Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01404/14
Data do Acordão:06/03/2015
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
TRIBUNAL COMPETENTE
RECLAMAÇÃO DE ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:Sendo a reclamação prevista no art. 276º do CPPT meio processual exclusivo do contencioso tributário, nesse âmbito, a competência para dela conhecer caberá, em princípio, aos Tribunais Tributários.
Nº Convencional:JSTA00069237
Nº do Documento:SAP2015060301404
Data de Entrada:11/28/2014
Recorrente:A............
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:TT LEIRIA - TAC LEIRIA
Decisão:DECL COMPETENTE TT LEIRIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONFLITO COMPETENCIA
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276.
CPTA02 ART46.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0862/11 DE 2012/05/09.; AC STAPLENO PROC01771/13 DE 2014/01/29.; AC STAPLENO PROC0621/14 DE 2014/09/10.; AC STAPLENO PROC0873/14 DE 2014/10/15.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIV 6ED PAG270.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………, com os demais sinais do autos, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (Tribunal Tributário), reclamação contra a decisão proferida em 26/02/2014 pelo Órgão de Execução Fiscal (OEF) na parte em que considerou não reembolsáveis as despesas por si realizadas e relativas a imóvel cuja venda em processo de execução fiscal foi anulada, no valor de 10,459,16 €.

1.2. Ali alegando, em síntese que:
- Por despacho proferido em 26/02/2014 pelo Órgão de Execução Fiscal, atenta a anulação da venda efectuada, foi decidido o reembolso das despesas com tributos, escritos, registos e do preço.
- Quanto às demais despesas, foram consideradas não reembolsáveis.
- Só realizou as despesas no valor de 10.459,16 €, cujo reembolso o órgão de execução fiscal nega, porquanto adquiriu o imóvel em venda realizada em processo de execução fiscal, sempre pensando ser o seu legítimo proprietário.
- Não contribuiu para a anulação da venda.
- O órgão de execução fiscal não se pronunciou quanto aos juros moratórios que se venceram sobre os montantes devidos, razão pela qual o despacho é nulo por omissão.
- Apenas pretende que a sua situação económica seja a mesma que seria caso não tivesse adquirido o imóvel, cuja venda foi anulada.
- Pede a restituição do valor de 10.459,16 € acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data em que ficou desembolsado dessas quantias e até efectivo e integral pagamento e ainda que sobre as quantias cuja devolução foi autorizada acresçam os respectivos juros moratórios calculados desde a data em que desembolsou esses montantes.

1.3. Por despacho de 31/07/2014, o Mmo. Juiz declarou a incompetência material do Tribunal Tributário, por entender que, considerando o teor da petição da reclamação, não existe “nenhuma questão fiscal a dirimir, ou que implique a interpretação e aplicação de normas fiscais, impondo-se apenas aplicar as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual do Estado”, sendo, por isso, o Tribunal Administrativo o competente para conhecer do mérito da acção, para a qual, aliás, ordenou a remessa do processo.
Transitada em julgado esta decisão e remetidos os autos ao Tribunal Administrativo, a Mma. Juíza a quem foram distribuídos, igualmente declarou, por despacho de 20/09/2014, a respectiva incompetência material por considerar, em síntese, que “a relação jurídica que é causa da acção de indemnização é uma relação jurídica tributária, estando em causa discutir se ocorreram ilicitudes no processo de execução fiscal que motivou a anulação daquela venda”, concluindo, assim, que “cabendo a competência jurisdicional para apreciar e decidir o litígio em presença à Jurisdição Administrativa e Fiscal, essa competência radica, (…), no Tribunal Tributário, o que determina a incompetência absoluta do (...) Tribunal Administrativo para julgar o litígio em presença”.
E, no seguimento, a Mma. Juíza deste Tribunal suscitou oficiosamente a resolução do respectivo conflito negativo de jurisdição.

