Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01372/12
Data do Acordão:12/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
INTERRUPÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - As causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, ou seja, antes de 01.01.2007, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
II - O fundamento da suspensão do prazo de prescrição por força da pendência dos meios processuais previstos no artº 169º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário decorre da impossibilidade legal do credor providenciar no sentido da cobrança ser efectuada.
III - Resultando dos autos que essa impossibilidade legal não se verificava, quer porque não foi prestada qualquer garantia pela executada, quer também porque não requereu a respectiva dispensa, embora notificada para tanto, quer ainda porque nunca se concretizou qualquer penhora em valor suficiente para garantir a totalidade da dívida em execução, haverá de se concluir que não ocorria qualquer obstáculo legal à prossecução da execução, pelo que não se configura no caso subjudice uma situação de suspensão do prazo de prescrição.
IV - O despacho que determina a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artº 169º nº1 do Código de Procedimento e Processo Tributário constitui um acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
V - Não está, por isso, sujeito ao regime de revogação dos actos administrativos inválidos previsto no artº 141º do Código de Procedimento Administrativo.
VI - Infere-se do artº 169º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, ao estabelecer conexão entre a garantia ou penhora suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e a suspensão da execução, que nos casos de garantia ou penhora insuficientes a execução deverá prosseguir.
Nº Convencional:JSTA00068015
Nº do Documento:SA22012121901372
Data de Entrada:12/04/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA DE 2012/10/17
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:LGT98 ART49 N3 N2
L 53-A/2006 DE 2006/12/29
CPPTRIB99 ART169 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A………, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 17 de Outubro de 2012, que julgou improcedente a reclamação por ele deduzida contra a decisão do órgão de execução fiscal proferida no processo de execução nº 074400301006797, por dividas de IRS de 1998 a 2001, decisão essa que determinou o levantamento da suspensão da execução.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) A decisão recorrida interpretou, erradamente, a norma constante do art.º 49. ° da LGT, seja na versão originária, seja na introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, no sentido de que, caso o processo esteja parado por mais de 1 ano, o prazo que conta para efeitos de prescrição [como consequência decorrente da cessação do efeito interruptivo estabelecido no n.º 1] é apenas o tempo que vai para além do decurso desse ano de paragem até ao momento em que, ou ocorra uma causa de interrupção ou de suspensão, ou aconteça o juízo de aplicação da norma;
b) O fundamento axiológico do preceito reside no facto de o legislador entender que, incumbindo ao Estado, pela sua administração ou pelos tribunais, aplicar a lei aos casos concretos, não pode o contribuinte sair onerado com o incumprimento desse dever por parte do próprio Estado e, por outro lado, que, estando em causa deveres fundamentais — que a tanto corresponde do dever de pagar impostos —, não é tolerável manter o contribuinte numa situação de falta de segurança jurídica contra o Estado ou numa situação em que o legislador violasse o art.º 2° da CRP, como aconteceria;
c) Desde que decorra uma paragem do processo ou do procedimento por 1 ano, todo o tempo que tenha intermediado entre a data da autuação do processo ou procedimento e a data do juízo de aplicação, descontado desse 1 ano de paragem, deve ser computado para efeitos da prescrição;
d) Só deste modo se consegue colocar os contribuintes numa posição de igualdade na aplicação da lei (art.º 13.º da CRP) e, ao mesmo tempo, obviar a desvios de poder da administração...sempre possíveis;
e) A sentença recorrida errou ao considerar que o art.º 49° da LGT, em qualquer das suas versões (originária, da Lei n.º 100/99 e da Lei n.º 53-A/2006, esta de 29/12), possibilita a operância sucessiva de várias causas de interrupção.
f) Choca o mais elementar sentido de justiça, da proporcionalidade e da segurança jurídica, em sede de direitos/deveres fundamentais, como é a dos impostos, que o Estado legislador pudesse configurar várias causas de interrupção do prazo de prescrição, operáveis sucessivamente, como a citação, a reclamação, o recurso hierárquico e o pedido de revisão, na medida em que isso violaria o princípio do Estado de direito, nas suas dimensões de sujeição à justiça material e da boa-fé (proibição de fraude à lei constitucional), e corresponderia a uma restrição manifestamente desnecessária e desadequada do direito/dever fundamental e, como tal, proibida pelos n°s 2 e 3 do art.º 18º da CRP;
