Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0411/07.0BELRS 0205/17
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SISA
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.D.).
II - O acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. A lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração Fiscal, pela prática de um novo acto, titule juridicamente a diferença que não fora previamente objecto de declaração. O novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida.
III - Dispunha a norma do artº.111, § 3, do C.I.M.S.I.S.S.D., na redacção introduzida pelo artº.4, do dec.lei 472/99, de 8/11, que o prazo de caducidade do direito à liquidação era de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, tendo este diploma vindo também a alterar diversos outros códigos no sentido de os adaptar às normas entretanto introduzidas no direito fiscal português pela Lei Geral Tributária, entrada em vigor em 1/01/1999, como desde logo ressalta do seu preâmbulo, desta forma tendo sido expressamente acolhido o prazo geral do direito à liquidação dos tributos contido no artº.45, nº.1, da L.G.T.
IV - Da conjugação entre os artºs.92 e 111, § 3, do C.I.M.S.I.S.S.D., resulta como única interpretação possível que, no caso de liquidação adicional, a caducidade do direito à liquidação fica sujeita a dois prazos: a notificação da liquidação adicional deverá ocorrer dentro do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, mas sempre dentro do prazo de 8 anos a contar da data transmissão. E bem se compreende que o legislador tenha sujeitado a caducidade do direito à liquidação adicional a este prazo de 4 anos contado da liquidação a corrigir: é que nestas situações a A. Fiscal já tem conhecimento do facto tributário, pelo que se justifica que as correcções à liquidação inicial sejam também elas sujeitas ao prazo de caducidade de quatro anos, coincidindo o termo inicial com a data da liquidação a corrigir.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25352
Nº do Documento:SA2201912170411/07
Data de Entrada:02/22/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.112 a 127 do presente processo, a qual julgou totalmente procedente a presente impugnação pelos recorridos, A………… e B…………, intentada e tendo por objecto actos de liquidação de Sisa e Selo de Verba no montante total de € 8.755,90.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.148 a 158 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial, intentada pelos ora recorridos contra a liquidação de Imposto Municipal de SISA no valor de € 8.755,90, por aquisição de uma fração autónoma, pelo preço de € 89.783,92, valor que serviu de base para a liquidação do Imposto Municipal de SISA;
2-Neste seguimento e no âmbito uma ação de inspeção realizada através da ordem de serviço n.º 200508798 emitida em 27/12/2005, foi detetado que objetivamente o preço pago pelo imóvel foi de pelo menos € 134.675,45, tendo sido considerado um negócio simulado, precisamente pelas partes não terem relevado, no acto, o preço real;
3-O Ilustre Tribunal a quo julgou procedente a impugnação, considerando que se deve considerar a liquidação sindicada como uma liquidação adicional e neste sentido observar que na data da liquidação do imposto estaria ultrapassado o prazo de caducidade nos termos do artigo § 3.º, do artigo 111.º do CIMSISSD, ou seja, de quatro anos contados da data de liquidação a corrigir, uma vez que estamos perante um caso de omissão de valores;
4-A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice, devendo ser apreciado se a douta sentença padece de erro sobre os pressupostos.
