Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0832/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I – Se as conclusões apresentadas pelo recorrente em sede de recurso jurisdicional não reflectirem os fundamentos descritos nas alegações, impõe-se o convite ao recorrente para formular novas alegações, nos termos dos arts. 685.º-A, n.º 3, do CPC e 282.º, n.º 6, do CPPT.

II – A infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo ainda o tribunal, na decisão que declare a incompetência, indicar o tribunal que considera competente (cf. arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e 13.º do CPTA).

III – Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, no art. 280.º, n.º 1, do CPPT).

IV – Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões: se, em face destas, se verifica que as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.

V – Quando nas conclusões se invocam factos que não foram dados como assentes pela decisão recorrida e dos quais se pretendem extrair consequências jurídicas, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito.

Nº Convencional:JSTA00067908
Nº do Documento:SA2201211070832
Data de Entrada:07/17/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF PENAFIEL
Decisão:INCOMPETÊNCIA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO
Legislação Nacional:DL 34/2004 DE 2004/07/29 ART24 N4 N5 B.
CPPTRIB99 ART280 N1.
ETAF02 ART26 B ART38 A.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A…… (adiante Executado, Oponente ou Recorrente) deduziu oposição à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade, reverteu contra ele por o órgão da execução fiscal o ter considerado responsável subsidiário pela dívida exequenda.
1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel rejeitou liminarmente a oposição por considerar que foi deduzida fora de prazo.
1.3 O Oponente interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
1.4 O Recorrente apresentou as alegações e formulou conclusão do seguinte teor:
«Do supra exposto, resulta evidente que não pode ser aplicável uma disposição legal cuja epígrafe ou título remete para “Notificações às partes que não constituam mandatário”, quando ao recorrente ainda não tinha sido dada a oportunidade de escolher constituir, ou não, mandatário, pelo que, dúvidas não restam que o prazo para deduzir a oposição foi manifestamente cumprido, devendo, a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, ser admitida a oposição por tempestiva, seguindo-se os demais termos até final».
1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.6 Por acórdão, o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, indicando como competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual o processo foi enviado a pedido do Recorrente.
1.7 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido de que este Supremo Tribunal Administrativo se declare incompetente em razão da hierarquia e de que a competência para conhecer do recurso é do Tribunal Central Administrativo Norte, com a seguinte fundamentação:
«1. Na fundamentação da decisão recorrida afirma-se que o oponente se presume notificado da sentença judicial que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento de pedido de apoio judiciário em 30.05.2011, em consequência da expedição de carta registada em 26.05.2011 (probatório al. E) e fls.154)
Esta afirmação tem substrato fáctico, integrante do conceito jurídico de notificação, significando que o oponente tomou conhecimento do teor da sentença judicial em 30.05.2011 (art. 35.º n.º 1 CPPT).
Embora sem expressão nas conclusões, o recorrente contraria no texto das alegações esta proposição fáctica, invocando que apenas em 7.06.2011, na data do levantamento da citada carta registada, tomou conhecimento do conteúdo da sentença (fls. 166); desta alegação pretende extrair consequência jurídica no sentido da tempestividade da dedução da oposição (art. 24.º n.º 4 Lei n.º 34/2004, 29 Julho, redacção da Lei n.º 47/2007, 28 Agosto)
A data do conhecimento do facto controvertido, susceptível de comprovação por prova documental, não corresponde a qualquer acto ou ocorrência processual susceptível de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso.
Neste contexto o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito sendo o STA-SCT incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Norte- SCT (arts. 26.º al. b) e 38.º al. a) ETAF 2002; art 280.º nº 1 CPPT)
2. O interessado poderá requerer, oportunamente, o envio do processo para o tribunal declarado competente (art. 18.º n.º 2 CPPT).
O Ministério Público tem legitimidade para a suscitação da incompetência absoluta do tribunal em processo judicial tributário (art. 16.º n.º 2 CPPT).