g) O actual n.º 3 do artº 49º da LGT expressa um princípio que decorre do dever do Estado de agir segundo a boa-fé e de respeito pela segurança jurídica, tendo natureza interpretativa relativamente ao critério normativo do passado;
h) A jurisprudência anterior que a sentença convoca apenas considerou o preceito nas duas primeiras versões, não tendo reflectido sobre a conjugação entre o princípio constitucional da segurança jurídica e da legalidade tributária e a posição que o legislador tomou na redacção dada ao n.º 3 do mesmo art.º 49°, na referida Lei n.º 53- A/2006;
i) A interpretação segundo a qual o legislador pode alterar os factos constitutivos, modificativos ou extintivos da prescrição, com efeito sobre a obrigação de imposto constituída no passado, em que se abona a sentença recorrida, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, ínsitos no princípio material do Estado de direito democrático, consagrado no art.º 2° da CRP, quando entendidos conjugadamente com os princípios específicos da legalidade tributária, consagrado no art.º 103°, n.º 2, e da proibição da retroactividade fiscal, constante do n.º 3 deste mesmo artigo, e os limites constitucionalmente impostos às leis restritivas de direitos fundamentais constantes do art.º 18°, n.º 3, todos os preceitos da mesma Lei fundamental;
j) Em face da correcta interpretação do art.º 49° da LGT e, tendo em conta que a revogação do seu nº 2, operada pela referida Lei n.º 53-A/2006 não tem aplicação ao caso por força do disposto nos art°s 89° e 91° da mesma Lei, dimensão normativa esta que a sentença erradamente não relevou, e o disposto no art.º 48º, n.º 1, da LGT (em qualquer das versões), verifica-se que as dívidas exequendas dos anos de 1998, 1999 e 2000, se encontram prescritas;
l) A sentença recorrida julgou erradamente a questão da ilegalidade do despacho que determinou a cessação do efeito suspensivo da execução, quer se considere ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, quer se considere ter o acto natureza judicial processual, por postulado da qualificação do processo de execução fiscal assumida no art.º 103° da L.GT;
k) A ser um acto de natureza processual, como se julgou, não pode deixar de considerar-se que sobre ele se forma caso julgado ou de natureza equivalente (caso decidido ou caso resolvido);
m) O despacho que suspendeu a execução fiscal não é um acto transitório ou precário que possa, a qualquer momento, ser alterado: ele só poderá ser alterado quando se altere a situação de facto ou jurídica que constituiu o seu pressuposto;
n) A ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, então, fica sujeito ao princípio legal de que os anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida — art.º 141º do CPA;
o) O acto apenas poderia ter sido revogado dentro do prazo em que o executado o poderia ter impugnado através do meio processual ao seu dispor — a reclamação prevista no artº 276.° do CPPT -, sendo que esse prazo estava largamente excedido quando o acto revogatório foi praticado;
p) Mesmo que o acto revogado possa ter a natureza de um acto vinculado por parte da Administração Fiscal, inexistindo qualquer alteração do quadro fáctico-jurídico pressuposto como fundamento na decisão anterior, não pode a administração revogar o acto que, porventura, ilegalmente tenha decidido dispensar o particular da prestação de garantia;
q) É inconstitucional a norma do artº 141º do CPA, quando interpretada no sentido de permitir a revogação de acto administrativo inválido depois de ultrapassado o prazo conferido ao particular que dele pudesse recorrer, por oposição ao princípio do Estado de direito, ao princípio da igualdade, ao princípio da tutela da confiança e ao princípio da boa-fé, nos termos em que os mesmos resultam do preceituado nos art°s 2.°, 13º e 266°, nº 1, da CRP;
r) É inconstitucional a interpretação do art.º 14°, n.º 1, do CPA, em conjugação com o artº 169° do CPPT, no sentido de que é livremente revogável o acto administrativo na parte em que dispense um particular de garantia aí referida, por violação do princípio do Estado de direito, do princípio da tutela da confiança e do princípio da boa-fé, nos termos em que os mesmos resultam do preceituado nos art°s 2°, 13° e 266°, n.º 1, da CRP.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido do parcial provimento do recurso sustentando ser de declarar a prescrição relativamente às dívidas exequendas de I.R.S. dos anos de 1998, 1999 e 2000, e ser de confirmar a decisão recorrida no que respeita à legalidade do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que determinou o levantamento da suspensão da execução e a prossecução dos autos com penhora de bens suficientes para garantia do processo de execução fiscal.

