Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0282/11.2BECBR 01006/16
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ESTABELECIMENTO DE ENSINO PARTICULAR
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO
SUBSÍDIO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão de TCA que manteve o julgamento do TAF se a pronúncia convergente das instâncias se mostra sustentada em fundamentação plausível e credível, não aparentando erros lógicos ou jurídicos manifestos, e se as concretas questões colocadas não revelam nem uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo que extravase os limites do caso concreto, nem qualquer relevância jurídica, tanto mais que a solução alcançada está em inteira consonância com a jurisprudência entretanto produzida por este Supremo, não se evidenciando a necessidade da sua intervenção clarificadora.
Nº Convencional:JSTA000P28718
Nº do Documento:SA1202112160282/11
Data de Entrada:12/09/2021
Recorrente:INSTITUTO EDUCATIVO DE ................., LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. INSTITUTO EDUCATIVO DE …………….., LDA. [doravante A.], devidamente identificada nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 02.07.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N], que negou provimento ao recurso de apelação que deduziu e manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [doravante TAF/CBR] que havia julgado apenas parcialmente procedente a ação administrativa comum por si instaurada contra ESTADO PORTUGUÊS/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO [doravante R.] [peticionando: a) que o R. seja condenado «a cumprir o contrato de associação datado de 12/10/2010, a que corresponde o documento n.º 6 junto com o requerimento inicial da providência cautelar, pagando à autora, até 31/8/2011, o montante previsional de € 2.576.191,27 (…), em prestações mensais, até ser apurado o montante definitivo do mesmo, a efetuar em liquidação de sentença, deduzido dos montantes pagos pelo réu em execução do contrato, acrescido de juros de mora comerciais sobre o montante em falta desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento»; b) que seja reconhecido que o R., «por culpa sua, até à presente data (14/4/2011), não pagou pontual e integralmente a contrapartida financeira/preço relativa aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2011 e, por isso, para além do capital (€ 214.682,60/mês), deve ainda ser condenado a pagar os juros moratórios sobre cada mensalidade, por aplicação das taxas de juro comercial, até efetivo e integral pagamento, contabilizando-se os vencidos até 14/4/2011 em € 6.211,09 (…)»; c) que, por via do apontado incumprimento, o R. seja condenado «a pagar à autora todos os danos que causou com o não pagamento pontual e integral das apontadas mensalidades, a liquidar …»; d) que, caso não seja julgado integralmente procedente o pedido formulado sob a alínea a), o R. seja condenado «a reconhecer que a adenda ao contrato de associação, a que corresponde o documento n.º 30 junto com o requerimento inicial da providência cautelar é ilegal, condenando-o a repor o equilíbrio financeiro do contrato, mediante o pagamento à autora, entre 1 de janeiro e 31 de agosto de 2011, da quantia de € 1.692.278,40 (…), em prestações mensais, deduzido dos montantes que o réu venha a pagar em função da decisão da providência cautelar, acrescidas dos respetivos juros de mora comerciais, desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento»], condenando apenas «o R. a pagar à A. a quantia de € 1.330.714,29, de acordo com o previsto na adenda ao contrato de associação inicial, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal prevista para as obrigações civis, sobre o valor de cada prestação mensal desde o dia do seu vencimento e até à data em que se efetuou o respetivo pagamento», absolvendo «o R. dos demais pedidos formulados».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista na relevância jurídica e social das questões objeto de dissídio e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta interpretação e aplicação do art. 12.º, n.º 5, do DL n.º 553/80, de 21.11, do princípio da proteção da confiança, a liberdade de aprender e ensinar, e, bem assim, a inconstitucionalidade do regime normativo inserto no DL n.º 138-C/2010, de 28.12, e na Portaria n.º 1324-A/2010, de 29.12.

3. O R. devidamente notificado produziu contra-alegações em sede de recurso de revista nelas pugnando, desde logo, pela não admissão da revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Nos autos mostra-se objeto de discussão/pretensão a contratualização do pagamento da contrapartida financeira devida à A. pela prestação ao Estado de serviço de interesse público [art. 15.º do DL n.º 553/80 e o Despacho n.º 256-A/ME/96, de 11.12 (na redação introduzida pelo Despacho n.º 19411/2003, de 24.09)] e a ilegal e ilícita alteração unilateral do contrato, em violação do equilíbrio financeiro do contrato e do demais quadro principiológico e constitucional, operada e decorrente da publicação do DL n.º 138-C/2010 e demais legislação concretizadoras.