1.4. Subidos os autos, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emite Parecer nos termos seguintes:
«Vem suscitada nos autos a resolução do conflito de jurisdição entre as secções do contencioso tributário e do contencioso administrativo do TAF de Leiria.
1. Da Competência
A competência para conhecer desse conflito cabe ao Plenário deste Supremo Tribunal, nos termos do disposto no art. 29.º do ETAF.
II. Do Conflito
Vê-se dos autos que A………… reclamou, ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, do despacho do OEF de 26.02.2014, na parte em que indeferiu o reembolso de despesas relativas a imóvel cuja venda veio a ser anulada.
A secção tributária do TAF de Leiria declinou a sua competência, em razão da matéria, para conhecer do objecto do processo e, ordenada a remessa dos autos à secção do contencioso administrativo do mesmo tribunal, também este declinou a sua competência, em razão da matéria, para conhecer do objecto da acção.
Argumenta-se, no primeiro caso, considerando o teor da petição da reclamação, inexistir “questão fiscal a dirimir, ou que implique a interpretação e aplicação de normas fiscais, impondo-se apenas aplicar as normas relativas à responsabilidade extracontratual do Estado” sendo, por isso, os tribunais administrativos os competentes para conhecer do mérito da acção.
Argumenta-se, por seu turno, no segundo caso, que “a relação jurídica que é causa da indemnização é uma relação jurídico-tributária, estando em causa discutir se ocorreram ilicitudes no processo de execução fiscal que motivou a anulação daquela venda” para se concluir que “cabendo a competência jurisdicional para apreciar e decidir o litígio em presença à Jurisdição Administrativa e Fiscal, essa competência radica, (…), no Tribunal Tributário, o que determina a incompetência absoluta do (...) Tribunal Administrativo para julgar o litígio em presença”.
É inquestionável que a Reclamação a que alude o art. 276.º do CPPT é um meio processual exclusivo do contencioso tributário e, nesse âmbito, a competência para conhecer do litígio sempre caberia aos tribunais do contencioso tributário.
Porém, a questão do meio processual utilizado não é o elemento que releva para a determinação da competência em razão da matéria, até porque pode nem ser o meio próprio para obter o efeito pretendido pelo autor. O que releva é a matéria em causa e, no caso em apreço, do que se trata é de efectivar a responsabilidade civil extracontratual por danos emergentes da actuação de um órgão da administração tributária, no âmbito de um processo de execução fiscal.
A questão não é líquida, existindo recente jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria, concretamente os doutos Acórdãos do Plenário de 09.05.2012 e de 29.01.2014, proferidos nos Procs. 0862/11 e 01771/13, respectivamente, que se pronunciaram, embora com vários votos de vencido, no sentido da competência dos tribunais das secções do contencioso administrativo para conhecerem do mérito da acção, por considerarem inexistir, em casos como aquele que nos ocupa, “questão fiscal a dirimir, ou que implique a interpretação a aplicação de normas fiscais, impondo-se apenas aplicar as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual de Estado”
Contudo, sem embargo de melhor estudo da questão, tendo no momento presente a perfilhar o entendimento vertido no voto de vencido da Exm.ª Cons. Dulce Neto, lavrado no acima mencionado Acórdão de 09.05.2012 e, nessa conformidade, a emitir parecer no sentido da competência dos tribunais tributários para o conhecimento da presente acção, no caso da secção do contencioso tributário do TAF de Leiria.»

1.5. Com prévia distribuição de projecto de acórdão e de cópia das principais peças do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

FUNDAMENTOS
2.1. Como se vê dos termos dos autos, tendo sido determinada, por despacho de 25/11/2010 do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria-2, a venda do prédio questionado e tendo este sido adjudicado ao reclamante A…………, tal venda veio a ser anulada no seguimento de decisão judicial proferida em 18/10/2013 no respectivo processo (incidente de anulação de venda, deduzido pelo Banco ………).
No seguimento da anulação da venda aquele (reclamante) requereu ao OEF (Serviço de Finanças de Leiria-2), em 28/11/2013, o reembolso do preço pago pela aquisição do imóvel, (Esta pretensão fora já formulada anteriormente, em 15/11/2013, no proc. 1281/12.2BELRA (outros incidentes da Execução Fiscal) que correu termos na 2ª UO do TAF de Leiria, mas, alegadamente, por despacho de 21/11/2013, o Tribunal decidiu que não podia pronunciar-se quanto ao requerido.) bem como das despesas referentes a valores que alegadamente também já despendera por causa do imóvel (imposto de selo, IMT, IMI de 2011 e de 2012, montantes pagos relativos à celebração de escritura pública, à caderneta predial, à certidão predial, ao registo do imóvel) e, ainda, de outras despesas relacionadas tais como as relativas à concessão de empréstimo bancário para a aquisição do imóvel (despesas de avaliação, imposto de selo, juros referentes ao pagamento da 1ª à 30ª prestações de crédito obtido, imposto de selo referente aos juros dessas prestações pagas) e outras (certificação energética do imóvel, e várias obras realizadas no imóvel devido à sua degradação).
Por despacho do OEF proferido em 26/2/2014, o pedido de reembolso foi deferido apenas na parte relativa às despesas inerentes ao negócio anulado (preço, tributos, escritos e registo), com fundamentação em que as demais despesas, computadas em 10.459,16 Euros, «não são reembolsáveis».
E na medida do indeferimento o reclamante deduziu, então, reclamação desse despacho, ao abrigo do disposto no art. 276º do CPPT (reclamação de actos praticados pelo órgão de execução fiscal).