4 – Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

A) No dia 18/03/2003, foi autuada a impugnação judicial que corre termos neste tribunal sob o n.º 4612003 e que tem por objeto as liquidações de IRS dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001 com os números 5323995416, 5323996960, 5133998832 e 5324022430, cuja petição inicial foi apresentada em 28/02/2003 — fls. 1 e 2 do processo correspondente.
B) Para cobrança coerciva das dívidas identificadas na alínea antecedente, com base nas certidões de dívida de fls. 3 a 5 da execução apensa, que se dão por integralmente reproduzidas, em 1810612003 foi instaurada contra a ora reclamante a execução fiscal n.º 0744-031100679.7 —fls. 1 da execução.
C) A reclamante foi pessoalmente citada para a execução referida na alínea antecedente no dia 11/07/2003, conforme certidão de citação de fls. 11 do apenso correspondente.
D) Através do requerimento de fls. 13 da execução, apresentado no SE em 18/07/2003, a ora reclamante informou ter impugnado as liquidações exequendas e requereu a suspensão da execução.
E) Notificada para prestar garantia, nos termos e para efeitos do disposto no Art. 169.° do CPPT, através do ofício de fls. 19, a reclamante não o fez.
F) O OEF emitiu, então, o mandado de fls. 21 da execução, ordenando a penhora e apreensão em tantos bens móveis, semoventes ou rendimentos de bens de raiz, ou na falta destes, em imóveis, pertencentes à executada suficientes para pagamento da quantia de 41.327,88€.
G) Consequentemente, foi penhorado à executada o reembolso de IRS do ano de 2005, no valor de 1.361,69€, aplicado em juros de mora — fls. 23 a 25.
H) A reclamante foi, ainda, notificada para prestar garantia ou requerer a respetiva dispensa a coberto dos ofícios de fls. 39 e 43 da execução, nada tendo apresentado ou requerido.
I) Em 29/08/2006, foi proferido o despacho de fls. 47 da execução fiscal, com o seguinte teor:
«Considerando que a executada apresentou impugnação judicial à liquidação que originou a presente execução e que foram penhorados todos os bens conhecidos, suspendam-se os autos nos termos do artº 169º do CPPT.».
J) Em 3/07/2012, o OEE proferiu o despacho de fls. 55 da execução com o seguinte teor:
«No âmbito do projeto “Acompanhamento e controlo de garantias - Fase 1 (Participações Sociais, Penhor e Outros)’ superiormente transmitido pelo mail de 2012/06/26 da DSGCT, verifiquei que, a folhas 36 do Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º 0744200301006797, foi proferido despacho pelo sr. Chefe de Finanças, à data de 2006/06/27, ordenando a notificação para ser prestada garantia ou pedir dispensa da mesma, de molde a, legalmente, suspender a presente execução. Tal resultou da apresentação de impugnação às liquidações que originaram a presente execução, que ainda se encontra pendente e à qual coube o nº 46/2003 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Do valor de € 69.340,00, fixado para garantia, foi o Ex.mo sr. Dr. ………, mandatário da executada, notificado em 2006/08/03.
Não consta ter sido oferecida qualquer garantia para suspensão do PEF.
Foi proferido, a folhas 44 dos autos, despacho de suspensão pelo sr. Chefe de Finanças, à data de 2006/08/29, invocando o artigo 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) com os fundamentos de que “…a executada apresentou impugnação judicial à liquidação que originou a presente execução e que foram penhorados todos os bens conhecidos...”
Contudo, as penhoras efetuadas não obtiveram os resultados pretendidos e não foi apresentada garantia idónea, nem requerida a dispensa de prestação de garantia.
Assim, uma vez que não se verificam os pressupostos em que se estribou o despacho de 2006/08/29 e contidos no artigo 169º do CPPT, determino o levantamento da suspensão e prossecução dos autos, nomeadamente com a penhora de bens suficientes para garantia do PEF.
(…).»
K) O processo de impugnação judicial referido em A) supra esteve parado por mais de um ano e por facto não imputável ao contribuinte a partir de 26/05/2005 — fls. 103 do processo de impugnação.


5. São as seguintes as questões trazidas pela recorrente à apreciação deste Supremo Tribunal:
1) saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que não ocorreu a prescrição das dívidas exequendas relativamente a IRS dos anos de 1998, 1999, 2000 ( conclusões a) a j) das alegações de recurso).
2) saber se a sentença recorrida julgou erradamente a questão da legalidade do despacho do despacho proferido em 3/7/2012, que determinou o levantamento da suspensão da execução anteriormente determinada nos termos do artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário, quer se considere ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, quer se considere ter o acto natureza judicial processual, por postulado da qualificação do processo de execução fiscal assumida no art.º 103° da L.GT.

