Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0559/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - O acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão da execução fiscal deve ser fundamentado.
II - Equivale à falta de fundamentação a fundamentação apresentada que, de tão insuficiente, não permite descortinar o concreto motivo determinante do indeferimento, tornando-o anulável por vício de falta de fundamentação.
III - Na vigência do disposto no n.º 6 do artigo 169.º do CPPT, na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro, deve entender-se que também em caso de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia para suspender a execução em razão de pagamento em prestações deve a Administração tributária, na sequência do indeferimento da dispensa, notificar o contribuinte e conceder-lhe novo prazo para, querendo, prestar garantia.
Nº Convencional:JSTA00067779
Nº do Documento:SA2201209190559
Data de Entrada:05/21/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 B ART38 A
CPPTRIB99 ART280 N1 ART276 ART169 N6 ART199 N1 N3 N6 N7
LGT98 ART59 N1 ART77 N1
CCIV66 ART9
CPC96 ART158
CONST76 ART268 N3
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0910/12 DE 2012/09/12
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A Fazenda Pública recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 11 de Outubro de 2011, que, julgou procedente a reclamação deduzida por A………, LDA, com os sinais dos autos, contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Felgueiras em 22 de Outubro de 2010 que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia e, por consequência, os pedidos de pagamento prestacional e de suspensão da execução, anulando-o, para o que apresentou as seguintes conclusões:
A. Julgou a douta sentença recorrida procedente, a reclamação deduzida pela executada contra o indeferimento do requerimento de isenção de prestação de garantia e, por consequência do pedido de suspensão da execução fiscal e pagamento da dívida exequenda em prestações.
B. A presente reclamação foi apresentada contra o despacho do órgão de execução fiscal (OEF) que nos autos de execução fiscal com o n.º 1775201001034693 e apensos, indeferiu o pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia apresentado pela executada.
C. De acordo com os factos provados, em 22-10-2010 a executada requereu a dispensa de prestação de garantia tendo alegado, não possuir bens imóveis, apenas algumas máquinas e equipamentos no valor de €19.000,00 e não dispor de capacidade para suportar os custos inerentes à obtenção de uma garantia bancária;
D. Na mesma data, a executada apresentou um pedido de pagamento em prestações da quantia em execução.
E. Por despacho da mesma data (22-10-2010), o Chefe do Serviço de Finanças indeferiu o requerido nos termos seguintes: “Indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem reunidos os pressupostos legais e, por consequência os pedidos de pagamento prestacional e de suspensão da execução. Notifique …"
F. A douta sentença “ad quo” entendeu que o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de felgueiras peca porque se resume à singela afirmação de teor genérico e conclusivo de “não se encontrarem reunidos os pressupostos legais - não esclarece concretamente a motivação do acto, não permitindo ao respectivo destinatário conhecer a motivação do acto, não permitindo ao respectivo destinatário conhecer qual a razão de ser, de facto e de direito, da decisão. (…) No caso concreto a exigência de fundamentação era especialmente intensa em virtude de o órgão de execução fiscal ter sido chamado a pronunciar-se sobre duas questões – o pagamento da dívida exequenda em prestações e a isenção de prestação de garantia que tem pressupostos de facto e de direito distintos e sobre os quais nenhuma referência concreta foi feita na decisão”.
E ainda
G. A douta sentença “ad quo” entendeu que o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de felgueiras peca porque se resume à singela afirmação de teor genérico e conclusivo de “não se encontrarem reunidos os pressupostos legais - não esclarece concretamente a motivação do acto, não permitindo ao respectivo destinatário conhecer a motivação do acto, não permitindo ao respectivo destinatário conhecer qual a razão de ser, de facto e de direito, da decisão. (…) No caso concreto a exigência de fundamentação era especialmente intensa em virtude de o órgão de execução fiscal ter sido chamado a pronunciar-se sobre duas questões – o pagamento da dívida exequenda em prestações e a isenção de prestação de garantia que tem pressupostos de facto e de direito distintos e sobre os quais nenhuma referência concreta foi feita na decisão”.