A competência dos tribunais da jurisdição fiscal é de ordem pública; o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º CPTA/ art. 2.º al. c) CPPT)».
1.8 Prescindiu-se da notificação do parecer do Ministério Público às partes, uma vez que já haviam sido notificadas pelo Tribunal Central Administrativo Norte para se pronunciarem sobre a questão da competência em razão da hierarquia (cfr. despacho da Juíza Desembargadora relatora a fls. 178 e processado ulterior).
1.9 Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Juiz Conselheiro relator, ao abrigo do poder dever previsto no n.º 3 do art. 685.º-A e no art. 700.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Civil (CPC), convidou o Recorrente a completar as conclusões.
1.10 O Recorrente, anuindo ao convite, veio completar as conclusões nos seguintes termos:
«1º - Conforme alegado, o Mº juiz [do tribunal] “a quo” dá como provado que o recorrente foi notificado da não atribuição do apoio judiciário, por carta registada em 26/05/2011.
2.º - Ora, conforme documento junto aos autos como documento nº 1, demonstrado fica que o recorrente só foi notificado da decisão no dia 07/06/2012.
3.º - Como se disse, o Mº juiz funda a sua decisão no entendimento (seu) de que se aplica o disposto nos artºs 254.º e 255.º do CPCivil, quando, na verdade a epígrafe do art. 255.º do CPC é: “Notificações às partes que não constituam mandatário”, ou seja, que não constituíram, mas que podiam ter constituído. O que não é o caso,
4.º - Pois, a decisão de indeferimento do apoio judiciário foi-lhe notificada no dia 07/06/2011, pelo que só a partir desta data é que toma conhecimento que tem que constituir mandatário a expensas suas.
5.º - Por outro lado, o prazo interrompido era o prazo da citação, pelo que, é o prazo da citação que tem de ser retomado, aplicando-se, para a contagem do prazo de oposição as disposições respeitantes à citação, nomeadamente o disposto no art. 238.º do Código de Processo Civil, ou seja, a “notificação” deverá considerar-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção, o dia 07/06/2011.
6.º - Por último, sempre se dirá que a tal prazo deverá acrescer a dilação de cinco dias porque provém do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e a residência do recorrente situa-se na freguesia de …., concelho e comarca de Valongo.
7.º - Pelo exposto, verifica-se que foram violados os artigos 238.º, n.º 1 e 252.º-A, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.
Devendo a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, ser admitida a oposição deduzida, por tempestiva, seguindo-se os demais termos até final».
1.11 Foi dada vista aos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.12 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber:
· se este Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso; na afirmativa,
· se o Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento ao considerar precludido o direito de deduzir oposição à execução fiscal, o que passa por indagar
– em que data se pode considerar notificado o ora Recorrente da sentença que indeferiu o recurso judicial da decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário;
– se o disposto no art. 255.º do CPC é aplicável à notificação dessa sentença;
– se há que aplicar ao prazo de oposição a dilação prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como provados os seguintes factos:
«
A) O oponente foi pessoalmente citado na sua própria pessoa, por termo de citação assinado por si em 25/1/2010 (fls. 42).
B) Em 23/1/2010 [É manifesto o lapso de escrita: escreveu-se 23/1/2010 onde se queria escrever 23/2/2010.] requereu o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono (fls 3 a 7).
C) Em 24/2/2010 juntou o pedido de apoio judiciário ao processo de execução fiscal (fls. 3).
D) Por sentença de 20/5/2011, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel foi julgado improcedente o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário (fls. 109 e seguintes do apenso).
E) O oponente foi notificado da sentença referida em D), por carta registada em 26/5/2011, quinta-feira (fls. 114 do apenso).
F) Esta carta registada não foi devolvida (apenso).
