Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0993/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO
PRAZO
RECURSO JUDICIAL
ERRO DE FUNCIONÁRIO
DIREITO DE DEFESA
Sumário:No caso de resultar dos termos da notificação feita ao arguido a concessão de um prazo mais dilatado do que aquele que se encontra previsto no artigo 80.º n.º 1 do RGIT, a dissonância assim constatada não pode ser superada em termos que lhe sejam desfavoráveis, sob pena de intoleravelmente se violentar o direito à tutela jurisdicional efectiva que lhe assiste a concretizar numa impugnação na via contenciosa de uma decisão punitiva da administração fiscal e, por essa forma, impossibilitar o exercício dos seus meios de defesa num processo de natureza contra-ordenacional (artigo 32.º nº 10 da CRP).
Nº Convencional:JSTA00066274
Nº do Documento:SA2201002100993
Data de Entrada:10/13/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART80 N1.
CONST97 ART32 N10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, vem recorrer do despacho do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, com fundamento na sua manifesta extemporaneidade, rejeitou o recurso interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Santo Tirso, que lhe aplicou uma coima no valor de € 275,00, acrescida de € 48,00, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 - Ao Recorrente foi aplicada coima pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso.
2 - Decisão essa com a qual o arguido não se conformou e da qual recorreu, em tempo, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e da qual vem recorrer.
3 - Que, por douta sentença de 18/02/2009 e notificada em 19/02/2009, decidiu não dar provimento ao apresentado recurso por considerá-lo extemporâneo;
4 - O Digníssimo Senhor Juiz do tribunal a quo alegou que “o recorrente foi notificado da decisão de aplicação da coima por carta regista com aviso de recepção recebida em 21/04/2009” no caso em apreço a recorrente foi notificada pessoalmente em 09/12/2008 pelo que o prazo legal para impugnar judicialmente a decisão administrativa de aplicação da coima “ocorreu em 20/05/2009”.
5 - O contribuinte, aqui recorrente, recorreu judicialmente dentro do prazo que lhe foi comunicado no ponto 1) da dita notificação e esse prazo não terminava seguramente no dia 20/05/2009;
6 - Não tendo sido extemporânea a apresentação do mencionado recurso;
7 - Transcreve-se o pertinente da citada notificação:
“(…)1- Fica notificado, de acordo com o previsto no N° 2 do Art° 790 do Regime Geral das Infracções Tributária, para no prazo de 20 (vinte) dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2, efectuar o pagamento da coima(...)
“(...)2 - Fica ainda notificado, da possibilidade de efectuar o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 dias a contar da presente notificação(...)
(...) 3- Mais fica notificado de que dentro do prazo referido no ponto 1 poderá, querendo, recorrer judicialmente (...)“
8 - De forma expressa e inequívoca, a administração tributária, informou e comunicou ao contribuinte um prazo de vinte dias subsequentes ao prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão de aplicação da coima, para querendo, recorrer judicialmente.
9 - Como facilmente se alcança do aludido n.° 3 - e outra interpretação ou sentido não pode ser dado ao vertido no citado n.° 3 da notificação ao contribuinte da decisão - é transmitido ao contribuinte que dispõe do prazo referido a 1. para recorrer judicialmente da decisão administrativa ou seja, que dispunha de 20 dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2 (15 dias a contar da notificação da decisão).
10 - O teor da notificação, bem como o prazo ali referido é tal como acima se disse, de meridiana clareza, de transparência vítrea, não tendo oferecido ou suscitado ao contribuinte em apreço (ou a quem saiba ler português), qualquer dúvida.
11 - Pelo que o contribuinte, que não é jurista, ao tomar conhecimento do prazo que lhe era concedido confiou no mesmo e não se conformando com a decisão, contactou o ora mandatário em 25 de Maio de 2009, para que procedesse à elaboração da sua defesa.
12 - O que este fez nos termos explanados nas alegações de recurso com sinais nos presentes autos.
13 - Tendo procedido à entrega da referida peça processual no referido dia 26 do mesmo mês e ano fazendo-a acompanhar além do mais da respectiva notificação.
