Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0807/15
Data do Acordão:01/27/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
SUJEITO PASSIVO
FACTURA
Sumário:São sujeitos passivos de IVA as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, o mencionem indevidamente – al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA.
Nº Convencional:JSTA00069532
Nº do Documento:SA2201601270807
Data de Entrada:06/26/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA ART20 ART27 ART2.
Jurisprudência Internacional:AC STA PROC0555/12 DE 2012/09/26.
AC STA PROC026636 DE 2002/04/24.
Referência a Doutrina:XAVIER DE BASTO - A HARMONIZAÇÃO FISCAL NA CEE - CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL N362 PAG44.
PATRÍCIA NOIRET CUNHA - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - ANOTAÇÕES AO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO E AO REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS PAG458-459.
CLOTILDE CELORICO PALMA - INTRODUÇÃO AO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO PAG66.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Viseu, julgou procedente a impugnação judicial que A……………, com os demais sinais dos autos, deduziu contra a liquidação de IVA referente ao ano de 1998, no montante de Euros 5.529,47, acrescendo juros compensatórios no montante de Euros 1.221.63.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada, com a consequente anulação das liquidações de IVA do ano de 1998 e respetivos juros compensatórios.
b) Considerou a sentença sob recurso que “... a factualidade apurada no decurso da ação inspetiva indicia seriamente que o impugnante nunca exerceu a atividade de carpintaria para a qual se havia coletado, apenas com o intuito de deduzir o IVA incidente sobre as aquisições de bens e equipamentos ...”. “... Não tendo o impugnante demonstrado ter realizado qualquer operação de transmissão, tributável em sede de IVA, não haveria imposto dedutível, que lhe permitisse o exercício do direito à dedução”.
c) Consta ainda da aludida decisão que “... tanto bastava para que a Administração Tributária indeferisse o pedido de reembolso de IVA no montante de 972,42 € apresentado pelo impugnante e que (...) deu origem ao procedimento inspetivo. Com efeito, a operação subjacente ao pedido de reembolso - dedução ao valor do IVA pago em 1998, aquando da aquisição dos bens e equipamentos, do imposto incidente sobre as operações de transmissão documentadas nas faturas n.°s 1, 3, 4 e 5 é indevida, por inexistência de operações tributáveis”.
d) Rematando que: “mas daí não podia a Administração Tributária concluir que o impugnante estava obrigado a regularizar a sua situação tributária, pois que, não tendo havido deferimento do pedido de reembolso do IVA, não se chegou a concretizar qualquer dedução”.
e) Ressalvado o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente sentenciado, pois que, além das conclusões que extrai, a decisão aqui sindicada não poderia, face à factualidade que emerge dos autos, deixar de tirar outra consequência jurídica em matéria de IVA.
f) Isto porque o decisor deu como provado que o impugnante não demonstrou ter realizado «qualquer operação de transmissão, tributável em sede de IVA, não havendo, consequentemente, imposto dedutível, que lhe permitisse o exercício do direito à dedução» e considerou também como assente que o impugnante «emitiu faturas» (com os números 1, 2, 3, 4 e 5) nas quais menciona IVA.
g) Da conjugação destes factos resulta uma evidência direta, que é a de o IVA constante das faturas emitidas pelo sujeito passivo daquele imposto, foi nelas indevidamente mencionado.
h) A consequência jurídica em matéria de IVA que, como se disse, a sentença em análise não retira é a de que esse IVA, aquele que foi indevidamente mencionado nas identificadas faturas, tem de ser entregue ao Estado, cfr. se dispõe na alínea c) do n.º 1 do art. 20º e n.º 2 do art. 27º ambos do CIVA.
i) A sentença em apreço procede à violação dos referidos normativos legais que, caso tivessem sido observados e respeitados, sempre se haveriam de ser de molde a provocar a improcedência da impugnação em referência, determinando-se a manutenção das liquidações impugnadas, que respeitam integralmente a disciplina e o regime do IVA.
j) Por outras palavras, e com o devido respeito, a sentença em crise não ajuíza de forma plena e inteira a situação que foi posta ao Tribunal a quo, ou, se fez essa ampla apreciação, certo é que a decisão versa e reflete apenas sobre parte da questão, colocando o acento tónico no estrito facto de o IVA poder ou não ter sido indevidamente deduzido. Objetivamente, esta apreciação do Tribunal não constitui toda a questão. Impõe-se, com efeito, tirar ilações subsequentes, pois que os autos possibilitam uma análise mais profunda e uma decisão mais consequente.
