Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0626/14
Data do Acordão:02/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:REDUÇÃO REMUNERATÓRIA
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
Sumário:O critério utilizado no n.º 9 do artigo 19.º do LOE/2011 (para o qual remete o art. 21.º do LOE/2012) para efeitos da sua aplicação (isto é, para definir os respectivos destinatários) foi o das entidades visadas e não tanto o dos respectivos trabalhadores, nem sequer o da natureza da relação jurídica laboral desses trabalhadores.
Nº Convencional:JSTA00070038
Nº do Documento:SA1201702160626
Data de Entrada:09/01/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM COMUM
Legislação Nacional:L 64-B/2011 DE 2011/12/30 ART21
L 55-A/2010 DE 2010/12/31 ART19
DL 235/2008 DE 2008/12/03 ART2
DL 67/2013 DE 2013/09/28 ART32 N1
L 48/2011 DE 2011/08/26
L 60-A/2011 DE 2011/11/30
L 12-A/2008 DE 2008/02/27 ART2 N1 N2 ART3 N1 N2 N4
L 64-A/2008 DE 2008/12/31
L 3-B/2010 DE 2010/04/28.
CCIV66 ART496 N1 ART805 N2 A
RCP08 ART4 N1 F H N6
DL 322/91 DE 1991/08/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A………………, devidamente identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 21.11.13, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, de 16.04.13, e que, ex officio, declarou a incompetência absoluta do Tribunal (ratione materiae).

A presente acção administrativa comum (AAC) foi inicialmente interposta pela Autora, ora recorrente, contra a R. Santa Casa da Misericórdia de ………. (SCM……….) no TAF de Sintra. A A. terminava a sua p.i. da seguinte forma (cfr. fls. 27-8):

“Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, consequentemente, a actividade da Ré, de redução da remuneração anual da A. ser julgada ilegal, abusiva e gravemente ilícita, condenando-se a mesma a:

a) Indemnizar a A. por danos morais decorrentes da violação do seu direito fundamental ao salário – bem jurídico imaterial por natureza – em quantia que, tendo em conta a notória gravidade e intensidade da ilicitude da conduta da Ré, deve ser doutamente arbitrada pelo Tribunal segundo juízos de equidade;

b) Indemnizar a A. por danos morais decorrentes da mesma conduta, estando já verificado o prejuízo relativo à ablação da quase totalidade do subsídio de férias de 2012, na quantia de € 983,40, à qual devem ser acrescidos os juros de mora respectivos, nos termos do disposto no art.º 805º, n.º 2, al. a) do Código Civil, o que, na presente data totaliza € 993,87;

c) Abster-se de idêntico comportamento em relação ao subsídio de Natal de 2012, que se vence em Novembro deste ano;
Porém,

d) Quando, como é previsível, a sentença não seja proferida antes de tal ocorrência e esta se verifique, a indemnizar a A. pelo prejuízo material sofrido com tal corte na remuneração anual, acrescido dos juros de mora respectivos.

Atendendo a que, face à grave crise que o País atravessa, se mostra plausível e previsível que, na vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), venham a ser tomadas, com incidência exclusiva no mesmo âmbito objectivo e subjectivo, novas medidas legislativas semelhantes às constantes da LOE/2011 e da LOE/2012, mais se requer que, nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 37.º do CPTA, a R. seja condenada a abster-se de comportamentos idênticos aos aqui censurados, designadamente a não emitir actos administrativos ablativos ou de redução de remunerações da A.”.

1.1. No presente recurso de revista para este STA, a A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo:

A) QUANTO AOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO

- O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido pois a primeira das questões enunciadas no artigo 2º supra revela-se de importância fundamental quer pela sua relevância jurídica quer social:
a) Aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos da utilidade jurídica da revista, visto que, tanto quanto se julga saber, tal questão, numa situação como a presente em que uma pessoa colectiva privada, embora de utilidade pública administrativa, que não depende de verbas do Orçamento do Estado nem os vencimentos dos seus trabalhadores constituem despesa pública, aplica aos seus trabalhadores disposições das leis do Orçamento do Estado ablativas de remunerações, não foi objecto de tratamento jurisprudencial por esse Colendo Tribunal sendo certo que saber se essa actividade de aplicação dos dispositivos das LOE, ablativos de remunerações de trabalhadores (pelo simples facto de estes serem abrangidos pelo regime jurídico-laboral juspublicista), por parte de uma pessoa colectiva privada como a SCM………., é ou não conforme à lei releva ainda para a melhor aplicação do direito;
b) E tem também manifesta relevância social, expressa na capacidade de expansão da controvérsia muito para além dos limites do caso singular, pois a situação em debate nos presentes autos irá muito provavelmente ocorrer em variadíssimos casos relacionados com a mesma actividade da SCM……. visto que "[A] 31 de Dezembro de 2012 a Santa Casa da Misericórdia de ………. (SCM……..) contava com 4.831 trabalhadores ao serviço, sendo 76,8% (3.712) trabalhadores com Contrato Individual de Trabalho e 22.0% (1.064) trabalhadores em Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, dos quais 42,1% do quadro do ISS, LP." (cfr. "Relatório de Gestão e Contas 2012", pág. 9, disponível em http://www.scm.......pt/scm......../relatorio e contas/ - sublinhado nosso; e que, só a cargo do signatário, encontram-se pendentes nos tribunais administrativos mais oito processos em tudo idênticos, intentados por trabalhadores da Recorrida contra esta.
Por outro lado,
- As demais questões supra enunciadas no artigo 2º revelam que admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, designada e especialmente quando:
a) se está perante uma verdadeira situação de denegação de justiça e se trata de saber se, impugnando-se uma actividade administrativa (actos e operações materiais) lesiva, por se entender que as normas contidas nas supra referidas disposições das leis do orçamento do Estado de 2011 e 2012 não são aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia de …….. e aos trabalhadores ao seu serviço – aplicação que a Autora imputou como feita em erro nos pressupostos de direito –, isso significa que se está a impugnar judicialmente normas contidas em leis ou, como dito no Acórdão recorrido, isso "traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos";
b) e, também, quando se trata de saber se face ao disposto no n.º 3 do art.º 3º do CPC poderia o Tribunal a quo decidir a matéria da incompetência da jurisdição administrativa sem previamente ouvir as partes em litígio.