G) Em 7/7/2011, o oponente por suporte informático dirigido para o “s565dgcLmin.financas.pt” remeteu uma petição inicial de oposição para o PEF n.º 2565-2007/01043102 e apensos (fls. 20 e seguintes).
H) Em 11/712011, o oponente por suporte informático dirigido para o “Serv. Fin.Valongo 2 (Ermesinde)” remeteu uma petição inicial de oposição para o PEF n.º 2565-2007/01043102 e apensos (fls. 8 e seguintes).
I) Na petição inicial não foi invocado qualquer justo impedimento (fls. 8 a 22)»
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A presente oposição à execução fiscal foi rejeitada liminarmente porque o Juiz considerou que a petição inicial foi apresentada para além do termo do prazo legal para o efeito, com a fundamentação que, em síntese, passamos a expor:
· o Executado (ora Recorrente) foi citado pessoalmente em 25 de Janeiro de 2010, data em que assinou o termo da citação, sendo que nessa data se iniciou o prazo para, querendo, deduzir oposição, como resulta do art. 203.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT);
· em 23 de Fevereiro de 2010, o Executado pediu o apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono;
· no dia seguinte – 24 de Fevereiro de 2010 – apresentou na execução fiscal documento comprovativo desse pedido, pelo que o prazo para deduzir oposição se interrompeu, nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto);
· o prazo reiniciou-se com a notificação ao ora Recorrente de que foi julgado improcedente o recurso judicial da decisão administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário, como resulta do disposto na alínea b) do n.º 5 do art. 24.º da Lei n.º 34/2004;
· a sentença que decidiu esse recurso judicial foi notificada ao ora Recorrente por carta registada em 26 de Maio de 2011, que foi uma quinta-feira, pelo que a notificação se presume feita no dia 30 do mesmo mês, atento o disposto nos arts. 254.º e 255.º do CPC;
· porque a petição inicial apenas deu entrada em 7 de Julho de 2011, conclui-se que o foi para além do prazo de 30 dias fixado pelo art. 203.º, n.º 1, do CPPT, ainda que acrescido dos três dias previstos no art. 145.º do CPC, motivo por que, na ausência da invocação de justo impedimento.
Inconformado com a rejeição liminar da petição inicial, o Oponente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, que, em face da única conclusão formulada no recurso – e que se refere à inaplicabilidade do disposto no art. 255.º do CPC à situação sub judice (cfr. a transcrição dessa conclusão no ponto 1.4) –, julgou verificada a incompetência em razão da hierarquia para conhecer do recurso. Para tanto e em síntese, considerou que, sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões das alegações, como decorre do disposto nos arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n. º 1, do CPC, em face da única conclusão formulada se verificava que a única questão suscitada era de direito; assim, atento o disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso é do Supremo Tribunal Administrativo.
Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, mediante requerimento do Recorrente, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a competência em razão da hierarquia para conhecer do recurso é do Tribunal Central Administrativo Norte. Isto, porque considera que nas alegações de recurso é suscitada questão de facto, qual seja a da data em que o ora Recorrente tomou conhecimento da sentença judicial, que o Recorrente pretende que foi apenas em 7 de Junho de 2011, quando levantou a carta que lhe foi remetida para notificação, sendo que dessa alegação intenta extrair consequência jurídica no sentido da tempestividade da dedução da oposição.
Assim, cumpre, antes do mais, ajuizar da competência, questão que é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra (cfr. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro). Cumpre, designadamente aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, designadamente, como no caso sub judice, pelo Ministério Público (cfr. art. 16.º do CPPT).
*
2.2.2 DA COMPETÊNCIA DESTE STA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
2.2.2.1 Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» (art. 38.º, alínea a), do ETAF).
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (Vide, entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 738/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2052/2057, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faa144134d6efbf5802576a30041135b?OpenDocument;
– de 21 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 189/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 670/674, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8445188eb602055b80257711005292ba?OpenDocument.).