k) O erro de julgamento de que padece a sentença em análise radica no facto de o decisor ter ficado pela apreciação parcial da situação, desprezando as outras dimensões do problema que à sua douta consideração foi submetido, mormente, não descortinando (ou ignorando) que estávamos perante uma situação de IVA indevidamente mencionado em fatura, circunstância que, face ao rigor necessariamente inerente a uma obrigação pecuniária legalmente repercutida a terceiros, investe o emitente da fatura na obrigação de entregar nos cofres do Estado o IVA indevidamente mencionado naqueles documentos.
l) Por outras palavras, não podia a decisão quedar-se pelos termos em que foi proferida, exigindo-se que extraísse as conclusões que, em função da factualidade assente e decorrente do processado, se impunha que retirasse.
m) Ora, face à natureza (método subtrativo indireto na determinação do valor acrescentado) e à cadeia de deduções que, verdadeiramente, constitui a alma deste imposto, é inequívoco que os sujeitos passivos de IVA, mesmo que indevidamente mencionem o imposto, estão obrigados a entregá-lo ao Estado, (apenas) assim se obstaculizando, na mecânica intrínseca do IVA, as tentativas de dedução de imposto não suportado, à custa, está bem de ver, do Erário Público.
n) “O CIVA qualifica como sujeito passivo do imposto a pessoa física ou colectiva que em factura ou documento equivalente (...) mencionem IVA incluído no preço final, ainda que, em substância, o tenham feito indevidamente, sendo assim tal imposto devido ao Estado” (Ac. TCA Sul proferido em 17.01.2012 no processo n.º 04711/11).
o) A menção indevida de IVA na fatura, produz, na esfera deste imposto, duas consequências inevitáveis, pois, por um lado, enquadra nas regras de incidência subjetiva o seu emitente e, por outro, investe-o na obrigação de ter de entregar esse imposto nos cofres do Estado. Assim o exigem o carácter formalista do IVA e o propósito de evitar a fraude e a evasão fiscal, bem como os cuidados e as necessidades ligadas à sua prevenção, que neste imposto assumem especial importância.
p) Ora, “o IVA pode ser exigido ao emitente da factura que o mencione indevidamente (artigo 2°, n.º 1, alínea c), do CIVA)”, pois que “a exigência do IVA indevidamente mencionado é sempre legítima, uma vez que este imposto é receita do Estado, não podendo, em quaisquer circunstâncias, ser objecto de apropriação por parte do emitente do documento, mesmo no caso de liquidação indevida” (Ac. TCA Norte, exarado em 30.10.2014, no processo 00012/08.6BCPRT).
q) “... Tendo sido dado como provado (...) que houve menção indevida de IVA (...) daí não pode deixar de decorrer uma obrigação de entregar ao Estado o imposto correspondente, por força do disposto no art. 2°, n° 1, alínea c), do CIVA, que transforma em sujeitos passivos as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA” (Ac. STA, de 26.09.2012, processo 0555/12).
r) Por tudo o que antecede, a Fazenda Pública considera que, ao ter violado o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 2° e no n.º 2 do art. 27° ambos do CIVA, a douta sentença recorrida não deve manter-se, impondo-se a respetiva revogação.
Termina pedindo o provimento do recurso e a consequente improcedência da impugnação.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«A questão a decidir é o erro de julgamento ao não ter considerado o IVA como indevidamente mencionado nas faturas de acordo com o disposto na al. c) do art. 2.º e em violação do n.º 2 do art. 7.º do CIVA.
Os factos essenciais considerados na sentença recorrida são os seguintes:
- o impugnante coletou-se na atividade de carpintaria em 14/10/98, a qual cessou em 31/12/01;
- no trimestre de 1998 adquiriu vários bens e equipamentos, suportados por faturas em que se fizeram constar vários valores de IVA, sendo o total deste de 6.501,89 €;
- em 29/4/00 foi apurado um crédito de IVA a favor da impugnante no total de 6.007,20 €;
- em 2001, o impugnante emitiu faturas, uma das quais foi anulada e as demais três, uma é referente à venda de mercadorias e as restante à venda do imobilizado;
- efetuou posteriormente um pedido de reembolso de IVA, correspondente à diferença entre o imposto pago em 1998 e o imposto incidente sobre as operações tributáveis.