7. O TAF/CBR, louvando-se no entendimento firmado no acórdão deste Supremo Tribunal de 01.02.2018 [Proc. n.º 01071/16] e bem assim dos acórdãos também deste Supremo de 13.12.2017 e de 30.05.2018 [respetivamente, Procs. n.ºs 0749/16 e 01495/17], procedeu apenas em parte a pretensão, para tal sustentando que «não pode o Tribunal ignorar o novo regime legal e imperativo fixado através da norma transitória do n.º 1 do art. 16.º da Portaria n.º 1324-A/2010, de 29/12, em concretização das alterações legislativas entretanto operadas, e condenar o R. a pagar à A. qualquer importância que não corresponda àquela a que, por aplicação da referida norma, a A. tinha direito, já que foi vontade expressa do legislador, pelos motivos acima expostos, aplicar aos contratos em execução a fórmula de cálculo da contrapartida financeira prevista naquela mesma norma transitória», pelo que «e resultando também de tudo quanto acima se referiu a respeito da imperatividade da alteração contratual, o R. não deve fazer depender o pagamento e a entrega dos montantes previstos na adenda ao contrato da respetiva concordância expressa da A., por via da subscrição de tal documento contratual, pelo que se tornará definitiva a regulação provisoriamente definida no processo cautelar apenso, devendo o R. pagar à A. a quantia correspondente às mensalidades relativas aos meses de janeiro a abril de 2011, relativamente ao montante de € 1.330.714,29 calculado nos termos do n.º 1 do art. 16.º da Portaria n.º 1324-A/2010, para o período de 01/01/2011 a 31/08/2011, bem como as mensalidades seguintes, até ao dia 25 de cada mês, até ao final da vigência do contrato de associação para o ano letivo de 2010/2011, que se encontra já entregue em resultado da execução da decisão cautelar, valor a que acrescerão juros de mora, calculados à taxa legalmente prevista para as obrigações civis, desde a data em que se deveriam ter realizado as prestações mensais e até integral pagamento», juízo este que foi integralmente confirmado pelo TCA/N no acórdão recorrido.

8. A A., ora recorrente, insurge-se contra este juízo, acometendo-o de erro de julgamento por incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo e principiológico atrás enunciado.

9. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar, «preliminar» e «sumariamente», se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA quanto ao recurso de revista.

10. E passando a essa análise refira-se que não se mostra convincente, nem persuasiva, a motivação/argumentação expendida pela A., aqui recorrente, não se descortinando, nem é possível ver no material em discussão, matéria de importância fundamental seja do ponto de vista jurídico seja do ponto de vista social, nem a necessidade de melhor aplicação do direito.

11. Com efeito, presente a jurisprudência firmada por este Supremo quanto à matéria objeto de discussão [cfr. para além dos acórdãos acima referidos ainda o acórdão de 09.02.2018 (Proc. n.º 01002/16)] e vista a motivação expendida na minuta recursiva da A., que, na essência, não aporta argumentação, nem novidade, que abale aquela jurisprudência, temos que a importância jurídica e social fundamental havidas, ante a complexidade com que se mostravam/mostram enunciadas as questões e sua ressonância, se apresenta ora esbatida e inteiramente ultrapassada e pacificada, tanto mais que dilucidada e sem que haja relato de jurisprudência divergente ou dissonante nos tribunais administrativos, na certeza de que in casu as instâncias emitiram pronúncias em inteira consonância com o entendimento firmado por este Tribunal.

12. Por outro lado, a necessidade de admissão do recurso de revista estribada na melhor aplicação do direito carece e exige que aquela necessidade seja clara, por se surpreenderem na decisão impugnada a rever erros lógicos em pontos cruciais do raciocínio, desvios manifestos aos e dos padrões estabelecidos de hermenêutica jurídica ou indícios de violação de princípios fundamentais, de tal modo que seja evidente a necessidade de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição, razão pela qual não bastará, nessa medida, a plausibilidade de erro do julgamento ou o carácter pouco convincente da fundamentação da decisão recorrida.