5.1 Da prescrição das dívidas exequendas referentes ao IRS dos anos de 1998, 1999, 2000.

Como se vê fls. 120 e segs. a sentença recorrida entendeu que a o prazo prescricional da dívida proveniente de IRS do ano de 1998 se iniciou em 01/01/1999, sendo-lhe, por isso, aplicável o novo prazo prescricional de 8 anos, previsto na LGT. E que tal prazo foi interrompido com a instauração da impugnação judicial n.° 46/2003, em 28/02/2003, quando haviam decorrido 4 anos, 1 mês e 27 dias.
Considerou-se ainda na sentença recorrida que em 18/06/3003, foi instaurada a execução fiscal para a qual a recorrente foi pessoalmente citada em 11/07/2003, quando o efeito interruptivo derivado da instauração da impugnação ainda perdurava; nesta medida e para efeitos de contagem do prazo prescricional entendeu-se ser a citação para a execução irrelevante.
E foi também ponderado que o processo de impugnação esteve parado por mais de um ano e por facto não imputável ao contribuinte a partir de 26/05/2005, daí que o efeito interruptivo derivado da instauração da impugnação se transmutou em efeito suspensivo, pelo período de um ano, reiniciando-se a contagem do prazo de prescrição após 26/05/2006.
Porém, sopesando o facto de a execução fiscal ter sido suspensa por efeito da impugnação judicial à liquidação que originou a execução a partir de 29/08/2006 até 3/07/2012, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra concluiu que tal suspensão da execução, equivalente à sua paragem nos termos preceituados no art. 49º, n.° 3 da Lei Geral Tributária, na redacção vigente à data da prolação do despacho referido em 1) dos factos provados, suspendeu o prazo de prescrição.
E por isso concluiu que não havia ocorrido ainda o prazo de prescrição da dívida de IRS do ano de 1998, à mesma conclusão chegando relativamente aos prazos prescricionais das dívidas exequendas provenientes de IRS dos anos de 1999, 2000 e 2001.

Contra o assim decidido se insurge a recorrente alegando que «a decisão recorrida interpretou, erradamente, a norma constante do art.º 49. ° da LGT, seja na versão originária, seja na introduzida pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, no sentido de que, caso o processo esteja parado por mais de 1 ano, o prazo que conta para efeitos de prescrição [como consequência decorrente da cessação do efeito interruptivo estabelecido no n.º 1] é apenas o tempo que vai para além do decurso desse ano de paragem até ao momento em que, ou ocorra uma causa de interrupção ou de suspensão, ou aconteça o juízo de aplicação da norma» ( conclusões a) a d)).
E que, «em face da correcta interpretação do art.º 49° da LGT e, tendo em conta que a revogação do seu nº 2, operada pela referida Lei n.º 53-A/2006 não tem aplicação ao caso por força do disposto nos art°s 89° e 91° da mesma Lei, dimensão normativa esta que a sentença erradamente não relevou, e o disposto no art.º 48º, n.º 1, da LGT (em qualquer das versões), verifica-se que as dívidas exequendas dos anos de 1998, 1999 e 2000, se encontram prescritas»

Desde já se dirá que esta argumentação leva à conclusão de que, neste ponto, a recorrente interpretou erradamente a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Com efeito dispunha o artº 49º da Lei Geral Tributária na sua redacção inicial:
Artigo 49º «Interrupção e suspensão da prescrição
1- A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento ou prestação legalmente autorizada, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»
A Lei nº 100/99, de 26/6, alterou os nºs. 1 e 3 deste art. 49º da LGT, os quais ficaram a ter a seguinte redacção:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 3 - O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.»

Posteriormente, a Lei nº 53º-A/2006, de 29/12, veio alterar o citado art. 49º da Lei Geral Tributária, tendo sido revogado o seu nº 2 (revogação que se aplica a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo - art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12), tendo sido alterada a redacção do seu nº 3 e tendo sido aditado o actual nº 4.
Assim a actual redacção desse preceito é a seguinte:
«1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2 – Revogado
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4 - O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.»
Ora como vimos a sentença recorrida considerou que o processo de impugnação esteve parado por mais de um ano e por facto não imputável ao contribuinte a partir de 26/05/2005, e por isso entendeu que o efeito interruptivo derivado da instauração da impugnação se transmutou em efeito suspensivo, pelo período de um ano, reiniciando-se a contagem do prazo de prescrição após 26/05/2006.
Ou seja a decisão sindicada teve na devida conta a cessação do efeito interruptivo da prescrição prevista no artº 49º, nº 2 da Lei Geral Tributária na redacção anterior à Lei nº 53-A/2006, de 29/12, que aplicou no caso subjudice.
E fê-lo acertadamente porque à data da entrada em vigor daquela Lei (1 de Janeiro de 2007) já tinha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo – cf. probatório ( K) e art. 91º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12.
Não se podendo de alguma forma inferir (vide conclusão J) que foi, pela sentença, ignorada a dimensão normativa do disposto nos arts. 89º a 91º da Lei nº 53-A/2006.