B) QUANTO AOS VÍCIOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO
- O douto Acórdão recorrido padece de manifesto erro de julgamento quando declarou, ex officio, a incompetência absoluta do Tribunal, visto que o litígio que a Recorrente trouxe a juízo tem como essencial fundamento não ser aplicável à SCM………. a norma contida no art.º 21º da LOE/2012 e, bem assim, não serem destinatários da mesma os seus trabalhadores do quadro residual criado pelo art.º 27º do DL 322/91, de 26/8, e mantido pelo art.º 2º do DL 235/2008, de 3/12. Na verdade,
- Salvo o merecido respeito, só por uma desatenta leitura da petição inicial se poderá afirmar, como foi feito no Acórdão recorrido, que "o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do art°4° n°2 a) do ETAF". Pois,
- Se um cidadão vê ser-lhe aplicada uma norma legal da qual, em seu entender, não é destinatário e tendo-o dito e repetido ao longo da peça processual que inaugura a instância, reputando e imputando de ilegal a actividade administrativa por via da qual lhe foi erroneamente aplicada a dita disposição legal, o seu direito ficaria sem tutela jurisdicional quando o TCA Sul lhe diz que se aplica ao caso a al. a) do n.º 2 do art.º 4º do ETAF. Efectivamente,
- Na prática, tal significaria pura e simples denegação de justiça visto que os actos praticados no exercício da função legislativa só são sindicáveis perante o Tribunal Constitucional pelas entidades elencadas no n.º 2 do art.º 281º da CRP não tendo esse cidadão qualquer garantia que alguma dessas entidades possa suscitar a questão perante o Tribunal Constitucional, visto que o mecanismo de fiscalização da conformidade constitucional de normas legais previsto no art.º 281º da CRP constitui uma garantia da legalidade constitucional, que não um meio de tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos de que os cidadãos possam dispor.
Mas,
- A verdade é que o que ocorreu foi um claro erro de julgamento na matéria em apreço, designadamente de interpretação da petição inicial da Recorrente, pois esta não se insurgiu contra a norma constante do art.º 21º da LOE/2012 mas sim contra a sua aplicação no seu caso concreto, que foi feita através da actividade administrativa consistente na ablação remuneratória perpetrada sobre o seu subsídio de férias e, na pendência, sobre o seu subsídio de Natal ambos de 2012.
Ora,
- O direito fundamental de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva impõe que a todos seja assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (art.º 20º da CRP), sendo à luz deste princípio fundamental que a matéria em apreço deve ser apreciada e tendo em conta que, "Por força dos princípios antiformalista, «pro actione» e «in dubio pro habilitate instanciae» ou «in dubio pro favoritate instanciae», e concretamente ao nível da interpretação das peças processuais, devem as mesmas ser interpretadas de forma a assegurar a possibilidade de exercício dos direitos processuais dos interessados e não optar por uma interpretação que conduza à impossibilidade de ser assegurada tutela judicial da sua pretensão" - Acórdão do STA de 26-07-2006, recurso n.º 0450/06.
Todavia,
- Se porventura se viesse a sufragar a tese que foi expendida pelo Tribunal a quo, verificar-se-ia uma situação de um direito sem tutela jurisdicional o que equivaleria, repete-se, a denegação de justiça no caso concreto o que, pelas sobreditas razões, colidiria frontalmente com o disposto no falado art.º 20º da CRP pois a norma ou o bloco normativo em que porventura se sustentasse tal decisão ser materialmente inconstitucional pelos já apontados motivos.
Mas,
10ª - Na matéria ora em apreço – ao interpretar que "o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do artº 4º nº 2 a) do ETAF –, o douto Acórdão recorrido padece de manifesto erro de julgamento e viola as normas e princípios antes enunciados, indo aliás ao arrepio e contra a corrente jurisprudencial firmada pelo STA e expressa no douto Acórdão supracitado.
Por outro lado,
11ª - O Tribunal a quo errou também ao não proceder audição prévia das partes sobre a incompetência absoluta do Tribunal suscitada ex officio, no que proferiu uma decisão-surpresa proibida pelo artº 3, n.º 3 do CPC.
Pois,
12ª - Tal irregularidade, além de constituir erro de julgamento por ofensa ao dispositivo legal antes apontado, recobre de nulidade o processado e com isso contamina o douto Acórdão recorrido, nos termos da parte final do n.º 1 do art.º 201º (actual 195º) do CPC, visto que: i) ocorreu efectivamente a omissão de audição prévia das partes; ii) tal audição prévia constitui acto processual prescrito no n.º 3 do art.º 3º do CPC e iii) a preterição da referida formalidade pode ter influído no exame e decisão da causa porquanto, se porventura a Recorrente tivesse sido previamente ouvida, não deixaria de alegar o que supra alegou a propósito da competência da jurisdição administrativa como único meio de assegurar a tutela jurisdicional efectiva do direito que reputa de violado e, assim, se poderia ter evitado tal decisão.
13ª - Nesta conformidade, seja por erro de julgamento em virtude de violação de lei processual expressa – proferindo decisão-surpresa proibida pelo art.º 3º, n.º 3 do CPC –, seja por nulidade do processado com influência na decisão da causa, o douto Acórdão recorrido também por estas razões não se poderá manter.
14ª - No que tange à circunstância de o Tribunal a quo não ter aditado quaisquer factos, quer decorrentes da p.i. da então Autora, quer da contestação da então Ré bem como os resultantes da cominação da falta de contestação dos factos invocados na p.i., verifica-se que, tendo Recorrente imputado erro de julgamento da matéria de facto ao saneador-sentença por nele não terem sido dados como provados factos não impugnados pela Ré, o certo é que sobre esta concreta matéria o douto Acórdão recorrido nada diz. Ora,
15ª - Nos termos do disposto no art.º 149º do CPTA, em apelação, o Tribunal de recurso conhece de facto e de direito e poderá haver lugar à produção de prova em sede de recurso perante o Tribunal ad quem sem prejuízo dos seus poderes de modificabilidade da decisão de facto e, pese embora a Recorrente ter cumprido "o especial ónus de alegação que se encontra estabelecido no artigo 690º-A do CPC" [à data do recurso, art.º 685º-B], também é certo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o invocado erro de julgamento da matéria de facto limitando-se a reproduzir a factualidade fixada no saneador-sentença recorrido.
Por isso,
16ª - Nesta parte, o douto Acórdão recorrido peca por erro de julgamento – violando o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 149º do CPTA – e, tendo omitido pronúncia sobre esta concreta questão, que lhe foi submetida, padece também da nulidade tipificada na al. d) do n.º 1 do art.º 668º (actual 615º) do CPC, no que, também por estas razões, não se poderá manter.
17ª - No tocante à posição tomada pelo Tribunal a quo sobre as nulidades invocadas pela Recorrente no seu recurso do saneador-sentença, pese embora alguma imprecisão das alegações de recurso, o certo é que delas decorre com clareza que a Recorrente inquestionavelmente imputa OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS à tramitação antecedente à prolação do saneador-sentença que, no seu entender, inquinaram todo o processo e, por consequência, o saneador-sentença recorrido.
Ora,
18ª - «(...), atento o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório» - Acórdão do STA de 23-10-2013, recurso n.º 0388/13.
Sucede que,
19ª - Numa visão extremamente formalista e sem se deter sobre a essência e materialidade dos problemas trazidos a recurso, o Tribunal a quo negou a análise dos mesmos com o fundamento de que as nulidades de sentença são apenas as que estão previstas no arte 668º, n.º 1 do CPC, no que, mais uma vez, não levou em linha de conta o disposto no art.º 7º do CPTA e a jurisprudência do STA supra aludida sobre os "princípios antiformalista, «pro actione» e «in dubio pro habilitate instanciae» ou «in dubio pro favoritate instanciae», e concretamente ao nível da interpretação das peças processuais, devem as mesmas ser interpretadas de forma a assegurar a possibilidade de exercício dos direitos processuais dos interessados e não optar por uma interpretação que conduza à impossibilidade de ser assegurada tutela judicial da sua pretensão".
Acresce que,
20ª - Os referidos princípios e o disposto no n.º 3 do art.º 685º-A (actual 639º) do CPC obrigariam a que, pelo menos, se convidasse a Recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões de recurso caso porventura se entendesse que as mesmas eram deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tivesse procedido às especificações aludidas no n.º 2 do mesmo artigo do CPC, pois, embora a Recorrente impute ao saneador-sentença nulidades – o que fez com sustento no n.º 1 do art.º 201º do CPC – o certo é que, pela descrição e fundamentos materiais com que o faz, facilmente se entende e infere que quis dizer que o mesmo saneador-sentença deveria ser objecto de anulação por "défice instrutório", tal como resulta do facto de, ao mesmo tempo e na mesma matéria, lhe imputar erros de julgamento por violação de lei.
Ora,
21ª - Como melhor se pode ver nas alegações do recurso que foi julgado improcedente pelo douto Acórdão recorrido, o Tribunal de 1ª instância negou o direito à prova da matéria alegada na p.i. pela aqui Recorrente - quer sua, quer da prova que à parte contrária cabia fazer, quer, ainda, a que resulta da contestação da Ré – mas isso não foi tido em consideração pelo douto Acórdão recorrido, visto que nem sequer se pronunciou directamente sobre os erros de julgamento que foram alegados nas 1ª a 5ª conclusões, quando nestas se destaca o vício de denegação de justiça, invocado na 5ª conclusão, sobre o qual o douto Acórdão recorrido não se deteve visto que se limitou a uma declaração genérica e tabelar: «Neste sentido improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 4 a 17 das conclusões de recurso».
Assim,
22ª - O Acórdão recorrido sofre de claro erro de julgamento na matéria das nulidades invocadas a propósito da violação do direito à prova perpetrada pela 1ª instância, violando ainda o disposto no art. 7º do CPTA, art. 20º da CRP e n.º 3 do art. 685º-A do CPC, tal como supra demonstrado. Mas,