Ora, segundo o art. 2.º n.º 1 al. c) do CIVA, são sujeitos passivos do imposto, as pessoas singulares ou colectivas que, em fatura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA.
Assim, a simples menção do IVA, em tais documentos, mesmo que porventura descabida por não haver lugar ao mesmo, origina, em princípio, a obrigação de imposto.
Tal é o que resulta do caráter rígido e formalista deste imposto, conforme invocado no recurso interposto, e conforme é defendido pela jurisprudência e pela doutrina - assim, entre outros, acórdão do STA de 24-2-02, proferido no proc. 026636, acessível em www.dgsi.pt, citando Xavier de Basto, em CTF nº 362 pág. 44, autor que considera que cada fatura com menção do imposto, constitui "um cheque sobre o tesouro", e Nuno Sá Gomes, em CTF n.º 377, pág. 7 a 22 e 20, autor que considera ser a gravidade da situação que leva a considerar o imposto como não dedutível, segundo o previsto no art. 19.º - n° 3.
Clotilde Celorico Palma, em Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF n.º 1 - 5.ª ed., p. 147, considera ainda haver situações excecionais, as quais constam do art. 7.º n.º 2 do CIVA.
Entre as mesmas se enquadram a afetação de bens assimilada a transmissões e a devolução de mercadorias, para a qual se prevê o prazo máximo de um ano.
A venda de mercadorias que foi efetuada em 2001 não é de assimilar a transmissão, pois não resulta que o destino não fosse particular.
E quanto à devolução, mesmo a admitir-se que a mesma pudesse ter ocorrido através de vendas do imobilizado, tendo estas ocorrido já em 2001, não é manifestamente de aplicar a regra constante da al. c) do art. art. 2.º do CIVA.
Concluindo:
O recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido e, julgando em substituição, a impugnação é improcedente, sendo, por isso, de manter as liquidações objeto de impugnação.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) Pelo ofício datado de 29/04/2000, a Direção de Serviços de Cobrança do IVA comunicou ao impugnante o apuramento de um crédito de imposto, a seu favor, no montante de 1.204.335$00, referente ao período compreendido entre 1998/10/01 e 1998/12/31 — cfr. fls. 17 dos autos.
B) O impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, promovida pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Viseu, com base na ordem de serviço n.º 28414, de 28/02/2002, com incidência sobre IRS e IVA dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001.
C) No âmbito do procedimento inspetivo referido em A), em 18/03/2003, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária constante de fls. 4/9 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
2. MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
A acção inspectiva ao sujeito passivo referido, foi originada pela situação que decorre do PNAIT 32232 - Mod2/3 — Categ. C/D - Pedidos de Reembolsos IVA.
A ordem de serviço emitida visa a análise dos elementos de escrita relativos aos exercícios de 1998, 1999, 2000 e 2001, de âmbito parcial em IRS e IVA.
3. OUTRAS SITUAÇÕES
3.1. ENQUADRAMENTO FISCAL
O Sr. A…………………… é um sujeito passivo de IRS - Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, colectado no 1.º Serviço de Finanças de Viseu, com a actividade de carpintaria, CAE 20302.
Iniciou a actividade em 14/10/1998 tendo-se enquadrado, nessa data, para efeitos de IVA, no regime normal e periodicidade trimestral.
3.2. COMPORTAMENTO FISCAL
O sujeito passivo declarou ter cessado a actividade em 31/12/2001, tendo pedido o reembolso de IVA no montante de 194.953$00 (período 01-06T), o qual após análise interna foi enviado para análise externa, por falta de elementos suficientes para diferimento do reembolso.
3.3. DILIGÊNCIAS
3.3.1. Para o início do procedimento foi enviada “Carta Aviso”, no dia 19/02/2002.
3.3.2. No dia 28 de Fevereiro de 2002 demos conhecimento do conteúdo da Ordem de Serviço n.º 28414, emitida em 28/02/2002, referente à acção de âmbito parcial em IRS e IVA aos exercícios de 1998, 1999, 2000 e 2001.
3.3.3. No dia 08 de Março de 2002 foi emitida a respectiva Nota de Diligência, nos termos do art. 61° do RCPIT.
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1. EM sede de IVA
1.1. ANO DE 1998
Neste exercício, o Sujeito Passivo deduziu IVA com base em documentos que não se referem a aquisições para o exercício da actividade, uma vez que o próprio S.P. afirma que nunca exerceu actividade, tendo-se colectado apenas para deduzir o IVA, conforme Auto de Declarações, o que viola o disposto nos art. 19.º a 25.º do CIVA.