“Ao não ordenar a notificação do executado aqui reclamante para prestar garantia, indeferindo sem mais o pedido de pagamento em prestações, o órgão de execução fiscal cometeu uma omissão que consubstancia um vício de violação de lei por erro de interpretação de norma, que acarreta a invalidade do referido despacho nos termos do art.º 135º do CPA.”
H. Ressalvado o sempre devido respeito, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do acto em crise nos autos.
I. Porquanto, o art. 52.º, n.º 4 da LGT, prevê que 2ª administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência falta de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (…)”
J. Por sua vez, o art. 170.º n.º 3 do CPPT, regulamenta o procedimento de dispensa de prestação de garantia, consagrando que o pedido 2deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”
K. Dos normativos citados decorre, que a lei prevê a possibilidade de dispensa de prestação de garantia em duas situações:
a) no caso de a sua prestação causar prejuízo irreparável ao executado ou,
b) no caso de manifesta falta de meios económicos.
L. Quer se baseie na primeira ou na segunda das situações, é pressuposto da concessão da dispensa que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.
M. Nestes termos, os pressupostos referidos nas alíneas a) e b) são alternativos, ou seja, basta que se verifique um ou outro, enquanto que o pressuposto referido na alínea c) é sempre de verificação necessária.
N. No caso de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis a prestação de garantia gera a existência de uma situação de carência económica do executado, de tal modo que este deixa de ter à sua disposição os meios financeiros necessários à satisfação das necessidades básicas, ou seja, é posta em causa a própria subsistência do executado, quer este seja pessoa singular ou colectiva.
O. A situação material de bens penhoráveis é o indício revelador mais forte de uma possível falta de meios económicos, razão pela qual a lei lhe faz expressa referência.
P. No entanto, a verificação da insuficiência destes bens, por si só, não determina necessariamente uma situação de manifesta falta de meios económicos, devendo ainda ser possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a situação de manifesta carência económica e a insuficiência de bens verificada, pois
Q. O executado não deve ter sido responsável pela eventual situação de insuficiência ou inexistência de bens, que originou a diminuição ou o desaparecimento da garantia patrimonial da dívida executiva.
R. Para que este pressuposto se verifique deve ser feita prova pelo executado de que não lhe é imputável a insuficiência ou ausência de bens do seu património.
S. No caso específico das pessoas colectivas, apenas se deve considerar verificado este pressuposto nos casos em que a insuficiência ou inexistência de património não possa resultar da actuação empresarial, ou seja, apenas quando a dissipação dos bens esteja na absoluta indisponibilidade da empresa ou da administração que a representava ou representa.
T. O ónus da prova da verificação dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74.º, n.º 1 da LGT, art. 342.º do Código Civil), neste caso sobre a executada aqui recorrida.
U. O facto de vigorar em geral, no direito tributário, o princípio do inquisitório, não afasta o ónus probatório que impende sobre o interessado de alegar e provar a factualidade atinente aos factos constitutivos do direito invocado, para mais quando se tratem de factos pessoais para os quais ninguém se encontra melhor colocado do que o contribuinte para o fazer.
V. Contrariamente ao que ocorre no processo civil, no processo tributário a administração, que surge colocada processualmente numa posição oposta à do particular, não é titular de um interesse oposto ao do particular, antes está constitucional e legalmente obrigada a actuar exclusivamente subordinada ao interesse público e com imparcialidade, tanto nos processos administrativos como nos judiciais, por força do disposto nos art.ºs 266.º n.ºs 1 e 2 da CRP e 55.º da LGT.