2.2.2.2 Foi isso que fez o Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão por que se julgou incompetente em razão da hierarquia: perante a única conclusão de recurso formulada pelo Recorrente, e porque considerou que aí se suscitava unicamente uma questão de direito, declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso.
No entanto, como resulta do cotejo das alegações de recurso com a única conclusão formulada pelo Recorrente (cfr. 1.4) e bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. 1.7), esta não sintetiza a totalidade dos fundamentos de recurso que foram invocados. Designadamente, nela não encontramos referência alguma à questão suscitada nas alegações relativamente à discordância quanto à data que, em concreto (Em abstracto, o Recorrente aceitou, por falta de ataque, a tese subscrita na decisão recorrida, de que o dies a quo do prazo deve situar-se na data em que foi notificado da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento de pedido de apoio judiciário.), deve constituir o termo inicial do prazo para deduzir oposição. Enquanto o despacho recorrido situou essa data em 30 de Maio de 2011, por força da expedição em 26 de Maio de 2011 da carta para notificação da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento de pedido de apoio judiciário e em face da presunção resultante do n.º 3 do art. 254.º do CPC, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 255.º do mesmo Código, o Recorrente situa-a em 7 de Junho de 2011, sustentando que só pode considerar-se notificado na data em que tomou efectivo conhecimento dessa sentença, ou seja, em 7 de Junho de 2011, dia em que levantou na estação dos correios a carta registada que lhe foi remetida para notificá-lo daquela sentença. Para comprovar esse facto, o Recorrente, inclusive, juntou um documento com as alegações de recurso.
Ora, no que respeita a esta questão, suscitada nas alegações do recurso, não encontramos referência alguma naquela única conclusão inicialmente formulada pelo Recorrente.
Por isso, quando os autos foram recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Juiz Conselheiro relator entendeu dever convidar o Recorrente a completar as conclusões, de modo a permitir-lhe fazer reflectir nas conclusões todas as questões suscitadas nas alegações. É a solução imposta expressamente pelo n.º 6 do art. 282.º do CPPT (Diz o art. 282.º do CPPT no seu n.º 6: «Se as conclusões apresentadas pelo recorrente não reflectirem os fundamentos descritos nas alegações, deverá o recorrente ser convidado para apresentar novas conclusões».) e pelo n.º 3 do art. 685.º-A do CPC (Diz o n.º 3 do art. 685.º-A do CPC: «Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada».), dando concretização ao princípio «favorabilia amplianda; odiosa restringenda».
Note-se que este convite para completar as conclusões não é sequer uma mera faculdade que a lei conceda ao juiz, para este usar, ou não, de acordo com o seu prudente arbítrio; é, isso sim, um dever que a lei faz impender sobre o juiz quando verifique que aquelas não reflectem os fundamentos descritos nas alegações. É, pois, um verdadeiro poder-dever.
É certo que o n.º 3 do art. 684.º (O art. 684.º, n.º 3, do CPC, diz: «Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso».) do CPC permite que o recorrente, nas conclusões das alegações, restrinja, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso. Mas, como adverte JORGE LOPES DE SOUSA, «é claro que se nas alegações forem invocados fundamentos de recurso não levados às conclusões, não se poderá concluir, desde logo, por uma limitação tácita do objecto do recurso, afastando do seu âmbito as questões omitidas nas conclusões, sendo obrigatório formular um convite ao recorrente para apresentar novas conclusões.
Só se, na sequência do convite, não forem apresentadas novas conclusões ou forem apresentadas outras com omissão das questões abordadas nas alegações é que se deve concluir pela existência de tal limitação» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 20 ao art. 282.º, págs. 451-452.).