Face às declarações do S.P. e após verificarmos que não é apresentada qualquer venda ou prestação de serviços, durante o período em que esteve “activo”, à excepção da factura n.º 1, propomos a regularização a favor do Estado do IVA deduzido, excepto o IVA referente à aquisição de livros de facturas e de recibos. A factura n.º 1, atrás referida, foi emitida ao Sr. B………………, que também é o contabilista do S.P., sendo que o Sr. A………… afirma que não fez nem sabe fazer o trabalho referido naquela factura, e que entregou os livros de facturas por usar na contabilidade, pelo que aquela factura indicia ser uma operação simulada.
Na contabilidade, também foram emitidas as facturas n.ºs 2, 3, 4 e 5, tendo anulado a n.º 2. A factura n.º 3 e 5 referem-se a afectação da madeira e de várias máquinas e ferramentas a uso particular e a factura n.º 4 refere-se a venda do imobilizado à firma C………. (a quem tinha sido adquirido). Após verificarmos que todas as vias das facturas (original, duplicado e triplicado) se encontravam na contabilidade, apreendemos os originais e contactámos aquela Empresa, a qual nos informou que nunca adquiriu tal imobilizado, nem existe qualquer documento de retoma.
De salientar que o contribuinte não teve outras despesas, nomeadamente com pessoal, amortizações, telefone, electricidade, etc., o que reforça o que foi afirmado pelo mesmo em Auto de Declarações.
De seguida apresentamos a relação dos documentos que estiveram na base da dedução de IVA, indevidamente e que se propõe a respectiva regularização:
• Período 98-12T, € 6.501,89, conforme seguintes documentos:
• Factura n.º 716 de C………………., Lda., referente a máquinas para carpintaria e marcenaria, no valor de 5.696.581$00 (€ 27.915,63), acrescido de IVA no montante de 951.419$00 (€ 4.745,66);
• Factura n.º 5697 de D…………., Lda., referente a máquinas para carpintaria, no valor de 110.373$00 (€ 550,54), acrescido de IVA no montante de 18.763$00 (€ 93,59);
• Venda a Dinheiro n.º 18248 de E……………., Lda., referente a aquisição de uma lixadeira e 20 cintas de lixa, no valor de 81.786$00 (€ 407,95), acrescido de IVA no montante de 13.904$00 (€ 69,35);
• Factura n.º 5696 de D……………, Lda., referente a máquinas para carpintaria, no valor de 426.106$00 (€ 2.125,41), acrescido de IVA no montante de 72.438$00 (€ 361,32);
• Venda a Dinheiro n.º 18491 de E………….., Lda., referente a aquisição de máquinas e ferramentas para carpintaria, no valor de 188.780$00 (€ 941,63), acrescido de IVA no montante de 32.093$00 (€ 160,08);
• Venda a Dinheiro n.º 16429 de F…………….., referente a aquisição de diluente e tapa poros, no valor de 10.000$00 (€ 49,88), acrescido de IVA no montante de 1.700$00 (€ 8,48);
• Factura n.º 23374 de G………………, Lda., referente a aquisição de madeira, no valor de 658.212$00 (€ 3.283,15), acrescido de IVA no montante de 111.896$00 (€ 558,13);
• Factura n.º 23681 de G………………, Lda., referente a aquisição de madeira, no valor de 595.884$00 (€ 2.972,26), acrescido de IVA no montante de 101.300$00 (€ 505,28).
D) Em 09/04/2002, foi elaborado o “complemento do relatório, após a concessão do direito de audição”, do qual consta:
VIII. Direito de Audição
Notificado, o Sujeito Passivo, pelo Ofício n.º 4180 de 2002/03/20, para exercer o direito de audição, nos termos do art. 60.º da LGT e art. 60.º do RCPIT, exerceu-o em 2002/04/01.