W. Às normas que consagram o referido princípio do inquisitório na descoberta da verdade material, não se lhes podem dar total prevalência sobre outras normas contidas nos mesmos códigos e leis tribuitárias e que impõem ao contribuinte um ónus de alegar e provar os factos com relevo para a satisfação da sua pretensão, como acontece com a norma do art.º 74.º n.º 1 da LGT quanto à distribuição do ónus da prova, em geral, e no caso, com a do art.º 170.º, n.º 3 do CPPT, que impõe ao interessado que elabore um pedido dirigido à administração tributária,
X. onde mencione os respectivos fundamentos de facto e de direito, e que o instrua com a prova documental necessária para a sua apreciação e decisão, sobretudo com aquela prova atinente aos factos que lhe sejam pessoais e que interessem à procedência do seu pedido, sob pena de, não se mostrar satisfeito tal ónus probatório que, no caso, sobre si impende, e de a sua pretensão não poder deixar de naufragar.
Y. Deste modo, o requerimento apresentado pela executada deveria estar devidamente fundamentado, tanto de facto como de direito, e instruído com toda a prova documental necessária para a apreciação da sua pretensão, ou seja, com todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa 8art. 170.º, n.º 3 do CPPT).
Z. No caso sub-judice, o fundamento utilizado para o pedido de dispensa foi tão só a falta de capacidade financeira, e nada mais o requerente alega ou muito menos demonstra, para fundamentar a sua pretensão.
AA. Reconhecendo embora o carácter lacónico do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, sempre se dirá que é claramente perceptível que a posição assumida pelo chefe do OEF se ficou a dever ao não cumprimento por parte da executada do ónus de demonstração dos factos que alega.
BB. Acresce que sendo o processo de execução fiscal, o meio processual destinado á cobrança coerciva de impostos, a sua suspensão fica circunscrita a um limitadíssimo número de casos;
CC. Com efeito a suspensão da execução só é possível nas situações previstas no art. 52.º da LGT e no art. 169.º do CPPT, ou seja, quando tenha sido deduzido meio procedimental ou processual que tenha por objecto a legalidade da dívida exequenda e desde que tenha sido prestada ou constituída garantia (ou tenha sido dispensada a prestação de garantia) ou efectuada penhora que garanta a dívida exequenda e o acrescido ou ainda quando tenha sido solicitado o pagamento em prestações
DD. Estabelece-se na norma do artigo 52.º, da Lei Geral Tributária (LGT):
“1. A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude do pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem nº 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre as empresas associadas de diferentes estados.
2. A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
EE. Uma vez apresentado o pedido de pagamento em prestações, não cabe ao Serviço de Finanças notificar a executada para vir prestar garantia mas sim o executado vir oferecê-la nos termos do art.º 199.º do CPPT.
FF. Ora, no caso concreto, logo com o pedido de pagamento em prestações a executada ora recorrida informou da impossibilidade de a prestar.
GG. Pelo que carecia de sentido, correspondendo a um acto inútil a notificação da executada para apresentar garantia, logo após esta ter informado no processo não dispor de condições para a prestar.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – Por acórdão de 14 de Março de 2012 (fls. 97 a 106 dos autos) o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do objecto do recurso e competente para o efeito este Supremo Tribunal, a quem os autos foram remetidos em 16 de Maio último (fls. 119) precedendo requerimento da recorrente nesse sentido (a fls. 115 dos autos).

4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 121 e 122, concluindo no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -

5 – Questões a decidir
Tendo presente que o recurso objecto dos presentes autos foi interposto para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) e atendendo à conclusão H) das alegações de recurso da recorrente, importa previamente decidir se, como julgado pelo TCAN, este Supremo Tribunal é competente em razão da hierarquia para decidir do recurso.
Improcedendo a questão prévia suscitada e decidindo do mérito do recurso importa julgar se, como decidido, o despacho reclamado é ilegal, por falta de fundamentação e por, após ter indeferido a dispensa de prestação de garantia, não ter concedido novo prazo para a prestar.

6 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
a) Em 15.09.2010, o Serviço de Finanças de Felgueiras instaurou contra a Reclamante o processo de execução fiscal n.º 1775 201001034693, para cobrança de dívidas provenientes de IRC, referente ao ano de 2009, no montante de € 34.739,62 (cfr. fls. 9 e ss. do apenso);
b) Em 22-10.2010, a reclamante apresentou no processo de execução fiscal referido na alínea anterior um pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda (cfr. fls. 12 do apenso);
c) Na mesma data, a Reclamante requereu a dispensa de prestação de garantia, nos seguintes termos:
“(…)
- A executada não tem bens imóveis, apenas constando do respectivo imobilizado bens móveis (máquinas e equipamentos) no valor aproximado de 19.000 eur
- Todos os demais equipamentos existentes nas instalações da executada são detidos em regime de leasing, não sendo por isso susceptíveis de ser onerados por qualquer forma para garantir responsabilidades da executada.
