Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0270/18.8BEPRT-S1
Data do Acordão:02/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
APENSAÇÃO
PORTAGEM
Sumário:Verificando-se os requisitos da apensação de processos de contra-ordenação, impõe-se ao juiz de qualquer desses processos, ou pedir os demais processos para proceder à sua apensação, caso o seu processo seja o mais antigo, ou remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de ser apensado a este, tudo nos termos do disposto nos arts. 28.º, alínea c) e 29.º do CPP, aplicável subsidiariamente [art. 3.º, alínea b), do RGIT e art. 41.º, n.º 1.º do RGCO].
Nº Convencional:JSTA00070867
Nº do Documento:SA2201902060270/18
Data de Entrada:11/15/2018
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:BRISA CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A., A............, LDA E AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DO PORTO
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTRAORDENAÇÃO
Legislação Nacional:Arts. 28.º, alínea c) e 29.º do CPP, art. 3.º, alínea b), do RGIT e art. 41.º, n.º 1.º do RGCO
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –
1 – O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorre para este Supremo Tribunal do despacho de 12 de Março de 2018 – a fls. 130 dos autos -, pelo qual a juíza “a quo” indeferiu o pedido de apensação ao processo dos demais processos em que a recorrente impugna outras decisões de aplicação de coima por falta de pagamento de taxas de portagens relativamente aos veículos da sua propriedade, formulado pela recorrente na sua petição inicial, no entendimento de que a apensação teria de ser requerida no processo mais antigo.
Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
1.ª- No caso dos autos, a decisão recorrida adoptou um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é a mesmo, o Tribunal recorrido deveria ter decidido qual era o processo, Juiz ou Tribunal competente para proceder ao julgamento conjunto das impugnações de coimas apresentadas, ordenando a remessa dos autos para o processo primeiramente instaurado ou solicitando o envio de todos os outros, para apensação a estes autos, caso sejam estes os instaurados em primeiro lugar.

2.ª - E, sendo o recurso judicial de contra-ordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, por força do disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, impõe-se a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP.

3.ª- É pacífico na jurisprudência do STA que a apensação deverá também ser efectuada pelo Tribunal e sucede que neste TAF, na prática, não acontecem as referidas apensações, para julgamento do arguido num mesmo e único processo, com a invocação do disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, ou seja, de que a apensação deveria ter sido requerida no processo instaurado em primeiro lugar e ao qual todos os outros tenham que ser apensados – no sentido de que a apensação deve ser ordenada e efectuada pelo Tribunal, veja-se o decidido nos acórdãos do STA de 03/04/2015, proferido no P. 1396/14, de 08/04/2015, proferido no P. 75/15, de 17/06/2015, proferido no P. 137/15, de 07/10/2015, proferido no P. 645/15 e de 04/11/2015, proferido no P. 72/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

4.ª - Ora, é nosso entendimento que as normas do art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC não têm aplicação no processo penal, tal como se decidiu no acórdão do TRC de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt

5.ª - O despacho recorrido não ordenou a apensação de outras impugnações de coimas fiscais que o mesmo arguido tem pendentes neste TAF, por a apensação dever ser ordenada no processo instaurado em primeiro lugar, por força do disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, aplicável subsidiariamente atento o previsto no art. 3.º, al. b) do RGIT, art. 41.º, n.º 1 do RGCO aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 e art. 4.º do CPP.

6.ª- Ora, chegados os recursos à fase judicial, nos termos do art. 25.º do CPP, deveria ser ordenada a apensação neste Tribunal dos recursos de contra-ordenação interpostos pelo mesmo arguido.

7.ª- O MP recorrente não se conforma com a decisão e a interpretação perfilhada pelo despacho recorrido porquanto adoptou-se um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, e sendo o recurso judicial de contra-ordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, atento o disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, o Tribunal recorrido deveria ter ordenado a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP.

8.ª- Ou seja: é nosso entendimento que o Tribunal recorrido deveria decidir, como este não é o processo mais antigo, julgar competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de contra-ordenação o processo mais antigo e ordenar a remessa destes autos ao mesmo, para apensação.

9.ª- E, dando-se o caso do processo onde se aprecia a apensação ser o mais antigo, há que se declarar esse Tribunal o competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de coima apresentadas e solicitar a remessa de todos os outros processos para apensação ao mesmo, e tudo por simples aplicação do disposto na al. c), do art. 28.º do CPP, sendo inaplicável ao processo penal o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, e sendo em tudo uma situação idêntica à que se depara, quando o Tribunal se declara territorialmente incompetente para julgar a acção e declara outro o competente para o efeito, remetendo-lhe o processo para decisão.

10.ª- Por outro lado, a apensação destes recursos de contra-ordenação impõe-se também pela aplicação da regra da economia e da boa gestão processual prevista no art. 130.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao CPP por força do seu art. 4.º e ao RGCO e ao RGIT, de modo a impedir que se pratiquem repetidos actos de prolação de sentenças e notificações absolutamente iguais, para os mesmos intervenientes, com evidentes prejuízos para uma boa e célere administração da justiça, para além, dos inerentes e consequentes prejuízos orçamentais e financeiros que daí resultam.