Senão vejamos:
5-No âmbito de um procedimento inspectivo junto da sociedade construtora e alienante da fracção averiguaram os serviços de fiscalização tributária que o valor real da transmissão não correspondia ao valor declarado, pelo que se impôs não só a correcção realizada à sociedade C………… na qualidade de vendedores, como aos ora Impugnantes na qualidade de compradores;
6-Neste sentido foi aberto um procedimento inspectivo para apuramento do imposto devido pela transmissão (constando o respectivo relatório nos autos - fls. 48 a 83);
7-Com efeito, ficou inequivocamente demonstrado no relatório de inspecção que os outorgantes declararam perante o notário que adquiriram a fracção por € 89.783,92, quando na realidade e após diversas diligências (inclusive a derrogação do sigilo bancário) se constatou que pelo menos terão pago € 134.675,43;
8-Isto significa que as declarações prestadas perante o notário que é uma autoridade e oficial público, foram simuladas;
9-Consequentemente a primeira liquidação que a sentença consigna foi na verdade uma simulação, cujo artigo 240.º do C.C. define como uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, conforme se refere sempre que há simulação que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros;
10-Defende a Fazenda Pública que neste caso específico e como decorre do artigo 241.º, n.º 1, C.C., tratando-se de simulação relativa, a lei admite a validade do negócio dissimulado: uma vez desvendada a simulação, abstrai-se do negócio jurídico simulado, que é nulo, e atende-se ao negócio real, oculto, de tal modo que, prevalecendo o que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu, o acto dissimulado, vindo à superfície, fica sujeito ao regime que lhe é próprio, como se tivesse sido celebrado às claras, tendo pois, valor jurídico, salvo se, por qualquer razão, for nulo, como será o caso se não revestir a forma legal, ou anulável. A tributação deve pois recair sobre o negócio que as parte realmente quiseram celebrar e não sobre a aparência de negócio que corresponde ao declarado perante o notário;
11-Conforme preconiza o artigo 39.º da LGT “Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado. 2 - Sem prejuízo dos poderes de correcção da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade.”;
12-Atendendo a factualidade dada como provada na decisão ora em crise – factualidade essa que a Fazenda Pública não coloca em questão – é entendimento da Representação da Fazenda Pública que, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, o Ilustre Tribunal “a quo” não poderia concluir pela caducidade da liquidação sindicada, devendo neste seguimento a decisão do tribunal a quo decair por erro sobre os pressupostos;
13-Devendo por isso soçobrar a pretensão dos Impugnantes, que como já exposto ao abrigo do dever colaboração previsto no n.º 4 do art.º 59.º da LGT para confirmar por escrito ou pessoalmente o valor que declararam aquando da aquisição do imóvel, quer para efeitos de Sisa, quer para efeitos de escritura pública, tendo confirmado por escrito o valor declarado;
14-Ora, a situação em análise não configura qualquer erro de facto ou de direito, nem uma omissão ou inexactidão praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação, mas tão só da vontade expressa e objectiva dos declarantes de que resultou uma vantagem patrimonial indevida;
15-Pelo que é entendimento da Administração Tributária e de acordo com a prova efetuada nos autos e mesmo nos esclarecimentos prestados, que relativamente à contagem do prazo de caducidade e de acordo com os contornos factuais, não se trata de corrigir a liquidação de imposto que incidiu sobre o negócio jurídico simulado (liquidação adicional), mas sim de tributar e liquidar “ab initio” a Sisa que nunca foi liquidada e é devida pelo negócio jurídico dissimulado;
16-Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal a quo esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito que se encontram subjacentes ao ato de liquidação sindicado, cuja decisão e pedido não poderá proceder, por existir aplicação errónea dos institutos jurídicos, que culmina em erro de julgamento.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.168 e 169 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.170 e 174 do processo físico) vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.116 a 119 do processo físico):
A-Em 09-01-2002, os impugnantes declararam que pretendiam pagar SISA em relação à compra que iriam fazer da fracção autónoma designada pelas letras “BD”, correspondente ao terceiro andar, letra “A” do número 14-B, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …………, concelho de Mafra, sob o artigo n.º 435, pelo preço de € 89.783,62, o qual serviu de base à liquidação de SISA (cfr.fls. 46 do Processo Administrativo (PA), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
B-Em 09-01-2002, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Torres Vedras, os impugnantes adquiriram a fracção autónoma referida na alínea anterior, pelo preço de € 89.783,62 designada pelas letras “BD”, correspondente ao terceiro andar, letra “A” do número 14-B, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de …………, concelho de Mafra, sob o artigo n.º 435 (cfr. fls. 59 do PA, idem);
C-Os impugnantes foram sujeitos a uma acção inspectiva interna, a coberto das ordens de serviço n.ºs 200508795 de 27-12-2005 e 200608000, de 23-11-2006, em sede de Imposto Municipal de SISA pela aquisição do imóvel referido na alínea A), nas quais foram elaboradas informação final em 04-01-2007, sancionadas em 23-01-2007, pelo Chefe de Divisão (em substituição) dos Serviços de Inspecção Tributária-Divisão V, tendo sido efectuadas correcções em sede de Imposto de Sisa, no montante de 44.891,82€, resultando daquela informação, designadamente, o seguinte:
“(…)
Assim, é objectivamente claro que o preço pago pelo referido imóvel (fracção BD), foi de pelo menos 134.675,43€ (89.783,62€ + 44.891,81€) e não 89.783,62€ conforme foi contabilizado pelo vendedor e declarado pelo adquirente.