Das alegações efectuadas pelo Sujeito Passivo importa referir que, relativamente àquelas e nos pontos:
• “1”, o Contribuinte vem referir que constituiu uma Sociedade com a mesma actividade de carpintaria, sendo que em nada altera o referido no projecto de relatório;
• “2” a“ 5”, o Contribuinte esclarece a inactividade da Sociedade, factos que não são relevantes para este processo;
• “6”, o Contribuinte afirma que só poderia trabalhar em regime pós-laboral, o que em nada altera o referido no projecto de relatório, pois o Sr. A……………. é trabalhador por conta de outrem na firma H……………, conforme também refere no ponto “7”;
• “8” a “10”, o contribuinte refere que apenas fabricou uma mobília e que essa mobília foi fabricada para o seu contabilista, pois o S.P. por telefone, no dia 28/02/2002 e em Auto de Declarações, no dia 01/03/2002, afirmou que nunca fez nem sabe fazer mobílias;
• “11” a “16”, o Contribuinte afirma que o seu cunhado negociou as máquinas com a C…………. e que as entregou, à consignação, àquela empresa, que a C………….. assinou uma declaração de dívida, que anexam documento dessa confissão de dívida, o que é falso e que decorre processo no Tribunal Judicial de Viseu (Processo 292/2000 do 2.º Juízo Cível). Pois nada nos foi documentado acerca desse processo, no entanto, foi-nos referido, pelo contabilista do S.P., que o cunhado do Sr. A…………… possui uma confissão de dívida e que a mesma foi reclamada junto do Tribunal, logo nada tem a ver com o contribuinte em causa. Quanto à entrega das máquinas à consignação, não nos foi apresentada qualquer factura à consignação e a C…………. afirmou-nos que não adquiriu quaisquer máquinas ao S.P., o que indicia que quem na realidade adquiriu as máquinas e as pagou à C………………., não foi o S.P. mas sim o seu cunhado e que apenas as adquiriram em nome do S.P. para poderem deduzir o rcspectivo IVA, conforme afirmou o S.P., em Auto de Declarações. Refere também que emitiu a factura n.º 4, no entanto esta factura é um documento de uso interno, para poder dar baixa do equipamento e assim cessar a actividade, pois esta factura nunca foi enviada ao destinatário e para o provar foi o original apreendido em 08/03/2002;
• “19” a “23”, o contribuinte vem afirmar que efectuou as declarações constantes no “Auto de Declarações”, por se encontrar nas instalações da sua entidade patronal, na presença de funcionários daquela entidade. Importa referir que na verdade as declarações foram efectivamente proferidas nas instalações da entidade patronal do S.P. em virtude do S.P. no dia 28/02/2002 ter afirmado telefonicamente que trabalhava na H………… e que só poderia deslocar-se à Direcção de Finanças em horário pós-laboral mas que poderia responder no seu local de trabalho, a algumas dúvidas que surgiram durante a acção inspectiva, sem colocar qualquer objecção. De referir também que a conversa mantida com o S.P. não poderia ser ouvida por qualquer funcionário da H……………… em virtude da distância ser considerável e haver uma estrutura entre a mesa onde o S.P. era ouvido e o escritório daquela empresa.
- cfr. fls. 14/16 do processo administrativo apenso aos autos.
E) Na sequência das correções efetuadas de acordo as conclusões do relatório de inspeção tributária, foram emitidas as seguintes liquidações:
a. Liquidação n.º 02186479, referente a IVA do ano de 1998, no montante de 5.529,47 €;
b. Liquidação n.º 02186478, referente a juros compensatórios do período 9812T, no montante de 1.221,63 € - cfr. fls. 17/19 dos autos.
F) As dívidas provenientes das liquidações identificadas em E) foram pagas em 27/12/2002 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2720200201015761 - cfr. fls. 45/50 dos autos.
Mais se provou que:
G) Do auto de declarações prestadas pelo impugnante no âmbito do procedimento inspetivo consta:




H) Do auto de declarações prestadas por B…………… consta:



Assunto: Dever de colaboração - Art. 59° da LGT e 77° do CIVA
Ao abrigo das disposições legais em epígrafe, solicita-se a V.Exa. se digne mandar remeter a esta Direcção de Finanças, morada infra, explicação das transacções existentes entre essa Empresa e o Sr. A………………, morador em ………… - …………. - 3500 Viseu e informação por escrito das seguintes questões:
• Em que estado é que foram vendidas as máquinas referidas na v/ factura n.º 716, datada de 98/10/29?
• Se e quando retomaram, as máquinas atrás referidas, e em que estado (usadas ou sem uso)?