5.2 Argumenta ainda a recorrente que a sentença recorrida errou ao considerar que o art.º 49° da LGT, em qualquer das suas versões (originária, da Lei n.º 100/99 e da Lei n.º 53-A/2006, esta de 29/12), possibilita a operância sucessiva de várias causas de interrupção (conclusões e) a h)) e que tal interpretação viola princípios constitucionais consagrados nos arts. 18º, nº 2 e 3 e 103º, nº 2 e 3 da Constituição da República.

Também aqui não lhe assiste razão, incorrendo aliás, em manifesto equívoco na interpretação da decisão recorrida.

Desde logo, e como já se sublinhou, porque a decisão sindicada não considerou, sucessivamente, diversas causas de interrupção do prazo de prescrição, mas apenas uma - a instauração da impugnação judicial em 18/06/3003, tendo entendido que a citação para a execução, efectuada em 11/07/2003, era irrelevante porque o efeito interruptivo derivado da instauração da impugnação ainda perdurava.
E, por outro lado, porque o que se considerou na sentença recorrida foi a existência, para além do efeito interruptivo da instauração da execução, de uma causa de suspensão da prescrição por efeito da suspensão da execução fiscal decorrente da impugnação judicial à liquidação que originou a dívida exequenda, suspensão essa que teria ocorrido desde 29.08.2006.

Acresce que não se vislumbra resultar da sucessão de regimes, combinando causas de interrupção com causas de suspensão, qualquer violação do princípios constitucionais da proibição da retroactividade fiscal, da segurança jurídica na vertente material da confiança protecção da confiança e da legalidade.
Como se disse no Acórdão 764/11, de 28.09.2011 (in www.dgsi.pt, de que foi relator o presente relator) nesta matéria a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdãos 128/09 e 287/09) sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança vem afirmando que para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

«a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)».
Dois aspectos são salientados pelo do Tribunal Constitucional:
Em primeiro lugar, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, “não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão nº 287/90).
Por outro lado o princípio implica uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Porém, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção (cf. Acórdão 128/09).
Haverá assim que proceder, em cada caso, como se sublinha no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2001, «a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte».

Sendo que só uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático - (cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º, 287/90, de 30 de Outubro, de 11/83, de 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1.º Vol., pp. 11 e segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, designadamente através dos Acórdãos n.os 17/84 e 86/84, publicados nos 2.º e 4.º Vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., respectivamente).

Ora não é isso que se verifica no caso em apreço.

Com efeito, não pode dizer-se que no caso concreto a afectação das expectativas da recorrente quanto ao cômputo do prazo de prescrição tenha sido arbitrária ou deva considerar-se demasiado onerosa. Daí que não seja intolerável e constitucionalmente inadmissível.

Isso só sucederia, se não houvesse fundamento material (um interesse público relevante) capaz de justificar a mutação operada na ordem jurídica - uma mutação que, então, se apresentaria como imprevisível e injustificada, não podendo os cidadãos contar com ela.

Ora, como sublinha Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª edição, pag. 68, referindo-se à sucessão de regimes combinando causas de interrupção com causas de suspensão, “(…) compreende-se que o efeito interruptivo cesse por paragem do processo por mais de um ano por facto imputável ao contribuinte, pois essa paragem será imputável aos serviços estaduais que devem fazer tramitar atempadamente os processos administrativos e judiciais.

Mas, também se compreende que, sendo o fundamento da prescrição das obrigações a negligência do credor em cobrar a dívida, não se deixe correr o prazo de prescrição enquanto estes credor está legalmente impossibilitado de providenciar no sentido de a cobrança ser efectuada”.

Não se verifica, pois a invocada inconstitucionalidade do sentido decisório da sentença recorrida - ao considerar, para além dos factos interruptivos, a relevância autónoma dos factos a que é atribuído efeito suspensivo da prescrição.