23ª - Também, ao não conhecer dos erros de julgamento e vícios de violação de lei a este propósito invocados, cometeu nulidade por omissão de pronúncia cominada na alínea d) do n.º 1 do actual art.º 668º (actual art.º 615º) do CPC, visto que não se poderá afirmar que se trata de questão prejudicada pela solução dada a outra porquanto não foi ponderada a ausência de actividade instrutória por parte do Tribunal de 1ª instância enquanto erro de julgamento.
24ª - Abordando a primeira e principal questão jurídica do presente recurso, relativa à decisão do Tribunal a quo de confirmar a decisão da 1ª instância "no tocante à subordinação ao regime jurídico excepcional de decréscimo remuneratório estatuído nos artºs. 21º da LOE 2012 e 19º nº 9 al. p) da LOE 2011 da relação jurídica laboral de direito público, estabelecida entre as partes", adiante-se que a mesma sofre de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice e viola o direito fundamental da Recorrente ao salário.
Efectivamente,
25ª - Porque o douto Acórdão recorrido se limitou a confirmar o saneador-sentença, reitera-se contra o aresto aqui recorrido toda a censura jurídica que, na questão de fundo e no recurso para o TCA Sul, foi dirigida ao saneador-sentença por erro de julgamento e violação de lei substantiva, mas, para chamar a atenção dos aspectos essenciais do erro de julgamento do Tribunal a quo, importa salientar que:
a) A Santa Casa da Misericórdia de …….. (SCM……….) é, nos termos dos Estatutos, aprovados pelo DL nº 235/2008, de 3.12, uma pessoa colectiva de direito privado;
b) A SCM…….. não depende em nada de verbas públicas;
c) Os vencimentos dos seus trabalhadores, sejam eles do regime de contrato individual de trabalho ou do regime de contrato de trabalho em funções públicas são suportados pelas receitas da SCM…… e em nada oneram o erário público;
d) Em nenhum lado da LOE/2011 se fala em pessoas jurídicas de direito privado ou na SCM………., pelo que o objecto da LOE não abrange a Ré/Recorrida, SCM……..;
e) E nenhuma pessoa colectiva privada se encontra abrangida pelo disposto no art.º 21º da LOE/2012,
f) O qual se aplica "às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.°da Lei n.º 55-A/2010"
g) Que são as que se integram no "universo de pessoas pagas por dinheiros públicos";
h) O artigo 19º/11 da LOE/2011 (bem como o artigo 21º da LOE/2012), ao estatuir que «o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa» e prevalece «sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais», revela que se trata de um regime especialíssimo, que se sobrepõe a qualquer outro em contrário. No entanto, ele não visa entidades privadas;
i) O artigo 21º da Lei 64-B/2011, relaciona a justificação dos cortes em causa, pela circunstância de «durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF)» haver necessidade de «ser suspenso o pagamento» de subsídios de férias e de Natal, como «medida excepcional de estabilidade orçamental» [do Estado];
j) Por conseguinte, temos o seguinte quadro, do artigo 19º/9 do OE/2011 (como o artigo 21º do OE/2012, que remete para aquele), no espaço temporal do PAEF:
- Os cortes são uma «medida excepcional» que visa a «estabilidade orçamental» [do Estado];
- E manda-se "suspender" o pagamento" dos subsídios de férias e natal [do Estado].
k) Não competindo às entidades privadas, designadamente à Ré/Recorrida, estabilizar o Orçamento do Estado, por ser legalmente impossível a redução da despesa pública através das contas das entidades privadas, nunca a Ré podia contribuir para a redução da despesa pública;
l) donde, a incidência sobre a Ré e os seus trabalhadores é absolutamente despida de fundamento material. Porquanto,
m) Não sendo a Administração do Estado a pagar os ordenados e subsídios de férias/natal de quaisquer trabalhadores da Ré, é legalmente impossível o Estado "suspender o pagamento", Pois,
n) A Recorrente não é paga por dinheiros públicos visto que os seus vencimentos são pagos pela SCM……….,
o) A qual dispõe de receitas próprias e, repete-se, em nada depende de dinheiros públicos. Assim,
p) As ablações remuneratórias de que a Recorrente foi vítima não cumprem o fim visado pela norma constante do art.º 21º da LOE/2012, de reduzir a despesa pública e equilibrar as finanças públicas;
q) Pois esses cortes remuneratórios não constituem uma menos-despesa do Estado;
r) E nem sequer as verbas daí resultantes podem legalmente ingressar no erário público em virtude de inexistir norma legal – nas leis do Orçamento de Estado ou em quaisquer outras – que permita proceder a quaisquer cortes nas remunerações de trabalhadores do sector privado e fazer entrar tais verbas nos cofres do Estado.
Aliás,
26ª - O douto Acórdão recorrido nem sequer tomou em consideração o que a este propósito ficou dito pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 353/2012, processo n.º 40/12, ao debruçar-se directamente sobre o âmbito e alcance da medida relativa aos cortes dos subsídios de férias e de Natal de 2012, o qual, por necessidade de concisão, aqui se tem por reproduzido nas partes relevantes.
27ª - Sendo certo que, desde que em 1991, pelo DL n.º 322/91, de 26/08, se deu a "privatização" da SCM………, por alteração da sua natureza jurídica, em nenhum Orçamento do Estado foram inscritas quaisquer verbas para financiar a Santa Casa da Misericórdia de ………., pois, como é consabido, as leis do Orçamento do Estado não são aplicáveis à Misericórdia de ……. desde então - cfr. Leis do Orçamento do Estado subsequentes à entrada em vigor do DL 322/91.
28ª - Sendo de salientar que, sobre a mesma matéria e em caso absolutamente idêntico, o TAF de Sintra proferiu, a 11/12/2013, Sentença no processo nº 1079/12.8 BESNT que é inteiramente favorável à tese da aqui Recorrente, da inaplicabilidade a SCM……… e aos seus trabalhadores, sejam eles do regime do CIT ou do quadro residual com vínculo de função pública, de quaisquer disposições das Leis do Orçamento de Estado de 2011 e 2012, designadamente as dos artºs. 21º da LOE 2012 e 19º nº 9 al. p) da LOE 2011, e, cuja fundamentação, acima transcrita, por imperativos de concisão aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
No entanto,
29ª - Porque de crucial interesse para o presente recurso, dessa Sentença não poderá deixar de respigar, adaptadamente, o seguinte:
a) "O que releva para a «suspensão do pagamento» dos subsídios de férias e de natal não é o facto de os trabalhadores de entidades privadas terem mantido o vínculo público e o regime de progressão, carreiras e ordenados da Lei 12-A/2008, mas sim o facto de os respectivos ordenados e subsídios de férias e natal serem pagos pela Administração pública, à custa da despesa pública, e, portanto, à custa do 06E. Só assim faz sentido lógico-material «suspender» um pagamento em ordem à «estabilidade orçamental» do Estado".
b) "Em conclusão, o artigo 19-9, da Lei 55-A/2010, não é aplicável à A, trabalhadora da Ré".
c) "A interpretação perfilhada (pelo douto Acórdão recorrido por confirmação remissiva para o saneador-sentença e defendendo a visão da Ré/Recorrida) enferma de vício de lógica e de contradição, no silogismo jurídico, pois que ninguém pode suspender o que não existe, não podendo a Administração suspender um pagamento que não tem, que não fez, e que não lhe compete fazer".
d) "Deste modo, também os trabalhadores da SCM………. são todos tratados por igual, na medida em que, não se abrangendo (o que é dado assente pelas partes e resulta das LOE em presença) nenhum daqueles que optaram pelo regime privado do CIT, (que nunca contribuem despesa do Estado) também não se abrangem os que mantiveram o vínculo público (pela mesma razão de que também nunca contribuem para a despesa do Estado)"; não havendo, assim, in casu, razão para os distinguir".
e) A decisão do douto Acórdão recorrido "apoiou-se, deste modo, num raciocínio meramente formal, despido da realidade material, nos seguintes termos: o trabalhador está sujeito do regime da Lei 12- A/2008, como vínculo público, logo, suspende-se o pagamento dos subsídios; embora isso nada contribua para a redução da despesa pública e a respectiva estabilidade orçamental visadas pelos LOE/2011/2012".
Nesta conformidade,
30ª - Torna-se evidente o erro de julgamento – por erro de interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto – em que labora o douto Acórdão recorrido, o qual, confirmando o saneador-sentença que havia validado a actividade lesiva da Ré/Recorrida, violou o direito fundamental da A. a receber o seu vencimento sem ablações, em igualdade de condições com os demais trabalhadores da Recorrida, consignado no art.º 59º/l, al. a) da CRP.
31ª - Finalmente, prevenindo ainda a hipótese de o Tribunal a quo não atender ao pedido de correcção do manifesto lapso e, desatendido este, também não ser acolhido o pedido de reforma quanto a custas apresentado a título preliminar nas presentes alegações, cumpre aqui impugnar a decisão quanto a custas com fundamento em absoluta falta de fundamentação desta parte da douta decisão recorrida.
Na verdade,
32ª - Pese embora o facto de no saneador-sentença ter sido reconhecido o direito da Recorrente à isenção de custas com fundamento no art. 4º, nº 1, al. h) do RCP e a óbvia circunstância de, no seu recurso para o TCA Sul, a Recorrente se ter orientado por essa isenção, o certo é que o Acórdão recorrido, sem mais, a condenou em custas.
Todavia,
33ª - Nele não consta qualquer motivação para essa decisão, no que, por absoluta carência de fundamentação na matéria da condenação da Recorrente em custas, viola a norma constante do n.º 1 do art.º 205º da CRP segundo a qual "[A]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei", concretizada no n.º 2 do art.º 659º (actual 607º, n.º 3) do CPC.
E,
34ª - De acordo, entre outros, com o Acórdão do TCA Sul 18-03-2010, processo n.º 05984/10, "Um despacho ou sentença é nulo quando omita os factos que considera provados, ou seja, quando não especifique os fundamentos de facto que justificaram a decisão [artigos 659º, nº 2 e 668º, nº 1, alínea b) do CPCivil]".
34ª - O que implica que, também nesta matéria, o douto Acórdão recorrido não se poderá manter.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. – que se peticiona – deve o douto Acórdão recorrido ser declarado nulo ou revogado com todas as inerentes consequências legais”.

1.2. A recorrida Santa Casa da Misericórdia de …… (SCM…….) produziu contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

l. O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não merece qualquer reparo.
2. Não se encontram preenchidos os requisitos que permitam a admissão do recurso excecional de revista.
3. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, «das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
4. Sobre os requisitos de admissão do recurso de revista excepcional, pronunciou-se o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 28 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 1467/12 e no Acórdão de 23 de Setembro de 2004, proferido no Processo n.º 903/04. Aqui, por exemplo, refere que «A interpretação deste preceito suscita dificuldades pelo carácter genérico da sua formulação e pela novidade que veio introduzir no nosso ordenamento jurídico. São escassos, há que reconhecer, os pontos de apoio que o texto, ou outros lugares do sistema, nos oferecem para a concretização dos conceitos de "importância fundamental" ou "melhor aplicação do direito", sendo seguro que cabe ao STA, segundo as palavras do legislador (cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei nº 92/VIII), "dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula do sistema". (...) Ora, um dos requisitos que se nos afigura legítimo colocar como condição necessária e também suficiente da importância fundamental de uma questão será, por um lado, a complexidade das operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis para a resolução do caso e, por outro, a capacidade de expansão da controvérsia, ou seja, a possibilidade de esta ultrapassar os limites da situação singular e se repetir, nos seus traços teóricos, num número indeterminado de casos futuros, impondo-se assim o recurso de revista como garantia da uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática [cfr., no sentido desta última proposição, KOPP/SCHENKE, VwGO, München 1998 p. 1943 e segs., em comentário à norma paralela do §132.2.1. da VwGO que admite a revista relativamente às questões "de importância fundamental/" (grundsätzliche Bedeutung)]».
5. A Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem, reiterado a excecionalidade do recurso de revista, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados no artigo 150º do CPTA, trata-se, efetivamente, não de um recurso ordinário de revista ou da consagração de um terceiro grau de jurisdição, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VII e 93/VIII, de uma "válvula de segurança do sistema" que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos.
6. A intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, em razão da dificuldade das operações energéticas a efetuar, ou quando haja manifesta necessidade de melhor aplicação do direito
7. No caso dos autos, não estamos nem perante uma questão que implique uma análise complexa das operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis para a resolução do caso, nem se trata de uma situação nova, mas antes excecional mercê da conjuntura económica internacional, nem, tão pouco, a capacidade de expansão da questão controvertida ultrapassará um número indeterminado de casos futuros.
8. Improcede a invocada violação da lei substantiva, porquanto o douto Acórdão recorrido não considera que as disposições da Lei do Orçamento Geral do Estado para 2011 e para 2012 são aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia de ……. (SCM……….);
9. O Acórdão recorrido o que considera é que as disposições das Lei do Orçamento Geral do Estado para 2011 e para 2012 têm como destinatários os trabalhadores com vínculo de emprego público, nos quais se incluem os trabalhadores do quadro residual e com vínculo de emprego público da Santa Casa da Misericórdia de ……….;
10. Improcede a invocada violação da lei processual uma vez que, efetivamente o TCAS é, nos termos do art. 4, nº 2 a) do ETAF, incompetente para a fiscalização dos atos da função legislativa;
11. Improcede a invocada violação da lei processual quanto à falta de audiência das partes e quanto à produção de prova, porquanto, o art. 510º, nº 1, alínea b) do CPC estabelece que findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de vinte dias, despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção peremptória, o mesmo é dizer-se sempre que a questão seja, apenas, de direito ou, caso seja de direito e facto ou só de facto, se o processo contiver todos os elementos que possibilitem decisões segundo várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas tendo em vista a perfilhada pelo Juiz da causa.
12. A dispensa da audiência preliminar a que alude a Recorrente, ocorre nos termos do art. 508º, nº 1 do CPC, ou seja quando se esteja perante matérias que as partes já debateram nos articulados, ou cuja apreciação se revista de manifesta simplicidade
13. Resulta do disposto tanto na Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovada pela Lei nº 55-A/2010 de 31 de Dezembro, como pela Lei do Orçamento de Estado para 2012, aprovada pela Lei 64-B/2012 de 30 de Dezembro, em particular às matérias vertidas nos artigos 19º, nº 9 e 21º, respetivamente, a obrigatoriedade de aplicação da disciplina orçamental ao pessoal contratado em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
14. Com a publicação e entrada em vigor dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, a SCM….. passou a ter pessoal contratado em regime de direito privado (cfr. art. 25º dos Estatutos), e o pessoal que não exerceu o direito de opção pelo regime de contrato individual de trabalho e que tinha vínculo definitivo à função pública ficou em regime de direito público em quadro residual mantendo "todos os direitos e regalias de que seja titular e é integrado em quadro a criar especificamente para o efeito, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sem prejuízo das respectivas carreiras" (cfr. art. 27º dos mesmos Estatutos),
15. Com a publicação e entrada em vigor dos novos Estatutos pelo DL 235/2008, de 3 de Dezembro, foi revogado o DL 322/91 de 26 de Agosto.
16. Em matéria de pessoal, os Estatutos em vigor (DL 235/2008) determinam a aplicação do regime de contrato individual de trabalho e do regime geral da segurança social (cfr. nº 1, do art. 39º) e, quanto ao pessoal integrado no quadro residual, o artigo 2º do Decreto-Lei nº 235/2008, de 3 de Dezembro, estabelece que se mantém "integrado em quadro residual fechado, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sendo-lhe aplicável o regime jurídico de vínculos, de carreiras, de remunerações e protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas".
17. A existência destes dois regimes jurídicos nas relações de trabalho implica a adopção, pelos Órgãos da SCM…….., de idênticos critérios de funcionamento e de gestão de recursos humanos entre profissionais da mesma carreira mas sujeitos a regimes de contratação distintos – direito público e direito privado – sendo que, àqueles, é aplicável, automaticamente, o regime de vínculos, de carreiras, de remunerações e de protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas conforme art. 2º dos Estatutos aprovados pelo DL 235/2008.
18. A Recorrente está integrada no quadro residual, nunca tendo exercido o direito de opção pelo regime de contrato individual de trabalho que foi consignado nos Estatutos, pelo que lhe é aplicável, nos termos do artigo 2º do DL 235/2008 de 3 de Dezembro, o regime de vínculos, de carreiras, de remunerações e de proteção social dos trabalhadores que exercem funções públicas.
19. À Recorrente, A……………, é aplicável, entre outros, o regime de remunerações dos Trabalhadores que exercem funções públicas incluindo a restrição remuneratória, resultante do estabelecido pelo art. 21º do Orçamento Geral do Estado.
20. A Lei de enquadramento orçamental aprovada pela Lei 91/2001, de 20 de Agosto, alterada pela Lei Orgânica 2/2002 de 28 de Agosto e pelas Leis 23/2003, de 2 de Julho, 48/2004, de 24 de Agosto, 48/2010, de 19 de Outubro, 22/2011 de 20 de Maio, 52/2011 de 13 de Outubro e 37/2013 de 14 de Junho, é aplicável à Santa Casa da Misericórdia de ……. (SCM………).
21. A SCM……… passou a constar da lista das entidades que, em 2010, integravam o Setor Institucional das Administrações Públicas (S.13 nos termos do Código do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais - SEC 95).
22. Desde 2010 que a SCM…… está abrangida no âmbito de aplicação daquele diploma, nos termos do art. 2º, nº 5, que estabelece “para efeitos da presente lei, consideram-se integrados no setor público administrativo, como serviços e fundos autónomos, nos respetivos subsetores da administração central, regional e local e da segurança social, as entidades que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas em cada subsetor no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do orçamento.
23. Não estão preenchidos os requisitos do artigo 150º do CPTA, pelo que se requer a Vossas Excelências que se dignem a não admitir o recurso.
24. O Acórdão recorrido não padece de quaisquer dos vícios de interpretação alegados pela Recorrente, devendo, consequentemente, manter-se por correta aplicação do Direito.

Isenção de custas

a) A Santa Casa da Misericórdia de ………., nos termos do n.º 1 do art.º 1.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, é uma Pessoa Colectiva de Direito Privado e Utilidade Pública Administrativa.
b) A Santa Casa da Misericórdia de ………. tem como fins "a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de acção social, saúde... e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de actividade que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços..." (cf. n.º 1 do art.º 4º desses Estatutos),
c) e "... desenvolve...as actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas..." (cf. n.º 2 do art.º 4.º desses Estatutos).
d) Para a realização dos seus fins estatutários, a Santa Casa da Misericórdia de ……….. "...dirige estabelecimentos e serviços no âmbito da sua actividade..." (cf. a al. a) do n.º 3 do artº 4º desses Estatutos) e "...desenvolve e prossegue actividades de promoção, prevenção e tratamento da doença, de reabilitação e prestação de cuidados continuados..." (cf. al. c) do n.º 3 do art.º 4.º desses Estatutos),
e) Ao abrigo da alínea f), do n.º 1, do art.º 4.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro e o qual entrou em vigor em 20 de Abril de 2009, estão isentas de pagamento de custas "As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável".

Assim, requer a Vossas. Excelências seja reconhecida a isenção do pagamento de custas.

Termos em que:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros suprirão requer a Santa Casa da Misericórdia de ………. que se dignem reconhecer não preenchidos os pressupostos estabelecidos no nº 1, do art. 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, provendo as presentes conclusões, manter o douto Acórdão recorrido”

2. Por acórdão do TCAS de 02.04.14 foi julgada improcedente a nulidade por omissão de pronúncia assacada pela recorrente ao acórdão recorrido – nulidade devida à circunstância de que, alegadamente, “não foi ponderada a ausência de actividade instrutória por parte do Tribunal de 1ª Instância enquanto erro de julgamento”.

3. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 24.06.14, veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:
“3. (…)
Ora, como começou por destacar-se, o acórdão recorrido, depois de confirmar o decidido pelo tribunal de 1ª instância quanto à sujeição da recorrente às reduções remuneratórias já referidas, apreciou oficiosamente e declarou a incompetência absoluta do tribunal, com fundamento em que o que se pede na presente acção se traduz na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa. Esta é uma técnica decisória que não corresponde à prática habitual e, primo conspectu, conduz a resultados processualmente incoerentes, sendo dificilmente compagináveis a declaração da incompetência absoluta em razão da matéria (ou do âmbito da jurisdição) e a confirmação do julgamento de improcedência que assentou ou pressupôs a afirmação contrária.
Assim, justifica-se pela clara necessidade de melhor aplicação do direito, admitir o recurso. Efectivamente, depara-se uma duvidosa aplicação da lei processual, que incide sobre o aspecto nuclear da definição do âmbito da jurisdição e que releva no plano objectivo e não no mero desacerto ou erro judiciário, com evidentes reflexos na apreciação da questão de mérito. Importa obter o contributo decisivo do órgão de cúpula da jurisdição, tendo e conta que é provável que surjam nos tribunais acções com estrutura (pedido e causa de pedir) semelhante, considerando o universo dos trabalhadores potencialmente abrangidos pelas referidas medidas de redução remuneratória”.

4. Devidamente notificado para se pronunciar, querendo, sobre o mérito do recurso (art. 146.º, n.º 1, do CPTA), o Digno Magistrado do MP emitiu parecer, que culmina, a fls. 551, do seguinte modo: “Ora, não se demonstrando que a aplicação da medida nas situações como a da recorrente possam repercutir-se na despesa pública e na visada estabilidade orçamental, é a própria finalidade da lei que não sustenta a interpretação adotada pelo acórdão recorrido. Em face do exposto, não havendo obstáculos relativos à competência dos tribunais administrativos para conhecer da causa, e não tendo aplicação à situação da recorrente as normas legais em que se terá baseado a Ré para lhe reduzir o subsídio, importa verificar se ocorrem os demais pressupostos em que se funda a pretensão indemnizatória e de condenação à abstenção de comportamento futuro. Como os factos dados como provados pelas instâncias são insuficientes para esse efeito, dadas as limitações deste Supremo para conhecer da matéria de facto – cfr. artigos 12º/4 do ETAF e 150º/3 e 4 do CPTA – devem os autos baixar ao TCAS para aí ser dado cumprimento ao disposto no artigo 149.º/4 e 5 do CPTA, se aí puderem ser reunidos os factos necessários para o efeito, sem necessidade de prévia elaboração da base instrutória”.

A pronúncia do MP, objecto de contraditório, mereceu resposta discordante da R. SCM……….., aqui recorrida (fls. 556 a 560).

5. Colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

O acórdão recorrido manteve os factos provados em 1.ª instância, nos seguintes termos:

A. A Autora é trabalhadora da Ré Santa Casa da Misericórdia de ……….., nela exercendo funções da categoria de Assistente Operacional - Auxiliar de Educação em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, integrada no quadro residual previsto no art. 2º do DL nº 235/2008, de 3.12 - ver docs. nº 1, 2 e 4 juntos com a petição inicial.
B. No ano de 2012 a Autora teve o vencimento mensal de € 1.047,00 - ver docs. nº 1 e 2 juntos com a petição inicial.
C. Em junho de 2012 a Ré pagou à Autora apenas a quantia de € 63,60 do subsídio de férias no ano de 2012 - ver doc. nº 4 junto com a petição inicial.
D. Já os colegas da Autora que exercem funções na Ré em regime de contrato individual de trabalho, aos quais é aplicável o Código do Trabalho, não sofreram ablação de subsídios - por acordo.
E. No dia 14.10.2010 o Governo, em Conselho de Ministros, aprovou, para ser submetida à Assembleia da República, uma proposta de lei sobre o Orçamento de Estado para 2011, a qual, em 15.10.2010, foi publicada no Diário da Assembleia da República, II série, A, nº 16, de 15.10.2010 sob sumário proposta de lei n° 42/XI (2ª) - Orçamento do Estado para 2011.
F. Em 3.11.2010 a Assembleia da República discutiu e votou, na generalidade, a proposta de lei nº 42/XI (2ª) - Orçamento do Estado para 2011.
G. Em 26.11.2010, o plenário da Assembleia da República aprovou, em votação final global, a proposta de lei nº 42/XI (2ª) - Orçamento do Estado para 2011, diploma que depois viria a ser promulgado pelo Presidente da República e publicado no Diário da República, Iª série, em 31.12.2010, como Lei nº 55-A/2010, de 31.12.
H. No dia 14.10.2010 o Governo, em Conselho de Ministros, aprovou, para ser submetida à Assembleia da República, uma proposta de lei sobre o Orçamento de Estado para 2011, a qual, em 15.10.2010, foi publicada no Diário da Assembleia da República, II série, A, nº 16, de 15.10.2010 sob sumário proposta de lei nº 42/XI (2ª) - Orçamento do Estado para 2011.
I. Em 3.11.2010 a Assembleia da República discutiu e votou, na generalidade, a proposta de lei nº 42/XI (2a) - Orçamento do Estado para 2011.
J. Em 26.11.2010, o plenário da Assembleia da República aprovou, em votação final global, a proposta de lei nº 42/XI (2ª) - Orçamento do Estado para 2011, diploma que depois viria a ser promulgado pelo Presidente da República e publicado no Diário da República, Iª série, em 31.12.2010, como Lei nº 55-A/2010, de 31.12.
K. No dia 30.12.2011 foi publicada a Lei n° 64-B/2011 - Lei do Orçamento do Estado para 2012.
L. Desde 2010 Portugal vive num contexto de grave crise orçamental e financeira que culminou na negociação de um acordo de ajuda financeira externa (FMI/BCE/Comissão da UE) - facto notório - art. 514º do CPC.
M. A presente acção foi instaurada em 3.10.2012 - ver petição inicial”.


2. De direito:

2.1. A presente revista tem por objecto o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) de fls. 189-202.
Como resulta do Relatório, a ora recorrente não se conforma com o dito acórdão – o acórdão do TCAS que negou provimento ao recurso “e, ex officio, declarou a incompetência absoluta do Tribunal” –, assacando-lhe vários erros de julgamento e, ainda, nulidade por omissão de pronúncia. No presente recurso de revista vêm, portanto, identificadas e delineadas algumas questões que a recorrente pretende sejam apreciadas, que assim podem ser enunciadas:

1) Manifesto erro de julgamento em virtude da declaração ex officio da incompetência absoluta do Tribunal, uma vez “que o litígio que a Recorrente trouxe a juízo tem como essencial fundamento não ser aplicável à SCM……… a norma contida no art.º 21º da LOE/2012 e, bem assim, não serem destinatários da mesma os seus trabalhadores do quadro residual criado pelo art.º 27º do DL 322/91, de 26/8, e mantido pelo art.º 22 do DL 235/2008, de 3/12”, e “só por uma desatenta leitura da petição inicial se poderá afirmar, como foi feito no Acórdão recorrido, que "o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do artº 4º nº 2 a) do ETAF" (cfr. conclusões 3ª e 4ª). Além do mais, “a tese que foi expendida pelo Tribunal a quo” “equivaleria, repete-se, a denegação de justiça no caso concreto o que, pelas sobreditas razões, colidiria frontalmente com o disposto no falado art.º 20 da CRP pois a norma ou o bloco normativo em que porventura se sustentasse tal decisão ser materialmente inconstitucional pelos já apontados motivos” (9.ª conclusão).

2) Erro de julgamento por aplicação errónea da disposição legal do OE de 2012 ao seu caso concreto – que, como vimos, alega ser a questão colocada na p.i., p.i. que foi mal interpretada pelo julgador (“A verdade é que o que ocorreu foi um claro erro de julgamento na matéria em apreço, designadamente de interpretação da petição inicial da Recorrente, pois esta não se insurgiu contra a norma constante do art.º 21º da LOE/2012 mas sim contra a sua aplicação no seu caso concreto” – conclusão 7.ª). Sobre a errada aplicação ao seu caso concreto, são invocados vários argumentos, como, entre outros, o de que a SCM……….é uma pessoa privada que “não depende em nada de verbas públicas”; que em lado nenhum do n.º 9 do artigo 19.º da LOE/2011 se fala em pessoas jurídicas de direito privado ou na SCM………..; que a norma que estabelece as reduções remuneratórias apenas se aplica “«ao universo das pessoas pagas por dinheiros públicos»”; que não cabe às entidades privadas contribuir para a “estabilidade orçamental” almejada pelas medidas de redução remuneratória (ver conclusão 25.ª).

3) Violação do direito fundamental ao salário na sequência da errónea aplicação à recorrente da norma da LOE/2012 que estabelece as reduções remuneratórias (conclusões 24.ª e 30.ª; vejamos esta última: “Abordando a primeira e principal questão jurídica do presente recurso, relativa à decisão do Tribunal a quo de confirmar a decisão da 1ª instância "no tocante à subordinação ao regime jurídico excepcional de decréscimo remuneratório estatuído nos artºs. 21º da LOE 2012 e 19º nº 9 al. p) da LOE 2011 da relação jurídica laboral de direito público, estabelecida entre as partes", adiante-se que a mesma sofre de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice e viola o direito fundamental da Recorrente ao salário”.

4) Erro de julgamento pois que, “– ao interpretar que "o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do artº 4º nº 2 a) do ETAF –, o douto Acórdão recorrido padece de manifesto erro de julgamento e viola as normas e princípios antes enunciados, indo aliás ao arrepio e contra a corrente jurisprudencial firmada pelo STA e expressa no douto Acórdão supracitado” (conclusão 10.ª).

5) Erro de julgamento e nulidade por falta de audiência prévia das partes relativamente à questão da incompetência absoluta (entre outras, vejam-se as conclusões 12.ª e 13.ª: “Tal irregularidade, além de constituir erro de julgamento por ofensa ao dispositivo legal antes apontado, recobre de nulidade o processado e com isso contamina o douto Acórdão recorrido, nos termos da parte final do n.º 1 do art.º 201º (actual 195º) do CPC, visto que: i) ocorreu efectivamente a omissão de audição prévia das partes; ii) tal audição prévia constitui acto processual prescrito no n.º 3 do art.º 3º do CPC e iii) a preterição da referida formalidade pode ter influído no exame e decisão da causa porquanto, se porventura a Recorrente tivesse sido previamente ouvida, não deixaria de alegar o que supra alegou a propósito da competência da jurisdição administrativa como único meio de assegurar a tutela jurisdicional efectiva do direito que reputa de violado e, assim, se poderia ter evitado tal decisão”; “Nesta conformidade, seja por erro de julgamento em virtude de violação de lei processual expressa – proferindo decisão-surpresa proibida pelo art.º 3º, n.º 3 do CPC –, seja por nulidade do processado com influência na decisão da causa, o douto Acórdão recorrido também por estas razões não se poderá manter”.

6) Erro de julgamento e nulidade por omissão de pronúncia por nada ter sido dito quanto ao erro de julgamento e às nulidades assacadas ao saneador-sentença a propósito da matéria de facto nele dada como provada (ver, entre outras, as conclusões 14.ª e 15.ª: “No que tange à circunstância de o Tribunal a quo não ter aditado quaisquer factos, quer decorrentes da p.i. da então Autora, quer da contestação da então Ré bem como os resultantes da cominação da falta de contestação dos factos invocados na p.i., verifica-se que, tendo Recorrente imputado erro de julgamento da matéria de facto ao saneador-sentença por nele não terem sido dados como provados factos não impugnados pela Ré, o certo é que sobre esta concreta matéria o douto Acórdão recorrido nada diz”; “Ora, Nos termos do disposto no art.º 149º do CPTA, em apelação, o Tribunal de recurso conhece de facto e de direito e poderá haver lugar à produção de prova em sede de recurso perante o Tribunal ad quem sem prejuízo dos seus poderes de modificabilidade da decisão de facto e, pese embora a Recorrente ter cumprido "o especial ónus de alegação que se encontra estabelecido no artigo 690°-A do CPC" [à data do recurso, art.º 685º-B], também é certo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o invocado erro de julgamento da matéria de facto limitando-se a reproduzir a factualidade fixada no saneador-sentença recorrido”.

Vejamos.

2.2. Antes de tudo, é conveniente procurar compreender os termos em que o acórdão recorrido decidiu. E logo se constata que este último entendeu dividir a decisão em dois segmentos.
No primeiro deles, o acórdão recorrido confirmou a sentença da primeira instância na parte em que esta concluiu que o regime excepcional de reduções remuneratórias consagrado no LOE/2012 se aplicava à ora recorrente.
No que se refere ao segundo segmento, a fls. 200, resolveu “conhecer oficiosamente da competência em abstracto do Tribunal – cfr. artº 102º nº 1 CPC, actual 97º nº 1 CPC/2013 –, matéria de excepção dilatória que contende com a prossecução da instância na vertente do conhecimento do mérito”. E, quanto a esta questão, entendeu, a fls. 202, que “o que se pede no domínio da presente causa traduz-se na fiscalização judicial concreta dos mencionados actos legislativos, matéria que extravasa do âmbito de competência desta jurisdição nos termos constantes do artº 4º nº 2 a) do ETAF o que significa que o Tribunal é incompetente em razão da matéria, tendo por consequência a absolvição do R. da instância – cfr. artº 105º nº 1, hoje, 99º nº 1 CPC, ex vi artº 1 CPTA”.
Dando prioridade a este último segmento da decisão, o que desde já se pode avançar é que o acórdão recorrido fez uma errada interpretação das alegações (e respectivas conclusões) apresentadas pela ora recorrente no recurso que dirigiu ao TCAS. Efectivamente, de uma leitura atenta da argumentação da recorrente pode extrair-se, sem dificuldades de maior, a ilação de que as referências a direitos fundamentais (direito ao salário) e a princípios constitucionais (v.g., princípio da igualdade) foram feitas à laia de sustentação da sua tese de que o artigo 21.º do LOE/2012 não se lhe aplicava, e não a título de suscitação do incidente de inconstitucionalidade (vale por dizer, de desencadeamento do controlo concreto) – o qual não se basta com alusões mais ou menos vagas a direitos e princípios constitucionais, sem mais. Assim sendo, ao considerar o tribunal incompetente em razão da matéria por não lhe caber fiscalizar concretamente actos legislativos, o acórdão recorrido decidiu uma questão que não lhe tinha sido colocada. E, embora não tenha sido invocada pela ora recorrente, a este propósito, qualquer nulidade imputável à sentença nos termos do n.º 1 do art. 615.º do CPC, não pode deixar de se considerar que esta parte da decisão enferma de manifesto erro de julgamento, devendo ser revogada. Com isto, deixa de ser relevante a análise da alegada nulidade por falta de audição prévia das partes sobre a incompetência absoluta do tribunal suscitada oficiosamente.
Cumpre dizer que, quer a questão da errada compreensão do pedido da autora (no sentido de entender que a mesma suscitava o incidente de inconstitucionalidade), quer a questão da falta de audiência prévia das partes, acima tratadas, constituem apenas uma parte dos alegados erros de julgamento e nulidades assacados ao acórdão recorrido. Quanto aos restantes, pode constatar-se que têm que ver com matéria probatória, v.g., com a eventual necessidade de ampliar a matéria de facto para melhor apoiar a pretensão recursiva da ora recorrente. Ora, se este Supremo Tribunal entender que a matéria de facto assente é suficiente para dar razão à recorrente quanto à sua pretensão de não lhe ver aplicado o regime das reduções remuneratórias, igualmente irrelevante se torna a sua análise. Vejamos, então, se lhe assiste razão quanto àquele específico ponto.

2.3. E desde já começamos por afirmar que, no que respeita ao alegado erro de julgamento por errada aplicação da disposição legal do OE de 2012 ao seu caso concreto, a pretensão recursiva deve proceder. Atentemos no teor dos artigos 21.º da LOE/2012, 19.º do LOE/2011 e 2.º do DL n.º 235/2008, de 03.12, que aprova os Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de ………….
Artigo 21.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (LOE/2012)
(Suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes)

“1 - Durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), como medida excepcional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, cuja remuneração base mensal seja superior a € 1100.
2 - As pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, cuja remuneração base mensal seja igual ou superior a € 600 e não exceda o valor de € 1100 ficam sujeitas a uma redução nos subsídios ou prestações previstos no número anterior, auferindo o montante calculado nos seguintes termos: subsídios/prestações = 1320 - 1,2 × remuneração base mensal.
3 - O disposto nos números anteriores abrange todas as prestações, independentemente da sua designação formal, que, directa ou indirectamente, se reconduzam ao pagamento dos subsídios a que se referem aqueles números, designadamente a título de adicionais à remuneração mensal.
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 abrange ainda os contratos de prestação de serviços celebrados com pessoas singulares ou colectivas, na modalidade de avença, com pagamentos mensais ao longo do ano, acrescidos de uma ou duas prestações de igual montante.
5 - O disposto no presente artigo aplica-se após terem sido efectuadas as reduções remuneratórias previstas no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, bem como do artigo 23.º da mesma lei.
6 - O disposto no presente artigo aplica-se aos subsídios de férias que as pessoas abrangidas teriam direito a receber, quer respeitem a férias vencidas no início do ano de 2012 quer respeitem a férias vencidas posteriormente, incluindo pagamentos de proporcionais por cessação ou suspensão da relação jurídica de emprego.
7 - O disposto no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, ao subsídio de Natal.
8 - O disposto no presente artigo aplica-se igualmente ao pessoal na reserva ou equiparado, quer esteja em efectividade de funções quer esteja fora de efectividade.
9 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa e excepcional, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos”.

Artigo 19.º da Lei n.º 55- A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011)

“(…)
9 - O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado:
(…)
m) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da Assembleia da República;
n) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça e do Procurador -Geral da República;
o) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas;
p) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios;
q) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;
r) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º e nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12- A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária;
s) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;
t) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial;
u) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;
v) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efectividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no activo.
(…)
11 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos”.
Artigo 2.º do DL n.º 235/2008, de 03.12
(Quadro residual)

“O pessoal da SCM……… que tenha um vínculo definitivo à função pública mantém-se integrado em quadro residual fechado, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sendo-lhe aplicável o regime jurídico de vínculos, de carreiras, de remunerações e protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas”.

Da leitura destes dois preceitos podemos retirar várias conclusões:

i) O critério utilizado no n.º 9 do artigo 19.º do LOE/2011 (para o qual remete o art. 21.º do LOE/2012) para efeitos da sua aplicação (isto é, para definir os respectivos destinatários) foi o das entidades visadas e não tanto o dos respectivos trabalhadores, nem sequer o da natureza da relação jurídica laboral desses trabalhadores. Basta ver que na alínea s) estão previstas as entidades reguladoras e desde o DL n.º 67/2013, de 28.09 (Lei-Quadro das Entidades Reguladoras) a regra passou a ser, em termos de vínculo laboral dos respectivos trabalhadores, o da aplicação do regime do contrato individual de trabalho (art. 32.º, n.º 1). Quer isto dizer que os trabalhadores das entidades reguladoras vão sofrer reduções remuneratórias pelo simples facto de estas entidades serem visadas pelo citado artigo 19.º independentemente de a muitos deles se aplicar o regime do contrato individual de trabalho.

ii) O critério do financiamento público (ou, talvez melhor, a lógica do financiamento público) surge aqui um pouco como um critério complementar enquadrado numa técnica financeira-orçamental que toma o orçamento do Estado – e o equilíbrio orçamental – como um todo. Vale isto por dizer que a ideia de que as reduções remuneratórias são uma forma de contribuir para o equilíbrio orçamental deve ser vista de forma global. Assim, por exemplo, as entidades reguladoras possuem autonomia financeira e, à partida, não dependem de transferências do orçamento do Estado para pagar aos seus trabalhadores. Não obstante, como se viu, elas constam da alínea s) do n.º 9 do artigo 19.º do LOE/2011, estando os seus trabalhadores sujeitos às reduções remuneratórias. Porventura porque, supletivamente, possam ter receitas provenientes de dotações do OE e, ainda, porque parte dos seus resultados líquidos pode reverter para o OE. Repare-se, do mesmo modo, que, por exemplo, as entidades do sector empresarial do Estado e do sector empresarial regional e local estão igualmente abrangidas, desta feita na alínea q), pelo n.º 9 do artigo 19.º. Uma vez mais, também elas possuem autonomia financeira e não dependem, à partida, de transferências do OE para proceder ao pagamento dos seus trabalhadores. Mas pode haver necessidade de, excepcionalmente, o Estado, através do OE, vir a ‘injectar’ verbas nessas empresas ao abrigo da legislação relativa aos sectores empresariais estadual, regional e local e às autarquias locais.

iii) O artigo 2.º do DL n.º 235/2008 é uma norma de protecção ou de salvaguarda dos trabalhadores da SCM………. que optaram por manter a relação pública de emprego, designadamente em termos de remuneração. Remuneração que, ao contrário da dos trabalhadores abrangidos pelo contrato individual do trabalho, não será fixado pela SCM………., designadamente pela sua Mesa, no caso das remunerações ‘normais’.

Em síntese, a SCM………, enquanto pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa (art. 1º - ‘Denominação e natureza jurídica’ - dos respectivos estatutos) não cabe em nenhuma das alíneas do n.º 9 do artigo 19.º do LOE/2011 para o qual remete o artigo 21.º do LOE/2012, ou seja, não cabe no seu âmbito normativo subjectivo. A afirmação de que, apesar disso, as reduções remuneratórias se aplicam à recorrente pelo facto de ela ter optado por manter a sua vinculação à função pública – aplicação esta por via indirecta, a qual passaria pela conjugação do n.º 9 do artigo 19.º com o artigo 2.º do DL n.º 235/2008 – não pode proceder. Porque, como vimos, o artigo 2.º tem uma função protectora ou de salvaguarda, e porque as reduções remuneratórias estão previstas em função das entidades (de acordo com o critério da entidade), com base numa lógica de equilíbrio financeiro-orçamental global, havendo trabalhadores que estão numa relação de contrato individual de trabalho com entidades públicas visadas pelo n.º 9 do artigo 19.º que vão ver as suas remunerações reduzidas. De idêntica forma, a afirmação de uma ligação ao Estado e ao seu orçamento pela circunstância de a SCM…….. ter o exclusivo dos Jogos Sociais do Estado não merece ser atendido porque, a ser assim, a haver este tipo de dependência do orçamento do Estado, todos os trabalhadores da SCM………., independentemente da natureza jurídica do seu vínculo laboral, teriam que sofrer reduções remuneratórias.
Em jeito de conclusão, e no tocante aos despachos do Ministro do Estado e das Finanças e do Secretário de Estado da Administração Pública a pronunciar-se no sentido da aplicação do artigo 19.º do LOE/2011 aos trabalhadores do quadro residual da SCM……….., convém recordar que se trata de despachos que contêm norma orientadora de interpretação, podendo admitir-se a sua validade, mas não a sua natureza vinculativa cerceadora da margem de apreciação do órgão competente para o processamento dos vencimentos da SCM……….. E isto, uma vez que aqueles membros do Governo têm que respeitar a autonomia da SCM…….., não podendo exercer poderes de direcção sobre ela.
Em face do exposto, deve proceder a pretensão recursiva na parte em que imputa erro de julgamento ao acórdão recorrido quando este julgou aplicável à ora recorrente o regime das reduções remuneratórias do artigo 21.º do LOE/2012.

2.4. Na sequência de tudo o que foi dito, estamos agora em condições de analisar e dar resposta aos pedidos indemnizatórios e aos pedidos de condenação à abstenção de comportamentos formulados pela ora recorrente.

2.4.1. Pedido de indemnização por danos morais “decorrentes da violação do seu direito fundamental ao salário – bem jurídico imaterial por natureza – em quantia que, tendo em conta a notória gravidade e intensidade da ilicitude da conduta da Ré, deve ser doutamente arbitrada pelo Tribunal segundo juízos de equidade” (negrito nosso).

Sem necessidade de profusa fundamentação teórica, deve improceder esta pretensão da recorrente, uma vez que os danos morais invocados não possuem uma gravidade tal que mereçam a tutela do direito nos termos previstos no n.º 1 do artigo 496.º do CC.

b) Pedido de indemnização por danos morais decorrentes da mesma conduta, estando já verificado o prejuízo relativo à ablação da quase totalidade do subsídio de férias de 2012, na quantia de € 983,40, à qual devem ser acrescidos os juros de mora respectivos, nos termos do disposto no art.º 805º, n.º 2, al. a) do Código Civil, o que, na presente data totaliza € 993,87.
Pelos mesmos motivos, improcede esta pretensão recursiva.

c) Pedido de condenação à abstenção de um comportamento: mais concretamente, a recorrida deve abster-se de idêntico comportamento em relação ao subsídio de Natal de 2012, que se vence em Novembro desse ano.

Agora está em causa um pedido de condenação à abstenção de prática de acto futuro, in casu, deve a recorrida “abster-se de idêntico comportamento em relação ao subsídio de Natal de 2012”. Sucede que, como antecipado pela ora recorrente, aquando da decisão da primeira instância (decisão datada de 16.04.13) este pedido já teria certamente perdido o seu sentido útil, pelo que a mesma recorrente formulou um outro pedido em alternativa, ficando, pois, prejudicado o conhecimento do primeiro pedido que agora se analisava.

d) Pedido de indemnização por danos materiais pelo prejuízo sofrido com o corte na remuneração anual, acrescido dos juros de mora respectivos.

Em virtude da não aplicação da norma do artigo 21.º do LOE/2012 à aqui recorrente, deve considerar-se procedente a pretensão recursiva em causa, tendo a recorrente direito às quantias que descontou ou que venha a descontar por força da errada aplicação à sua situação do mencionado preceito – o qual, por se tratar de preceito contido no orçamento anual, tem a sua vigência limitada à do próprio orçamento do Estado –, acrescidos dos juros de mora respectivos.

(e) Pedido de condenação à abstenção de um comportamento: mais especificamente, a recorrente “requer que, nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 37.º do CPTA, a R. seja condenada a abster-se de comportamentos idênticos aos aqui censurados, designadamente a não emitir actos administrativos ablativos ou de redução de remunerações da A.”.

Também em relação a esta pretensão recursiva não há muito que dizer, não cabendo aos tribunais decidir relativamente a regimes legislativos que não vigoravam à data em que foi proposta a acção e que a recorrente apenas adivinhava viriam a tornar-se uma realidade no futuro.
Improcede, pois, este fundamento recursivo.

3. Da isenção de custas

3.1. Da A., ora recorrente

A fls. 209 dos autos vem a recorrente requerer que seja corrigido o manifesto lapso do acórdão do TCAS na parte em que se determina “«Custas a cargo da Recorrente»”. Argumenta a recorrente que beneficia de isenção de custas à luz do artigo 4.º, n.º 1, al. h) do RCP. A fls. 467 dos autos, o colectivo de juízes decidiu, a propósito do pedido de reforma do acórdão quanto a custas, “conceder parcial provimento à reclamação deduzida”. Quid juris?
O acórdão de 23.01.14 reconheceu a isenção de que goza a ora recorrente, mas, aplicando o n.º 6 do artigo 4.º do RCP, considerou ser a mesma recorrente, enquanto parte vencida, “«responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo”, não tendo, todavia, de pagar taxa de justiça. Ora, tendo decidido este Supremo Tribunal no sentido da revogação do acórdão recorrido, dando ganho de causa à ora recorrente, fica também revogado o referido acórdão do TCAS no que respeita às custas.

3.2. Da R., ora recorrida

A recorrida SCM…..vem pedir a isenção de custas ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, segundo a qual “As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
Como facilmente se percebe do atrás exposto, a actuação da SCM…… não se insere no espírito do dispositivo supra mencionado, estando aqui em causa uma questão remuneratória relativa aos seus trabalhadores que integram o quadro residual criado pelo artigo 27.º do DL n.º 322/91, de 26.08. Improcede, deste modo, o pedido de isenção de custas.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, e em julgar parcialmente procedente a acção.

Custas a cargo da recorrida na proporção do seu decaimento.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017. - Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.