11.ª- Assim sendo, impõe-se que se proceda a apensação de todos os recursos ou impugnações judiciais de contra-ordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, por força do disposto no art. 25.º do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 3.º, al. b) do RGIT, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art. 28.º do CPP, e sem se chamar à decisão as regras consagradas no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC – neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.

12.ª- Ou seja: a conexão de processos pode e deve ser apreciada oficiosamente, logo que no processo conste a comprovação de uma das situações previstas nos artigos 24.º e 25.º do CPP, não tendo aplicação subsidiária no processo-crime o disposto no art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, na medida em que as regras para determinar o Tribunal competente para se proceder a julgamento conjunto de todas as impugnações de coima interpostas pelo mesmo arguido estão previstas no CPP, nomeadamente na al. c) do seu art. 28.º.

13.ª- As normas legais do processo civil, como direito subsidiário, só são aplicáveis ao processo penal, desde que no CPP não haja regras próprias e que se demonstre a sua harmonia com os princípios do processo penal, o que no caso da citada norma do CPC não acontece.

14.ª- Foram violados os artigos 4.º, 24.º, 25.º e 28.º, al. c) do CPP, art. 41.º, n.º 1 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, art. 3.º, al. b) do RGIT e art. 267.º, n.ºs 2 e 3 do CPC.

Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, para que seja substituído por outro que decida que não é este o processo para julgamento conjunto do arguido pelas impugnações das coimas aplicadas e sim o que primeiramente foi instaurado, ordenando-se a remessa dos autos para apensação ao referido processo mais antigo, e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 141/142 dos autos, no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 – Questão a decidir
É a de saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento ao indeferir o pedido de apensação ao processo dos demais processos em que a recorrente impugna outras decisões de aplicação de coima por falta de pagamento de taxas de portagens relativamente aos veículos da sua propriedade, formulado pela recorrente na sua petição inicial, no entendimento de que a requerida apensação teria de ser pedida no processo mais antigo.



5 – É do seguinte teor o despacho recorrido:
Na p.i., a recorrente requer a apensação dos presentes autos aos processos em que impugna outras decisões administrativas de aplicação de coima por falta de pagamento de taxas de portagens relativamente aos veículos de sua propriedade.
Por consulta ao SITAF, constata-se que os demais processos judiciais de impugnação de decisões administrativas foram instaurados antes do presente devendo – nos termos do disposto no artigo 29.º do CPP, aplicável aqui subsidiariamente – a apensação deve ser requerida no processo mais antigo, razão pela qual se indefere o requerido.
Notifique.
(…)

6 – Apreciando.
6.1. Do alegado erro de julgamento do despacho recorrido
O despacho recorrido indeferiu o pedido da arguida, formulado na sua petição de recurso de contra-ordenação, de apensação aos autos de onze outros processos - que identifica pelo respectivo número -, em que a recorrente impugna outras decisões de aplicação de coima por falta de pagamento de taxas de portagens relativamente aos veículos da sua propriedade, no entendimento de que a requerida apensação teria de ser pedida no processo mais antigo, ex vi do disposto no artigo 29.º do CPP.
Alega o recorrente Ministério Público que o despacho recorrido enferma de erro de julgamento e deve ser substituído por outro que decida que não é este o processo para julgamento conjunto do arguido pelas impugnações das coimas aplicadas e sim o que primeiramente foi instaurado, ordenando-se a remessa dos autos para apensação ao referido processo mais antigo.
Tem razão o Ministério Público recorrente.
Como hoje mesmo se consignou nos Acórdãos proferidos nos processos n.º 2874/17.7BEPRT.CO e 26/18.8CO, verificando-se – como se verificou no caso – a existência de processos que devem ser apensados [cfr. arts. 25.º e 29.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP)], não pode o juiz abster-se de tomar posição (oficiosamente ou a requerimento) sobre a apensação com o fundamento de que os autos não são o processo mais antigo. // É certo que nos termos do art. 28.º, alínea c), do CPP, aplicável subsidiariamente, por remissão sucessiva da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do art. 41.º do RGCO, a apensação deve ser efectuada no processo mais antigo. Mas isso não significa que a apensação só possa ser conhecida e decidida no processo mais antigo e pelo juiz desse processo. Se a verificação dos pressupostos para a apensação for feita em processo que não é o mais antigo, impõe-se ao juiz remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de serem apensados a este. Ou seja, perante um situação em que os processos de contra-ordenação devam ser apensados, deve o juiz ou pedir os demais processos para proceder à sua apensação, caso o seu processo seja o mais antigo, ou remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de ser apensado a este. //Dito de outro modo, qualquer juiz que tenha a seu cargo um dos processos de recurso judicial de contra-ordenação relativamente ao qual estejam verificados os pressupostos da conexão com outros processos, pode e deve definir qual deles deve prosseguir como processo conjunto e tomar as providências necessárias para a apensação – arts. 28.º e 29.º do CPP, aplicável subsidiariamente nos termos referidos.

Em face do exposto, há que conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro, nos termos supra expostos.


- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que, em sua substituição, seja proferido outro nos termos ora prescritos.

Sem custas (artigo 94.º, n.º 4 do RGCO).


Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes – Aragão Seia.