14 - Ou seja deu entrada do apontado recurso em devido tempo.
15 - Antes mesmo do prazo referido na notificação ter decorrido por completo.
16 - O Digníssimo Juiz a quo não teve em conta o conteúdo da notificação recebida pelo contribuinte, como estava obrigado;
17 - Inviabilizando o exercício pela Recorrente do seu direito ao contraditório;
18 - Ficando o contribuinte coarctado nos seus direitos e garantias legal e constitucionalmente consagrados;
19 - Não teve o recorrente oportunidade de ver o mérito da sua pretensão devidamente apreciado;
20 - Ao assim não entender, a douta sentença ora recorrida violou os princípios da confiança, da igualdade, da imparcialidade, do contraditório, devendo a mesma ser revogada, determinando-se a remessa dos autos ao digníssimo tribunal a quo, para que aprecie o mérito do pedido.
2- A Fazenda Pública não contra-alegou.
3 - O Exm° Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4 - O despacho recorrido fundamentou a rejeição, em razão da sua extemporaneidade, do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima no facto do recorrente tendo sido dela notificado a 21/04/09, apenas ter interposto esse recurso a 26/05/09, ou seja, para além do prazo de 20 dias previsto no artigo 80.°, n.° 1 do RGIT, o qual expirara no precedente dia 20/05/09.
Inconformado com essa decisão, veio o ora recorrente, em resumo, defender que o recurso fora interposto dentro do prazo que lhe foi fixado para o efeito na notificação de que foi objecto da decisão que lhe aplicara a coima (prazo de 20 dias subsequentes ao prazo de 15 dias a contar da notificação) e daí a sua tempestividade.
Vejamos.
A questão que importa dirimir prende-se em saber se o prazo atendível para a interposição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima é o que se encontra estabelecida na lei, ou seja o prazo de 20 dias a contar da notificação nos termos do artigo 80.° n.° 1 do RGIT, ou antes aquele que foi comunicado ao recorrente na notificação que lhe foi feita.
Com efeito, essa notificação não permite dúvidas que o recorrente foi informado de que teria um prazo de 20 dias subsequentes a um outro de 15 dias para interpor o recurso judicial, como se pode alcançar da seguinte transcrição parcial da notificação:
“ (…)1- Fica notificado, de acordo com o previsto no n° 2 do Art° 790 do Regime Geral das Infracções Tributárias, para no prazo de 20 (vinte) dias subsequentes ao prazo referido no ponto 2, efectuar o pagamento da coima(..)
(...) 2 - Fica ainda notificado, da possibilidade de efectuar o pagamento voluntário da coima no prazo de 15 dias a contar da presente notificação(..)
(..) 3- Mais fica notificado de que dentro do prazo referido no ponto 1 poderá, querendo, recorrer judicialmente, conforme dispõe o artigo 80.º do citado Regime Geral das Infracções Tributárias, vigorando o Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus” (vide fls. 18).
Neste contexto, para mais sabendo-se, como se sabe, que o recurso judicial não carece de ser subscrito por advogado, a dissonância que se verifica entre o prazo legalmente previsto e aquele do qual o recorrente foi informado na notificação que lhe foi feita não pode ser superada em termos que lhe sejam desfavoráveis, sob pena de intoleravelmente se violentar o direito à tutela jurisdicional efectiva que lhe assiste a concretizar numa impugnação na via contenciosa de uma decisão punitiva da administração fiscal e, por essa forma, impossibilitar o exercício dos seus meios de audiência e defesa enquanto arguido num processo de natureza contra-ordenacional (cfr. artigo 32.º, n.º 10 da CRP).
Como assim, tendo o recorrente sido notificado a 21/4/09, o prazo a atender de 35 dias (20+15 dias) que lhe foi concedido para interpor recurso apenas veio a terminar a 11/06/09, daí resultando que o recurso interposto a 26/05/09 não seja extemporâneo, ao invés do que se entendeu no despacho sob recurso.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, devendo os autos baixar ao TAF de Penafiel para conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale (vencido pelas razões expostas no Acórdão de 3/6/09, in rec. nº 349/09 que subscrevi) – Jorge Lino.