O Recorrente anuiu ao convite que lhe foi endereçado para completar as conclusões e, das novas conclusões – que acima (em 1.10) ficaram transcritas e que delimitam os respectivos âmbito e objecto (cf. art. 684.º, n.º 3, do CPC) – resulta que põe em causa a decisão que julgou intempestiva a oposição por ele deduzida à execução fiscal porque, contrariamente ao que considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, entende que o prazo para a oposição à execução fiscal – que aceita dever situar-se na data em que foi notificado da sentença que indeferiu o recurso da decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário – se iniciou apenas quando tomou efectivo conhecimento dessa sentença.
Assim, o Recorrente, no que ora nos interessa em ordem a averiguar da competência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia, alegou que apenas tomou conhecimento da referida sentença em 7 de Junho de 2011, data em que assinou o aviso respeitante à carta para notificação (cfr. conclusões 2, 4 e 5).
Ou seja, o Recorrente, em ordem a demonstrar a tempestividade da oposição à execução fiscal, alegou que só pode ter-se por notificado daquela sentença em 7 de Junho de 2011, data em que assinou o levantamento da correspondência que lhe foi remetida para notificá-lo.
Note-se que, para efeito de decidir da competência do tribunal não interessa sequer apurar da relevância desse facto para decidir a questão jurídica controvertida, pois esta questão incumbe exclusivamente ao tribunal que vier a ser declarado competente. Na verdade, «[s]aber o que vai ser objecto da decisão do tribunal e o que terá ou não relevo para chegar a ela é matéria sobre a qual cabe ao tribunal competente para o julgamento pronunciar-se e, por isso, não pode essa mesma matéria ser utilizada para decidir a questão prévia da competência» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 10 ao art. 16.º, pág. 224.).
Assim, porque o Recorrente alega factualidade que a sentença não deu como provada e da qual pretende extrair relevante consequência jurídica, qual seja a data em que tomou efectivo conhecimento da sentença que indeferiu o recurso judicial da decisão administrativa que lhe denegou a concessão do apoio judiciário, existe controvérsia factual a dirimir, donde resulta que a matéria controvertida neste recurso não se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
Nesta perspectiva, o presente recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito, como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, motivo por que a competência em razão da hierarquia para dele conhecer pertence, não a este Supremo Tribunal Administrativo, mas ao Tribunal Central Administrativo Norte, como se decidirá a final e ao qual serão remetidos os autos, pois foi a esse Tribunal que o Recorrente endereçou o recurso.
Note-se, finalmente, que nos casos como o presente, de existência de decisões divergentes sobre a questão da competência, prevalece a do tribunal superior, por força do disposto no art. 5.º, n.º 2, do ETAF (O art. 5.º, n.º 2, do ETAF, diz: «Existindo, no mesmo processo, decisões divergentes sobre questão de competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior».).
*
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Se as conclusões apresentadas pelo recorrente em sede de recurso jurisdicional não reflectirem os fundamentos descritos nas alegações, impõe-se o convite ao recorrente para formular novas alegações, nos termos dos arts. 685.º-A, n.º 3, do CPC e 282.º, n.º 6, do CPPT.
II - A infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma questão que o tribunal deve conhecer, oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo ainda o tribunal, na decisão que declare a incompetência, indicar o tribunal que considera competente (cf. arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 3, do CPPT e 13.º do CPTA).
III - Em regra, a competência em razão da hierarquia para conhecer recurso jurisdicional de decisão de tribunal tributário de 1.ª instância cabe aos tribunais centrais administrativos, dado que o Supremo Tribunal Administrativo apenas goza dessa competência quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito (arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, no art. 280.º, n.º 1, do CPPT).
IV - Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões: se, em face destas, se verifica que as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto.
V - Quando nas conclusões se invocam factos que não foram dados como assentes pela decisão recorrida e dos quais se pretendem extrair consequências jurídicas, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de direito.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, declarar incompetente este Supremo Tribunal para conhecer do presente recurso e declarar que a competência para o efeito é do Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário).
Sem custas.
Após o trânsito em julgado, remeta os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, a quem o Recorrente endereçou o recurso.
Lisboa, 7 de Novembro de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.