Deste facto resulta que, o sujeito passivo na determinação da matéria colectável para efeitos de liquidação de Imposto Municipal de Sisa, nos termos do § 2.º do artigo 19.º do IMSISSD, omitiu o valor de 44.891,81€ (…)”
(cfr.fls. 57 a 68 e 77 a 88 do PA, ibidem);
D-Por ofício de 22-02-2007 (2.ª notificação), do Serviço de Finanças de Mafra, recebido em 26-02-2007, foram os impugnantes notificados do resultado da acção inspectiva, e de que deveriam proceder ao pagamento de Sisa Adicional e Juros Compensatórios, respectivamente no montante de € 6.687,91 e € 1.621,78, bem como, do Selo de Verba e Juros Compensatórios, respectivamente no montante de € 359,13 e € 87,08 (cfr. fls. 49 a 51 do PA, ibidem);
E-Em 20-03-2007, os impugnantes requereram ao Serviço de Finanças de Mafra, a comunicação dos elementos omitidos na notificação efectuada através do ofício referido na alínea D), ou a passagem de certidão que os contenha (cfr. fls. 44 do PA, ibidem);
F-Por ofício n.º 1535, de 26-03-2007, do Serviço de Finanças de Mafra, recebido em 28-03-2007, foram os impugnantes notificados “nos termos do artigo 111.º do Código Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, da liquidação adicional de SISA em resultado da acção inspectiva”, e de que deveriam pagar o imposto referido na alínea D), no valor total de € 8.755,90 (cfr. fls. 40 a 43 do PA, ibidem);
G-Por ofício n.º 3346, de 10-04-2007, do Serviço de Finanças de Mafra, é dado conhecimento aos impugnantes, “de que deverá nos termos do Artº 115 nº 4 do Código Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CMSISSD), no prazo de 30 dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, proceder ao pagamento dos valores constantes no ofício acima identificado” (cfr. fls. 35 a 37 do PA, ibidem);
H-A presente impugnação judicial foi apresentada em 28-06-2007, através de carta registada (cfr. fls. 32 dos autos, ibidem).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente procedente a presente impugnação, mais anulando os actos tributários objecto do processo (cfr.al.D) do probatório).
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Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O apelante aduz, em síntese, que de acordo com a prova efectuada nos autos, relativamente à contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, se não trata de corrigir a liquidação de imposto que incidiu sobre o negócio jurídico simulado (liquidação adicional), mas sim de tributar e liquidar “ab initio” a sisa que nunca foi liquidada e é devida pelo negócio jurídico dissimulado, tudo nos termos do artº.39, da L.G.T. Que o Tribunal “a quo” estruturou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de direito que se encontram subjacentes ao acto de liquidação sindicado (cfr.conclusões 1 a 16 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de sisa era o transmissário, ou seja, aquele que recebia os bens imóveis transmitidos (no caso de venda é o comprador) e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) era constituída pelo valor do imóvel, correspondendo o conceito fiscal de transmissão ao do direito privado, isto é, só é transmissão a perda relativa e a aquisição derivada de direitos, exceptuando os casos em que a lei fiscal dispuser o contrário (cfr.artºs.7 e 19, do C.I.M.S.I.S.S.D.; F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, C.I.M.S.I.S.S.D. anotado e comentado, Rei dos Livros, 4ª.Edição, 1997, págs.107 e seg. e 316 e seg.).