13. Ora, não se vislumbra que sejam denunciados erros daquela espécie ou grau, porquanto também aqui a alegação expendida pela A./recorrente não se mostra persuasiva, tudo apontando, presentes os contornos do caso sub specie e daquilo que foram os fundamentos em que a pretensão se mostra estribada e as questões suscitadas, no sentido de que o tribunal de recurso decidiu com acerto, tanto mais que, como já afirmado, a solução alcançada está em inteira consonância com a jurisprudência produzida, não evidenciando erro grosseiro ou manifesto, e em decorrência a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal, num sistema em que a redução a dois graus de jurisdição é a regra.

14. E entendemos também não se justificar a intervenção deste Supremo Tribunal quanto às questões de constitucionalidade, porquanto a problemática jurídica que, em essência, se mostra suscitada diz respeito a questão sobre a qual a sua intervenção não pode assegurar as finalidades inerentes à razão de ser do recurso excecional de revista, isto é, de, em termos finais, decidir litígios e/ou orientar e definir interpretações para futuras decisões de casos semelhantes no âmbito daquilo que constituem as matérias da sua competência especializada, tanto mais que em sede do controlo da constitucionalidade das normas e das interpretações normativas feitas a última palavra caberá ou mostra-se acometida ao Tribunal Constitucional [TC].

15. Com efeito, afigura-se-nos que para se lograr aceder ao TC e obter tutela em sede do controlo de questão de conformidade constitucional de normas não resulta como exigida, ou sequer como imposta, a necessidade de emissão de uma pronúncia sobre a questão por parte deste Supremo Tribunal no quadro do recurso de revista excecional tal como se mostra delimitado e gizado no art. 150.º do CPTA, tanto mais que um tal entendimento redundaria ou implicaria que, uma vez suscitada uma questão de constitucionalidade, houvesse lugar à necessária e imediata admissão do recurso de revista, ao arrepio daquilo que constituem as finalidades e âmbito do mesmo e dos critérios definidos.

16. Reiterando-se aqui o entendimento supra enunciado, o qual, aliás, faz aplicação à situação de posicionamento sucessivamente afirmado por esta Formação de Admissão quanto ao âmbito das questões objeto do recurso de revista quando, no essencial, este se cinge a questões de constitucionalidade [cfr., entre outros, os Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 09.09.2015 - Proc. n.º 0881/15, de 03.12.2015 - 01544/15, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0185/17, de 05.04.2017 - Proc. n.º 0352/17, de 11.01.2018 - Proc. n.º 01419/17, de 10.05.2019 - Proc. n.º 0445/15.1BEBRG, e nos mais recentes, os Acs. de 04.02.2021 - Procs. n.ºs 0549/13.5BEAVR, 0822/09.7BECBR e 02605/14.3BESNT, de 18.02.2021 - Procs. n.ºs 01382/20.3BELSB, 0804/17.5BEPRT, de 11.03.2021 - Proc. n.º 1240/19.4BEPNF-S1, de 22.04.2021 - Proc. n.º 1182/08.9BESNT, 13.05.2021 - Proc. n.º 02045/19.8BEPRT e 01703/17.6BELSB-R1, de 24.06.2021 - Proc. n.º 01703/17.6BELSB-S1, de 13.07.2021 - Procs. n.ºs 020024/16.5BCLSB e 0387/14.8BEALM, de 07.10.2021 - Proc. n.º 0288/21.3BEBRG, de 18.11.2021 - Proc. n.º 0434/20.4BEPRT-S1, de 25.11.2021 - Procs. n.ºs 434/20.4BEPRT-S1, 0579/20.0BEALM e 02244/18.0BEPRT, de 09.12.2021 - Procs. n.ºs 425/11.6BESNT e 842/21.3BELSB ].

17. Daí que, não se colocando questão de relevância jurídica e social fundamental, nem nos deparamos ante uma apreciação feita pelo tribunal a quo que claramente reclame a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição para melhor aplicação do direito, não se justifica in casu a quebra da regra da excecionalidade supra enunciada e a admissão da presente revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo da A./recorrente.
D.N..
Lisboa, 16 de dezembro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.