5.3 Ponto é saber se ocorreu efectivamente a suspensão da execução fiscal, ou melhor dizendo, se o órgão de execução fiscal estava efectivamente impedido de fazer prosseguir a execução fiscal e se no caso se configurava uma situação prevista no artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
E nesta parte não terá andado bem o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Vejamos.
Já no requerimento de fls. 90 a recorrente sustentava que a dedução da impugnação não determinou, no caso concreto, a suspensão da execução fiscal, inexistindo, de facto, no processo de execução fiscal qualquer acto de onde possa resultar esse efeito.
E isto porque no caso não ocorreu nem a prestação de garantia nem a penhora de bens suficientes para garantir o total cumprimento da dívida exequenda e acrescido, circunstância essa que determinava a impossibilidade de a Administração Fiscal considerar o processo de execução fiscal suspenso, em face do disposto no artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Assim, não existindo suspensão do processo de execução fiscal por força da propositura da impugnação judicial não se verificariam os pressupostos de aplicação do regime do disposto no artº 49º, nº 3 da Lei Geral Tributária, razão pela qual não se configuraria situação de suspensão do prazo de prescrição.
Idêntico entendimento tem o Ministério Público, quer na primeira instância (parecer de fls. 105 e segs), quer neste Supremo Tribunal Administrativo sustentando que no caso não se configura uma situação de suspensão do prazo de prescrição ao abrigo do nº 3 do artº 49º da Lei Geral Tributária.
No que lhes assiste razão.
Com efeito, de acordo com o disposto no artº 169º nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redacção então vigente, a execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
No caso, e como resulta do probatório, não foi prestada qualquer garantia pela ora recorrente, que também não requereu a respectiva dispensa, embora notificada para tanto, e nunca se concretizou qualquer penhora em valor suficiente para garantir a totalidade da dívida em execução - cf. pontos E, F, G e H da matéria de facto apurada.
É certo que por despacho de 29.08.2006, o Chefe do Serviço de Finanças declarou a execução suspensa ao abrigo do artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário por ter considerado que «a executada apresentou impugnação judicial à liquidação que originou a presente execução e que foram penhorados todos os bens conhecidos».
Mas fê-lo de forma errada porque não ocorriam os pressupostos legais para determinar a suspensão da execução fiscal
A execução parou por errada interpretação do Chefe do Serviço de Finanças, mas não por impossibilidade legal decorrente da verificação dos pressupostos do artº 169º nº 1 do CPTT, ou porque tivesse sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou tivesse sido efectuada penhora garantisse a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Já vimos que isso não sucedeu e que a penhora efectuada garantia apenas uma pequena parte da dívida exequenda e acrescido (cf. pontos F e G do probatório).
Ora o fundamento da suspensão do prazo de prescrição por força da pendência dos meios processuais previstos no artº 49º, nº 3 da Lei Geral Tributária decorre da impossibilidade legal do credor providenciar no sentido de a cobrança ser efectuada.
No caso e como resulta dos autos, essa impossibilidade legal não se verificava, sendo que o despacho do Chefe do Serviço de Finanças se fundou em errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis. E, como bem refere o recorrente, o contribuinte não poderá ser prejudicado por tal erro.
Não ocorria pois qualquer obstáculo legal à prossecução da execução pelo que não se configura no caso subjudice uma situação de suspensão do prazo de prescrição.
Assim, tendo cessado em 24.05.2006 o efeito interruptivo da prescrição previsto no artº 49º, nº 2 da Lei Geral Tributária na redacção anterior à Lei nº 53-A/2006, de 29/12, reiniciou-se nessa data a contagem do prazo de prescrição
Neste contexto, contados os prazos de prescrição do seu termo inicial (31 de Dezembro de 1998, de 1999, de 2000 e de 2001) até à data da instauração da impugnação decorreram, relativamente a cada um dos impostos, respectivamente, 4 anos, 1 mês e 27 dias, 3 anos, 1 mês e 27 dias, 2 anos, 1 mês e 27 dias e 1 ano, 1 mês e 27 dias.
E somando a estes períodos de tempo o que decorreu desde 24.5.2006, data em que se reiniciou a contagem, verifica-se que prazo de prescrição das dívidas exequendas de 1998, 1999 e 2000 (oito anos) atingiu já o seu termo, o mesmo não acontecendo relativamente ao imposto mais recente de 2001.
Daí que se entenda que não pode manter-se a sentença que decidiu em contrario e julgou não se terem esgotado todos os prazos prescricionais, procedendo, nesta parte, o recurso.