- A executada não dispõe de capacidade financeira para suportar os custos inerentes á obtenção de uma garantia bancária, não reunindo sequer os pressupostos necessários para que uma qualquer instituição bancária aceite emitir tal documento;
- Os factos ora alegados resultam provados pelas declarações fiscais entregues pela executada, desde já se disponibilizando a mesma para apresentar os documentos que vierem a ser entendidos como necessários para prova do supra alegado.
- sendo que, não houve qualquer alienação significativa de bens recente, pelo que a impossibilidade de prestar garantia não é da responsabilidade da executada.
(…)
(cfr. fls. 13 do apenso);
d) Em 22.10.2010, o chefe do Serviço de Finanças de felgueiras proferiu o seguinte despacho:
“Indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem reunidos os pressupostos legais e, por consequência os pedidos de pagamento prestacional e de suspensão da execução. Notifique para efeitos do artigo 276º e seguintes do CPPT."
(cfr. fls. 12 do processo executivo)
e) Por carta datada de 27.10.2010 (ofício n.º 3708), foi dado conhecimento à reclamante do despacho de indeferimento da sua pretensão (cfr. fls. 14 do processo executivo)


7. – Apreciando.
7.1 – Questão prévia: da competência deste Supremo Tribunal para conhecer do objecto do recurso
Veio o presente recurso interposto pela Fazenda Pública para o Tribunal Central Administrativo Norte (fls. 71 dos autos), que, por acórdão de 14 de Março de 2012, se julgou incompetente em razão da hierarquia para dele conhecer e competente para o efeito este Supremo Tribunal (cfr. acórdão de fls. 97 a 106 dos autos), no entendimento de que, não obstante o consignado na conclusão H das alegações de recurso, as únicas questões a decidir são as de saber se o despacho reclamado se encontra fundamentado e se devia (ou não) ter sido concedido novo prazo à executada para prestar garantia (cfr. acórdão do TCAN, a fls. 105 dos autos).
Ora, olhando às conclusões das alegações de recurso, verifica-se efectivamente que não obstante na conclusão H) se afirmar que (…) o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a revogação do acto em crise nos autos (sublinhados nossos), o certo é que, nem nas alegações, nem nas conclusões, a recorrente concretiza em que se consubstancia a incorrecta apreciação e valoração da matéria factual em que alegadamente incorre a sentença recorrida, sendo certo que no recurso, como bem decidido pelo TCAN, não é posta em causa a factualidade dada como provada, não se invocam factos que não hajam sido contemplados na sentença recorrida, nem é feito qualquer juízo sobre questões probatórias (…), pelo que, no caso concreto, inexiste controvérsia factual a dirimir e, portanto, pode afirmar-se que a matéria controvertida neste recurso se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados (cfr. acórdão do TCAN, a fls. 105 dos autos).
Assim, porque a final o presente recurso versa exclusivamente matéria de direito, este Supremo Tribunal é o competente em razão da hierarquia para dele conhecer, ex vi do disposto nos artigos 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do ETAF e 280.º, n.º 1 do CPPT.
Não há, pois, obstáculo, ao conhecimento do mérito do recurso.

7.2 Da ilegalidade do despacho reclamado
A sentença recorrida, a fls. 58 a 66 dos autos, julgou procedente a reclamação judicial deduzida pela ora recorrida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Felgueiras que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia e, por consequência, os pedidos de pagamento prestacional e de suspensão da execução, anulando-o, por falta de fundamentação do despacho reclamado (cfr. sentença a fls. 61 a 63 dos autos) e por, na sequência do indeferimento do pedido de dispensa de garantia, não ter concedido ao executado novo prazo para a prestar, indeferindo, sem mais, o pedido de pagamento em prestações (cfr. sentença recorrida a fls. 64 a 66 dos autos).