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª. Edição, Universidade Católica Editora, 2017, pág.705 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/06/2019, proc. 372/10.9BELRA; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
No caso dos autos, estamos face a liquidação de sisa, sendo que, de acordo com os ensinamentos da doutrina e jurisprudência, o Imposto Municipal de Sisa devia considerar-se um tributo de obrigação única, dado que dá origem somente a uma obrigação tributária que não se renova. O período de imposto é, precisamente, o critério temporal pelo qual a lei fragmenta no tempo um facto duradouro, via de regra correspondente ao período anual. O período de imposto surge, assim, como elemento essencial do facto tributário, de tal modo que nos factos duradouros periódicos a cada período (anual) corresponde uma obrigação nova e autónoma, tudo por contraposição aos impostos de obrigação única que têm por base facto tributário instantâneo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/10/2011, rec.354/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/06/2019, proc.372/10.9BELRA; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, Rei dos Livros, volume I, 1996, pág.130 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2010, pág.45 e seg.).
Sem prejuízo de tudo o acabado de mencionar, certo é que o prazo de caducidade do direito à liquidação de Imposto Municipal de Sisa era, regra geral, de oito anos nos termos do artº.92, do C.I.M.S.I.S.S.D., na redacção do dec.lei 472/99, de 8/11 (cfr.artº.35, nº.1, do actual C.I.M.T., com idêntico prazo de oito anos - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/06/2019, proc.372/10.9BELRA; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.363).
Revertendo ao caso dos autos, desde logo, se deve concluir que o acto tributário identificado na al.F) do probatório reveste as características de uma liquidação adicional. Convém, por isso, clarificar o que, face à lei, à doutrina e à jurisprudência se deve entender por liquidação adicional de um imposto.
Uma liquidação adicional consubstancia um acto secundário ou de segundo grau, na terminologia de Alberto Xavier, in “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, Almedina, 1972, pág.125 e seg.
Na verdade, parafraseando as palavras de Alberto Xavier: «O acto tributário adicional - (...) - é o acto pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado: porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos ao acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto «adiciona-se» ao primeiro, concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida. Por todas estas razões, o acto tributário adicional, embora mantenha sensíveis semelhanças com o acto tributário definitivo que corrija uma “liquidação provisória insuficiente”, dele se distingue com clareza, enquanto o acto que revê não tem natureza provisória, carecida de conversão ou consolidação retroactiva, mas definitiva, e é dotado de uma eficácia própria que o acto adicional se limita a respeitar.»
Por outras palavras, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. A lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração Fiscal, pela prática de um novo acto, titule juridicamente a diferença que não fora previamente objecto de declaração. O novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/3/2006, rec.1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/01/2007, rec.909/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/5/2007, rec.133/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/02/2014, rec.1846/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc. 5908/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.128 e seg.; Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 6ª. Edição, 2018, pág.231).
É essa a situação dos autos. Existiu um acto administrativo primário consubstanciado na liquidação de determinado montante de sisa a qual foi efectuada com base na declaração apresentada pelo contribuinte, na qual indicava o valor do bem imóvel que depois foi pelos outorgantes declarado na respectiva escritura pública. Posteriormente, apurou-se que esse montante ficava aquém do que legalmente era devido em função de ter sido indicado nessa escritura pública de compra e venda um preço inferior ao real, como a AT legalmente apurou e corrigiu (cfr.artº.39, da L.G.T.). Dado que não se podia proceder à anulação da anterior liquidação, mas havendo que actuar de acordo com o princípio da legalidade (reposição da quantia em causa nos cofres do Estado), a Fazenda Pública lançou mão da liquidação adicional por forma a que, conjuntamente com a liquidação originária anterior, "concorresse para a definição da prestação legalmente devida" (cfr.als.A) a D) do probatório).