• Para que tipo de serviço é que servem as referidas máquinas?
• Se o adquirente das máquinas, alguma vez vos emitiu factura da venda (retoma)
das máquinas?
- cfr. fls. 119 dos autos.
J) Em resposta ao solicitado, a sociedade “C………………." informou o seguinte:



cfr. fls. 120 dos autos.
K) Auto de apreensão das faturas n.º 3, 4 e 5, lavrado no âmbito do procedimento inspetivo, em 08/03/2002, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
L) Pela apresentação n.º 5, de 11/06/1993 foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Viseu a constituição da sociedade comercial por quotas denominada ‘‘I…………………., Limitada", cujo objeto social consistia em “trabalhos de carpintaria, mobiliário e carroçarias”, e da qual foram sócios gerentes J…………….., A……………..,, aqui impugnante, e L………….. - cfr. fls. 110/111 dos autos.
M) A referida sociedade iniciou a sua atividade para efeitos de IVA em 11/06/1993 - cfr. fls. 112 dos autos.

3.1. Apesar de ter considerado que a factualidade apurada no decurso da acção inspectiva, por um lado, indicia seriamente que o impugnante nunca exerceu a actividade de carpintaria para a qual se havia colectado, apenas com o intuito de deduzir o IVA incidente sobre as aquisições de bens e equipamentos efectuadas em 1998 e, por outro lado, o impugnante não logrou afastar a consistência dos elementos coligidos pela AT, a sentença recorrida veio a julgar procedente a impugnação.
Para tanto, argumentou-se na sentença o seguinte:
- Não tendo o impugnante demonstrado ter realizado qualquer operação de transmissão, tributável em sede de IVA, não haveria imposto dedutível, que lhe permitisse o exercício do direito à dedução.
O que tanto bastava para que a AT indeferisse o pedido de reembolso do IVA no montante de 972,42 Euros apresentado pelo impugnante e que deu origem ao procedimento inspectivo.
- Com efeito, a operação subjacente ao pedido de reembolso - dedução ao valor do IVA pago em 1998, aquando da aquisição dos bens e equipamentos, do imposto incidente sobre as operações de transmissão documentadas nas faturas n.ºs 1, 3, 4 e 5 é indevida, por inexistência de operações tributáveis.
- Mas daí não podia a AT concluir que o impugnante estava obrigado a regularizar a sua situação tributária, pois que, não tendo havido deferimento do pedido de reembolso do IVA, não se chegou a concretizar qualquer dedução. Ou seja, não se tendo objectivado qualquer dedução de IVA, ao impugnante que pagou o IVA referente às operações de aquisição, no montante de 6.501,89 Euros, não pode ser exigido o pagamento desse IVA [por dedução indevida], sob pena de ter de pagar duas vezes o mesmo imposto.
Pelo que, com este fundamento, a presente impugnação terá de proceder.

3.2. Do assim decidido discorda a Fazenda Pública, alegando, como se viu, que tendo sido julgado provado que o impugnante não demonstrou ter realizado «qualquer operação de transmissão, tributável em sede de IVA, não havendo, consequentemente, imposto dedutível, que lhe permitisse o exercício do direito à dedução» e que «emitiu facturas (com os números 1, 2, 3, 4 e 5) nas quais menciona IVA», então impunha-se que a sentença concluísse que esse IVA constante das facturas emitidas pelo sujeito passivo, apesar de indevidamente nelas mencionado, tem de ser entregue ao Estado (al. c) do n.º 1 do art. 20º e n.º 2 do art. 27º, ambos do CIVA).

3.3. A questão a decidir é, portanto, a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento por, face ao disposto na al. c) do art. 2º e no nº 2 do art. 7º, ambos do CIVA, não ter considerado indevidamente mencionado nas facturas o IVA objecto da liquidação impugnada.
Vejamos, pois, sem esquecer que ao STA apenas cabe averiguar se a decisão recorrida aplicou correctamente o direito, não cabendo sindicar a apreciação da matéria de facto ou dos juízos de facto dela decorrentes.

4. Dispõe a al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA que são sujeitos passivos do imposto, «as pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA».
Assim, de acordo com esta disposição legal, a simples menção do IVA nos referenciados documentos, mesmo que porventura descabida, por não haver lugar ao mesmo, origina obrigação de imposto.