6. Da legalidade do despacho proferido em 3/7/2012, que determinou o levantamento da suspensão da execução anteriormente determinada nos termos do artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
A decisão recorrida considerou (fls.121) que de acordo com o disposto no Art. 103°, n,° 1 da LGT, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da prática pelo órgão da administração tributária de actos que não tenham natureza jurisdicional.
E que a circunstância de os actos executivos poderem ser praticados por um órgão administrativo não lhe retira a natureza de processo nem o transforma parcialmente em procedimento administrativo.
Neste contexto concluiu que os actos proferidos pelo órgão de execução fiscal, designadamente, aqueles em que se ordena a instauração da execução, a citação dos executados, a suspensão da execução, etc., não são mais que puros actos de trâmite, de tramitação da execução fiscal, não incluídos consequentemente no âmbito do Art. 120.° do CPA.

Inconformada com tal decisão a recorrente sustenta que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra julgou erradamente a questão da ilegalidade do despacho que determinou a cessação do efeito suspensivo da execução, quer se considere ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, quer se considere ter o acto natureza judicial processual, por postulado da qualificação do processo de execução fiscal assumida no art.º 103° da L.GT.
E argumenta também que a ser um acto de natureza processual, como se julgou, não pode deixar de considerar-se que sobre ele se forma caso julgado ou de natureza equivalente (caso decidido ou caso resolvido).
A ser o acto em causa um acto materialmente administrativo, então, fica sujeito ao princípio legal de que os anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida — art.º 141º do Código de Procedimento Administrativo.
Prosseguindo o seu discurso argumentativo conclui que o acto apenas poderia ter sido revogado dentro do prazo em que o executado o poderia ter impugnado através do meio processual ao seu dispor — a reclamação prevista no artº 276.° do CPPT -, sendo que esse prazo estava largamente excedido quando o acto revogatório foi praticado.

6.1 Para dar resposta à questão decidenda importa antes do mais apurar da natureza do despacho que determinou a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artº 169º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, proferido em 29/08/2006, nomeadamente saber se se trata de um acto materialmente administrativo do órgão da Administração Tributária, pese embora praticado no processo de execução fiscal, ou mero acto de trâmite processual, no âmbito da execução fiscal, como decidido na sentença recorrida.
Vejamos, pois.
Nos termos do artº 103º, nº 1 da Lei Geral Tributária o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Por sua vez o nº 2 do referido normativo garante aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior.
A Lei Geral Tributária atribui assim globalmente ao processo de execução fiscal a natureza de judicial, pese embora nele sejam praticados actos materialmente administrativos por órgãos da administração tributária.
A nossa jurisprudência fiscal e constitucional tem vindo a reconhecer, pacificamente a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à Administração Tributária para a prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal, sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer actos praticados pela Administração Tributária – ver neste sentido, por mais recentes, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2012, recurso 59/12, de 07/02.2011, recurso 1054/11, e de 02.02.2011, recurso 8/11, e, quanto à alegada constitucionalidade, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 80/2003 12.02.2003, n.º 152/2002, de 17-4-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 31-5-2002, e , n.º 263/02, de 18-6-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 13-11-2002., e os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.02.2008, recurso 999/07, de 16.06.2004, recurso 367/04, de 02.05.2001, recurso 25027, e de 19-2-92, recursos ns. 13763 e 13830, todos in www.dgsi.pt
De entre os actos de natureza não jurisdicional que caberão no conceito de «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária» no âmbito do processo de execução fiscal poderemos referir, o pedido de pagamento em prestações (artº 196º do Código de Procedimento e Processo Tributário), a dação em pagamento (artº 201º do mesmo diploma legal) e a decisão de dispensa da prestação de garantia a que se referem os arts.170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º, ns. 4 da Lei Geral Tributária.
No que respeita ao pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º, ns. 4 da Lei Geral Tributária pronunciou-se, neste sentido, o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 5/12, proferido no recurso 708/12, e publicado no DR 1ª Série de 22.10.2012.
O referido aresto, após elencar a divergência jurisprudencial sobre tal matéria, concluiu ser correcto o entendimento de que tais actos poderão ser definidos como actos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projectam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta
Ali se exarando ser de aceitar esta posição, pois que, confrontada a natureza do pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulação habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação, é inquestionável que tais actos haverão de ser qualificados como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite.
Neste sentido se pronunciam também Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, 4ª ed., 2012, Editora Encontro de escrita, p. 429, anotação 11 ao art. 52º) sublinhando que “O texto do nº 4 do art. 52º da LGT, na parte em que se refere que «a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia…», utiliza a fórmula habitualmente usada para atribuição à administração de poderes discricionários ou em cujo exercício é admissível uma margem de livre apreciação. Por outro lado, é claro por aquele texto que se trata de um poder que é atribuído à administração tributária, enquanto tal, pelo que não pode ser exercido pelo tribunal em substituição daquela, tendo a actividade deste de resumir-se à verificação de ofensa ou não dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação dos valores que se integram nessa margem”.

