOS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A Associação Lisbonense de Proprietários interpôs a presente revista do acórdão do TCA Sul confirmativo da sentença do TAF de Sintra que, considerando verificada a prescrição invocada pelo réu Estado, julgou improcedente a acção de indemnização que a ora recorrente contra ele instaurara a fim de o responsabilizar pela sua actuação legislativa em matéria de arrendamento.

A recorrente pugna pelo recebimento da revista porque o aresto «sub specie» teria decidido mal um problema jurídico relevante e repetível noutros casos.

Não houve contra-alegação.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1 do CPTA).

A ora recorrente, dizendo-se prejudicada com as opções legislativas tomadas desde 1976 em matéria de arrendamento e culminadas com o DL n.º 307/2009, de 23/10 - prejuízos esses relativos a uma sua fracção, que arrendara em 1976 e cujo contrato subsistia «in initio Iitis» - accionou o Estado em 23/10/2012, pedindo a condenação do réu no pagamento das seguintes quantias:

- € 43.169,17, correspondentes à diferença entre as rendas efectivamente recebidas pela autora (de 1976 em diante e alvo dos factores anuais de actualização) e o que ela receberia se a renda inicial fosse, no mesmo tempo, actualizada segundo os índices de variação dos preços.

- € 9.000,00, correspondentes ao custo das obras de beneficiação de que o locado necessita para reposição das condições de habitabilidade vigentes no início do contrato.

- € 380,00 por cada mês que o Estado tarde a emitir legislação que permita à autora actualizar a renda (de € 150,00 mensais) para o valor de mercado (€ 570,00).

As instâncias absolveram o réu do pedido por prescrição do direito indemnizatório da autora.

Assim, o TAF disse que o «dies a quo» do prazo prescricional de três anos (arts. 5º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, e 498º do Código Civil) coincidira com a publicação do DL n.º 307/2009, de 23/10; e que esse prazo já inteiramente decorrera quando o réu foi citado para a acção dos autos (instaurada em 23/10/2012, como acima referimos).

O TCA repetiu a mesma ideia. Mas acrescentou ainda que o direito invocado pela autora era referível a diplomas legais anteriores ao DL n.º 307/2009, pormenor que tornaria mais nítida a ocorrida prescrição.

Na presente revista, a recorrente questiona a tese de que o «dies a quo» do prazo de prescrição devesse coincidir com a data em que o DL n.º 307/2009 foi publicado, já que a data relevante para o efeito seria a do momento da entrada em vigor do diploma - o que só sucedeu sessenta dias depois da sua publicação. E esta crítica, em termos jurídico-abstractos, tem razão de ser.

Se o diploma legal causador dos prejuízos indemnizáveis fosse, deveras, o DL n.º 307/2009, a razão estaria, e «in toto», do lado da recorrente; pois o direito à indemnização não existe sem a prévia ocorrência de danos e estes - a verificar-se a hipótese sobredita - só poderiam surgir com a vigência efectiva do diploma. Mas - como o TCA também assinalou, aliás sem objecção visível na revista - a diferença entre as rendas que a autora recebeu e as que, a seu ver, devia ter recebido não tem por origem o DL n.º 307/2009, o qual, referente à reabilitação urbana, nada dispôs sobre a proibição de se aumentar as rendas. Essa proibição, causadora do dano medido pela dita diferença, consta de diversos diplomas anteriores; e, na medida em que o invocado dano a eles se reporta, a procedência da excepção de prescrição torna-se clara - não se justificando que o Supremo retome o assunto.

E o mesmo vale, «mutatis mutandis», para o pedido de que o Estado indemnize mensalmente a autora até legislar de um modo que respeite o direito de propriedade privada.

Questão algo diferente é a que respeita ao pedido de indemnização pelas obras de que o locado necessitava. A petição não esclareceu bem a «causa petendi» dessa pretensão indemnizatória, pois não se percebe o motivo por que o Estado haveria de custear a reparação do desgaste resultante do uso do arrendado - até porque se trata de uma despesa que a autora ainda não suportou. Não obstante, duas coisas são claras neste domínio: essa indemnização não foi ligada a qualquer reabilitação, hipotética e ulterior, que seja autoritariamente imposta à autora no âmbito do DL n.º 307/2009 - isto é, não se liga a danos futuros; e, como consta do art. 16º da petição, tal pedido tem a ver com o facto da autora, porque impedida de actualizar a renda do locado, se ter visto na impossibilidade de, ao longo dos anos, proceder às obras de conservação e de manutenção que as circunstâncias exigiam. Sendo assim, esta pretensão indemnizatória também radica num conjunto de diplomas legais, anteriores àquele DL n.º 307/2009, que prejudicaram os senhorios. E, nessa conformidade, o correspondente direito subjectivo está igualmente prescrito - pelas razões acima aduzidas.

Portanto, a solução das instâncias, apesar de imperfeitamente fundamentada, afigura-se-nos correcta. É, pois, desnecessário receber a revista, devendo prevalecer a regra da sua excepcionalidade.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Porto, 9 de Novembro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.