E como se sublinha, entre outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 26/9/2012 e de 24/4/2002, respectivamente nos procs. n.ºs 0555/12 e 26636, «este resultado deriva tanto do carácter rígido e formalista do IVA como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo.
Nas palavras de XAVIER DE BASTO (Cfr. “A harmonização Fiscal na CEE”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 362, p. 44), cada factura com menção de imposto, constitui “um cheque sobre o tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido. Por isso, (...) a simples menção do IVA em factura (mesmo que porventura descabida, por não haver lugar a imposto naquele caso, por qualquer razão) origine obrigação de pagar, independentemente da qualidade do emissor, isto é, seja ele ou não um sujeito passivo. Tornar-se-á, pelo simples facto da menção, um “devedor de imposto”. Só assim se consegue que ao direito à dedução, que a factura atribui ao destinatário sujeito passivo, corresponda sempre uma obrigação de pagar. Assim se assegura o funcionamento regular do sistema de pagamentos fraccionados
Na verdade, esta disposição constante da al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA, «visa garantir que existe uma correspondência entre a obrigação de pagamento do imposto e o direito à dedução, que resulta da condição de sujeito passivo», sendo que em matéria de imposto indevidamente mencionado e repercutido também a jurisprudência comunitária tem acentuado que «a pessoa que mencione indevidamente IVA numa factura converte-se em sujeito passivo de imposto [artigo 2°, n.º 1, alínea c)] e consequentemente em devedor do montante em causa. Se tiver actuado de boa fé, deve poder regularizar o montante de imposto indevidamente facturado, procedendo à devolução do montante de imposto em causa. Aquele que suporte um IVA indevido não pode, em qualquer caso, exercer o direito à dedução.»(Patrícia Noiret Cunha, Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitária, Lisboa, ISG, 2004, pp. 458-459, nota 3 ao artigo 71º.)
Trata-se, portanto, de cautelas assumidas pelo legislador, decorrentes da circunstância de nesses casos se estar «a dar início à cadeia da liquidação e dedução do imposto, com os efeitos daí subjacentes». (Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2005, p. 66.)
Ora, a sentença recorrida olvidou este regime legal, relevando apenas a questão atinente ao indeferimento do pedido de reembolso e à consequente não concretização de qualquer dedução.
Com efeito, as correcções que determinaram a liquidação de IVA impugnado (e dos consequentes juros compensatórios) derivam da constatação e consideração por parte da AT de que, relativamente ao exercício de 1998, o impugnante veio a deduziu IVA com base em facturas que, afinal, não se reportam a aquisições para o exercício da respectiva actividade (pois que nunca a exerceu), tendo-se colectado apenas para deduzir o IVA, e com base em facturas em relação às quais a AT considerou não terem por suporte as operações nelas mencionadas. Daí que as correcções hajam sido propostas e operadas para regularizar a favor do Estado o IVA mencionado nas ditas facturas, independentemente, portanto, ao contrário do que a sentença recorrida parece ter pressuposto, do deferimento ou indeferimento do pedido de reembolso.
Carecendo de razão legal, portanto, a consideração assumida na sentença recorrida no sentido de que «não tendo havido deferimento do pedido de reembolso do IVA, não se chegou a concretizar qualquer dedução. Ou seja, não se tendo objectivado qualquer dedução de IVA, ao impugnante que pagou o IVA referente às operações de aquisição, no montante de 6.501,89 Euros, não pode ser exigido o pagamento desse IVA [por dedução indevida], sob pena de ter de pagar duas vezes o mesmo imposto.»
Sendo que, como salienta o MP, as ditas operações de venda de mercadorias efectuadas em 2001 também se enquadram no conceito de afectação de bens assimilada a transmissão e a devolução de mercadorias, para a qual se prevê o prazo máximo de um ano, até porque não resulta que o destino não fosse particular.
Em suma, provado que houve menção indevida de IVA, e, por conseguinte, factualidade suficiente para suportar a liquidação oficiosa, daí não pode deixar de decorrer uma obrigação de entregar ao Estado o imposto correspondente, por aplicação do disposto na al. c) do nº 1 do art. 2º do CIVA.
Procede, assim, a argumentação da recorrente Fazenda Pública, impondo-se a revogação da sentença recorrida e a improcedência da impugnação, mantendo-se a liquidação impugnada.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pelo recorrido, apenas em 1ª instância, dado que não contra-alegou no recurso.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2016. – Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão Lopes – Aragão Seia.