Porém no caso subjudice não estamos perante um pedido de dispensa de garantia, em que à Administração Tributária é atribuída alguma margem de livre apreciação, mas sim perante um despacho que determinou a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artº 169º nº1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (Na redacção em vigor à data do respectivo despacho (29/08/2006), ou seja a redacção da Lei 32-B/2002.)
Ora a suspensão da execução nos termos do artigo 169.º, nº 1 do CPPT opera-se, ope legis, por força da prestação de garantia ou efectivação da penhora que garante a totalidade da quantia exequenda e acrescido, desde que sejam utilizados os meios processuais de discussão da legalidade da dívida exequenda ali elencados. (Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.08.2009, recurso 693/09, in www.dgsi.pt.)
Trata-se, pois, de acto predominantemente processual em que o órgão de execução fiscal actua no âmbito do processo executivo, vinculado a um quadro normativo que regula o legal andamento do processo, e sujeito a estritas regras e princípios processuais.
Daí que se entenda que o mesmo não está sujeito ao regime de revogação dos actos administrativos inválidos previsto no artº 141º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que, neste pendor, não merece censura a decisão recorrida.

6.2
Mas a recorrente argumenta também que a considerar-se, como se considerou, o despacho que determinou a cessação do efeito suspensivo da execução como um acto de natureza processual, não pode deixar de entender-se que sobre ele se forma caso julgado ou de natureza equivalente (caso decidido ou caso resolvido).
E isto porque o despacho que suspendeu a execução fiscal não é um acto transitório ou precário que possa, a qualquer momento, ser alterado: ele só poderá ser alterado quando se altere a situação de facto ou jurídica que constituiu o seu pressuposto.

A nosso ver e salvo o devido respeito, não pode ser acolhida tal argumentação.
O despacho que suspendeu a execução não forma caso decidido e pode efectivamente ser alterado, como resulta do disposto nos arts. 169º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º, nº 3 da Lei Geral Tributária.
Com efeito infere-se do artº 169º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, ao estabelecer conexão entre a garantia ou penhora suficientes para assegurar o pagamento da dívida exequenda e a suspensão da execução, que nos casos de garantia ou penhora insuficientes a execução deverá prosseguir.
Assim, por um lado, a garantia inicialmente constituída ou prestada pode vir a tornar-se manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido e, por isso, nos termos do artº 52º, nº 3 da Lei Geral Tributária, pode ser exigido o seu reforço pela Administração Tributária.
Por outro lado pode acontecer, como sucedeu no caso subjudice, que sejam penhorados bens que não garantam a totalidade da dívida exequenda e do acrescido.
Nestes casos, como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário anotado, vol. IV, pag. 227, a execução deverá prosseguir com penhora de novos bens até que seja atingido o objectivo de assegurar o pagamento da dívida, pese embora apenas para esta penhora de novos bens e actos com ela relacionados e não para a venda dos bens já penhorados.
No caso em apreço resulta do probatório (pontos F, G e J) que estando em causa o pagamento da quantia de 41.327,88€ foi penhorado à executada o reembolso de IRS do ano de 2005, no valor de 1.361,69€.
E que o despacho reclamado considerando que «as penhoras efetuadas não obtiveram os resultados pretendidos e não foi apresentada garantia idónea, nem requerida a dispensa de prestação de garantia» e que «não se verificam os pressupostos em que se estribou o despacho de 2006/08/29 e contidos no artigo 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário» determinou o levantamento da suspensão e prossecução dos autos, «nomeadamente com a penhora de bens suficientes para garantia do processo de execução fiscal».
A actuação do órgão de execução fiscal foi assim determinada pela constatação da inexistência de bens suficientes para pagamento da dívida exequenda e o levantamento da suspensão visou apenas assegurar a cobrança da prestação tributária até à decisão da impugnação judicial.

Não se verifica, pois a invocada ilegalidade do despacho reclamado, pelo que improcederá, também, nesta parte, a argumentação da recorrente.

7. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
- julgar prescritas as dívidas exequendas de IRS de 1998, 1999 e 2000;
- confirmar o juízo de improcedência da reclamação quanto à questão da legalidade do despacho proferido em 3/7/2012, que determinou o levantamento da suspensão da execução anteriormente determinada nos termos do artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Custas pela recorrente na parte em que decaiu, uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou em sede de recurso.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.