Considerou a sentença recorrida, no que à falta de fundamentação respeita, que o despacho impugnado não se mostra devidamente fundamentado, de facto e de direito, impedindo um normal destinatário de apreender qual a razão de ser do questionado indeferimento, pois a fundamentação do acto de indeferimento – que se resume à singela afirmação, de teor genérico e conclusivo, de “não se mostrarem reunidos os pressupostos legais” – não esclarece concretamente a motivação do acto, não permitindo ao respectivo destinatário conhecer, qual a razão de ser, de facto e de direito, da decisão, acrescendo que, no caso concreto, a exigência de fundamentação era especialmente intensa em virtude de o órgão de execução fiscal ter sido chamado a pronunciar-se sobre duas questões – o pagamento da dívida exequenda em prestações e a isenção de prestação de garantia – que têm pressupostos de facto e de direito distintos e sobre os quais nenhuma referência concreta foi feita na decisão (cfr. sentença recorrida, a fls. 63). Já no que respeita à falta de concessão de novo prazo para prestar garantia, considerou a sentença recorrida, depois de transcrever os artigos 199.º n.ºs 1, 3, 6 e 7 do CPPT e 59.º, n.º 1 da LGT e fazendo apelo ao disposto no artigo 9.º do Código Civil, que é de entender que em caso de indeferimento do pedido de isenção, o executado deve ser notificado para prestar garantia, pois que assim prescreve o n.º 6 do artigo 169.º do CPPT (na redacção anterior à da lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro) para os casos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso pelo que à luz do elemento sistemático, a mesma solução emerge para os casos de indeferimento do pedido de isenção, formulado no âmbito do pedido de pagamento em prestações e porque esse é o resultado interpretativo que mais se adequa ao supra enunciado princípio da cooperação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1 da LGT (cfr. sentença recorrida a fls. 65 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando, quanto à julgada falta de fundamentação do despacho de indeferimento, que reconhecendo embora o carácter lacónico do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, sempre se dirá que é claramente perceptível que a posição assumida pelo chefe do OEF se ficou a dever ao não cumprimento por parte da executada do ónus de demonstração dos factos que alega (cfr. conclusão AA das suas alegações de recurso) e, quanto à não concessão de novo prazo para prestar garantia na sequência do indeferimento do pedido de dispensa que uma vez apresentado o pedido de pagamento em prestações, não cabe ao Serviço de Finanças notificar a executada para vir prestar garantia mas sim o executado vir oferecê-la nos termos do art.º 199.º do CPPT, sendo que no caso concreto, logo com o pedido de pagamento em prestações a executada ora recorrida informou da impossibilidade de a prestar, pelo que carecia de sentido, correspondendo a um acto inútil a notificação da executada para apresentar garantia, logo após esta ter informado no processo não dispor de condições para a prestar (cfr. as conclusões EE), FF) e GG) das alegações de recurso).
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer junto aos autos, considera, no que respeita à falta de fundamentação do despacho de indeferimento, que como resulta evidente do teor de tal despacho, a sua pretensa fundamentação é, absolutamente, conclusiva não se indicando os concretos fundamentos de facto e de direito que subjazem ao acto sindicado (…) e, no que á falta de concessão de novo prazo para prestar garantia respeita, que se afigura correcta a tese sustentada pela sentença recorrida e que se subscreve (…) tanto mais que, como resulta do ponto c) do probatório, ao requerer a dispensa da prestação de garantia a recorrente parece só ter tido em vista a modalidade de garantia bancária (cfr. parecer do MP, a fls. 122 dos autos).
Vejamos, pois.