2.2. Perante esta sequência de tramitação, avulta, desde logo, uma questão que importa previamente considerar: é que, se estamos perante uma reclamação deduzida nos termos do art. 276º do CPPT, haverá, então, que ponderar em primeiro lugar as consequências que daí resultam em termos da competência material para a apreciar, sendo inquestionável que esta reclamação (art. 276º do CPPT) é meio processual exclusivo do contencioso tributário e, nesse âmbito, a competência para conhecer do litígio caberá, em princípio, aos Tribunais Tributários.
E sendo certo que a questão do meio processual utilizado não é o elemento que releva para a determinação da competência em razão da matéria, relevando, antes, a própria matéria em causa, no caso, atendendo ao pedido e à causa de pedir não pode deixar de atentar-se em que o que reclamante pretende é a anulação do acto/despacho reclamado, na parte em que lhe negou o pagamento/reembolso de determinadas despesas (no montante de 10.459,16 Euros) alegadamente realizadas e relativas a imóvel cuja venda em processo de execução fiscal foi anulada (o despacho reclamado deferira o pedido do reclamante, mas apenas quanto às despesas relacionadas com o preço, os tributos pagos, as escrituras e o registo), quer porque entende que o pagamento das ditas despesas também lhe é devido e estas são, portanto, reembolsáveis, quer porque entende que o OEF não se pronunciou quanto aos juros moratórios que se venceram sobre os montantes que acabaram por lhe ser pagos, razão pela qual o despacho também é, na sua óptica, nulo por omissão.
Ora, sendo reconhecido um «direito global de os particulares solicitarem a intervenção do juiz no processo, através da reclamação prevista no art. 276º do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária, que tenham potencialidade lesiva» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 4A) ao art. 276º, p. 270.) há-de concluir-se que, no caso, perante o teor do dito acto e perante o pedido e a causa de pedir acima especificados, estamos ainda em face de questão de natureza tributária e a apelar à aplicação de normas do direito tributário.
Daí que também não se verifique, no caso concreto, a problemática em que assenta a jurisprudência constante dos acórdãos deste mesmo Plenário, de 9/5/2012, no processo nº 0862/11, de 29/1/2014, no processo nº 01771/13, de 10/9/2014, no processo nº 0621/14 e de 15/10/2014, no processo nº 0873/14.
E não obstante na decisão proferida pelo TTributário se haver entendido que, atendendo ao teor da petição da reclamação, não existe “nenhuma questão fiscal a dirimir, ou que implique a interpretação e aplicação de normas fiscais, impondo-se apenas aplicar as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual do Estado», ou seja, se haver entendido que o objecto da reclamação se reconduz a pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil extracontratual do Estado, que radica e se consubstancia nos danos sofridos pelo autor (correspondentes às despesas que a AT entendeu não reembolsáveis), sendo adequada a forma processual da acção administrativa especial (art. 46º do CPTA), tal entendimento não releva para a decisão da questão da competência e, portanto, para a presente decisão. Como igualmente não releva a circunstância de o Tribunal Administrativo não ter questionado a implícita «convolação» para aquela forma processual.
Em suma, a controvérsia que se nos apresenta emerge, única e directamente, de uma relação jurídica tributária e também as normas que o terão de resolver são normas de direito tributário.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em anular a decisão que declarou a incompetência do Tribunal Tributário (TAF de Leiria) e em resolver o presente conflito no sentido de atribuir a esse mesmo Tribunal a competência material para conhecer a presente acção.
Sem custas
Lisboa, 3 de Junho de 2015. - Joaquim Casimiro Gonçalves(relator) - Isabel Cristina Mota Marques da SilvaJosé da Ascensão Nunes Lopes- Dulce Manuel da Conceição NetoAlberto Augusto Andrade de OliveiraVítor Manuel Gonçalves GomesAlberto Acácio de Sá Costa ReisJorge Artur Madeira dos Santos.