O recorrente, para defender que no acto tributário impugnado não estamos perante uma liquidação adicional, não deixa de trilhar uma tese assaz engenhosa mas que não resiste a uma observação mais atenta: é que o facto tributário donde a sisa emerge não se consubstancia num negócio, mas antes numa transmissão perpétua ou temporária, a título oneroso, de bens imóveis, sendo irrelevante o título por que se opere a mesma transmissão (cfr.artºs.1 e 2, do C.I.M.S.I.S.S.D.), assim nenhum relevo para o acto tributário impugnado tendo a distinção entre o negócio jurídico simulado e real prevista no citado artº.39, nº.1, da L.G.T. Mais, na liquidação em causa não foi invocada outra transmissão que não fosse a ocorrida por efeito da escritura pública de compra e venda datada de 09/01/2002, face à qual já tinha sido praticada a liquidação inicial do mesmo tributo, tudo conforme exigia a lei (cfr.al.A) do probatório; artºs.115 e 116, do C.I.M.S.I.S.S.D.). Em conclusão, não pode a liquidação objecto do presente processo deixar de ser qualificada de adicional e que visa completar o “quantum” do imposto legalmente devido por tal transmissão, mercê do apuramento do valor declarado do preço ter sido inferior ao seu valor real.
Para tais liquidações adicionais de sisa dispunha a norma do artº.111, § 3, do C.I.M.S.I.S.S.D., na redacção introduzida pelo artº.4, do dec.lei 472/99, de 8/11, que tal prazo de caducidade do direito à liquidação era de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, tendo este diploma vindo também a alterar diversos outros códigos no sentido de os adaptar às normas entretanto introduzidas no direito fiscal português pela Lei Geral Tributária, entrada em vigor em 1/01/1999, como desde logo ressalta do seu preâmbulo, desta forma tendo sido expressamente acolhido o prazo geral do direito à liquidação dos tributos contido no artº.45, nº.1, da L.G.T. Apesar disso e conforme mencionado supra, o legislador também manteve na ordem jurídica, na norma do citado artº.92, do mesmo C.I.M.S.I.S.S.D., o prazo de 8 anos de caducidade do direito à liquidação da sisa. Esta norma, no entanto, não é aplicável ao caso dos autos. É que da conjugação entre os citados artºs.92 e 111, § 3, resulta como única interpretação possível que, no caso de liquidação adicional, a caducidade do direito à liquidação fica sujeita a dois prazos: a notificação da liquidação adicional deverá ocorrer dentro do prazo de 4 anos a contar da liquidação a corrigir, mas sempre dentro do prazo de 8 anos a contar da data transmissão. E bem se compreende que o legislador tenha sujeitado a caducidade do direito à liquidação adicional a este prazo de 4 anos contado da liquidação a corrigir: é que nestas situações a A. Fiscal já tem conhecimento do facto tributário, pelo que se justifica que as correcções à liquidação inicial sejam também elas sujeitas ao prazo de caducidade de quatro anos, coincidindo o termo inicial com a data da liquidação a corrigir.
É uniforme a jurisprudência deste Tribunal no sentido acabado de expressar (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/03/2006, rec.1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/01/2007, rec.909/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/05/2007, rec.133/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/02/2014, rec.1846/13; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/11/2018, rec.789/08.9BEVIS).
Revertendo ao caso dos autos, resulta dos factos provados (cfr.al.A) do probatório) que a primeira liquidação foi efectuada em 09/01/2002, pelo que, atento o prazo de caducidade de quatro anos supra exposto, a liquidação adicional apenas poderia ser validamente notificada aos impugnantes/recorridos até 10/01/2006 (cômputo do prazo nos termos dos artºs.45, nº.4, da L.G.T., e 279, al.b), do C.Civil, com o pressuposto da natureza de imposto de obrigação única da sisa já acima vincado).
Tendo os impugnantes/recorridos apenas sido notificados da liquidação adicional em 26-02-2007 (cfr.al.D) do probatório), nessa data já tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação, conforme bem decidiu o Tribunal “a quo”. ­
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. - Joaquim Condesso (relator) - Paulo Antunes - Aragão Seia.