Sobre o pedido de pagamento em prestações e de dispensa de prestação de garantia oportunamente dirigidos ao órgão de execução fiscal – a que se referem as alíneas b) e c) do probatório fixado na sentença recorrida (e constantes de fls. 12 e 13 do apenso contendo o processo de execução fiscal) – recaiu despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Felgueiras cujo teor se resume ao seguinte (cfr. a alínea d) do probatório fixado e fls. 14 do apenso – notificação da decisão que transcreve o despacho manuscrito aposto sobre o requerimento de fls. 12):
«Indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais e, por consequência os pedidos de pagamento prestacional e de suspensão da execução. Notifique para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT.».
Embora a recorrente alegue que é claramente perceptível que a posição assumida pelo chefe do OEF se ficou a dever ao não cumprimento por parte da executada do ónus de demonstração dos factos que alega, não se vê como daquilo que se consignou no despacho reclamado se pode extrair tal conclusão, pois que nenhuma referência ao ónus de demonstração dos factos alegados, ou sequer à norma que atribui ao requerente o ónus de alegação e prova dos factos integrantes dos pressupostos do pedido de dispensa de prestação de garantia, se podem descortinar no despacho de indeferimento.
Daí que, quer se entenda que tal acto tenha a natureza de acto administrativo praticado em matéria tributária, quer se entenda que, porque praticado no âmbito de uma execução fiscal, tem natureza de acto processual, sendo-lhe aplicável as normas do Código de Processo Civil (CPC) – embora num e noutro caso com fundamentos legais diversos (o disposto no artigo 77.º da LGT, caso se lhes reconheça natureza de acto administrativo em matéria tributária; o disposto no artigo 158.º do CPC, caso se lhe reconheça a natureza de acto processual) - forçosamente se terá de concluir que a fundamentação apresentada, de tão insuficiente que é e na medida em que não permite descortinar o concreto motivo determinante do(s) indeferimento(s), equivale a falta de fundamentação e, por consequência, determina a anulabilidade do acto reclamado, por violação do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, corolário do disposto no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República, para quem lhe reconheça natureza de acto administrativo em matéria tributária, ou por violação do disposto no artigo 158.º do CPC, para quem lhe reconheça a natureza de acto processual.
Não merece, pois, reparo o decidido quanto à falta de fundamentação do despacho de indeferimento, pois que este não contém a respectiva motivação, não permitindo a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor, dando a conhecer as razões por que se decidiu como se decidiu e não de forma diferente, possibilitando, assim, à parte reagir contra essa decisão.
E também nenhum reparo merece o decidido quanto à necessidade de conceder ao requerente a quem foi indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão da execução fiscal em caso de pagamento em prestações de novo prazo para, querendo, a prestar, pois que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a solução consagrada no n.º 6 do artigo 169.º do CPPT - na redacção anterior à actual, introduzida pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de Dezembro (sobre a aplicação no tempo desta nova redacção cfr. o recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Setembro de 2012, rec. n.º 910/12) - deve igualmente valer, à luz do elemento sistemático, (…) para os casos de indeferimento do pedido de isenção, formulado no âmbito do pedido de pagamento em prestações pois que esse é o resultado interpretativo que mais se adequa ao supra enunciado princípio da cooperação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1 da LGT (cfr. sentença recorrida a fls. 65 dos autos).
A alegação da recorrente de que, no caso concreto, logo com o pedido de pagamento em prestações a executada ora recorrida informou da impossibilidade de a prestar, pelo que carecia de sentido, correspondendo a um acto inútil a notificação da executada para apresentar garantia, logo após esta ter informado no processo não dispor de condições para a prestar (conclusão GG) das alegações de recurso) não colhe sequer, pois que, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, como resulta do ponto c) do probatório, ao requerer a dispensa da prestação de garantia a recorrente parece só ter tido em vista a modalidade de garantia bancária, não sendo esta a única garantia admissível para suspender a execução, e como bem considerou a sentença recorrida (a fls. 65 dos autos), pode a garantia até ser prestada por terceiro.
Não sofre, pois, a sentença recorrida, dos erros de julgamento que lhe são imputados, antes se conclui que bem julgou, sendo, pois, de confirmar.

Pelo exposto, necessário é concluir que o recurso não merece provimento.


- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Setembro de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto.