Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0287/16.7BEMDL 0982/17
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO
PROCESSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
CUSTAS
FAZENDA PÚBLICA
Sumário:I - Os dois fundamentos possíveis do recurso previsto no artº.73, nº.2, do R.G.C.O., são, nos termos da norma, a promoção da uniformidade da jurisprudência e a melhoria da aplicação do direito. Portanto, o recurso previsto no artº.73, nº.2, do R.G.C.O., somente pode ter por fundamento questões de direito.
II - A "melhoria da aplicação do direito" está em causa quando se trate de uma questão jurídica que preencha os seguintes três requisitos:
a-Ser relevante para a decisão da causa;
b-Ser uma questão necessitada de esclarecimento e;
c-Ser passível de abstracção, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares.
III - Por outras palavras, a citada expressão, "melhoria da aplicação do direito", deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que existem erros claros na decisão judicial, situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito.
IV - Já a "promoção da uniformidade da jurisprudência" está em causa quando a sentença recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição. Este perigo de repetição verifica-se, designadamente, quando se aplicam sanções muito diferenciadas a situações de facto similares ou quando se violam princípios elementares do direito processual.
V - No caso “sub judice”, deve o presente salvatério ser admitido ao abrigo do examinado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., dado que nos encontramos perante situação em que o Tribunal “a quo” violou jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, nomeadamente, do Supremo Tribunal Administrativo, a qual conclui que no regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública.
VI - Por força das disposições conjugadas dos artºs.66, do R.G.I.T., e 94, nºs.3 e 4, do R.G.C.O., num processo de contra-ordenação tributária, como é o caso “sub judice”, em que tenha sido verificada uma nulidade insuprível prevista nos artºs.63 e 79, do R.G.I.T., mais tendo sido anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25380
Nº do Documento:SA2202001080287/16
Data de Entrada:09/13/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto decisão proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Mirandela, exarada a fls.34 a 36 do presente processo de recurso de contra-ordenação, através da qual julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), “ex vi” dos artºs.79, nº.1, als.b) e c), e 27, todos do R.G.I.T., mais anulando o despacho de aplicação de coima e o processado subsequente, tudo no âmbito do processo de contra-ordenação nº.2496-2016/60000028063, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Vila Real.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.45 a 47 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Vem o presente recurso jurisdicional interposto referencialmente ao julgado vertido na douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, no segmento em que determinou a condenação em custas da Fazenda Pública;
2-A questão de direito controvertida foi alvo de pronúncia, no Tribunal a quo, em pelo menos cinco decisões judiciais (que se anexam), externadas em sentido convergente com o aqui defendido e oposto ao do aresto sob recurso;
3-A Fazenda Pública não é parte no processo nem teve, ou despoletou qualquer impulso processual durante o decorrer da instância;
4-Compete ao Ministério Público introduzir o feito em juízo, tornando-o presente ao juiz, valendo esse acto como acusação [cf. artigo 62.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT];
5-No processo contra-ordenacional tributário tem aplicação mediata o regime de custas estatuído nos artigos 92.º a 94.º do RGCO e, imediatamente – porque especial relativamente àqueloutras – a norma contida no artigo 66.º do RGIT;
6-Atento o regime legal de custas aplicável em sede de processos de contra-ordenação tributária manifesto é concluir pela inexistência de norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas;
7-Pese embora a Fazenda Pública não beneficie de qualquer isenção no pagamento de custas no âmbito dos processos judiciais tributários (cf. art. 4º, nºs. 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 324/2003 de 27 de dezembro), o mesmo se pode afirmar no que concerne à presente espécie processual, uma vez que no regime anterior ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, em vigor desde 20/04/2009, o regime de custas em processo de contra-ordenação tributária passou a ser regulado, em primeira linha pelos normativos constantes dos artigos 92.º a 94º do RGCO;
8-Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RGIT e 94.º, nºs. 3 e 4 do RGCO, será de concluir, contrariamente ao decidido no douto aresto sob recurso, que nos processos – como o aqui em causa – em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública;
9-Pelo que, por força das preditas disposições, e contrariamente ao segmento controvertido do douto aresto sob recurso, mister será concluir que nos processos – como o presente – em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública;
10-Nestes termos, e nos demais de direito, doutamente supridos por V. Exas., deverá revogar-se a decisão recorrida no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas e, em substituição, determinar que o processo fica sem custas.
Com o requerimento de recurso juntou cópias de cinco decisões judiciais, proferidas em processos de contra-ordenação, nas quais se julgou que os despachos de aplicação de coimas padeciam de nulidades insupríveis, mais não se tendo condenado a Fazenda Pública em custas (cfr.documentos juntos a fls.48 a 67 do processo físico).
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O requerimento de dedução de recurso foi admitido pelo Tribunal “a quo” ao abrigo das normas constantes dos artºs.83, nº.2, do R.G.I.T., e 73, nº.2, do R.G.C.O. (cfr.despacho exarado a fls.74 a 76 do processo físico).
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.86 e 87 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.88 e 92 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida deu por integralmente reproduzida a decisão de aplicação de coima que se encontra exarada a fls.20 e 21 do processo físico.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), “ex vi” dos artºs.79, nº.1, als.b) e c), e 27, todos do R.G.I.T., mais anulando o despacho de aplicação de coima constante de fls.20 e 21 do processo físico e terminando a condenar a Fazenda Pública em custas.
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Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.412, nº.1, do C.P.Penal, “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T., e do artº.74, nº.4, do R.G.C.O.).
Deve, antes de mais, resolver-se a questão prévia que se consubstancia na possibilidade de dedução do presente recurso ao abrigo da norma constante do artº.73, nº.2, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (R.G.C.O.), aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10, conforme decidiu o Tribunal “a quo”, pois que respeita a decisão proferida em processo em que foi aplicada coima no montante de € 182,46, não tendo, igualmente, sido aplicada medida de sanção acessória (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/04/2018, rec.118/18; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/09/2019, rec.1188/18.0BELRS).
Recorde-se que este Tribunal não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.414, nº.3, do C.P.P. (aplicável "ex vi" dos artºs.3, al.b), do R.G.I.T., 41, nº.1, do R.G.C.O. - cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/11/2008, rec.833/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/09/2019, rec.1188/18.0BELRS).
A alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância era de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008, considerando que o artº.280.º, n.º 4, do C.P.P.T., a assentava em um quarto da alçada fixada para os Tribunais Judiciais de 1.ª Instância. Recorde-se que a alçada dos Tribunais Judiciais de 1.ª Instância foi fixada em € 5.000,00, pelo artº.24, nº.1, da Lei 3/99, de 13/1, na redacção do dec.lei 303/2007, de 24/8, só se aplicando a processos iniciados após a sua entrada em vigor, i.e., em 1 de Janeiro de 2008. Já para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo artº.24, nº.1, da Lei 3/99, na redacção dada pelo dec.lei 323/2001, de 17/12 (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.418).
À data da instauração do presente processo de recurso judicial de aplicação de coima, em 9/07/2018 (cfr.capa do processo físico), o valor da alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância encontrava-se fixado em € 5.000,00 face ao aumento da mesma definida pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2015 (artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12), que conferiu nova redacção ao artº.105, da L.G.T., tal como ao artº.280, nº.4, do C.P.P.T.
Nos termos do artº.83, nº.1, do R.G.I.T., a possibilidade de recurso da decisão do Tribunal Tributário de 1ª. Instância apenas se verifica quando o valor da coima aplicada ultrapassar um quarto da alçada fixada para os Tribunais Judiciais de 1ª. Instância ou quando for aplicada sanção acessória (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/09/2019, rec.1188/18.0BELRS; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.559).
No caso “sub judice” não foi aplicada qualquer sanção acessória ao arguido, sendo que a coima fixada pela autoridade administrativa avulta, conforme mencionado supra, no montante de € 182,46, quantia claramente inferior a um quarto da alçada dos Tribunais Judiciais de 1ª. Instância (€ 1.250,00).
O presente recurso não é, portanto, admissível ao abrigo da norma prevista no artº.83, nº.1, do R.G.I.T.
Apesar disso, a lei admite que, em casos legalmente justificados, se deduza o recurso ao abrigo do artº.73, nº.2, do R.G.C.O. (aplicável “ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
E é, precisamente, ao abrigo do disposto no citado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., que o Tribunal “a quo” admitiu o recurso (cfr.despacho exarado a fls.74 a 76 do processo físico).
Examinemos se, no caso concreto, se verifica o requisito de admissibilidade da apelação.
Os dois fundamentos possíveis deste recurso são, nos termos da norma, a promoção da uniformidade da jurisprudência e/ou a melhoria da aplicação do direito. Portanto, o recurso previsto no artº.73, nº.2, do R.G.C.O., somente pode ter por fundamento questões de direito.
A "melhoria da aplicação do direito" está em causa quando se trate de uma questão jurídica que preencha os seguintes três requisitos:
1-Ser relevante para a decisão da causa;
2-Ser uma questão necessitada de esclarecimento e;
3-Ser passível de abstracção, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares.
Por outras palavras, a citada expressão "melhoria da aplicação do direito" deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que existem erros claros na decisão judicial, situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito.
Já a "promoção da uniformidade da jurisprudência" está em causa quando a sentença recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição. Este perigo de repetição verifica-se, designadamente, quando se aplicam sanções muito diferenciadas a situações de facto similares ou quando se violam princípios elementares do direito processual (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/09/2019, rec.1188/18.0BELRS; Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág.303 e seg.; Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.538).
Revertendo ao caso dos autos, deve o presente salvatério ser admitido ao abrigo do examinado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., dado que nos encontramos perante situação em que o Tribunal “a quo” violou jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, nomeadamente, do Supremo Tribunal Administrativo, a qual conclui que no regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública. A este título, citam-se quatro recentes acórdãos do S.T.A.-2ª.Secção em que se admite o recurso com tal objecto, ao abrigo do indicado artº.73, nº.2, do R.G.C.O. (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 11/01/2017, rec.1283/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/09/2017, rec.702/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/03/2018, rec.1355/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/10/2018, rec.221/17.7BEMDL).
Sem mais delongas, conclui-se que se encontram reunidos os pressupostos da admissão do presente recurso, tendo guarida no examinado artº.73, nº.2, do R.G.C.O., na vertente da "promoção da uniformidade da jurisprudência".
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Passemos ao exame do mérito do recurso apresentado.
O recorrente dissente do julgado alegando, em sinopse e como supra se alude, que atento o regime legal de custas aplicável em sede de processos de contra-ordenação tributária deve concluir-se pela inexistência de norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas em casos como o dos presentes autos (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso) com base em tal argumentação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Desde logo, se dirá que a decisão recorrida, exarado a fls.34 a 36 do processo físico, julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artº.63, nº.1, al.d), “ex vi” dos artºs.79, nº.1, als.b) e c), e 27, todos do R.G.I.T., mais anulando o despacho de aplicação de coima constante de fls.20 e 21 do processo físico e terminando a condenar a Fazenda Pública em custas.
É o segmento de condenação em custas da Fazenda Pública que ora é posto em causa no presente recurso.
Vejamos.
Por força do disposto no artº.4, nºs.6 e 7, do dec.lei 324/2003, de 27/12, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01/01/2004 (cfr.artº.16, nº.1, do citado dec.lei 324/2003, de 27/12).
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas tributárias espécie que sendo um "meio processual tributário" (cfr.artº.101, al.c), da L.G.T.), não está incluído, actualmente, no conceito de "processo judicial tributário", pois deixou de constar na lista de processos judiciais tributários consagrada no artº.97, nº.1, do C.P.P.T. Embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela al.q) do mesmo normativo), a comparação da lista que consta deste artº.97, nº.1, com a que constava da norma equivalente do anterior C.P.T. (que era o artº.118, nº.2, em que, expressamente, se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os "processos judiciais tributários" na respectiva al.c) da norma), revela, inequivocamente, que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de "processo judicial tributário", opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no R.G.I.T. de aplicar, subsidiariamente, ao processo contra-ordenacional tributário o R.G.C.O., aprovado pelo dec.lei 433/82, de 27/10, e a respectiva legislação complementar e não o C.P.P.T., limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas.
Em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a constante do artº.66, do R.G.I.T. Dispõe este normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos Tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (R.C.P.T.), aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/02.
No entanto, o artº.4, nº.6, do dec.lei 324/2003, de 27/12, revogou o R.C.P.T., com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa. Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele dec.lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº.66, do R.G.I.T. (enquanto o mesmo artº.66 não for actualizado e passar a remeter para o actual R.C.Processuais a questão das custas), o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no R.G.C.O. para as contra-ordenações comuns, nomeadamente, o disposto nos artºs.92 a 94, do mesmo diploma (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.457 e seg.).
Ora, nos termos do artº.93, nº.3, do R.G.C.O., há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. Mais resulta do artº.94, nºs.3 e 4, do R.G.C.O., que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (cfr.Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.461; Paulo Sérgio Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2011, pág.345).
Em suma, do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas.
Pelo que, por força das disposições conjugadas dos examinados artºs.66, do R.G.I.T., e 94, nºs.3 e 4, do R.G.C.O., num processo de contra-ordenação tributária, como é o caso “sub judice”, em que tenha sido verificada uma nulidade insuprível prevista nos artºs.63 e 79, do R.G.I.T., mais tendo sido anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública. Devendo acrescentar-se que estamos perante perspectiva jurisprudencial consolidada neste Tribunal (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2016, rec.1106/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/10/2017, rec.721/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/12/2017, rec.703/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/03/2018, rec.1355/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/10/2018, rec.221/17.7BEMDL).
Sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento ao presente recurso, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em:
1-Julgar verificados os pressupostos da admissão do presente recurso, tendo guarida no artº.73, nº.2, do R.G.C.O.;
2-Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida na parcela em que condenou a Fazenda Pública em custas e, em substituição, determinar que o processo fica sem custas.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. - Joaquim Condesso (relator) - Paulo Antunes - Aragão Seia.